Os aspectos jurídicos e sócio-culturais da publicidade voltada ao público infantil na atualidade

Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar a questão da publicidade voltada ao publico infantil à luz do Código de Defesa do Consumidor e sob as perspectivas sociais contemporâneas. Para tanto, busca-se analisar a legislação específica – tanto de ordem consumerista, como publicitária – bem como os principais aspectos sócio-culturais do público infantil atualmente. Estabelecidas tais premissas, serão analisados os aspectos que podem ser aprimorados na legislação pátria sobre o tema.[1]

Palavras Chaves: Publicidade. Infantil. Abusividade. Proteção. Código de Defesa do Consumidor. 

Abstract: This article intends to analyze the issue of advertising aimed to children in the light of the Consumer Protection Code and under the contemporary social perspectives. Therefore, it seeks to analyze the specific legislation – both consumerist and advertising – and the main socio-cultural aspects of current children public. Established these premises, the aspects that can be improved in the Brazilian legislation on the subject will be analyzed.

Key Words: Advertising. Children. Unconscionability. Protection. Consumer Protection Code.

Sumário: Introdução. 1. O Conceito de Publicidade. 2. A Publicidade Voltada ao Público Infantil. 3. A Formação Cultural Infantil no Século XXI. Conclusão – A Publicidade Infantil Contemporânea. 

Introdução

A sociedade contemporânea do início do século XXI é dinâmica, globalizada e conectada. Seus anseios, frutos do processo histórico e das constantes mudanças ocorridas no século anterior, retratam um contexto em que a rapidez e a fluidez de informações inundam a vida de todos os indivíduos.

A conectividade interpessoal se mostra um fenômeno inerente a este tempo. Independentemente de idade ou classe social, todos têm acesso a qualquer tipo de conteúdo e são, ininterruptamente, "bombardeados" por informações dos mais variados os tipos possíveis: notícias, dados, imagens e, como não poderia deixar de ser, pela publicidade.

Se até meados do século XIX a humanidade engatinhava no que diz respeito à globalização e à conectividade entre as pessoas, os acontecimentos do século XX mudaram significativamente esta condição. Os avanços dos meios de transporte e, principalmente, dos meios de comunicação moldaram a sociedade atual: enquanto antes uma notícia demorava meses para atravessar os oceanos, hoje a informação é veloz e praticamente instantânea.

A prevalência do capitalismo sobre o bloco socialista também influenciou de maneira significativa a sociedade contemporânea. O estímulo ao comércio e ao giro da economia é constante. Novos produtos são lançados diariamente, inundando o mercado com uma variedade de opções.

Neste contexto, em que praticamente não mais existe uma divisão ideológica, nos encontramos em um caminho sem volta. É clara a necessidade de vender e produzir cada vez mais, sob pena de estagnação social e falta de investimentos. Os principais agentes do mercado, portanto, demandam de um catalisador, de um incremento que respalde e alimente sua produção.

A publicidade, desta maneira, incide como fator essencial para escoamento da produção econômica. Se qualidade e preço são fatores primordiais para que um produto seja aceito pela população, a publicidade é a via responsável por apresentá-lo a sociedade e, em muitos casos, estimular o seu consumo, mesmo que o binômio preço/qualidade esteja aquém da mensagem destinada ao consumidor final. Como é sabido, uma publicidade bem feita, que expõe a marca e chama a atenção do consumidor, muitas vezes traz muito mais retorno ao fornecedor do que a qualidade e o preço em si.

Em suma, como diz o popular provérbio português: "a propaganda é a alma do negócio".

Dentro desse cenário, onde é necessária a constante exposição daquilo que se vende e se produz, emerge o interessante debate acerca da publicidade voltada ao público infantil.

Atualmente, muito tem se discutido se a publicidade voltada a este público seria legalmente abusiva e nociva à sua formação. Argumenta-se, inclusive, que a criança seria capaz de influenciar seus pais na tomada de decisão sobre tal ou qual produto adquirir, mesmo sendo o ente mais vulnerável da célula familiar.

Os defensores de tal ponto de vista também alegam que a publicidade infantil tem por escopo fidelizar os jovens, para que ao se tornarem adultos, sejam consumidores fieis de determinada marca.

Assim, é cada vez mais comum o entendimento de que o Estado deve inibir fornecedores de praticarem tais atos, limitando a publicidade somente àqueles indivíduos com maior grau de discernimento.

Em contraposição, contra argumenta-se que a publicidade infantil é algo natural e inerente a sociedade em que vivemos. Qualquer vedação à prática seria o mesmo que limitar a realidade de crianças, deixando-as à margem do que acontece no cotidianamente.

Nesta senda, também se afirma que cabe à família decidir o que seus filhos devem ou não ter contato e que, mesmo diante de qualquer publicidade, é função dos responsáveis decidirem sobre a aquisição do bem ou não, independentemente da vontade da criança.

Desta feita, ante aos pólos apresentados, o presente estudo visa analisar os principais aspectos da publicidade infantil, suas vantagens e prejuízos e, ao final, apresentar suas conclusões sobre o assunto.

1. O Conceito de Publicidade

A informação é o epicentro do novo milênio. Constantemente somos bombardeamos por uma avalanche de notícias, imagens e dados: celulares tocando freneticamente; jovens e adultos redigindo mensagens; celebridades distribuindo tweets; comunicação via Facebook; conteúdo digital em abundancia no Youtube e demais canais de comunicação. A isto, somem-se os bons e velhos televisão, rádio, cinema e mídia impressa.

Nesta conjuntura, altamente fomentada pelo capitalismo e pela sociedade de consumo, a publicidade assume importante papel como combustível do nosso modo de vida: "compre", "use" e "tenha" são verbos que, invariavelmente, fazem parte permanente do nosso cotidiano, atingindo a população sem qualquer distinção.

Uma vez devidamente instigada pela publicidade, a máquina social pode produzir, fornecer e inovar cada vez mais, mantendo vivo o ciclo de desenvolvimento que teve início no século XX e vive seu apogeu no alvorecer do século XXI.

Imiscuída dentro do tráfego incessante de informação, a publicidade tem por fim promover junto à população – potenciais consumidores – aquisição de produtos ou serviços, independentemente da plataforma midiática utilizada.

O termo publicidade é oriundo do latim publicus, que tem por significado divulgar, difundir, tornar de conhecimento geral.

