Roteiro didático de elaboração de projetos de pesquisa em Direito

“Toda longa caminhada começa com um primeiro
passo”.
(Provérbio chinês)

A recente obrigatoriedade de
apresentação de monografias de final de curso como requisito para a conclusão
do curso de graduação em Direito, bem como a proliferação dos cursos de Pós-Graduação
lato sensu no país, gerou uma enorme demanda por trabalhos de
metodologia de pesquisa.

A grande maioria destes trabalhos, porém, parece
dar mais ênfase às lombadas dos livros que ao seu conteúdo e não raras são as
bancas examinadoras que se limitam à discussão de aspectos formais da obra –
como formatação de margens, notas de rodapé, bibliografia, etc. – sem sequer
tecerem considerações sobre o conteúdo do trabalho.

Fugindo desta tendência muito em
moda na academia, procuramos tratar aqui – ainda que muito sucintamente – dos
principais elementos de um projeto de pesquisa que resulte não em um trabalho
final burocrático – mero pré-requisito da conclusão do curso – mas em
conclusões de real contribuição para a literatura jurídica nacional.

O
problema: o que pesquisar?

A eleição do tema da pesquisa deverá
iniciar-se pela área do conhecimento humano na qual o aluno pretende trabalhar.
Quanto mais específica for a área escolhida, mais fácil será para o pesquisador
encontrar seu objeto de pesquisa.

Assim o aluno que deseja pesquisar em Ciências
Penais deverá escolher entre Direito Penal, Direito Processual Penal,
Criminologia, etc.; optando por Direito Penal, deverá escolher entre Teoria do
Delito, Teoria da Pena, Execução Penal, etc. e assim sucessivamente até
delimitar a sua perspectiva de estudo.

Muita vez, o aluno deseja trabalhar
a partir de dois ou mais ramos do conhecimento humano. Nestas hipóteses, o
trabalho poderá ser multidisciplinar (análise do tema sob a perspectiva de dois
ou mais ramos do conhecimento), interdisciplinar (análise do tema sob a
perspectiva de dois ou mais ramos do conhecimento relacionando-os entre si) ou
mesmo transdisciplinar (análise do tema sob a perspectiva de dois ou mais ramos
do conhecimento, dando origem a um novo, distinto dos anteriores).

Selecionada(s) a(s) área(s) do conhecimento em que
o aluno pretende trabalhar, deverá ele escolher um problema a ser solucionado
naquela área do saber.

A pesquisa jurídica não é mera
compilação do conhecimento adquirido por seu autor, mas envolve necessariamente
a criação de soluções novas a serem incorporadas à doutrina nacional. Oportuna
é a lição de Celso Albuquerque Mello:

“A meu ver existem duas categorias de juristas: os
criadores de novas teorias e os sistematizadores que tentam classificar e
aprofundar o trabalho dos primeiros. Contudo, em países atrasados como o
Brasil, há ainda espaço para uma categoria, cujos integrantes não podem ser
denominados juristas, que são os ‘divulgadores de Direito’. Ela existe devido à
ausência de bibliotecas públicas, o preço elevado dos livros estrangeiros, bem
como poucos estudantes lêem língua estrangeira.”[1]

Na realidade, muitos dos pretensos
trabalhos científicos produzidos em nossas universidades não passam de manuais
ou resumos da matéria objeto de estudo sem qualquer caráter inovador.
Evidentemente, tais obras têm uma grande importância como material didático,
mas decididamente não é esta a finalidade das teses, dissertações e monografias
de final de curso, que necessariamente devem propor uma solução para um
problema previamente definido.

A escolha do tema-problema deverá pautar-se pelo
binômio interesse-capacidade pessoal e social na resolução do problema.

Assim, quatro perguntas básicas
deverão ser respondidas positivamente para que o tema possa ser eleito com
acerto:

Tenho
interesse no problema? (curiosidade pessoal e/ou profissional em relação ao
problema)

O pesquisador deve se sentir atraído
pelo problema proposto. Sua curiosidade quanto ao tema de estudo pode provir de
interesses pessoais ou profissionais. Para um policial, a pesquisa em Direito
Penal pode ser atraente por sua experiência profissional; para um aficcionado
em computadores, um trabalho transdisciplinar envolvendo o Direito Penal e a
Informática será um tema irresistível.

