O poder do estado soberano e a microfísica do poder no pensamento de Michel Foucault

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Resumo: A sociedade é dominada pelo pensamento do desenvolvimento científico e tecnológico e atua a favor dos mercados financeiros, econômicos e do lucro. Assim, o Estado, por intermédio dos seus agentes econômicos está à frente, conduzindo as massas a favor do mercado de consumo, e não o contrário. O Estado possui o aparelho de dominação em várias perspectivas, notadamente, pelo plano de ação política e pelo critério de Justiça Social, de modo a buscar a igualdade, a liberdade e a fraternidade entre os indivíduos, e detém, ainda, o direito da soberania estatal, pela qual exerce os mecanismos de disciplina, distribuídos nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, na clássica divisão de Poder proposto por Montesquieu (1689-1755). Não obstante, a partir do final do Século XIX, surge um novo mecanismo de Poder, que se opõe à da teoria da soberania. Esse novo mecanismo de Poder extrai dos indivíduos o tempo e o trabalho, e não mais bens e riquezas. Contém uma vigilância e atuação continua, indicando aos homens de como se comportarem, conforme sustenta Michel Foucault (1926-1984), filosofo francês, pensador do estruturalismo, que é uma corrente de pensamento das ciências humanas que se inspirou do modelo da linguística e que apreende a realidade social como um conjunto formal de relações. Nesse novo mecanismo, o Estado não é mais o Poder Central para discutir politicamente os interesses dos indivíduos. O Estado tem importância tão relevante quanto às outras instituições existentes na sociedade como as Escolas, a Família, as Fábricas, as Organizações Privadas, etc., e, o crescimento deste (Estado), se dá junto com a arte de governar, ou seja, com o controle das ações dos indivíduos. Nesta perspectiva, Foucault acreditava, por exemplo, que a prisão, mesmo que fosse exercida por meios legais, era uma forma de controle e dominação burguesa no intuito de fragilizar os meios de cooperação e a solidariedade do proletariado. O filósofo ainda criticava a psiquiatria e psicanálise tradicionais, que, no seu modo de ver, eram instrumentos de controle e dominação ideológica. O presente Artigo tem como finalidade analisar algumas formas de Poder, vale dizer, o Poder exercido pelo Estado na sociedade, notadamente o Poder Soberano, e a sua divisão em três Poderes, bem como os Poderes de instituições existentes na sociedade como as Escolas, a Família, as Fábricas, as Organizações Privadas, etc., no pensamento da Microfísica do Poder, de Michel Foucault.

Palavras-chave: Disciplina, Domínio, Estado, Ideologia, Individuo, Justiça, Poder, Poderes, Sociedade, Soberania, Soberano.

Abstract: The society is dominated by the thought of scientific and technological development and acts in favor of financial markets, economic and profit. Thus, the state, through its economic agents is ahead, leading the masses in favor of the consumer market, and not vice versa. The state has the apparatus of domination in various perspectives, notably, by policy action plan and the criteria for Social Justice in order to seek equality, liberty and fraternity among individuals, and has also the right of sovereignty State, in which exerts discipline mechanisms, distributed in the Legislative, Executive and Judiciary, the classic Power division proposed by Montesquieu (1689-1755). However, from the late nineteenth century, a new mechanism of power, which is opposed to the theory of sovereignty. This new power mechanism extracts the individual time and work, not more goods and wealth. Contains a monitoring and operation continues, indicating the men of how to behave, as Michel Foucault argues (1926-1984), French philosopher, structuralist thinker, which is a school of thought the human sciences that inspired the model of linguistic and Seize the social reality as a formal set of relationships. In this new mechanism, the state is no longer the Central Power to discuss the political interests of individuals. The state has importance as relevant as other existing institutions in society such as schools, the family, the factories, the private organizations, etc., and the growth of this (state), occurs along with the art of governing, that is with control of the actions of individuals. In this perspective, Foucault believed, for example, that the arrest, even if carried out by legal means, was a form of control and bourgeois rule in order to weaken the means of cooperation and solidarity of the proletariat. The philosopher also criticized the traditional psychiatry and psychoanalysis, which, in his view, were instruments of control and ideological domination. This article aims to analyze some forms of power, that is, the power exercised by the state in society, notably the Sovereign Power, and its division into three branches, as well as the powers of existing institutions in society such as schools, the family, factories, Private Organizations, etc., thought of Microphysic Power of Michel Foucault.

Keywords: Discipline, Domination, State Ideology, the Individual, Justice, Power, Powers, Society, Sovereignty, Sovereign.

Sumário: 1. Introdução. 2. O estado. 3. Os poderes do estado constitucional. 4. O poder e a legitimidade. 5. O poder no pensamento de Michel Foucault. 6. A microfísica do poder. 7. A soberania, a disciplina e a governamentalidade. 8. Considerações finais. Referencias.

1. Introdução.

Sabe-se que o Poder de Deus é absoluto e triúno. O Poder de Deus se manifesta na aplicação da vontade de Deus. Ela pode ser mediata ou imediata. Mediata significa quando Deus executa o Seu Poder por meio de outro ser. Isto quer dizer que Deus usa outros meios. Assim como Deus disse, por meio de Ciro, meu servo, porque através de Ciro Ele executou a Sua vontade de por fim no castigo do povo de Israel. Vale dizer, a Soberania é uma característica de Deus e faz parte da Sua essência. Quando se entende e se reconhece a Soberania de Deus, passa-se a entender uma série de outras coisas na vida.

O que o próprio Deus diz de Sua soberania nas Escrituras Sagradas? Na Sua auto-revelação a Abrão, Deus se denomina Todo-Poderoso. Aquele que daria um filho a Abrão e a Sara, mesmo sendo eles velhos. Quando atingiu Abrão a idade de noventa e nove anos, apareceu-lhe o Senhor e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda na minha presença e sê perfeito. (Gêneses 17. 1).

Na obra, A Dança do Universo [1], o físico brasileiro, Marcelo Gleiser, que foi pesquisador do Fermi National Accelerator Laboratory de Chicago, e do Institute For Theoretical Physics da Universidade da Califórnia, e é Professor Catedrático de Física e Astronomia, no Dartmouth College, em New Hampshire, nos EUA, ao falar do mito da criação do Universo, afirma que, “conforme vimos antes, restrição fundamental que devemos enfrentar quando tentamos entender a origem de “tudo” é a limitação imposta pela nossa percepção bipolar da realidade. O processo ou entidade de criar ambos os opostos, estando, portanto, além dessa dicotomia. A solução encontrada para esse problema pelas varias culturas é essencialmente religiosa. Em geral, todas as culturas assumem a existência de uma realidade absoluta, ou simplesmente de um Absoluto, que não só abrange como transcende todos os opostos. Esse Absoluto é o elemento central na estrutura de todas as religiões, dando assim o caráter religioso aos mitos da criação. O Absoluto, então incorpora em si, a síntese de todos os opostos, existindo por si só, independente da existência do Universo. Ele não tem uma origem, já que está além das relações de causa e efeito. Esse Absoluto pode ser Deus, ou o domínio de vários deuses, ou Caos Primordial, ou mesmo, o vazio, o Não-ser”.

Contudo, inobstante o Poder e a Soberania de Deus que tem a regência sobre o Universo, o Cosmos e sobre o homem, neste Artigo analisar-se-á o Poder e a Soberania que regem sobre o  Estado, a Sociedade e o homem.

Poder (do latim potere), é a capacidade de deliberar arbitrariamente, agir e mandar também, dependendo do contexto, a faculdade de exercer a Autoridade, a Soberania, o Império. Poder tem também uma relação direta com capacidade de se realizar algo, aquilo que se “pode” ou que se tem o “Poder” de realizar ou fazer.

Desde os primórdios da humanidade as relações entre indivíduos e ou grupos, se deram visando o Poder, o monopólio, seja ele econômico, militar ou qualquer outro. Uma relação de Poder pode se formar por exemplo, no momento em que alguém deseja algo que depende da vontade de outra pessoa. Esse desejo estabelece uma relação de dependência de indivíduos ou grupos, em relação a outros. Quanto maior a dependência de A em relação a B, maior o Poder de B em relação a A. A Filosofia Política, aborda as diferentes perspectivas no qual os pensadores Hobbes, Arendt e Michel Foucault conceituam o poder.

De acordo com o pensamento de Thomas Hobbes[2](1588-1679), matemático, teórico político e filósofo inglês, autor da obra “Leviatã” (1651) na qual explanou a sua teoria sobre a  natureza humana e sobre a necessidade de Governos e Sociedades, define que a organização do Poder coincide com um contrato social, que substitui o estado de Natureza no qual dominava a força física. Quando todos detêm o Poder, na realidade, este Poder é inexistente, deixando claro que se trata do Poder Político, pois, no limite, o Poder é exercido pelo mais forte.

Para Hannah Arendt, (1906-1975), filósofa política alemã, de origem judaica, uma das mais influentes do Século XX, publicou Origins of Totalitarianism (1951), obra pela qual, se tornou conhecida e respeitada nos meios intelectuais, e, assim, define que  Poder implica, necessariamente, a existência de duas ou mais pessoas, ou seja, o Poder é sempre relacional. A política, em seu sentido moderno, pressupõe a legitimação do Poder, isto é, tanto governantes quanto governados, devem estar de acordo com as regras do jogo que estabelecem o exercício do Poder. Isto porque, segundo Arendt, a política se contrapõe ao mundo natural, sendo, por esta forma, o modo mais racional do exercício do Poder, já que nas relações em que impera a força bruta, não há espaço para a política, ou melhor, destrói-se o ambiente no qual é possível o exercício de Poder político. Assim, Poder, seria o oposto da violência. A violência acontece quando se dá a perda de autoridade e Poder.

Pode ser definido o conceito de Política, como a Ciência da Governança de um Estado ou Nação e, também, uma arte de negociação para compatibilizar interesses. O termo tem origem no grego politiká, uma derivação de polis, que designa aquilo que é público. O significado de política é muito abrangente e está, em geral, relacionado com aquilo que diz respeito ao espaço público.