Contudo, vale salientar que, se a publicidade é tida como forma de comunicação, não é toda informação transmitida que se enquadra como publicidade. Esta somente se configura quando há veiculação de conteúdo ligado a fins econômicos, ficando excluídas do campo publicitário as informações jornalísticas, dramatúrgicas, científicas, etc.[2]

Deste modo, tem-se que a publicidade é a técnica de transmissão de informação ao público com fins de lhe incutir o desejo de adquirir o produto ou o serviço anunciado.

O artigo 8º do código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária aduz que publicidade e a propaganda são "assim entendidas como atividades destinadas a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou idéias".

Em relação ao conceito de propaganda, apesar da utilização corriqueira de ambos os termos como sinônimos, existe clara diferenciação conceitual.

O vocábulo propaganda vem do latim propagare, significando enterrar, plantar, mergulhar.

Nota-se que ambos os institutos têm por escopo transformar e difundir opiniões, mas a propaganda pretende influenciar ou modificar a opinião da população acerca de certa ideologia, ao passo que a publicidade busca instigar o público a adquirir determinado bem ou serviço.

Em que pese a Constituição Federal não faça a referida distinção, como bem lembra Rizzatto Nunes[3] (para quem ambos os conceitos seriam sinônimos) adotamos posição divergente, dado o escopo de cada um dos institutos.

Em suma, uma possui fins ideológicos, a outra, fins comerciais.

Por fim, importante salientar as diferenças entre o conceito de publicidade e marketing.

Adalberto Pasqualotto, escorado na American Marketing Association, aduz que marketing "é a execução de atividades de negócios que encaminham o fluxo de mercadorias e serviços do produtor aos consumidores finais, industriais e Comerciais".[4]

Segundo o referido autor, com base nos ensinamentos de Keith J. Tuckwell, o marketing tem objetivo anterior à publicidade, vez que incidem em momentos diversos no processo de capitação do consumidor:

"O marketing elege um objetivo de mercado, em função do qual são definidos o produto, o preço, o modo de promoção e de comercialização. A publicidade vem depois, num conjunto de apoio ao lado da promoção de vendas, dos eventos e patrocínios, das relações públicas e do pessoal de vendas. E seu papel principal é influenciar o comportamento do público visado. Integrada desse modo ao processo de marketing, ela é definida como 'uma forma de comunicação persuasiva', destinada a obter uma resposta positiva (usualmente uma compra) de um alvo de mercado pré-definido".[5]

 A publicidade, vê-se, está dentro das práticas do marketing, pois é uma das engrenagens de uma macro estratégia para um determinado produto conquistar uma determinada fatia do mercado.

Em termos jurídicos, apesar da existência da norma da classe publicitária já referida, o Código de Defesa de Consumidor não traz nenhuma definição do conceito, dispondo apenas de mandamentos de ordem instrumental.

Por outro lado, a Lei 4.680/65, ao dispor sobre a publicidade, ainda que erroneamente sob a rubrica de propaganda, define-a em seu artigo 5º como "qualquer forma remunerada de difusão de idéias, mercadorias ou serviços, por parte de um anunciante identificado".

 No que se refere à legislação estrangeira, a Diretiva nº 84/450 da União Européia, de 10 de junho de 1984, em seu artigo 2º, 1, conceitua publicidade como "qualquer forma de comunicação feita no âmbito duma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal tendo por fim promover o fornecimento de bens ou de serviços, incluindo os bens imóveis, os direitos e as obrigações".

Tal diretiva foi amplamente recepcionada pelos países europeus, que acrescentaram o conteúdo em suas legislações internas, e.g. o artigo 2º, "a", do Decreto legislativo nº 145/2007 na Itália[6]; o artigo 2º da Ley General de La Publicidad nº 34/1988 na Espanha[7]; e o Decreto Lei 330/90 de Portugal[8], que mais do que meramente incorporar os ditames da diretiva, acrescentou que "considera-se, também, publicidade qualquer forma de comunicação da Administração Pública, não prevista no número anterior, que tenha por objectivo, directo ou indirecto, promover o fornecimento de bens ou serviços".

No âmbito doutrinário nacional, Cláudia Lima Marques estabelece que "publicidade é toda e qualquer informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto aos consumidores a aquisição de um produto ou serviço, qualquer que seja o local ou meio de utilizado".[9]

No mesmo sentido, Carlos Alberto Bittar entende que a publicidade seria "a arte e a técnica de elabora mensagens para, por meio de diferentes formas de manifestação e de veiculação, fazer chegar aos consumidores determinados produtos ou serviços, despertando neles o desejo de adquiri-los ou deles dispor".[10]

Jean-Marie Auby e Robert Ader-Ducos, ao versarem sobre direito de informação, definem publicidade "comme l'ensmble dês proce´des techniques destines à attier l'attencion du public, em l'informant sur um produit, um service ou une action, pour Le convaincre de l'achester, de l'utiliser ou d'y particier".[11]

Segundo a American Associaton of Advertisin Agencie[12], por sua vez, arrazoa que "advertising is any form of impersonal, ONE WAY, paid communication in which the sponsor or company is identified".[13]

Por fim, em Portugal, Carlos Alberto de Almeida dispõe que publicidade é "toda e qualquer forma dirigida ao público com objectivo de promover, directa ou indirectamente, uma actividade econômica".[14]

Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, escorado em Doroty Cohen, mostra ainda o caráter massificado da publicidade, vez que se pretende atingir determinado nicho social, com vistas a convencê-lo a demandar por determinado produto ou serviço.[15]

2. A Publicidade Voltada ao Público Infantil

Atualmente, muito se discute a prejudicialidade da publicidade destinada ao público infantil.

Os principais argumentos daqueles que se posicionam contra tal prática seriam (i) que os meios publicitários se aproveitariam da falta de discernimento desse público para incuti-lo a consumir determinado produto; (ii) que muitas vezes os anunciantes procuram criar laços de afetividade com as crianças a fim de conquistar um mercado futuro; (iii) que em função da influência que os infantes exercem na família, haveria maior poder de persuasão aos pais sobre tal ou qual produto comprar.

Conceitualmente, a publicidade infantil é tida como toda e qualquer mensagem comercial diretamente voltada ao público com idade até 12 anos[16], com fins de persuadi-lo a consumir um determinado produto ou serviço.