Sou
capaz de resolver o problema?  (conhecimento e experiência em relação ao
problema)

O pesquisador deve propor um
problema que tenha maior facilidade em resolver por seus conhecimentos e
experiência anterior à pesquisa. Por mais que alguém se interesse por
computadores, certamente não poderá realizar um grande trabalho em Direito
Informático se não tiver o mínimo de conhecimento em Informática. Na eleição do
problema a ser pesquisado vale a lei do mínimo esforço: o pesquisador deverá
optar por temas em que seus conhecimentos prévios lhe possam ser úteis.


interesse social na resolução do problema? (originalidade e relevância social
do problema)

O pesquisador deve propor problemas
originais, pois de nada adianta escolher um tema exaustivamente discutido na
doutrina. Um problema que pode ser solucionado através de uma simples pesquisa
doutrinária ou jurisprudencial não é adequado para ser objeto de uma pesquisa.

Na academia são comuns “modismos” em relação aos
temas de pesquisa o que, muita vez, acaba originando inúmeros trabalhos com
conclusões absolutamente idênticas, nada acrescentando à literatura jurídica já
existente. Por outro lado, toda pesquisa tem uma função social que não pode ser
desprezada. Por mais que o problema “pode o crime de adultério ser cometido
pela Internet?” possa despertar curiosidade no pesquisador, sem dúvida seu
interesse social é mínimo. A solução do problema deve ser socialmente útil.

A
sociedade em que vivo me oferece recursos para solucionar o problema?
(bibliografia, financiamento, possibilidade de coletar dados, prazo para
apresentar os resultados, etc)

O pesquisador deve analisar se
dentro do contexto social em que irá pesquisar será viável alcançar a solução
do problema. Se sua proposta for pesquisar o Direito Penal de Cabo Verde,
deverá certificar-se se terá acesso à legislação e a livros doutrinários
daquele país. Se necessitar de verbas ou de autorizações para coletar dados,
deverá ter certeza de poder obtê-los.

Por fim, deverá lembrar-se de que sua pesquisa não
poderá durar eternamente e portanto seu tema deverá necessariamente estar
delimitado principalmente quanto ao objeto, quanto ao tempo e quanto ao espaço.
Assim, em vez de indagar-se se “a descriminalização das drogas é viável?”
melhor seria questionar-se se “a descriminalização do uso de maconha é viável
no Brasil do início do século XXI?”[2]

Delimitado o tema-problema, deverá o
pesquisador oferecer uma resposta provisória a sua indagação: “sim, a
descriminalização do uso da maconha é perfeitamente viável no Brasil do início
do século XXI”.

A esta resposta provisória que é dada ao problema
denomina-se hipótese e sobre ela o pesquisador irá traçar seu objetivo que, em
última análise, será testar a veracidade ou não da resposta previamente
apresentada.

Os
objetivos:  para que pesquisar?

O objetivo geral da pesquisa
científica é oferecer uma resposta ao problema que é o núcleo da investigação,
testando a veracidade da hipótese de trabalho.

Os objetivos específicos da pesquisa, por outro
lado, são as perguntas secundárias que o pesquisador deverá responder, cujas
respostas conjuntas levará a consecução do objetivo geral.

Tradicionalmente os objetivos –
geral e específicos – vêm expressos através de verbos no infinitivo.

O objetivo geral nada mais é do que o problema
redigido sobre a forma de ação:  “analisar a viabilidade da
descriminalização do uso de maconha no Brasil do século XXI”.

Os objetivos específicos são ações a
serem realizadas pelo pesquisador que tornarão possível alcançar o objetivo
geral: “1) identificar as origens históricas da criminalização da maconha no
Brasil; 2) identificar os efeitos da droga no organismo humano; 3) avaliar os
aumento dos gastos com a saúde após a descriminalização da droga; 4) avaliar o
decréscimo da violência urbana após a descriminalização da droga; etc”.

A
justificativa: por que pesquisar?