Para Michel Foucault (1926-1984), filosofo francês, pensador estruturalista, que é uma corrente de pensamento nas Ciências Humanas  que se inspirou do modelo da linguística e que apreende a realidade social como um conjunto formal de relações, define  que  o Poder é menos uma propriedade, que uma estratégia, e seus efeitos não são atribuídos a uma apropriação, mas às disposições, às manobras, táticas, ou funcionamentos. Ele se exerce mais do que se possui, não é o privilégio adquirido ou conservado da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas posições estratégicas.

O homem dá origem ao Estado quando por sua vontade cede seu direito em troca de proteção e da realização do bem comum. E, à medida em que a diversidade das relações se amplia, surge essa necessidade de transferir e unificar o Poder em um único ente, o Estado. O Estado é uma sociedade política, ou seja, uma sociedade criada a partir da vontade do homem, cujo objetivo é a realização dos fins daquelas organizações mais amplas que teve necessidade de criar para enfrentar o desafio da natureza e das outras sociedades rivais[3].

São várias as formas de Poder, ou diversas formas de manifestação do Poder; poder militar, poder social, poder jurídico, poder político, poder nuclear, poder econômico, poder ideológico, poder familiar, poder tecnológico, etc. Pode-se constatar que o poder encontra-se presente em todas as relações, econômicas, sociais e políticas.

O Poder.  O Poder deve ser analisado como algo que circula, que funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como riqueza ou bem. O Poder funciona e se exerce em rede. Os indivíduos, em suas malhas, exercem o Poder e sofrem sua ação. Cada um de nós é, no fundo, titular de certo Poder e, por isso, veicula o Poder. Os poderes periféricos e moleculares não foram confiscados e absorvidos pelo Estado. Não são, necessariamente, criados pelo Estado. Poderes periféricos e moleculares, são os poderes exercidos por indivíduos, grupos, empresas, universidades, escolas, cientistas, pensadores, intelectuais, comunicadores, etc. Os poderes se exercem em níveis variados e em pontos diferentes da rede social e, neste complexo, os micro-poderes existem integrados ou não ao Estado. É preciso dar conta deste nível molecular de exercício do poder sem partir do centro para a periferia, do macro para o micro.

Poder Soberano ou Soberania[4].  Soberania é o Poder ou autoridade suprema. É a propriedade que tem um Estado de ser uma Ordem Suprema que não deve sua validade a nenhuma ordem superior. O conceito de Soberania do Estado foi objeto do Tratado de Westfália, firmado em 24 de outubro de 1648, que pôs fim à guerra dos 30 (trinta) anos na Europa.

A Guerra dos Trinta Anos é considerada a primeira grande guerra européia. Teve início em 1618, como conflito religioso, envolvendo católicos e protestantes, e adquiriu o caráter político em torno das contradições entre os Estados. Envolveu a Áustria, Hungria, Espanha, Holanda, Dinamarca, França e Suécia, entre outros países. A guerra terminou no ano de 1648, com a paz celebrada em Westfália, na qual foram reconhecidas as liberdades dos calvinistas e demais protestantes. Portugal, Áustria e Holanda conquistaram a independência. França, Suécia e Rússia ampliaram suas áreas territoriais. Pelo Tratado, cada Estado é uma unidade completamente independente que não está sujeita a nenhuma autoridade maior. Em síntese, pelo Tratado, o Estado é soberano.

Todavia o conceito de Soberania já não tem hoje o mesmo significado daquele existente no Século XVII. Para tanto, bastaria indagar até onde subsiste a Soberania de um Estado que integra um Bloco Econômico. Exemplo, a Soberania da Itália, Alemanha ou França em relação ao Bloco da União Européia (UE), ou a Soberania do Brasil, Argentina, Paraguai ou Uruguai, em relação ao Bloco Econômico MERCOSUL.

Soberania poderia ser conceituada como poder ou autoridade suprema. É também um conceito abstrato de propriedade que tem um Estado de ser uma ordem suprema, que não deve sua validade a nenhuma outra ordem superior. A nosso ver, sendo a soberania um Poder, este, se reveste de várias formas, tais como, Poder Diplomático, Militar, Nuclear, Econômico, Tecnológico entre outros, mas, acima de tudo, Poder Político Internacional.

Assim, pode-se considerar que, para existir a soberania, é necessário que exista o Estado. O Estado será formado por quatro elementos: povo, território, governo soberano e capacidade de estabelecer relações internacionais. O povo será elemento humano; o território constituir-se-á na idéia do espaço físico (terrestre, marítimo e aéreo), onde se localizará o povo; o governo soberano será o exercício do poder a ser desempenhado por pessoas ou dirigentes, indicados ou eleitos pelo povo; o Estado constituído por povo, território e governo, adquire o status de sujeito de direito, podendo estabelecer relações internacionais com os demais Estados.

Para Foucault, o Poder não é um objeto natural, é uma prática social. Foucault afirmava que o discurso tido como verdadeiro é portador de Poder. Mas, por outro lado, ele concebeu o poder como luta. O Poder não possui, assim, uma identidade própria, unitária e transcendente, mas está distribuído em toda a estrutura social e é sempre produzido, socialmente. Para Foucault, todo Poder se define pela obediência e toda dominação pelo seu efeito.

Sendo assim, Foucault distingue a forma que se expressa o Poder de obediência. Para o pensador francês, o Poder delineia o limite à liberdade e, quem deseja entender o Poder, precisa entender a idéia de direito, pensar o Poder sem rei, pensar o Poder sem o Estado, pois, o Estado é a configuração final do Poder, mas não única.

O presente Artigo tem como finalidade analisar algumas formas de Poder, vale dizer, o Poder exercido pelo Estado na sociedade, notadamente o Poder Soberano, e a sua divisão em três Poderes, bem como os Poderes de instituições existentes na sociedade como as Escolas, a Família, as Fábricas, as Organizações Privadas, etc. no pensamento da Microfíscica do Poder, de Michel Foucault.

2. O estado.

A palavra “estado” vem do latim status, que quer dizer posição e ordem. Estado é um tipo de manifestação de Poder, uma forma de sociedade organizada politicamente. Existem muitas teorias a respeito da constituição do Estado.

Na evolução histórica, o Estado, na forma em que o conhecemos hoje, começa a se consolidar com a centralização das monarquias absolutistas, francesa, inglesa e russa, em meados do século XVII. O absolutismo é um sistema de governo em que o Poder fica concentrado no monarca. Os reis, absolutos, controlam a administração do Estado, a moeda, os impostos, os exércitos, fixam as fronteiras dos países, e têm o total domínio da economia, por intermédio de políticas mercantilistas, e estabelecem a justiça real.

Estas monarquias estabeleceram a propriedade real sobre o solo e as minas, e tinham o total controle sobre a produção de reservas extrativas do ouro e da prata. Neste período surgiram as primeiras companhias mercantis, mantendo o monopólio da Coroa sobre o comércio de metais preciosos, mercadorias, especiarias, e escravos das colônias, surgindo também um sistema de impostos.

Com a evolução das leis, surgem teorias para justificar o absolutismo, como as de Nicolau Maquiavel (1469-1527), Thomas Hobbes (1588-1679) e Jacques Bossuet (1627-1704). São exemplos de Estados absolutistas a Inglaterra, com Henrique VIII, (1491-1547) e sua filha Elizabeth (1533-1603); e a Rússia, com Pedro I, o Grande. Mas, sem dúvida, o maior exemplo do Estado absolutista foi a França, com Luis XIV (1638-1715), também conhecido como Rei Sol, que, segundo os historiadores, teria dito a famosa frase “O Estado sou Eu”. O fim do absolutismo acontece efetivamente com a Revolução Francesa no ano de 1789.

Antes do advento da Revolução Francesa, surgiu na Europa, na época do Renascimento, uma corrente de pensamento conhecida como o iluminismo, que defendia o domínio da razão sobre a fé, estabelecendo o progresso como destino da humanidade. Os principais idealizadores foram o inglês John Locke (1632- 1704), os franceses Charles Louis de Secondat, Baron de La Brède et de Montesquieu, (1688-1755) que pregou a separação dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário, na obra, De l’esprit des lois – Do Espírito das Leis, de 1751); Voltaire (1694-1778) e o suíço Jean Jacques Rousseau (1712-1778).

Montesquieu é um dos grandes filósofos do Século XVIII. Pensador iluminista deixou uma grande herança por meio de suas obras. Na obra “Do Espírito das Leis”, o autor expõe uma política essencialmente racionalista, caracterizada pela busca de um equilíbrio entre a autoridade do Poder e a liberdade do cidadão. A separação do Poder entre Executivo, Legislativo e Judiciário surgiria da necessidade de o Poder deter o próprio Poder, evitando assim o abuso da autoridade. A liberdade do cidadão é um dos pontos principais da obra deste iluminista.

Para Montesquieu[5], as leis não seriam resultados da arbitrariedade dos homens, elas surgem de acordo com a necessidade e derivam das relações necessárias da natureza das coisas.

A independência dos Poderes, proposto por Montesquieu, teve como propósito a garantia de liberdade. A França, em face da Revolução Francesa, de 1789, adotou como forma de governo,  a República, instituindo os três Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, com a “máxima” da liberdade, igualdade e fraternidade.

Portanto, a partir do final do Século XIX, os Estados nacionais tomaram a forma como se vê hoje na maioria dos países. Não remanescem dúvidas que muitos países da África, do Oriente Médio e da Ásia, ainda se encontram em Estados totalitários, semelhantes, mas não iguais aos Estados absolutistas, onde o governante (Executivo) detém a maioria dos poderes políticos que, de alguma forma, influenciam os demais poderes como, o Legislativo e o Judiciário. Vale dizer, é um modelo aparente de democracia, porém, não nos moldes do mundo ocidental.

Um exemplo recente foi o Iraque, que mantinha todas as estruturas da democracia, inclusive com a realização de eleições para o parlamento, todavia, encontrava-se sob o comando direto do seu ditador, Saddan Hussein, que em 1990 invadiu o país vizinho, o Kuwait, ocasionando o surgimento da Guerra do Golfo. Tropas norte-americanas, britânicas e outras aliadas invadem o território iraquiano, que, após o início dos combates, e depois de certa resistência, fez com que o Iraque abandonasse o Kuwait. O Iraque, apesar de ter sofrido elevadas baixas no seu efetivo militar e de ter diminuído o seu poder bélico, foi também objeto de sanções econômicas, situações estas que foram insuficientes para que o Líder Saddan reequipasse as suas Forças Armadas, criando instabilidade na região do Oriente Médio.