O cerne da discussão emerge se o fato de a incapacidade cognitiva da criança, legalmente limitada aos 12 anos de idade, a tornaria parte de um público ingênuo, altamente seduzível, gerando possíveis implicações na sua formação e na vida de seus familiares.

Argumenta-se, com base no artigo 37, §2º do Código de Defesa do Consumidor[17], que qualquer mensagem publicitária voltada a este público teria notório caráter abusivo, razão pela qual deveria ser banido qualquer anúncio voltado a este segmento social.

De fato, não se pode negar que a condição cognitiva de uma criança está aquém de uma adolescente ou a de um adulto, motivo porque este público deve ser resguardado de qualquer mensagem, publicitária ou não, que atente contra sua condição social.

Em atenção ao princípio da proteção integral consagrado pelo ECA[18], o fim da norma consumerista é coibir justamente aquela publicidade que, em patente má-fé, se aproveite da condição mental da criança para instigá-la a forçar seus familiares a lhe comprar esse ou aquele produto.

Será publicidade abusiva contra o menor, portanto, toda aquela que se em função da vulnerabilidade do menor, que faça uso da sua incapacidade cognitiva como meio ardil, ludibriador, desprovido de ética e lisura.

Assim, se uma determinada campanha voltada ao publico infantil é responsável por incutir valores em descompasso com o princípio da moralidade e da boa-fé, promovendo o consumismo exacerbado e a competitividade entre os infantes, por certo que tal veiculação será não só abusiva, como contrária aos interesses sociais.

Exemplo clássico é a campanha publicitária das Tesouras Mundial Mickey e Minnie do ano de 1992[19].

Tratava-se de vídeo de certa de 15 segundo, em que uma criança repetidamente dizia "eu tenho e você não tem", exibindo sua tesoura, enquanto ao final um narrador proferia "chegaram as tesouras Mickey e Minnie da Mundial. Só você ainda não tem".

Por óbvio que tal campanha era abusiva, visto que estimulava a competitividade, impondo àquelas crianças que não possuíam o produto uma condição de refugo em relação àquelas que o tinham. O intuito do fornecedor era justamente, através do sentimento de não se sentir excluído no seu meio social, impor às crianças a aquisição das referidas tesouras, sob pena de ficarem à margem em relação aos demais.

O fim do disposto no Código de Defesa do Consumidor é impedir que publicidades como essa venham a atingir tal público, desestimulando a convivência harmônica e, através de meios questionáveis, promoverem o aumento nas vendas.

Diógenes Farias de Carvalho e Thaynara de Souza Oliveira, no mesmo entendimento, complementam:

"Toda a lógica do sistema consumerista em termos de proteção á criança frente à publicidade se resume ao respeito de sua condição de hiper vulnerável, a qual decorre de sua deficiência de julgamento, inexperiência, condição de pessoa em desenvolvimento, etc. O principio geral da propriedade de proteção à criança instituído na Magna Carta resta, pois, observado no Direito do Consumidor, em especial no campo da publicidade em que as crianças são mais vulneráveis no mercado".[20]

No entanto, muito talvez em função da redação da norma descrita no Código Consumerista, é cada vez mais recorrente o entendimento de que toda e qualquer publicidade voltada ao publico infantil seria passível de abusividade.

A premissa, entretanto, é equivocada.

A abusividade se configura não somente quando o agente se aproveita da condição do infante pra transmitir determinada mensagem comercial. Independentemente do público a que se destina, a abusividade ocorrerá sempre que a campanha for contra a respeitabilidade social; provocar todo e qualquer tipo de discriminação; ofender convicções pessoais; ou instigar comportamentos abominados pelo interesse público.

Assim, vê-se que abusividade não possui destinatário ou faixa etária. Basta possuir qualquer uma destas características para que seja passível de suspensão, independentemente do público alvo que se buscou atingir.

O caso das tesouras supra mencionado era abusivo não pelo fato de que se destinava ao público infantil, mas porque carregava valores frontalmente contrários ao interesse social. Buscar atingir crianças é apenas um agravante, mas não a causa da abusividade. Seja aos olhos de um adulto, seja aos olhos de um infante, uma campanha que instiga o consumismo e a competitividade entre as pessoas é naturalmente abusiva.

Conforme bem salienta Rizzatto Nunes[21]:

"O caráter da abusividade não tem necessariamente relação direta com o produto ou sérico oferecido, mas sim com os efeitos da propaganda que possam causar algum mal ou constrangimento ao consumidor".

De outro lado, nos parece muito mais efetiva a prestação legal contida no artigo 37 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária[22].

Trata-se de norma intuitiva, auto explicativa e muito mais precisa do que o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, pois foge do lugar comum de simplesmente dispor que toda e qualquer publicidade voltada ao público infantil seria abusiva.

Em seu teor, o que se pretende coibir é que se produza publicidade que prejudique a formação dos indivíduos, transmitindo valores nocivos à moralidade e a convivência harmônica da sociedade.

De maneira especificada, o dispositivo aborda minuciosamente cada aspecto que deve ser evitado quando da criação de uma mensagem comercial ao público infantil. Veja-se:

"a) – desmerecer valores sociais positivos, tais como, dentre outros, amizade, urbanidade, honestidade, justiça, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio ambiente".

 Independentemente do público alvo, não pode qualquer publicidade atentar contra a harmonia social e os valores necessários para o convívio com o próximo. Tal fato se torna ainda mais importante em se tratando da publicidade infantil, visto que estando este público ainda em formação cognitiva, é preciso que se preze pela educação sócio cultural das gerações futuras.

"b) –  provocar deliberadamente qualquer tipo de discriminação, em particular daqueles que, por qualquer motivo, não sejam consumidores do produto".

O item "b" segue a mesma linha do anterior, sendo direcionado às práticas discriminatórias. Não é socialmente desejável que haja qualquer tipo de segregação entre aqueles que adquirem o produto ou não, não servindo a propaganda como meio de coerção social para sua aquisição. A alínea também se aplica a toda e qualquer maneira de discriminação, seja ela racial, étnica, religiosa ou de gênero, em plena consonância com os valores dispostos no artigo 5º da Constituição Federal.