A justificativa é a fase do projeto
na qual o pesquisador irá expor quais elementos dentro do binômio
interesse/capacidade pessoal e social foram decisivos na eleição do seu tema de
estudo.

Evidentemente, o principal elemento a ser
explicitado aqui é o interesse social na solução do problema, pois será a
partir dele que o orientador, a universidade e as agências de financiamento
irão decidir se há ou não interesse institucional em se concretizar o projeto.

O pesquisador, nesta fase, deverá
iniciar explicitando o “estado da arte”, ou seja, o atual estado das pesquisas
científicas sobre o tema. É importante que se faça uma revisão da literatura
existente, comentando sucintamente as principais obras que tratam direta ou
indiretamente do tema proposto.

Em seguida, necessário se faz demonstrar a
relevância social do problema, explicitando-se nesta fase o que já foi
comentado anteriormente quanto ao interesse social na resolução do problema.

Em síntese, será nesta fase que o
pesquisador irá “vender seu peixe”, ou em uma linguagem mais acadêmica,
demonstrar ao leitor o real interesse social de seu projeto de pesquisa.

A
metodologia: como pesquisar?

Nesta parte do projeto o pesquisador
deverá demonstrar como irá testar a veracidade de sua hipótese de trabalho.

Para tanto deverá estabelecer um marco teórico e
definir se sua estratégia de pesquisa será dogmática ou empírica.

Marco
teórico

Na academia a expressão “marco
teórico” é utilizada muita vez para designar o autor cujas idéias mais
influenciaram o pesquisador em sua formação. Assim, se diz que “meu marco
teórico é Kelsen”, “meu marco teórico é Habermas”, etc.

Marco teórico, porém, é uma concepção teórica da
realidade concebida ou consagrada na obra de determinado pensador.

As pesquisas jurídicas sempre
retomam uma série de conceitos que necessitam de um fundamento teórico de
apoio: crime, democracia, soberania, cidadania, direito, justiça, etc.

Se cada pesquisador precisasse desenvolver seus
próprios conceitos, a pesquisa certamente não evoluiria. Assim, o pesquisador
parte do pressuposto de que a concepção teórica de determinado autor sobre
aquele conceito é suficientemente adequada.

Ao indagar-se sobre a “viabilidade
da descriminalização do uso de maconha no Brasil do início do século XXI”, o
pesquisador terá como ponto de partida para solucionar o seu problema o
conceito de crime que certamente será decisivo no rumo da pesquisa. Se seu
marco teórico for juspositivista, sua concepção de crime será diversa da de um
jusnaturalista, que também será diferente da de um criminólogo crítico.

Assim, pesquisadores com marcos teóricos
diferentes, muita vez, usarão métodos de pesquisa bastante semelhantes, mas
chegarão a resultados absolutamente diversos, já que o ponto de partida da
análise é distinto.[3]

Definido o marco teórico, deverá o
pesquisador optar entre uma pesquisa jurídico-teórica ou um trabalho empírico.

Pesquisa
jurídico-teórica

É uma estratégia de pesquisa que tem
por objeto a análise da norma jurídica isolada do contexto social em que se
manifesta.

Esta concepção baseia-se na análise do dogma
jurídico, que é um ponto fundamental apresentado como certo e indiscutível,
cuja verdade se espera que as pessoas aceitem sem questionar: a lei, a
jurisprudência, os costumes, os princípios gerais do direito, etc.

O Direito deverá ser pesquisado
enquanto ciência pura e, portanto, isolado dos elementos sociais que se
relacionem com o problema pesquisado.

O único objeto válido para este tipo de pesquisa
jurídica é o dogma, daí porque a pesquisa teórica pode muito bem ser denominada
de dogmática.

A solução do problema não é buscada
no mundo fático, mas é concebida na mente do pesquisador a partir da análise
dos dogmas jurídicos no tempo (História do Direito) e no espaço (Direito
Comparado).

Trata-se de uma concepção formal do Direito que é
entendido como ciência independente das demais ciências sociais e, por conseguinte,
dotada de autosuficiência metodológica e técnica.