Até a ocorrência da Revolução Francesa no ano de 1789, predominavam as monarquias absolutistas, com governos totalitários, onde prevalecia a vontade do rei ou do imperador soberano sobre o seu território e sobre os seus súditos.

Hoje se tem um conceito bem definido para identificar o que seja um Estado[6]. Pode-se definir o Estado como um agrupamento humano estabelecido permanentemente em um território determinado, e sob um governo independente. Da análise desta definição, constata-se teoricamente, que são quatro os elementos constitutivos do Estado, conforme a Convenção Interamericana Sobre os Direitos e Deveres dos Estados, firmada em Montevidéu, Uruguai, em 1933, que define: (a) população permanente; (b) território determinado; (c) governo; (d) capacidade de relacionar-se com os demais Estados existentes.

O Estado moderno poderá existir ou ser instituído na forma de Monarquia constitucional, ou na forma de República. Poderá ter um sistema de governo parlamentarista ou presidencialista, conforme dispuser os fatos e as ocorrências históricas de cada nação.

3 Os poderes do estado constitucional.

É necessário entender o que seja Estado, e o que seja Constituição, para entender o que seja os poderes do Estado. Até a ocorrência da Revolução Francesa no ano de 1789, predominavam as monarquias absolutistas, com governos totalitários, onde prevalecia a vontade do rei ou imperador soberano sobre o seu território e sobre os seus súditos.

O Estado Democrático de Direito só existe quando há o princípio do respeito integral à Lei. Este princípio está consagrado no inciso II do art. 5º da Constituição Federal do Brasil, que assim dispõe: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei”. Assim, os atos de uma autoridade, de qualquer um dos Poderes da República, somente serão legítimos quando exercidos dentro dos limites da Lei. Constatada qualquer lesão ao Direito, seja do indivíduo ou do próprio Estado, é o Poder Judiciário a última trincheira democrática que existe para restabelecer a ordem jurídica e a Justiça. Os Promotores, ou membros do Ministério Público e os Advogados, não integram o Poder Judiciário, mas atuam perante este Poder, juntamente com os Juízes, de modo a constituir a Justiça e a manutenção do Estado Democrático.

Raul Gustavo Ferreyra (56) [7], argentino, natural da Ciudade Autónoma de Buenos Aires, é Advogado, Doutor pela Universidade de Buenos Aires, UBA, Professor Catedrático em Direito Constitucional, na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, UBA, Argentina, Professor de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Buenos Aires, UBA, Consultor da Defensoria del Pueblo da Cidade Autónoma de Buenos Aires, Ministro Suplente da Corte Suprema Justiça da República da Argentina.

O Professor Ferreyra nos ensina que o Estado moderno constitui o modelo mais afirmado de um sistema social que estabelece a centralização da força pela comunidade. Sua afirmação e consolidação se devem, sem dúvidas, à centralização do emprego da força. As comunidades se organizam de acordo com determinados níveis ou graus de perfeição ou imperfeição, que desenham, por sua vez, a autorização a determinados indivíduos para que façam ou desempenhem determinados atos. Portanto, uma característica do Estado consiste em que a coexistência dos homens é regulada pelos Direito. Para a ordem jurídica se apresenta como uma maneira em relação com os demais (Ferreyra, p. 43 e 44).

De outra parte, ensina o ilustre Professor Ferreyra, que “Constituicion” significa una categoria jurídica básica de la teoría prática del Derecho. Los modernos sistemas jurídicos estatales sons sistemas normativos estructurados jeráquicamente. En su base se encuentra la norma constitucional, que a su vez implica propiamente un “subsistema normativo”. La estructura jeráquica de sistema jurídico de un Estado puede expresarse de modo rudimentário: supuesta la existência de la norma fundamental, la constituiçión representa el nível más alto dentro del Derecho estatal[8].

Assim, o conceito de constituição refere-se ao conjunto das normas (escritas ou consuetudinárias) e das estruturas institucionais que conformam, num certo período, a ordem jurídico-política de determinado sistema socialmente organizado. Os institutos, conceitos e modelos constitucionais variam de acordo, seja com a época e o local, seja com tipo e o nível de desenvolvimento do constitucionalismo então vigorante.

As constituições podem ser classificadas de muitas maneiras, por exemplo, quanto à forma (escritas ou não), quanto à origem (democráticas, promulgadas e populares ou outorgadas), quanto à maneira de reforma (flexíveis, rígidas ou semirrígidas), quanto à extensão (prolixas ou concisas).

Karl Loewenstein ( 1891-1973),[9] foi um filósofo e político alemão, sendo uma das personalidades mais significativas para o constitucionalismo no século XX. Suas pesquisas e investigações aprofundadas sobre a tipologia de diferentes constituições teve grande impacto no pensamento constitucional ocidental. Ele estudou na sua cidade natal, Munique, na Baviera, Alemanha, onde obteve a gradução de Doutor em Direito Público e Ciência Política.

Loewenstein revela a busca do homem político das limitações ao Poder absoluto exercido pelos detentores do Poder, assim como o esforço de estabelecer uma justificação espiritual, moral e ética da autoridade, no lugar da submissão cega à facilidade da autoridade existente. Estas aspirações se concretizaram na necessária aprovação, por parte dos destinatários do Poder, dos controles sociais exercidos pelos dominadores e, consequentemente, na participação ativa dos dominados no processo político, e a isto se chama de constitucionalismo.

Dispõe o art. 2º da Constituição Federal do Brasil:

“Art. 2ºSão Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Com a ocorrência da Revolução Francesa (1789), praticamente decretou-se o fim das monarquias absolutistas. Surgiu uma nova forma de Estado, na concepção de Montesquieu, in “Do Espírito das Leis”, tripartindo o Poder (que era absoluto) em Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Na realidade o Poder do Estado é único, porém sua divisão atenderá a três funções distintas, que se complementam.

Poder Legislativo. O Poder Legislativo tem como finalidade elaborar a legislação, ou as leis, de interesse do povo ou da sociedade. Os membros do Poder Legislativo são eleitos pelo povo para exercerem um mandato por certo período de tempo. Na maioria dos países, há um sistema bicameral que constitui o Parlamento ou o Congresso, ou seja, a Câmara dos Deputados, que representa os interesses da sociedade, e o Senado, representante dos interesses dos estados-membros, ou unidades administrativas, que compõem o Estado. O Poder Legislativo é, na essência, a maior expressão de uma democracia, pois ele materializa as aspirações de um povo que elege seus representantes pela Soberania do voto, cujos parlamentares devem ser integrantes de uma agremiação ou partido político que, em tese, defende determinado pensamento de caráter político, filosófico ou religioso. Tanto no sistema parlamentarista quanto no sistema presidencialista, o Poder Legislativo é governo, vale dizer, atua em conjunto com o Poder Executivo.

Poder Executivo. O Poder Executivo tem como finalidade, nos limites da lei, realizar a administração ou o governo do Estado. A exemplo do Poder Legislativo, os componentes do Poder Executivo são eleitos pelo voto do povo, para exercerem um mandato por certo período de tempo. No Poder Executivo é que se realizam as ações políticas e os planos do governo de um Estado. Para que haja um governo próspero, é necessária uma base de sustentação política no Parlamento, vale dizer, é necessário que haja uma maioria de Deputados e Senadores que votem favoravelmente matérias de interesse do Governo. Sem esta base parlamentar, o governo está fadado ao fracasso político. Governar, no sistema Parlamentarista ou Presidencialista, é administrar todos os interesses da sociedade por intermédio de Órgãos e Instituições Públicas, tais como arrecadar impostos, executar serviços de saúde, educação, transporte, segurança, etc., em caráter interno e em caráter externo, defender e representar o País perante as demais nações e organismos internacionais, por intermédio do seu Presidente ou Primeiro Ministro.

Poder Judiciário. O Poder Judiciário tem como finalidade assegurar o cumprimento da Lei, garantindo a todos o estabelecimento de igualdade e da justiça. No Brasil, o Poder Judiciário é constituído por uma hierarquia de funções denominadas em primeira, segunda e terceira instâncias de Poder, correspondendo a Justiça local (Fórum), Tribunais de Justiça dos Estados-membros e Tribunais Superiores, podendo ainda, no caso do Brasil, possuir justiças especializadas como a Justiça Federal, Justiça do Trabalho, Justiça Militar e Justiça Eleitoral, com as mesmas funções hierárquicas.

Diferentemente do que ocorre com o Poder Legislativo e o Poder Executivo, os componentes do Poder Judiciário não são eleitos pelo voto do povo. Via de regra, o quadro de acesso dos juízes ao Poder Judiciário é realizado, em primeira instância, mediante concurso público, de provas e de títulos, exigindo-se do candidato, como pré-requisito, a formação acadêmica em Direito. Para os Tribunais de segunda instância, o ingresso se faz mediante promoção e por mérito. E para os Tribunais Superiores, de terceira instância, por indicação do Presidente da República. Em alguns países, os juízes são eleitos pela sociedade.

O Estado Democrático de Direito só existe quando há o princípio do respeito integral à Lei. Este princípio está consagrado no inciso II do art. 5º da Constituição Federal do Brasil: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei”. Assim, os atos de uma autoridade, de qualquer um dos Poderes da República, somente serão legítimos quando exercidos dentro dos limites da Lei. Constatada qualquer lesão ao Direito, seja do indivíduo ou do próprio Estado, é o Poder Judiciário a última trincheira democrática que existe para restabelecer a ordem jurídica e a Justiça. Os Promotores, ou membros do Ministério Público, e os Advogados, não integram o Poder Judiciário, mas atuam perante este Poder, juntamente com os Juízes, de modo a constituir a Justiça e a manutenção do Estado Democrático.