"c – associar crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua condição, sejam elas ilegais, perigosas ou socialmente condenáveis";

Neste dispositivo podemos facilmente perceber sua identificação com o princípio da proteção integral contido no Estatuto da Criança e do Adolescente. Busca-se coibir qualquer situação que coloque os infantes em incompatibilidade com sua condição, seja ela física, psicológica ou social.

O intuito do referido item, além garantir que o público infantil não se sinta instigado a adquirir produtos que não são compatíveis com sua menoridade, visa também inibir qualquer publicidade com conteúdo adulto, ainda que versando sobre produtos destinados ao uso infantil, o que seria claramente impróprio para esta faixa etária.

"d – impor a noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade".

No mesmo sentido do que aduz a alínea "b", pretende-se impedir que se utilize a publicidade como meio de segregação em função da aquisição de terminado produto ou serviço. Este dispositivo, ao que nos parece, expõe de maneira mais clara e direta aquilo que pretendeu o legislador ao editar o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, quando da vedação de práticas comerciais abusivas.

Tal fato se observa na medida em que, enquanto a norma consumerista se limita apenas a classificar como abusiva a campanha que se "aproveitar da deficiência de julgamento e experiência da criança", a norma publicitária é direta e possui caráter objetivo, sem deixar ao subjetivismo do julgador a análise sobre a ocorrência de abusividade ou não.

"e – provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, ou molestar terceiros, com o propósito de impingir o consumo".

Neste ponto, percebe-se a preocupação da norma não somente com a proteção e o desenvolvimento dos infantes, mas também com a célula familiar, demonstrando mais uma vez o alinhamento com o direito constitucional. Isto se percebe, pois, da mesma forma que se protegem os menores, não podem os pais, a despeito do exercício de seu poder familiar, se sentirem coagidos pela própria publicidade a adquirir tal ou qual produto aos seus filhos.

Importante salientar que não se trata da pressão que as crianças possam exercer sobre seus genitores, mas sim a pressão que a mensagem comercial exerce sobre os últimos. Toda e qualquer influência do menor sobre os pais se restringe ao Direito de Família e à autoridade que estes impõem quando da educação dos seus filhos.

Assim, a norma veda a publicidade que constranja os responsáveis pelo menor a adquirirem um determinado produto. Não há se falar, portanto, na influência que os filhos exercem sobre os pais para o consumo de determinado bem, vez que cabe a estes, como provedores do lar, a imposição de limites na satisfação dos desejos dos menores.

"f – empregar crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto".

Em se tratando de uma mensagem destinada ao público infantil, nada mais efetivo do que uma criança falando para as outras. Em que pese, em princípio, a prática não seja ofensiva, a configuração da situação se altera quando o agente publicitário faz uso de ardis para persuadir o público alvo a adquirir determinado produto.

Pretende-se inibir que determinada publicidade que faça uso de um protagonista infantil venha a incutir no público alvo, através do natural dialogo que se cria, o sentimento de que deve este ter ou usar determinado produto, sob pena de exclusão de seu circulo social, assim como se viu nas líneas anteriores.

É o caso, pois, da publicidade sobre as tesouras acima mencionada. Além de apelar para o sentimento de aceitação social, tão caro aos infantes, a campanha é estrelada por uma criança que, certamente, reflete a condição do publico alvo. A prática é, indubitavelmente, muito mais eficiente ao fornecedor para atingir esta faixa de mercado, do que se o garoto propaganda fosse um adulto, ainda que reproduzindo o mesmo texto. 

"g – utilizar formato jornalístico, a fim de evitar que anúncio seja confundido com notícia";

Neste tocante, mais uma vez se busca atingir aos pais do que a própria criança. Como é sabido, são poucos os menores que de fato se debruçam sobre os noticiários e jornais. Nem mesmo poderia ser diferente, visto que seu papel social é brincar e se divertir.

Os pais, por outro lado, visam sempre o melhor aos seus filhos, de maneira em que, caso seja travestida uma publicidade como matéria jornalística, esta abandonará a sua função conativa e assumirá caráter informativo e educacional.

Assim, se os pais, ao assimilarem o conteúdo veiculado como algo sério e que, quase cientificamente, pode trazer maior benefício a sua família, por certo que estarão persuadidos trazer o produto ao seio familiar.

Por isso, veda-se esta prática, devendo o anunciante deixar claro que toda publicidade é de fato uma publicidade.

"h – apregoar que produto destinado ao consumo por crianças e adolescentes contenha características peculiares que, em verdade, são encontradas em todos os similares".

Assim como o dispositivo anterior, este se volta muito mais aos pais do que aos menores. Isto porque, visando sempre o melhor desenvolvimento dos filhos, os genitores tendem a buscar os produtos que melhor se adéquam às necessidades dos seus filhos. Tal fato muitas vezes é visto no mercado farmacêutico e alimentício, quando certo complemento ou alimento afirma possuir propriedades que são melhores ao desenvolvimento infantil do que os produtos tradicionais.

Contudo, não pode o produto afirmar ser algo que não é. Se este é similar aos demais, apenas utilizando-se de técnicas publicitárias para vender uma característica que não possui, a publicidade não pode ser tida como leal, configurando, inclusive, o seu caráter enganoso, nos termo do §1º do Artigo 37 do CDC.

"i – utilizar situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir medo";

Por fim, se o fim da publicidade é a persuasão para a aquisição de um serviço ou produto, não pode esta atuar de maneira coercitiva, exercendo qualquer pressão psíquica ou incutindo o sentimento de opressão para que se dê a referida compra.

Como se vê, o Código de Autorregulamentação Publicitária, contemporâneo do projeto que deu origem ao atual Código de Defesa do Consumidor, possui o mérito de ser muito mais específico e eficaz quando da análise jurídica de publicidades voltadas ao público infantil.

Embora tenha sua incidência majorada sob a esfera administrativa, muito mais producente seria se suas diretrizes fossem incorporadas ao Código de Defesa do Consumidor que, ainda altamente genérico, não reflete de fato a formação sócio cultural das crianças e adolescentes desta atual geração, conforme se mostrará a seguir.

3. A Formação Cultural Infantil no Século XXI

O século XXI é o século da comunicação. Em função da alta tecnologia que nos circunda, seja através da internet, da televisão, do rádio ou de qualquer outro meio, constantemente recebemos milhares de informações vindas de todas estas mídias.