Vê-se claramente que a pesquisa
jurídico teórica é uma pesquisa de gabinete, construída em uma torre de marfim
e absolutamente alienada quanto à realidade social, econômica e política da
sociedade para a qual o dogma jurídico está sendo construído.

O pesquisador crítico deve, pois, evitar uma
análise exclusiva dos dogmas jurídicos, procurando as respostas do seu problema
não só na lei, na doutrina ou na jurisprudência, mas principalmente na realidade
social onde está inserido seu objeto de estudo.

Pesquisa
empírica

É uma estratégia de pesquisa que tem
por objeto a análise da norma jurídica no contexto da realidade social em que
se manifesta.

Por esta concepção, deverá o pesquisador analisar
uma série de fatores econômicos, políticos e sociais e a partir destas
constatações empíricas, estabelecer a solução do problema pesquisado.

Parte-se do “ser” para se alcançar o
“dever ser”; do “real” para o “ideal”; por isto, é uma concepção realista de
pesquisa jurídica.

A observação direta (espontânea ou dirigida), a
coleta e análise de documentos, de legislações, jurisprudência, etc, a
aplicação de questionários (abertos ou fechados) e as entrevistas (espontâneas
ou dirigidas)[4] são alguns dos principais
procedimentos da pesquisa jurídica empírica.

Nem sempre, porém, é possível obter
os dados de forma direta, através dos procedimentos acima. Assim, na pesquisa
empírica, poderá o pesquisador valer-se de dados obtidos indiretamente que
podem ser encontrados em livros, em artigos de periódicos e em todo e qualquer
material bibliográfico impresso ou informático.

Ainda que o ideal – até por uma questão de
confiabilidade dos dados – seja obter os dados diretamente, vale lembrar que o
pesquisador empírico não necessita obrigatoriamente de realizar trabalhos de
campo, pois muitos dos dados da realidade social, política e econômica de seu
problema podem perfeitamente ser encontrados em material bibliográfico das mais
diversas fontes.

O que caracteriza a pesquisa
empírica não é a coleta dos dados, mas sim a postura do pesquisador em relação
ao objeto da pesquisa: enquanto na pesquisa teórica a solução do problema
encontra-se no dogma, na pesquisa empírica deverá o pesquisador buscá-la na
realidade social.[5]

O
cronograma: quando pesquisar?

Como já foi dito anteriormente,
nenhuma pesquisa pode prolongar-se indefinidamente no tempo. Assim, necessário
é que o pesquisador estabeleça um cronograma no qual especificará quanto tempo
levará na realização de cada etapa de sua pesquisa.

Em geral este cronograma é apresentado através de
uma tabela na qual as colunas representam os meses em que será realizada a
pesquisa e as linhas, as tarefas a serem concluídas.

Dentre outros itens, deverão constar
no cronograma: levantamento bibliográfico, observações, entrevistas,
transcrição das entrevistas, análise das entrevistas, leitura do material
bibliográfico, cruzamento de dados, redação preliminar do texto, discussão do
texto preliminar com o orientador, redação final do texto, revisão e edição
final.

A bibliografia
preliminar:  onde pesquisar?

Para encerrar o projeto de pesquisa,
o pesquisador deverá listar toda a bibliografia que potencialmente irá utilizar
na realização do trabalho.

Evidentemente, na fase do projeto, não há
necessidade de o pesquisador ter acesso físico às obras, muito menos de
adquiri-las.

Deverá, no entanto, ter as
referências completas das obras que futuramente poderá consultar devidamente
formatadas no padrão ABNT.

Atualmente, é indispensável a consulta através da
Internet às bibliotecas das principais Faculdades de Direito do Brasil, bem
como à base de dados da Biblioteca do Senado Federal

Conclusões

Evidentemente, não tivemos a
pretensão de nestas breves linhas esgotar o assunto, mas tão-somente de
oferecer os primeiros subsídios à elaboração de um projeto de pesquisa
original.

Esperamos ter despertado o interesse daqueles que
darão os primeiros passos na trabalhosa, mas sempre instigante, pesquisa
jurídica.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Túlio Lima Vianna

 

Professor de Direito da PUC-MG. Doutor (UFPR) e Mestre (UFMG) em Direito. Editor da página www.tuliovianna.org

 


 

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