Poder Soberano. São Poderes da União, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Não há qualquer referência ao Poder Soberano, ou Soberania. Na realidade, a Soberania decorre ou nasce da soma dos três Poderes retro transcritos. O Poder Soberano não tem uma estrutura própria, mas utiliza-se de parte da estrutura do Poder Executivo para ter a sua materialização. A forma mais eloqüente materialização da Soberania, evidencia-se por atos e ações próprias do Presidente da República, no exercício pleno de seus poderes, representando o Estado, o Governo e o Povo de seu País, sobretudo, em solenidades nacionais ou internacionais, realizadas no Brasil ou em outros Países, bem como perante os Fóruns e as Organizações Internacionais.

Além da expressão maior da Soberania, que é exercida pelo Presidente da República, existem diversas outras formas que também a evidenciam. Ela pode se expressar de forma particular, decorrente dos mais variados atos e ações, nas suas múltiplas atividades desenvolvidas por indivíduos, grupos, associações, organizações, fundações, empresas, organizações não governamentais (ONGs), que integram a sociedade de um País. Assim, a obtenção de resultados positivos no campo do conhecimento, da tecnologia, das ciências, da educação, da cultura, da economia, da política, do esporte, da música, das artes, das comunicações, do jornalismo, entre tantos outros, evidenciam a Soberania do povo de um País.

Entretanto, as formas que mais evidenciam a Soberania do Estado são aquelas que se materializam por intermédio dos órgãos e ações de natureza diplomática, externados pelo Ministério das Relações Exteriores, e ainda pelos órgãos e ações de natureza militar, externados pelo Ministério da Defesa, que agrega as Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica).

Todavia, o conceito de Soberania já não tem hoje o mesmo significado daquele existente no século XVII. Para tanto, bastaria indagar até onde subsiste a Soberania de um Estado que integra um bloco econômico. Exemplo, a Soberania da Itália, Alemanha ou França em relação ao Bloco da União Européia (UE), ou a Soberania do Brasil, Argentina, Paraguai ou Uruguai em relação ao Bloco Econômico MERCOSUL.

Assim, a Constituição, como Lei maior, edifica o Estado democrático de Direito,  fazendo prevalecer  a vontade da Lei e não a vontade do Governante. Dentro da perspectiva tridimensional, originada do pensamento de Monstesquieu, no qual o Poder se constitui em Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, Leis são elaboradas pelo Poderes Executivo e  Legislativo,  da maioria da Nações, porém, o controle de constitucionalidade deve ser exercido constantemente pelo Poder Judiciário, notadamente pela sua mais alta Corte, que tem a incumbência de ser a guardiã da Constituição, e, pelos reflexos de suas decisões, seja para o individuo, seja para a Sociedade, seja para o Estado,  a isso, configura-se o constitucionalismo.

Todos os poderes designados ao Estado se unificam e transformam-se em um único Poder, um Poder originário, soberano, que está sobre todos os demais Poderes, não os excluindo, apenas os limitando, ou seja, ninguém mais, a partir de então, poderia invocar força física para valer-se de seus direitos, mas buscar ajuda ao Estado, para que os defenda. Vale dizer, o Estado não pode somente usar de força para conseguir seus objetivos para o exercício do Poder. Há de se ter algo formal para dar-lhe apoio, o alicerce. É por intermédio do Poder Jurídico que o Estado é legitimado com a criação de leis e normas, que por sua vez, conferem caráter regimental à sociedade, impondo obediência a certos comportamentos e formas de conduta.

Hoje se têm ciência de como se dá o processo de elaboração, porém nem sempre foi assim. Foucault já manifestou várias críticas a respeito. Em numerosos momentos de seus trabalhos, Foucault exprime esta atitude de desconfiança em relação à forma da lei, da produção legislativa, das instâncias de julgamento e aplicação de sanções[10], dizendo que, nas sociedades ocidentais, desde a Idade Média, a elaboração do pensamento jurídico se fez essencialmente em torno do Poder Real. É a pedido do Poder Real, em seu proveito e para servir-lhe de instrumento ou justificação que o edifício jurídico das nossas sociedades foi elaborado[11].

Lei, de acordo com o Dicionário de Aurélio, tem vários sentidos, entre os quais, norma, preceito, princípio, regra, obrigação imposta pela consciência e pela sociedade. Lei é toda norma geral e abstrata emanada pelo Poder Competente.

Lei Natural é a lei de Deus que estabelece uma relação do homem com o Cosmos, que é a Ordem Universal, e também os costumes e tradições aceitos em determinada sociedade. A Lei natural divide-se em leis físicas (científicas) e leis morais.

Lei Científica  é aquela que estabelece entre os fatos, relações entre o homem o cosmos, mensuráveis universais e necessárias, permitindo que se realizem previsões. Ex.: a água ferve a 100º c; dois corpos não podem ocupar ao mesmo tempo o mesmo lugar no espaço; o ar que respiramos; lei da gravidade; velocidade da luz; noite e dia, etc.

Lei Moral  é conjunto de princípios ou regras relativos à conduta humana. Ex: os Dez Mandamentos (não matar, não roubar, honrar pai e mãe) ou, independente de crença, que o homem pratique o bem, e saiba o que seja o mal.

Santo Tomás de Aquino (1225-1274) [12] foi um Filósofo e Teólogo italiano ou Doctor Angelicus pela Igreja Católica, que deu origem à Escola Tomista de Filisofia, que foi, por longo tempo, a principal corrente filosófica da Igreja Católica Romana, afirmava que a Igreja tem uma Teologia, fundada na revelação, e uma Filosofia, baseada no exercício da razão humana, que se fundem numa síntese definitiva, na fé e na razão, unidas em sua orientação comum rumo a Deus.

Todo o homem é dotado de livre-arbítrio, orientado pela consciência e tem uma capacidade inata de captar, intuitivamente, os ditames da ordem moral. Há uma Lei Divina, revelada por Deus aos homens, que consiste nos Dez Mandamentos. Há uma Lei Eterna, que é o plano racional de Deus que ordena todo o Universo e uma Lei Natural, que é conceituada como a participação da Lei Eterna na criatura racional, ou seja, aquilo que o homem é levado a fazer pela sua natureza racional.

A Lei Positiva é a lei feita pelo homem, de modo a possibilitar uma vida em sociedade. Esta subordina-se à Lei Natural, não podendo contrariá-la sob pena de se tornar uma lei injusta; não há a obrigação de obedecer à lei injusta (este é o fundamento objetivo e racional da verdadeira objeção da consciência).

A Justiça consiste, pois,  na disposição constante da vontade em dar a cada um o que é seu – suum cuique tribuere – e classifica-se como comutativa, distributiva e legal, conforme se faça entre iguais, do soberano para os súditos e destes para com aquele, respectivamente.

A ética cristã, através do pensamento de São Tomás de Aquino, também fez uma releitura do pensamento aristotélico. O tomismo procurou conciliar a fé e a razão, condicionando os atos dos indivíduos à natureza humana.

4 O poder e a legitimidade.

Os atos de uma autoridade, de qualquer um dos Poderes do Estado, somente serão legítimos quando exercidos dentro dos limites da Lei. Constatada qualquer lesão ao Direito, seja do indivíduo ou do próprio Estado, é o Poder Judiciário a última trincheira democrática que existe para restabelecer a ordem jurídica e a Justiça.

Assim, a Lei básica de sociedade é sua Constituição, a faculdade de que o povo possui para editar o que é de fundamental para se viver diante da complexidade do Estado moderno, não podendo elaborá-la diretamente. Essa criação dá-se pelo Poder Constituinte, um Poder Originário, cuja função é constituir, reconstituir e reformular a ordem jurídica estatal[13], iniciando todo o edifício jurídico, implantando suas raízes e edificando seus fundamentos. O Poder Constituinte é o que exerce o Poder Soberano, porém, ele estabelece a linha mestra e deixa que os demais Poderes ajam por si, tendo sempre como limite a Lei Maior, essa que, a cada dia, fica mais restrita às Convenções, Tratados e Conferências Internacionais, que são firmados a cada instante. O certo é que a Comunidade Jurídica Internacional é destituída de supremacia sobre os Estados. São estes, ainda que criam os Organismos Internacionais. Os  Estados continuam, portanto, a ocupar uma posição de destaque invulgar na organização política do Mundo[14].

O Estado moderno busca obedecer ao seu próprio Ordenamento Jurídico, isto é como coerência necessária. O Estado não poderia impor leis e não se submeter à elas. É preciso que o Estado respeite a personalidade humana, princípio e fim, causa e razão do fato jurídico-estatal. Mesmo sendo unidade social que se subordina ao todo coletivo, é pessoa humana e como tal superior ao Estado. Com o avanço da sociedade, o povo passa a exigir do Estado uma postura diferente e só o legitima se ele também se subordinar às regras impostas a todos[15].

Nesta perspectiva, pode-se dizer que o Poder Político se refere ao domínio, faculdade ou jurisdição que se tem para mandar ou para executar uma ação que afeta aos demais, mesmo contra sua vontade, utilizando-se da força, caso seja necessária. Por conseguinte, atualmente caberá quase que exclusivamente ao Estado o exercício do Poder político, e, consequentemente, o monopólio do uso legal da força. O Poder Político, dessa forma, assume a coordenação e a supremacia de todos os outros tipos de Poder, constituindo-se no núcleo da ação política, submetendo todos os indivíduos à sua coercibilidade em virtude da crença em sua legitimidade. Nessa seara, no que se refere à legitimidade do Poder Político, ela deve derivar da necessidade de estabelecer a necessária convivência social, e, desse modo, se toleraria maior ou menor grau de dominação de um grupo sobre os demais, com vista a esta finalidade estatal precípua.

Registre-se que, quando o Poder é despersonalizado, ou seja, é trasladado à figura de um ente despersonalizado como o Estado, o que se tem é que fica facilitada a submissão e aceitação de suas determinações pelos indivíduos. Razão porque o Poder é considerado legítimo, quando é aceito e existe à disposição de obediência por parte daqueles que não o detêm. Por outro lado, será ilegítimo quando exercido por indivíduos ou grupos sociais não aceitos pelos demais, e que impõem sua vontade sob uma resistência[16].