Em meio a este cenário, se desenvolve a atual geração de crianças e adolescentes. Se até poucos anos as crianças cresciam brincando na rua ou em lugares abertos, hoje a situação é bem diferente.

Seja pela alta tecnologia, seja pela ausência de segurança que aflige os grandes centros, fato é que, atualmente, a interação social na infância se dá muito mais eletronicamente do que fisicamente. Não são raros os casos em que vemos crianças com tablets, celulares e computadores, se divertindo como se outro brinquedo qualquer fosse.

Em meio a tanta interação eletrônica, invariavelmente, mensagens comerciais são alvo da atenção diária do público infantil, seja através de propaganda nos intervalos comercias, anúncios de internet ou mesmo fruto jogos e aplicativos sociais.

Assim, parece-nos pouco crível que a leitura do artigo 37, §2º do Código de Defesa do Consumidor, à luz da contemporaneidade, leve a crer que a publicidade infantil é algo estranho a este público, já tão acostumado a este tipo de mensagem. A não ser que se pretenda que os coloquem dentro de uma bolha, totalmente isolados da realidade dos demais, é preciso que se faça uma análise do dispositivo à luz do momento social atual.

Não é plausível, quanto menos desejável, seja por fins sociais ou mercadológicos, que toda e qualquer mensagem comercial destinada ao publico infantil seja considerada abusiva. Tal pensamento, radical e pouco razoável, beira ao anacronismo de alguns que, a todo custo, visam impor sua opinião e banir este viés de mensagem publicitária.

O mercado é pulsante e demanda atenção dos consumidores, independentemente de sua idade. Como se disse previamente, a abusividade não faz distinção entre novos e velhos, entre maduros e imaturos. Ela simplesmente existe. O fato de ser destinada a um público em formação, quando configurada, será um fator agravante, mas não a causa da abusividade em si.

O debate acerca da publicidade infantil não é novo, mas se trata de assunto recorrente nas rodas jurídicas voltadas ao direito do consumidor. Seguindo uma tendência verificada em países como a Noruega e a Suécia, bem como na Província de Quebec, no Canadá, onde há total proibição à publicidade infantil, alguns institutos de defesa do consumidor têm se posicionado pela adoção da mesma restrição no ordenamento jurídico pátrio.

A nosso ver, parece descabido que a legislação vigente se posicione desta maneira.

Virgilio Afonso da Silva, contudo, se mostra amplamente favorável a tal posicionamento, defendendo a ampla intervenção do Estado para a restrição de mensagem comercial de determinados produtos ao público infantil.

Em parecer encomendado pelo Instituto Alana, defende o autor que não se trata de ação paternalista do Estado, mas que este estaria zelando pelo bem estar desta população[23]:

"No Brasil e no mundo, crianças de menos de 12 anos, embora não devessem ser consideradas como consumidoras, estão expostas a uma excessiva carga de publicidade pensada e desenvolvida especialmente para elas. Parte considerável dessa publicidade pretende dialogar diretamente com essas crianças, com o objetivo de vender produtos alimentícios com altos teores de açúcar, sódio e gorduras".

Prossegue o Autor no sentido de que uma das maiores críticas a esta vedação seria de que qualquer intervenção estatal na educação dos infantes seria uma substituição indevida da tarefa paterna e materna[24]:

"Uma das maiores críticas a qualquer forma de restrição à publicidade dirigida a crianças é aquela que vê nessa restrição um ranço paternalista. De forma geral (embora possa haver algumas variações em seu conteúdo), essa linha critica pode ser resumida da seguinte forma: é função do pai e da mãe de uma criança educá-la e controlar o que essa criança irá consumir ou como ela irá se alimentar. Contrario sensu, não é tarefa do Estado se imiscuir nessa parte da educação das crianças".

Ato contínuo, apresenta sua contra argumentação e conclusão[25]:

"Quando se restringe a publicidade de determinados produtos ao público infantil, não se restringe, com isso, a liberdade que as famílias têm de definir a alimentação (ou os hábitos de consumo) de seus filhos e filhas. Se alguns pais e mães entendem que comer batata frita com refrigerante e sorvete é algo que deve ser permitido a seus filhos apenas uma vez ao mês, enquanto outros pensam que isso pode ocorrer uma vez por semana, enquanto outros não impõem limitação alguma, porque confiam no bom senso de seus filhos e filhas, essa é uma liberdade que permanece intacta. E ela permanece intacta mesmo que a publicidade desses produtos seja restringida ou vedada por completo (da mesma forma que a proibição de um professor negar a teoria da evolução não implica uma menor liberdade dos pais para contar outra história a seus filhos e filhas). (…) Como se mostrou acima, a liberdade familiar permanece inalterada, não importa a quantidade de publicidade veiculada, não importa se o Estado se esforça ou não em informar as pessoas acerca dos efeitos nocivos desse ou daquele produto".

De fato, o Autor possui toda razão quanto a não restrição do Estado sobre a maneira como os pais decidem alimentar os filhos.

Contudo, o que não percebe é que ao pretender a restrição da publicidade infantil, retira-se dos educadores a possibilidade de escolha entre expor os filhos a tal conteúdo ou não.

Como já se salientou, basta acessar qualquer veículo de comunicação para que o consumidor, independentemente de idade, seja bombardeado por um sem fim de mensagens publicitárias de todos os tipos e gêneros.

Negar tal fato é negar o atual contexto social.

Obstar qualquer mensagem publicitária voltada ao público infantil implica, necessariamente, em impor aos pais que criem os seus filhos dentro de uma bolha, totalmente isolados da realidade que os espera no futuro.

Não nos parece possível se argumentar que os pais ainda poderiam, se assim desejassem, manter os filhos em contato com a publicidade regular, que não é feita e destinada ao público infantil.

É exatamente isto que não se deseja com a referida proibição. A publicidade infantil é feita sob medida a tal público: é lúdica, sem duplo-sentidos ou quaisquer outras figuras maliciosas que impliquem em atentado a sua condição de inocência.

Em suma, a publicidade infantil permite que as crianças tenham os primeiros contatos com o mercado, sem que sejam massivamente exposta a conteúdo que não lhes é próprio.

Em verdade, a restrição é prejudicial ao desenvolvimento sócio cultural de tal público. Uma vez que se não tiveram contato com mensagens comerciais quando crianças, sendo de certa forma, educados e desacostumados a tais veiculações, qual seria seu comportamento quando forem bombardeados por elas na idade adulta?