Não obstante a força física seja uma condição necessária e exclusiva do Poder, não é condição suficiente para a sua manutenção. Em outras palavras, o Poder que apenas se sustenta na força não pode durar. Logo, esse Poder também precisa ser legítimo, ou seja, ter o consentimento daqueles que o obedecem. A noção de legitimidade é uma das chaves do Poder, como ressalta Duverger[17]. Na maioria dos grupos sociais, os homens acreditam que o Poder deve ter uma natureza específica, repousar sobre certos princípios, revestir-se de alguma forma, fundar-se sobre uma origem, etc., sendo legítimo apenas o Poder que corresponda a uma determinada crença. Pode-se afirmar que a noção de legitimidade nas sociedades democráticas traduz-se como consenso, vale dizer, a conformidade que existe em uma sociedade sobre suas estruturas, hierarquia, orientação, autoridade, governo, etc.

Para Thomas Hobbes, a legitimidade do governo deveria fundar-se na segurança física e, de acordo com Locke, na proteção dos direitos naturais e no respeito às leis instituídas. Para Rousseau[18] (1964, p. 429), a autoridade política deveria ser legitimada em uma vontade geral do povo, único e verdadeiro soberano, não devendo trasladar-se a um corpo político. De acordo com Rousseau, a soberania não pode ser representada pela mesma razão porque não pode ser alienada, ela consiste, essencialmente, na vontade geral e a vontade absolutamente não se representa. Não obstante, a evolução do conceito de Estado, o conceito de legitimidade do Estado imaginado por Rousseau, se funda no exercício da soberania popular, e é adotado até os dias de hoje pelos países de civilização do mundo ocidental que adotam o sistema democrático, associando-se o Poder Legítimo, ao governo que atende aos preceitos de uma carta constitucional e, portanto, aos anseios do seu povo, verdadeiro soberano e detentor do Poder.

Porém, como adverte Ives Gandra da Silva Martins (80) [19], Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército – ECEME e Superior de Guerra – ESG, Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), Doutor Honoris Causa da Universidade de Cracóvia (Romênia) e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal), que,

entre outras obras, escreveu Uma Breve Teoria do Poder (2009), sustentando que, o homem busca sempre o domínio, e o seu maior ou menor Poder, decorre exclusivamente da sua maior ou menor força. Com esse fundamento, procura formular uma teoria sobre a natureza do homem, no exercício do domínio sobre os outros, quando assume governos.

A evolução da humanidade tem permitido o aprimoramento de mecanismos capazes de conter a escalada dos que o ambicionam, dentro de certos limites ou fronteiras. Se alguém, porém, com carisma próprio e sem oposição à altura, consegue alcançá-lo e exercê-lo à sua maneira e semelhança, nenhuma Constituição ou Sistema Legal é capaz de ofertar anteparo seguro contra esse intento, pois, conquistar e manter o Poder, é a grande e primeira ambição de todos os políticos ou déspotas, na história. A teoria é breve e centrada, fundamentalmente, na figura daquele que detém o Poder, nos motivos que levam a essa ambição e na conseqüência de seu exercício sobre as massas.

5 O poder no pensamento de michel foucault.

Michel Foucault (1926-1984) nasceu em Poitiers (França), estudou Filosofia e Psicologia na École Normale Supérieure de París. Na década de 60  ficou à frente do Departamento de Filosofia das Universidades de Clermont-Ferrand e Vincennes, França. Em 1970 foi eleito para o Collège de France, com o título de Professor de História dos Sistemas de Pensamento, desfrutando um enorme prestígio internacional até à data da sua morte. Foucault foi o principal representante do estruturalismo, que é uma corrente de pensamento das ciências humanas que se inspirou do modelo da linguística e que apreende a realidade social como um conjunto formal de relações. Toda a sua obra é um exaustivo trabalho de arqueologia do saber ocidental, pondo em evidência as estruturas conceituais que, à priori, em época, determinam as articulações entre o Saber e o Poder, estabelecendo o que é interdito e o que é permitido.

Aos 35 anos publicou a sua tese de doutorado com o nome de História da Loucura, que, ao lado de Nascimento da Clínica, figuram as primeiras obras do pensador. Nestes livros, Foucault exerce uma crítica bastante violenta às práticas psicológicas e questiona o conceito de loucura levantando uma tese que inaugura por assim dizer o que ele chama de arqueologia das ciências humanas.  Não há relações de Poder sem a constituição correlata de um campo de Saber, nem há Saber que não suponha e constitua, ao mesmo tempo, relações de Poder.

Qual é o tipo de sociedade em que se vive? Como ela se organiza e funciona? Buscando quais resultados ela se propõe a se organizar assim? Por muito tempo, o centro dessa discussão se localizava no conceito de Poder. O que é Poder? É ter a capacidade de apontar o dedo em riste, pedir algo e esse algo se concretizar? É ser capaz de emitir ordens?

Quando se discute a organização social, a discussão é claramente política e ética. Nesse sentido, o Poder sempre foi visto como uma coisa que o sujeito poderia ou não ter e possuir. Por exemplo, para Karl Marx[20] a sociedade sempre foi dividida em classes sociais e o conflito delas é o que move a roda da história, onde uma classe exerce o Poder sobre a outra. Para os economistas, e isso inclui Marx, o Poder está no dinheiro ou no mercado ou na classe social que detém o dinheiro.

Mas para Foucault, o Poder não é algo que se possa ter ou não. De fato, Foucault defende que não existe tal coisa. O que existe para ele, é o que ele chamou de relações de poder. O Poder não está concentrado numa classe que oprime outra ou no Estado ou em qualquer outra instituição. Nessa forma de pensar, o Poder é uma relação, e ele se espalha por todo o tecido social, indo a todas as direções.

Como uma usina de energia elétrica, só que em vez de o Poder ser identificado dentro da usina, Foucault diria que, o Poder se encontra nos fios que sobem e descem em todas as direções da sociedade. Assim, todos os seres humanos exercem Poder uns sobre os outros. O que ele fez foi mudar o ponto de vista. Deslocou o Poder de seu lugar e o diluiu. É um procedimento essencial na Filosofia contemporânea, abandonar a discussão macroscópica e se focar na microscópica.
Razão pela qual, Foucault inspirou-se e escreveu o livro intitulado Microfísica do Poder.

Foucault chama de Tecnologia de Poder, aquele tipo de estratagema vale dizer, uma maneira racionalizada de executar o Poder, que permite que o Poder seja exercido de maneira cirúrgica. Foucault identifica alguns tipos de Poder. Soberania, exercido por um rei que tinha o Poder de executar seus súditos. Podia decidir a vida ou a morte de qualquer pessoa a seu bel prazer. Disciplina, surgida na sociedade capitalista, a disciplina é uma tecnologia de poder exercida sobre os corpos dos seres humanos.

Em seu outro livro intitulado Vigiar e Punir, Foucault argumenta que a disciplina é uma maneira cirúrgica de exercer Poder sobre o corpo dos indivíduos, através de sua disposição no espaço e no tempo. Por exemplo, os soldados. Em períodos passados, um soldado era reconhecido por seu semblante, sua força, coragem, o nome de sua família, etc. Hoje, o Exército pode recrutar qualquer pessoa sem forma física nenhuma e adequar seu corpo às necessidades do Exército. Ensina-se a marchar, a acordar em tais e tais horários, como manejar uma arma de fogo, a se movimentar desse e daquele jeito, etc. A disciplina é o Poder que se exerce sobre o corpo do indivíduo, transformando-o num autômato, numa máquina de obedecer.

Foucault argumenta a respeito de instituições de sequestro. Dificilmente você consegue disciplinar alguém que esteja andando livremente por aí. Para isso, você precisa seqüestrar o indivíduo da sociedade e confiná-lo em alguma instituição. É o caso da Escola, da Universidade, do Hospital, do Presídio, dos antigos Hospícios e Manicômios, do Asilo para idosos etc.

No exemplo da Escola, o sujeito é seqüestrado da sociedade, confinado dentro da instituição e disciplinado individualmente. Ele tem regras a seguir, como sentar, a quem responder e quando responder, como se vestir, como se comportar, toca o sinal, levanta; toca o sinal, senta; toca o sinal, levanta e vai comer; toca o sinal, senta; toca o sinal, levanta e vai embora. A mesma rotina da jornada de trabalho do sujeito para, quando ele crescer, como se a Escola fosse o depósito de crianças que serve para confiná-las e as adestrar e as docilizar para o mercado de trabalho.

Você consegue disciplinar cirurgicamente o corpo de um indivíduo assim e ele se transforma numa máquina hábil que obedece a comandos. O mesmo acontece com os hospitais, os asilos e toda sorte de instituições que confinam os seres humanos. Haverá semelhança arquitetônica entre essas instituições? Sim, todas elas têm uma arquitetura semelhante à arquitetura de um Presídio. O Pan-óptico foi uma ideia de Jeremy Bentham, que consiste em criar um dispositivo que observa e vigia a tudo e todos sem ser observado e vigiado por ninguém. Essa vigilância é uma maneira de exercer Poder sobre os corpos dos sujeitos e, portanto, de certa maneira, de executar a disciplina.

O que você faz quando ninguém te vê fazendo? Imagine um lugar fechado com uma torre alta no meio. Essa torre possui em seu topo, janelas em todas as direções, de modo quem está dentro da torre é capaz de vigiar todos que estão nessa área fechada e, ao mesmo tempo, todos que estão sendo vigiados não sabem quem os está vigiando, nem mesmo quando.

O Pan-óptico. Registre-se que Jeremy Bentham (1748-1832)[21] foi um filósofo e jurista inglês. Juntamente com John Stuart Mill e James Mill, difundiu o utilitarismo, teoria ética que procura responder todas as questões acerca do que fazer, do que admirar e de como viver, em termos da maximização da utilidade e da felicidade. Conhecido também pela idealização do Pan-optismo, que corresponde à observação total, a tomada integral por parte do Poder Disciplinador da vida de um indivíduo.

Em 1789, Benthan concebeu o Pan-óptico, que foi pensado como um projeto de prisão modelo para a reforma dos encarcerados. Mas, por vontade expressa do autor, foi também um plano exemplo para todas as instituições educacionais, de assistência e de trabalho, uma solução econômica para os problemas do encerramento  e o esboço de uma sociedade racional. Bentham foi quem primeiro utilizou o termo deontologia  (deon, dever + logos, ciência) para definir o conjunto de princípios éticos aplicados às atividades profissionais.

6 A microfísica do poder.

De forma essencial, na Filosofia contemporânea, abandonar a discussão macroscópica e se focar na microscópica, Foucault escreve um livro intitulado Microfísica do Poder (25ª. Edição. Rio de Janeiro, Editora Graal, 2012), que trata das questões, as quais o pensador nomeou de Pequenos Poderes, exercidos por pessoas ou grupos que consideram que, de fato, existem pessoas superiores em relação às outras pessoas, cuja sinopse é realizada a seguir.

O Poder.  O Poder deve ser analisado como algo que circula que funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como riqueza ou bem. O Poder funciona e se exerce em rede. Os indivíduos, em suas malhas, exercem o Poder e sofrem sua ação. Cada um de nós é, no fundo, titular de certo Poder e, por isso, veicula o Poder. Os Poderes Periféricos e moleculares não foram confiscados e absorvidos pelo Estado. Não são necessariamente criados pelo Estado. Os Poderes Periféricos e moleculares corresponde ao Poder exercido por indivíduos, grupos, empresas, cientistas, comunicadores, etc. Os Poderes se exercem em níveis variados e em pontos diferentes da rede social e, neste complexo, os micro-poderes existem integrados ou não ao Estado. É preciso dar conta deste nível molecular de exercício do poder sem partir do centro para a periferia, do macro para o micro.

As relações de Poder.  Os Poderes não estão localizados em nenhum ponto específico da estrutura social. Funcionam como uma rede de dispositivos ou mecanismos, dispostos na tecnologia do corpo, no olhar, na disciplina, que nada ou ninguém escapa. O Poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. Não existe de um lado, os que têm o Poder e de outro aqueles que se encontram dele apartados. Rigorosamente falando, o Poder não existe. Existem sim, práticas ou relações de Poder. O Poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona. O Poder não é substancialmente identificado com um indivíduo que o possuiria. Ele torna-se uma maquinaria de que ninguém é titular. Logicamente, nesta máquina, ninguém ocupa o mesmo lugar. Alguns lugares são preponderantes e permitem produzir efeitos de supremacia. De modo que eles podem assegurar uma dominação de classe, na medida em que dissociam o Poder do domínio individual.

O Poder exercido como disputa e luta. Onde há Poder, há resistência, não existe propriamente o lugar de resistência, mas pontos móveis e transitórios que também se distribuem por toda a estrutura social. A guerra é luta, afrontamento, relação de força, situação estratégica. Não é um lugar que se ocupa, nem um objeto que se possui. Ele se exerce, se disputa. Nessa disputa ou se ganha ou se perde.

Concepções negativas e positivas do Poder.  Concepção negativa do Poder está vinculada ao Estado como aparelho repressivo que castiga para dominar. Concepção positiva do Poder, se direciona a vontade para a satisfação de desejos e prazeres. O capitalismo não se manteria se fosse exclusivamente baseada na repressão.

Objeto do Poder, o corpo. O Poder atinge a realidade concreta dos indivíduos, o corpo.  Os procedimentos técnicos do Poder sobre o corpo são o controle detalhado e minucioso de gestos, atitudes, comportamentos, hábitos e discursos. É preciso parar de sempre descrever os efeitos do Poder em termos negativos.  Ele exclui, ele reprime, ele recalca, ele censura, etc. O Poder, em sua positividade, tem como alvo o corpo humano, não para supliciá-lo, mutilá-lo, mas, para aprimorá-lo, adestrá-lo.  O corpo só se torna força de trabalho quando trabalhado pelo sistema político de dominação característico do poder disciplinar.

A Disciplina.  A Disciplina visa gerir a vida dos homens, controlá-los em suas ações para que seja possível e viável utilizá-los ao máximo, aproveitando suas potencialidades e utilizando um sistema de aperfeiçoamento gradual e contínuo de suas capacidades.  O objetivo econômico e político é o aumento do efeito de seu trabalho, isto é, tornar os homens força de trabalho, dando-lhes uma utilidade econômica máxima, bem como a diminuição de sua capacidade de revolta, de resistência, de luta, de insurreição contra as ordens do Poder, neutralização dos efeitos de contra-poder, isto é, tornar os homens dóceis politicamente.

As quatro fases da Disciplina. (a) Organização do espaço, que é uma técnica de distribuição dos indivíduos através da inserção dos corpos em um espaço individualizado, classificatório, combinatório. Isola em um espaço fechado, esquadrinhado, hierarquizado, capaz de desempenhar funções diferentes segundo o objetivo específico que dele se exige; (b) Controle do tempo que estabelece uma sujeição do corpo ao tempo, com o objetivo de produzir o máximo de rapidez e o máximo de eficácia; (c)  Vigilância é um de seus principais instrumentos de controle; o olhar que observa para controlar; (d) Registro contínuo de conhecimento que anota e transfere informações, a partir de observações sobre os indivíduos em suas atitudes, ações, falas, etc, para os pontos mais altos da hierarquia do Poder. Nenhum detalhe, acontecimento ou elemento disciplinar escapa a esse saber.

O olho do Poder. A Disciplina é uma técnica de Poder que implica uma vigilância perpétua e constante dos indivíduos. Não basta olhá-los às vezes ou ver se o que fizeram é conforme a regra. É preciso vigiá-los durante todo o tempo da atividade e submetê-los a uma perpétua pirâmide (hierarquia) de olhares. É assim que no Exército aparecem sistemas de graus, que vão, sem interrupção, do General-chefe até o ínfimo soldado, como também os sistemas de inspeção, revista, paradas, desfiles, etc., que permitem que cada indivíduo seja observando permanentemente.

A construção da verdade pelo Poder. (a) O Poder é produtor de individualização.  O Poder disciplinar não destrói o indivíduo, ao contrário, ele o fabrica. O indivíduo não é outro do Poder, realidade exterior, que é por ele anulado. É um de seus mais importantes efeitos. A ação sobre o corpo, o adestramento do gesto, a regulação do comportamento, a normalização do prazer, a interpretação do discurso (fala), com o objetivo de separar, comparar, distribuir, avaliar, hierarquizar, tudo isso faz com que o homem individualizado como produção do Poder e objeto de Saber das Ciências Humanas.  O Poder é produtor de individualidade. O indivíduo é uma produção do Poder e do Saber. Não há relação de Poder sem constituição de um campo de Saber, como também reciprocamente, todo Saber constitui novas relações de Poder; (b) Exemplos concretos; (b1) Século XVIII, nasce a prisão, isolamento celular, total ou parcial; (b2) Hospício produz o louco como doente mental, personagem individualizado a partir da instauração de relações disciplinares de Poder; (b3)  Século XIX, organização de paróquias,  institucionaliza o exame de consciência e da direção espiritual e a reorganização do sacramento da confissão, desde o Século XVI, aparecem como importantes dispositivos de individualização; (c)  A verdade sobre o indivíduo produzido pelo Poder. Disciplina é o conjunto de técnicas pelas quais os sistemas de Poder vão ter por alvo e resultado os indivíduos em sua singularidade. Para individualizar a pessoa, utiliza-se do exame, que é a vigilância permanente, classificatória, que permite distribuir os indivíduos, julgá-los, medi-los, localizá-los para utilizá-los ao máximo. Tudo o que se refere à própria pessoa é a hierarquia do Poder que constrói a verdade sobre o indivíduo, o qual, não tem participação na construção da verdade sobre si mesmo. Jamais é consultado, interrogado para dizer sobre si mesmo. Às portas fechadas, entre quatro paredes, aqueles que detêm o Poder definem quem é o indivíduo através de julgamentos, classificações, medições a fim de individualizá-lo e assim direcionar sua convicção mental a realizar ações, assumir atitudes e padrões mentais de pensamentos para que seja utilizado ao máximo pela máquina do poder.

Foucault revela em sua análise, que o discurso é uma forma de Poder, no sentido de uma força capaz de sujeitar as pessoas e de canalizar as emoções e razões. O conhecimento se reveste na análise de Foucault, em objeto de Poder. Para ele todas as formas de repressão se completam facilmente do ponto de vista do Poder, mas, as pessoas só percebem as realidades próximas. Foucault afirmou que o Poder é prolixo, mas, há todo um investimento de desejo de Poder, a relação entre Poder e interesse é muito importante. Sua preocupação fundamental é com a articulação entre Saber, Poder e Verdade. Em sua obra, Microfísica do Poder[22], assim se manifestou sustentando que a verdade não existe fora do Poder ou sem o Poder. Não é, não obstante, um mito, de que seria necessário, estabelecer a história e as funções, a recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio daqueles que souberam se libertar.

A Verdade é deste mundo, ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de Poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral de verdade. Isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros, os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sancionam uns e outros, bem como as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade, ou seja, o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.

Já para Immanuel Kant[23], (1724-1804) que um foi um filósofo prussiano, e considerado como o último grande filósofo dos princípios da era moderna, sobretudo, pela elaboração do denominado idealismo trancendental, que defende que todos nós trazemos formas e conceitos a priori (aqueles que não vêm da experiência) para a experiência concreta do mundo, os quais seriam de outra forma impossíveis de determinar, sustenta que consistindo a verdade na concordância de um conhecimento com o seu objeto, este objeto deve, por isso, distinguir-se de outros. Ora, um conhecimento é falso quando não concorda com o objeto a que é referido, mesmo contendo algo que poderia valer para outros objetos.

Por conseguinte, Foucault aponta ainda o entrelaçamento do Saber no Poder. Contudo, como esse entrelaçamento foge à compreensão quando é examinado sob uma perspectiva que problematiza a relação entre Ciência e Poder. Foucault opta por uma via mais incisiva. Ele parte de um conjunto de argumentos determinantes em sua outra obra Vigiar e Punir[24].  O Poder produz Saber.  Poder e saber estão diretamente implicados.  Não há relação de Poder sem constituição correlata de um campo de Saber. Também não há Saber sem que haja ou se constituam, ao mesmo tempo, relações de Poder. Temos antes que admitir que o Poder produz Saber, e que Poder e Saber estão diretamente implicados.  Que não há relação de Poder sem constituição correlata de um campo de Saber, nem Saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo, relações de Poder. Resumindo, não é a atividade do sujeito de conhecimento que produziria um Saber, útil ou arredio ao Poder, mas o Poder-Saber, os processos e as lutas que o atravessam e que o constituem, que determinam as formas e os campos possíveis do conhecimento.