Por certo que tenderão a se tornarem consumistas e desprovidas de estrutura psíquica para lidarem com o ataque de publicidade que é inerente a vida adulta em sociedade.

Entendemos que a exposição cotidiana e direcionada e gerada pela publicidade infantil é muito mais benéfica do que o choque de realidade que o jovem teria ao encontrar algo que nunca fizera parte de sua formação.

Sob este aspecto, os defensores da vedação argumentam que a publicidade infantil seria um fator prejudicial à formação das crianças, tanto fisicamente, como em termos intelectuais[26]:

"Neste ponto, é interessante dar uma passada de olhos em pesquisa sobre publicidade infantil realizada pelo Datafolha. À pergunta 'os comerciais de fast food e de alimentos não saudáveis dirigidos às crianças prejudicam o hábito alimentar de seus filhos?', 79% dos entrevistados responderam que sim. E à pergunta 'os comerciais de fast food e de alimentos não saudáveis dificultam os seus esforços para educar seus filhos a se alimentar de forma saudável?', 76% dos entrevistados responderam afirmativamente".

Contudo, ao que nos parece, não há ainda um denominador comum sobre este respeito.

Em 2009, o governo do Reino Unido[27] realizou estudo sobre o impacto das mensagens comerciais sobre o aspecto psicológico das crianças ("The Impact of Comercial World on Children's Well Being"), onde concluiu que não há evidências concretas de que elas sejam perniciosas para o desenvolvimento infantil.

Em tradução livre de seu Sumário Executivo, às fls. 03 e 04 do documento acessível através do link disposto na nota de rodapé número 24, temos:

"As evidências sobre os riscos ou maus causados pelo mundo comercial ou sobre seus benefícios [às crianças] raramente são conclusivas. (…) Há algumas pesquisas que estabelecem associações entre aspectos do mundo comercial e efeitos negativos ao bem estar das crianças. Contudo, na maioria das áreas chave relativas à saúde física e mental, há pouquíssimas provas de qualquer relação de causalidade entre tais fatos. Poucos estudos definiram de forma clara a importância dos fatores comerciais em comparação com outras influências, como os pais e amigos. (…) Pesquisas sobre a socialização do consumo sugerem que as crianças gradualmente desenvolvem uma gama de habilidades e conhecimentos referentes ao mundo comercial que ajudam-nas a se prepararem para a vida adulta. As crianças não são nem as vítimas indefesas imaginadas por alguns de seus defensores, nem tampouco os consumidores experimentados e autônomos como alegam as pessoas do mercado. Contato com o mundo comercial é parte de suas experiências sociais cotidianas e é intermediado, em muito, por outras relações sociais como com família e amigos. (…) O mundo comercial proporciona, e sempre proporcionou, a maior parte da mídia que as crianças utilizam; e sem propagandas ou receitas de assinatura, tal mídia não existiria. Assim, o mundo comercial pode ser visto como oferecedor de muitas oportunidades às crianças em termos de entretenimento, criatividade, comunicação, aprendizado e experiências culturais que elas não teriam de outra forma. (…) O mundo comercial não vai desaparecer. Crianças e pais precisam entendê-lo e lidar com ele. Educação em termos de consumo e mídia, tanto em casa quanto na escola, oferecem uma estratégia importante neste ponto, embora sejam necessárias maiores avaliações".

Como se vê, o estudo de quase 200 laudas – elaborado por um dos Estados do planeta mais preocupado com o bem estar da população infantil –  deixa claro a pouca influência da publicidade infantil no desvio de sua formação.

Aliás, o que se observa e justamente o contrário: as mensagens comerciais infantis em verdade proporcionam diversão e entretimento, levando, inclusive a uma melhora de compreensão da realidade dos fatos inerentes ao contexto sociológico contemporâneo.

Na mesma esteira, o próprio CONAR (Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária) – entidade responsável pela regulamentação publicitária em âmbito nacional – tem adotado posicionamento no sentido de que nem toda publicidade voltada ao público infantil é nociva a este público alvo. Além disso, a entidade deixa claro seu entendimento de que no atual contexto social, é inviável que se afaste totalmente a criança de todo e qualquer conteúdo publicitário.

Tal posicionamento pôde ser observado no julgamento do Processo Investigatório 235/2013, julgado em 17 de março de 2015, no qual se questionou se o jogo de tabuleiro denominado "Super Banco Imobiliário", fabricado pela Estrela, por conter, e.g. dispositivo que imita máquina de cartão de crédito com a estampa da "MasterCard" ou ações fictícias relacionadas à marca Fiat, estaria implicando em publicidade abusiva destinada ao público infantil.

Prevaleceu a idéia de que o simples fato de os objetos conterem as referidas marcas não implicaria em qualquer prejudicialidade à formação dos menores, visto que, invariavelmente, as mensagens publicitárias fazem parte da formação cognitiva das crianças contemporâneas.[28]

Ademais, tal entendimento já se encontra firmado no Poder Judiciário, que dispôs não ser possível presumir que todo e qualquer material publicitário destinado ao público infantil seria, automaticamente, abusivo.[29]

Portanto, antes de se preceder com a classificação da publicidade infantil como abusiva ou não, é necessário que se proceda com a análise do contexto social em que ela se insere, visto que não é mais plausível que se trate a criança de hoje da mesma maneira que foram educadas as crianças de décadas atrás.

Verdadeiramente, o contato do público infantil com as mensagens publicitárias é mais benéfico do que prejudicial à sua formação cognitiva. Por óbvio, tais campanhas devem tomar todos os cuidados para não incutir neste público valores que sejam contrários aos anseios sociais, bem como evitar qualquer uso prejudicial da mensagem publicitário.

Em geral, nos parece mais saudável à formação do cidadão que desde cedo tenha contato com aquilo que irá encontrar em sua vida adulta, se  tomados todos os cuidados para que isto ocorra de maneira sóbria e equilibrada.

Conclusão – A publicidade Infantil Contemporânea

No decorrer deste artigo, que obviamente não pretendeu esgotar o debate sobre o tema, analisamos os conceitos modernos de publicidade, bem como de publicidade infantil, passando pelas principais polêmicas que circundam a questão.