7 A soberania, a disciplina e a governamentalidade.

No livro  Microfísica do Poder, Foucault, entre outros temas, destaca o relacionamento entre Soberania, Disciplina e Governamentalidade, vale dizer, ele avalia a teoria do pensamento jurídico existente na Idade Média (Século V ao XV), que orbitava em torno do Poder do Rei e do Direito como um instrumento da dominação do Rei sobre os súditos.

Quando se refere à questão do Poder e como este se aplica na sociedade, Foucault sustenta que o Poder está em todo lugar e este se baseia em Saberes e Discursos. Esses Discursos tem como funções legitimar os direitos da Soberania e legitimar a obrigação de obediência. O Direito é como um instrumento da dominação, não, nas esferas filosóficas, porém, nos níveis elementares da sociedade, como instituições locais e regionais. Foucault não analisa o Estado, mas os corpos que compõe este, e, na Idade Média, os súditos, que sofrem o efeito do Poder.

O Poder não é homogêneo, e não pode ser apropriado como um bem. O Poder funciona e se exerce em rede, e não se aplica aos indivíduos, mas, passa por eles, pois se encontra no meio dos Saberes. O Poder não está constituído de ideologias, mas de um conjunto de técnicas que foram se refinando como uma ciência de forma a alcançar os objetivos do Poder que é a dominação. Foucault faz uma referencia com a obra, O Príncipe, de Nicolau Maquiavel (1469-1527) [25], onde as ações dos governantes, para adquirir Poder se dava através de conquistas territoriais, cargos doados pela Igreja ou por herança. Não há uma conexão entre o Príncipe e seu Principado, fazendo com que este governante fique constantemente ameaçado por inimigos que querem tomar o poder e por seus súditos que não aceitam sua soberania.

Para Foucault, Soberania, Disciplina e Governamentabilidade são diferentes tecnologias de Poder. É preciso, no entanto, perceber que o Poder para Foucault é uma forma de ação que é produtiva, e não apenas negativa, vale dizer, quando alguns homens agem sobre a ação de outros, existe Poder, e, assim, o Poder está presente em qualquer convivência social. Se o Poder Soberano é aquele que pode levar à morte ou deixar o súdito viver, o Poder Disciplinar está voltado para o adestramento dos corpos, buscando objetivos produtivos. A governamentabilidade, por assim dizer, tem como alvo o governo de populações.

Para Foucault é preciso dominar a arte de governar onde, François de La Mothe Le Vayer (1588-1672)[26], que foi um filósofo, filólogo e historiador francês, e um dos principais representantes do chamado pensamento libertino[2], no Século XVII, indica que esta arte de governar, se dá por uma continuidade ascendente e outra descendente entre o governo moral de si mesmo, o governo econômico da família e o governo político do Estado. Ascendente, porque quem quiser governar o Estado, primeiro precisa saber governar a si próprio e sua família. E descendente, visto que, governantes que governam bem um Estado, também governarão adequadamente suas famílias, seus bens e propriedades.

Segundo Foucault, é necessário prestar a atenção e adquirir um controle sobre o cotidiano dos indivíduos, seus costumes, hábitos e maneira de pensar. E não mais somente no controle de território, como propõe Maquiavel. Não obstante, no Século XVIII, surge um novo mecanismo de Poder, que se opõe ao da teoria da soberania. Esse novo mecanismo de Poder extrai dos indivíduos tempo e trabalho, e não mais bens e riquezas. Contém uma vigilância e atuação continua, indicando aos homens como se comportarem.

Nesse novo mecanismo o Estado não é mais o Poder central para Poder discutir politicamente os interesses dos indivíduos. O Estado tem importância tão importante quanto às outras instituições existentes na sociedade como as escolas, a família, as fábricas, etc., e, o crescimento deste (Estado), se dá junto com a arte de governar, ou seja, com o controle das ações dos indivíduos.

Essas instituições, escolas, família, fábrica, etc. possuem força no saber e institui um controle sobre a sociedade, seja na vigilância hierárquica em escolas, por exemplo, onde inspetores vigiam alunos, em uma sanção normalizadora ou através de exames, onde estamos a todo o momento sendo examinados nas fabricas quem está bem e quem está mal; nas escolas através de aplicações de provas. O Poder está em todo lugar e não se concentra somente no Estado. O Estado, segundo Foucault, é só mais uma instituição e segue o caminho da sociedade geral.

Vale dizer, para Foucault Poder está em todo lugar e se baseia em saberes e discursos. Esses discursos mudam a cada época e todos nós estamos envolvidos nesses sistemas de discursos, e estes definem os procedimentos de exclusão, pois vai determinar quem pode e quem não pode falar sobre determinado assunto e o que pode e o que não pode ser falado. Conforme Foucault, sempre haverá uma multiplicidade de discursos, fazendo com que a sociedade, por suas instituições e pessoas estejam em conflitos. Não há uma coesão social, havendo sempre conflitos de idéias, de Poderes e Hierarquias. Para Foucault, a rigor, o mundo é desorganizado e nenhum grande discurso predomina na sociedade.

Não obstante o pensamento de Foucault, permeia nas sociedades modernas deste mundo globalizado, as relações de poder estabelecidas em cima de verdades produzidas, cujo interesse é a dominação e manutenção de um sistema de poder, vale dizer, dominação do homem através de práticas políticas e econômicas específicas. Esta verdade é produto de coerções, e, por isso, desencadeadora de diversos conflitos sociais.

A sociedade é dominada pelo pensamento do desenvolvimento científico e tecnológico e atua a favor dos mercados financeiros e econômicos, e do lucro. Assim, o Estado está à frente, conduzindo as massas a favor do mercado de consumo, e não o contrário. O Estado possui o aparelho de dominação em várias perspectivas, notadamente, pelo plano de ação política e pelo critério de Justiça Social, de modo a estabelecer a igualdade, a liberdade e a fraternidade entre os indivíduos, detém o direito de soberania estatal, exercendo os mecanismos de disciplina, distribuídos nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, na clássica divisão de poder, proposta por Montesquieu.

Na obra Microfísica do Poder, de Michel Foucault, percebe-se que os mecanismos de Poder são exercidos em todos os ângulos do aparelho de Estado, vale dizer, o Poder devem emanar deste centro. Por exemplo, como o Estado moderno construiu verdades para justificar suas práticas em relação aos homens governados. Todavia,  Foucault não cria um monopólio de Poder estatal, isto é, o Estado não detém o Poder absoluto em suas mãos, mas ao lado deste havia uma rede de micro poderes. Assim, o Poder não deve ser visto como algo que flui de um centro, mas a partir dos pólos ou extremidades..

Como afirma Foucault, o que é Poder?  Foi necessário esperar o Séc. XIX para saber o que era exploração, mas talvez ainda, não se saiba o que é Poder. E Marx e Freud talvez não sejam suficientes para ajudar a conhecer esta expressão tão enigmática, visível e invisível, presente e oculta, investida em toda parte, que se chama Poder[27].

Para Foucault o Poder não deve ser entendido como em termos de Soberania, como uma proibição ou imposição de uma lei. Muitos entendem ou relacionam Poder a algo extremamente dotado de significado negativo e repressivo. Como também acreditam que o Poder é algo que se possui e que se manipula. Para isso é necessária a presença de um indivíduo que o tenha em suas mãos e nele o centralize.

Foucault diz que o Poder se exerce e que ele não está centralizado nas mãos do homem, mas, que funciona como uma maquinaria, não localizada, disseminada por toda a estrutura social. O Poder está em toda parte , pois provém de todos os lugares. Michel Foucault diz no Capítulo Poder e Corpo, da obra Microfísica do Poder[28], que o aparelho do Estado não seja importante, mas que parece que, entre todas as condições que se deve reunir para não recomeçar a experiência soviética, para que, o processo revolucionário não seja interrompido, uma das primeiras coisas a compreender é que, o Poder não está localizado no aparelho de Estado e que nada mudará na sociedade se os mecanismos de Poder que funcionam fora, abaixo, ao lado do aparelho de Estado a um nível muito mais elementar, quotidiano, não forem modificados.

No Capítulo Soberania e Disciplina, Foucault se opõe a Thomas Hobbes, pensador absolutista, visto que não enxerga o Soberano no topo, mas os súditos na base. Os teóricos absolutistas entendiam o Monarca como a alma do Estado. Foucault vê o povo como tal, não negando assim o Poder estatal, mas atribuindo ao povo uma participação antes não vista. Na verdade, Foucault não enxerga o Poder como um fenômeno de dominação homogêneo de um indivíduo sobre os outros, mas como algo que circula e que funciona em cadeia, ou seja, o Poder não se aplica aos homens, ele passa por eles.

Foucault afirma que o Poder é a ação sobre as ações. Ele sustenta que na vida em sociedade, um individuo também age sobre ações de outros indivíduos e vice e versa.  No trabalho, na família, na igreja, etc,  percebe-se que  o Poder, como instrumento de ação, circula ou  se transmite em rede e que não é, essencialmente, repressivo,  produzindo, suscitando coisas, como também se exerce e atua em rede social. Portanto, na sociedade existem múltiplas sujeições, em que todos individuos agem e sofrem  as ações de um Poder  imediato que atua diretamente em todos, vale dizer, nos corpos, não provindo proprioamente do Estado ou de um Poder Soberano.

O Poder disciplinar dentro das fábricas européias do século XIX, por exemplo, acabou por promover as greves  operárias. A greve, então, deve ser vista como uma forma ou mecanismo utilizado pelas massas para reivindicar  melhores condições de trabalho e de vida. Tantas vezes os trabalhadores levantaram-se contra a modernização das fábricas. Temiam ser substituídos pelas tecnologias máquinas, temiam, enfim, perder os postos de trabalho, perder o lugar que lhes pertencia a gerações.