Verificamos que o Código de Defesa do Consumidor, ao tipificar como abusiva toda e qualquer publicidade voltada ao público infantil, mostra certo anacronismo, que seria corrigido caso incorporasse em suas diretrizes os ditames contidos no Código de Auto-regulamentação Publicitária, muito mais moderno, meticuloso e condizente com a sistemática atual.

Em uma sucinta análise, discorremos sobre os principais argumentos daqueles que defendem o banimento deste tipo de mensagem comercial, os quais, como se demonstrou, não se sustentam se contrapostos ao atual contexto social em que crescem e se desenvolvem os infantes.

Demonstrou-se, ainda, que a publicidade em si não é prejudicial aos menores, mas, em verdade, os auxilia na busca da verdadeira compreensão do momento sócio cultural a humanidade atravessa.

Assim, concluímos que a manifestação publicitária voltada ao público infantil traz mais benesses do que ônus a esta audiência. Quando abusiva, ostentará tal condição não por conta da população a que se dirige, mas pelo conteúdo impróprio em si, razão pela qual deverá ser banida, independentemente da condição cognitiva de seus destinatários.

A fórmula de vida atual, capitalista e desenvolvida pelo consumo, é um caminho sem volta. A criação de nossos filhos passa não por colocá-los isolados e despreparados para a realidade que encontrarão no futuro, mas deixá-los, desde já, em contato com aquilo que será o seu dia-a-dia quando adultos, de maneira a não torná-los estranhos dentro de seu próprio mundo.  

 

Referências
ALMEIDA, Carlos Ferreira. "Conceito de Publicidade"  in Boletim do Ministério da Justiça de Portugal, nº 349/1985.
AUBY, Jean-Marie, ADER-DUCOS, Robert. Droit de l'inforation, Paris, Dalloz, 1982.
BENJAMIN, Antônio Herman Vasconvellos in GRINOVER, ADA PELLEGRINI (et al). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Vol. I, 10ª Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2011
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor na Obra Publicitária, São Paulo, RT, 1981.
CARVALHO, Diógenes Faria, OLIVEIRA, Thaynara de Souza. Revista de Direito do Consumidor nº 94, RT, Agosto de 2014, São Paulo.
CENEVINA, Walter. Publicidade e Direito do Consumidor, RT, São Paulo, 1981.
CHAISE, Valéria Falcão. A Publicidade em Face do Código de Defesa do Consumidor, São Paulo, Saraiva, 2001.
MILANO, Rodolfo Cesar, MILANO FILHO, Nazir David, Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado e Interpretado de Acordo com o Novo Código Civil, 2ª Ed. Leud, São Paulo, 2004.
NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7ª Ed. Saraiva, São Paulo, 2013.
PASQUALOTTO, Adalberto. Os Efeitos Obrigacionais da Publicidade no Código de Defesa do Consumidor. RT, São Paulo, 1997.
SILVA, Virgílio Afonso. A Constitucionalidade da Restição da Publicidade de Alimentos e de Bebidas não Alcoólicas voltadas ao Público Infantil, Instituto Alana, São Paulo, 2012.
 
Notas:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Giovanni Ettore Nanni, Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP

[2] CHAISE,Valéria Falcão. A Publicidade em Face do Código de Defesa do Consumidor, São Paulo, Saraiva, 2001. P. 08

[3] Neste sentido, NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7ª Ed. Saraiva, São Paulo, 2013. P. 510: "Porém, o mais importante é o fato de que a própria Constituição federal não faz a distinção. Assim, por exemplo, ela fala em 'propaganda' (art. 220, §3º, II), 'propaganda comercial' (art. XXIX, e §4ª do artigo 220), 'publicidade dos atos processuais' (art. 5º, LX), 'publicidade' (art. 37, caput e §1º). Poder-se-ia objetar que o tipo da 'propaganda comercial é aquele voltado para os meios utilizados pelos empreendedores para estabelecer contato com os consumidores, uma vez que, quando se fala em propaganda e propaganda comercial, a Carta Magna está-se referindo às bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e agrotóxico (§4º do art. 220) ou a produtos, 'práticas e serviços' nocivos à saúde e ao meio ambiente (inciso II do §3º do art. 220). Acontece que os serviços públicos são também em parte dirigidos ao consumidor e a todos os indivíduos, e ao tratar desses serviços a norma constitucional usa o termo 'publicidade' (§1º do art. 37). Logo, os dois vocábulos são sinônimos".   

[4] PASQUALOTTO, Adalberto. Os Efeitos Obrigacionais da Publicidade no Código de Defesa do Consumidor. RT, São Paulo, 1997. P. 27.

[5] PASQUALOTTO, Adalberto. Ob. Cit. P.20.

[6] "Art. 2º Ai fini del presente decreto legislativo si intende per: pubblicità: qualsiasi forma di messaggio che é diffuso, in qualsiasi modo, nell'esercizio di un'attività commerciale, industriale, artigianale o professionale allo scopo di promuovere il trasferimento di beni mobili o immobili, la prestazione di opere o di servizi oppure la costituzione o il trasferimento di diritti ed obblighi su di essi";

[7] "Artículo 2º: Toda forma de comunicación realizada por una persona física o jurídica, pública o privada, en el ejercicio de una actividad comercial, industrial, artesanal o profesional con el fin de promover de forma directa o indirecta la contratación de bienes muebles o inmuebles, servicios, derechos y obligaciones"

[8] "Artigo 3º: 1 – Considera-se publicidade, para efeitos do presente diploma, qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de: 
a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços; 
b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições. 
2 – Considera-se, também, publicidade qualquer forma de comunicação da Administração Pública, não prevista no número anterior, que tenha por objectivo, directo ou indirecto, promover o fornecimento de bens ou serviços. 
3 – Para efeitos do presente diploma, não se considera publicidade a propaganda política".

[9] CHAISE, Valéria Falcão. Ob. Cit. P. XIII

[10] BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor na Obra Publicitária, São Paulo, RT, 1981. P. 73

[11] AUBY, Jean-Marie, ADER-DUCOS, Robert. Droit de l'inforation, Paris, Dalloz, 1982. p. 616.

[12] Equivalente ao CONAR nos Estados Unidos da América.

[13] http://migre.me/ndu7z (Consultado em julho de 2015)

[14] ALMEIDA, Carlos Ferreira. "Conceito de Publicidade"  in Boletim do Ministério da Justiça de Portugal, nº 349/1985.