A Revolução Francesa. A partir de 1786 a França enfrenta dificuldades econômicas, como a crise da indústria, uma seca reduz a produção de alimentos, além de um endividamento crescente, e a incapacidade do Rei Luiz XIV para enfrentar a crise financeira do Estado, desencadeiam em 1789, a Revolução Francesa. A Revolução francesa foi um movimento social e político que transforma profundamente a França de 1789 a 1799. Sob o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, a burguesia revolta-se contra a monarquia absolutista e com ao apoio popular, toma o Poder, instaurando a República. Os revolucionários acabam com os privilégios da Nobreza e do Clero e livraram-se do das instituições feudais.

No fim do Século XVIII a sociedade francesa divide-se em três Estados. Cerca de 98% da população pertence ao Terceiro Estado, sendo grandes e pequenos burgueses, trabalhadores rurais e milhares de camponeses.  Com pesados impostos eles sustentam o Rei absolutista Luiz XIV, o Clero, que se encontra no Primeiro Estado, e a Nobreza, que se encontra o Segundo Estado. Com dificuldades financeiras e crises na produção de alimentos o Rei convoca uma Assembléia em maio de 1789. A população se envolve em revoltas, e em 14/07/1789, realiza a Tomada da Bastilha, prisão que simbolizava o Poder Monárquico. Em agosto de 1789 é aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Em 1791 é instituída a Constituição Francesa, que conserva a Monarquia, mas institui a divisão de poder em Executivo, Legislativo e Judiciário, além proclamar a igualdade civil e o confisco dos bens da Igreja.

Segundo Foucault, a Revolução Francesa seria a prova mais efetiva de que de que o Poder não pertence ao Estado ou a um homem, mas sim, é exercido por todos. O Povo é soberano!

8 Considerações finais. 

Pode-se concluir que o Estado é a maior manifestação ou expressão de Poder, seja pela vontade divina, seja naturalmente, seja por um contrato social, na medida em que a sua constituição originou-se do consentimento dos homens, ou de boa parte deles.

O Estado possui o aparelho de dominação em várias perspectivas, notadamente, pelo plano de ação política e pelo critério de Justiça Social, de modo a estabelecer a igualdade, a liberdade e a fraternidade entre os indivíduos, e detém o direito da soberania estatal, pela qual exerce os mecanismos de disciplina, distribuídos nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, na clássica divisão de Poder proposto por Montesquieu (1689-1755), e dotado de um Poder supremo, e é capaz de até decidir sobre a vida e a morte das pessoas.

Do ponto de vista pensamento de Foucault, o Poder, para ser eficaz deve produzir uma positividade, de tal modo que o desdobramento da vida social tem, como preço, o adestramento do corpo, seu disciplinamento. Hoje se pode compreender Foucault, com mais clareza, muito do que este filósofo já ensinou, principalmente acerca dos dispositivos, da repressão e do bio-poder, notadamente, na obra, em Vigiar e Punir, Foucault afirmou que se deve deixar de descrever sempre os efeitos do Poder em termos negativos, porque, para ele, o Poder produz realidade, produz campos de objetos e rituais da verdade.

Para Foucault, o Estado não é mais o Poder Central para discutir politicamente os interesses dos indivíduos. O Estado tem importância tão relevante quanto às outras instituições existentes na sociedade como as Escolas, na Universidade, na Família, nas Fábricas, nas Organizações Privadas, etc., e, o crescimento deste (Estado), se dá junto com a arte de governar, ou seja, com o controle das ações políticas sobre indivíduos. Nesta perspectiva, Foucault acreditava, por exemplo, que a prisão, mesmo que fosse exercida por meios legais, era uma forma de controle e dominação burguesa, no intuito de fragilizar os meios de cooperação e a solidariedade do proletariado.

Foucault afirma que o Poder é a ação sobre as ações. Ele sustenta que na vida em sociedade, um individuo também age sobre ações de outros indivíduos e vice e versa.  No trabalho, na família, na igreja, etc,  percebe-se que  o Poder, como instrumento de ação, circula ou  se transmite em rede e que não é, essencialmente, repressivo,  produzindo, suscitando coisas, como também se exerce e atua em rede social. Portanto, na sociedade existem múltiplas sujeições, em que todos individuos agem e sofrem  as ações de um poder  imediato que atua diretamente em todos, vale dizer, nos corpos, não provindo propriamente do Estado ou de um Poder Soberano.

Foucault sustenta, enfim, que se deve deixar de descrever sempre os efeitos do Poder em termos negativos, uma vez que o Poder produz realidade, produz campos de objetos e rituais da verdade para o homem e a para a sociedade.

Finalmente, de forma essencial, na Filosofia contemporânea, abandonar a visão e a discussão macroscópica e se focar na visão microscópica do Poder, como fez Foucault, na obra Microfísica do Poder, possibilita captar a perspectiva do entendimento de questões, para as quais, o pensador nomeou como Pequenos Poderes, exercidos por pessoas ou grupos que consideram que, de fato, existem pessoas superiores em relação às outras pessoas, e que o Poder hoje não é apenas o Poder Soberano do Estado.

Referências
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Notas:
[1]Marcelo Gleiser. A Dança do Universo. Editora Schwarscz Ltda. São Paulo. 2010. p. 19-22.
[2] Tomas Hobbes. Leviatã. Tradução Rosnia D’Angina. Ícone Editora. São Paulo. 2008.
[3]  BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. São Paulo: Editora Saraiva. 1986, p. 04.
[4] René Dellagnezze. Soberania – O Quarto Poder do Estado. Cabral Editora e Livraria Universitária. Taubaté-SP. 2011, p. 42.
[5] Charles Louis de Sècondat, Barão de Lede e Montesquieu. Do Espírito das Leis, p.729 (Charles Louis de Sècondat)
[6] René Dellagnezze. Soberania – O Quarto Poder do Estado. Cabral Editora e Livraria Universitária. Taubaté-SP. 2011, p. 37.
[7] FERREYRA, Raúl Gustavo. Constituição e Direitos Fundamentais. Linus Editores. Porto Alegre, RS, 2014, p. 43, 44, 62,63.
[8] FERREYRA, Raúl Gustavo. Fundamentos Constitucioinales. Editora Ediar. Buenos Aires, Argentina, 2013.
[9] LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. 2. ed. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Ariel, 1976, p. 154.
[10]  CALOMENI, Tereza Cristina Barreto. Michel Foucault: entre o murmúrio e a palavra. Campos, RJ: Editora Faculdade de Direito de Campos, 2004, p. 178.
[11] FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 180.
[12] Santo Tomás de Aquino. GARVEI, James e STANGROON, Jeremy. Os Grandes Filósofos. Tradução: André Oídes. São Paulo. Editora Masdras. 2009, p.34-38.
[13] MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Editora Saraiva. 1998, p. 185.
[14] MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Editora Saraiva. 1998, p. 323.
[15] MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Editora Saraiva. 1998, p. 323.
[16] DIAS, Reinaldo. Ciência Política. São Paulo, Atlas, 2010, p. 32.
[17] DUVERGER, Maurice. Ciência Política – Teoria e Método. 3. Ed. Rio de Janeiro,  Zahar, 1981, p. 15.
[18] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Oeuvres Complètes. Paris, Gallimard (Bibliotèque de la Pléiade), 1964. V. 3, p 429.
[19] MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma Breve Teoria do Poder. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, SP. 2009.
[20] Karl Marx (1818 – 1883), filósofo alemão, pregava uma revolução internacional que derrubasse a burguesia e implantasse o comunismo, sociedade sem classes, formada pelo proletariado. Sua obra mais importante é “O Capital”.
[21]Jeremy Bentham.Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação. São Paulo. Nova Cultural.1989.
[22] FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. Organização e Tradução, Roberto Machado. Rio de Janeiro,   Graal, 22 ed. 2006, p.12.
[23] Immanuel Kant. Crtica da Razão Pura, publicada em 1781.
[24] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da Violência Nas Prisões. Tradução de Raquel Ramalhete; Petrópoles,  Editora Vozes.26 ed 2002, p.30.
[25] Nicolau Maquiavel. Foi um Pensador italiano, do renascimento. É reconhecido como fundador do pensamento e da Ciência Política moderna, pelo fato de ter escrito sobre o Estado e o Governo como realmente são e não como deveriam ser. Os recentes estudos do autor e da sua obra admitem que seu pensamento foi mal interpretado historicamente. O Príncipe é o livro mais conhecido de Maquiavel e foi publicado postumamente, em 1532.
[26] François de La Mothe Le Vayer. Filósofo francês do Século XVII, é autor do Diálogo sobre o tema da Divindade, que faz parte de uma obra maior, Os Diálogos feitos à imitação dos antigos, publicada sob pseudônimo por volta de 1630. Às vezes considerado um libertino erudito, outras vezes um cristão genuíno, Le Vayer notabilizou-se por tentar conciliar ceticismo e cristianismo. Essa empreitada conceitual, que o levou a refletir sobre a relação entre a fé e os limites da razão, é exposta como ousadia em o ‘Diálogo sobre o tema da Divindade, nunca antes traduzido para o português.
[27] FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. Organização e Tradução Roberto Machado. Rio de Janeiro,   Graal, 22 edição, 2006, p 75.
[28]  FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. Organização e Tradução Roberto Machado. Rio de Janeiro,   Graal, 22 edição, 2006, p 149-150.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

René Dellagnezze

 

Advogado; Doutorando em Direito das Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Brasília UNICEUB; Mestre em Direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo UNISAL; Professor de Graduação e Pós Graduação em Direito Público e Direito Internacional Público no Curso de Direito da Faculda de de Ciências Sociais e Tecnológicas – FACITEC Brasília DF; Ex-professor de Direito Internacional Público da Universidade Metodista de São Paulo UMESP; Colaborador da Revista Âmbito Jurídico www.ambito-jurídico.com.br; Advogado Geral da Advocacia Geral da IMBEL AGI; Autor de Artigos e Livros entre eles 200 Anos da Indústria de Defesa no Brasil e Soberania – O Quarto Poder do Estado ambos pela Cabral Editora e Livraria Universitária. Contato: [email protected]; [email protected].

 


 

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