[15] "A publicidade não é uma técnica pessoal, cara a cara, entre o consumidor e o fornecedor. Não se utiliza de comunicação individual. Um conceito mais amplo é possível: 'publicidade é uma atividade comercial controlada, que utiliza técnicas criativas para desenhar comunicações identificáveis e persuasivas nos meios de comunicação de massa, a fim de desenvolver a demanda de m produto e criar uma imagem de empresa em harmonia coma realização de seus objetivos, a satisfação do gosto do consumidor e o desenvolvimento do bem estar social e econômico'.De maneira mais concreta e menos utópica, a publicidade foi definida como 'o conjunto de comunicações controladas, identificáveis e persuasivas, transmitidas através de meios de difusão, com o objetivo de criar demanda de um produto ou produtos e contribuir para a boa imagem da empresa". BENJAMIN, Antônio Herman Vasconvellos in GRINOVER, ADA PELLEGRINI (et al). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Vol. I, 10ª Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2011. P 322 e 323.

[16] Nos termos do artigo 2º da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), "considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos". Em comentários ao dispositivo, Nazir David Milano Filho e Rodolfo Cesar Milano, Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado e Interpretado de Acordo com o Novo Código Civil, 2ª Ed. Leud, São Paulo, 2004, P. 22: "a delimitação das idades, destarte, se revela de suma importância, estando neste ponto o estatuto a interpretar a vontade e a necessidade de cada faixa etária, delimitando, para tanto, rol de medidas no campo social e reeducativo".

[17] "Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.(..)
 § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança".

[18] "Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente".

[19] https://www.youtube.com/watch?v=zMFqTzH_dn0

[20] CARVALHO, Diógenes Faria, OLIVEIRA, Thaynara de Souza. Revista de Direito do Consumidor nº 94, RT, Agosto de 2014, São Paulo. P. 191.

[21] NUNES, Rizzatto. Ob. Cit. P. 538.

[22] Artigo 37 – Os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes. Diante de tal perspectiva, nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à criança. E mais: I Os anúncios deverão refletir cuidados especiais em relação a segurança e às boas maneiras e, ainda, abster-se de: 1. desmerecer valores sociais positivos, tais como, dentre outros, amizade, urbanidade, honestidade, justiça, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio ambiente; 2. provocar deliberadamente qualquer tipo de discriminação, em particular daqueles que, por qualquer motivo, não sejam consumidores do produto; 3. associar crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua condição, sejam elas ilegais, perigosas ou socialmente condenáveis; 4. impor a noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade; 5. provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, ou molestar terceiros, com o propósito de impingir o consumo; 6. empregar crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto; 7. utilizar formato jornalístico, a fim de evitar que anúncio seja confundido com notícia; 8. apregoar que produto destinado ao consumo por crianças e adolescentes contenha características peculiares que, em verdade, são encontradas em todos os similares; 9. utilizar situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir medo.

[23] SILVA, Virgílio Afonso. A Constitucionalidade da Restição da Publicidade de Alimentos e de Bebidas não Alcoólicas voltadas ao Público Infantil, Instituto Alana, São Paulo, 2012. P. 02.

[24] SILVA, Virgílio Afonso. Ob. Cit. P. 03.

[25] SILVA, Virgílio Afonso. Ob. Cit. P. 05.

[26] SILVA, Virgílio Afonso. Ob. Cit. P. 10.

[27]http://webarchive.nationalarchives.gov.uk/20130401151715/http://www.education.gov.uk/publications/eOrderingDownload/00669-2009DOM-EN.pdf (consultado em julho de 2015)

[28] "A comunicação comercial envolvendo o público infanto-juvenil tem sido objeto de discussões em diversos ambientes. Isto porque, reconhecidamente, a criança encontra-se em condição peculiar, de ser humano em fase de formação de suas capacidades físicas, psíquicas, intelectuais, etc. – merecendo, conseqüentemente, cuidados, orientação e acompanhamento. O CONAR há alguns anos dedica especial tratamento a esse público. (…) Neste sentido, na mais recente alteração do Código em 2012, foram introduzidas limitações ao merchandising dirigido ao target infantil, quer por meio de elementos que despertam sua atenção, quer pela oferta de produtos ou serviços a elas destinadas, especificamente. Assim, como bem observado pelo Presidente da Câmara, não ocorre uma vedação total: a princípio e em tese uma determinada ação de merchandising poderá ser executada desde que atendidas as prescrições de autorregulamento. O sentido da norma é que, pelo direcionamento aos pais ou responsáveis, a mensagem pode até estabelecer contato com a criança, mas não deverá se dirigir a ela nem tentar persuadi-la. Aliás, é essencial destacar esse ponto, já que a extinção de um formato de comunicação, além de não beneficiar o desenvolvimento da criança,vai na contramão da nossa realidade, de abertura e multiplicidade de plataformas (diversidade de veículos) e de integração entre diferentes conteúdos (postagens das empresas e dos consumidores/natureza comercial ou editorial, etc.), obrigando o órgão ético a acompanhar os fenômenos com maior atenção e presença. Nas arenas onde se realizam os eventos esportivos a publicidade é parte integrante. Difícil cogitar uma atividade esportiva, seja coletiva (jogos de futebol, vôlei, basquete, etc), seja individual (atletismo, tênis, etc), sem o patrocínio de empresas e a conseqüente exposição das marcas (muitos destes esportes envolvem crianças, como participantes ou público espectador). Daí porque os jogos virtuais (videogames) e os de tabuleiro, como o 'Super Banco Imobiliário', seguem a mesma lógica".

[29] Neste sentido: TJ-SP, APC nº 0029619-23.2010.8.26.0002, Rel. Maia da Cunha. J. 19.02.11 ("Ação Civil Pública. Comercialização de alimentos. Material publicitário voltado para o público infantil. Ausência de vedação constitucional ou legal de tal prática, não podendo se presumir que todo e qualquer material publicitário voltado para o público infanto-juvenil seja lesivo. Princípio da legalidade (artigo 5º, inciso II, da Constituição da República). Tutela da livre concorrência e do princípio da isonomia (artigo 170, da Constituição da República). Recurso improvido").


Informações Sobre o Autor

André Guimarães Avillés

Advogado. Mestrando em Direito Civil PUC-SP


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