A prescrição conjugal

Resumo: Introdução; 1. Conceito de casamento; 2.
Conceito de união estável; 3. O fim do casamento e a prescrição conjugal.

Introdução

Desde
os primórdios das civilizações homem e mulher comungam sua existência, união
esta que pode ser vista pelas religiões como sagrada (matrimônio), mas que para
o direito não passa de um ato jurídico (casamento). Outrossim, no desenrolar
dos tempos, muitas vezes tenham confundido o plano metafísico do matrimônio com
a realidade terrena do casamento.

Para
os Romanos, na visão de Modestino, matrimônio significaVA: “Nuptiae sunt
coniunctio maris et feminae, et consortium omnis vitae, divini et humani iuris
communicatio” (As núpcias são a união do marido e da mulher e o consórcio para
toda vida, a comunicação do direito divino e do humano); quando que para
Justiniano no § 1, da Institutas 9, seria: “Nutiae autem sive
matrimonium, est viriet mulierisconjunctio, individuam consuetudinemvitae
continens” (As núpcias ou matrimônio, são a união do varão e da mulher,
implicando na comunhão indivisível de vida). A visão de matrimônio para
aqueles, significava bem mais que uma união entre homem e mulher e sim uma
união espiritual (affectio maritalis et uxoris), mas também a união real que
implicaria em coabitação, constituição de dote e de se apropriar da posição
social uxória.

No
Brasil, desde sua fase de colônia portuguesa até 24 de janeiro de 1890, o
casamento era regido pelo direito canônico, sendo uma atividade sacramental nos
moldes da igreja católica, no passar dos tempos e com o crescimento do
protestantismo houve a tolerância de outros ritos. Perseverou neste período a
mesma idéia romana de união espiritual e carnal entre os contraentes do
matrimônio. Entretanto, com o decreto nº 2.318 de 22 de dezembro de 1858, a Consolidação das
Leis Civis[1]
possibilitou a prova do casamento por qualquer instrumento público ou por
testemunhas (artigo 100), bem como, permitia a presunção do casamento se os
cônjuges viviam na mesma casa, em pública voz e fama de casados, por tempo
suficiente para presunção do casamento para fins de comunhão de bens (artigo
118).

Em
24 de maio de 1890, com a vigência  do
decreto nº 181 de 24 de janeiro de 1890, tornou-se obrigatório o casamento
civil, reconhecendo-o, a partir daquela data, como único meio hábil e legítimo
para contrair casamento no Brasil. Enfim, com a Constituição da República de
1891, afastou-se qualquer outro posicionamento ou presunção sobre casamento,
estatuindo no art. 72, §4º, os seguintes preceitos: “A República só reconhece o
casamento civil, cuja celebração será gratuita”.

Bastante
revolucionária para a época, a idéia de aceitar uma situação de fato, uma
presunção, como casamento acabou sendo afastado da legalidade e a realidade de
muitos relacionamentos foi rechaçada  do
direito. Correu pela penumbra, sem poder ser vista pela “Justiça”, ao
murmurinho de todos, mas em momento algum deixou de existir.

1. Conceito de casamento

Segundo
o mestre Pontes de Miranda o casamento é um contrato solene, pelo qual duas
pessoas de sexo diferente e capazes conforme a lei, se unem com o intuito de
conviver toda a existência, legalizando por ele, a título de indissolubilidade
de vínculo, as suas relações sexuais, estabelecendo para seus bens, à sua
escolha ou por imposição legal, e comprometendo-se a criar e educar a prole que
de ambos nascer[2].

Para
o Jurista José Lopes de Oliveira[3]
:

“O casamento é o ato solene pelo qual se unem,
estabelecendo íntima comunhão de vida material e espiritual e comprometendo-se
a criar e educar a prole que de ambos nascer, sob determinado regime de bens”.

Mais
sucinto, Sá Pereira[4],
concatena em poucas linhas o casamento:

“O casamento é a sociedade solenemente contratada por um
homem e uma mulher para colocar sob a sanção da lei a sua união sexual e a
prole dela resultante”.

Falando
da natureza jurídica do casamento, o brilhante Desembargador do Tribunal de
Justiça da Paraíba e minucioso professor Antonio Elias de Queiroga[5],
defende que o casamento é bem mais que um contrato, em suas palavras:

“O casamento é, sim, um ato jurídico, e
como tal produz vários efeitos: sociais, pessoais e patrimoniais. É uma grande
instituição, que não pode ser reduzida a um simples contrato”.

O
casamento é ato jurídico solene, com a atuação de duas pessoas de sexo
distinto, capazes e habilitadas, conforme a lei, com finalidade de estabelecer
comunhão plena de vida e estabelecendo a esta união um regime de bens. Assim
dispõe os artigos 1511 á 1514, do Código Civil de 2002.

É
realmente preocupante achar que o casamento não passa de um contrato, pois ele
envolve não só obrigações patrimoniais, como nos contratos, mas também
obrigações pessoais e sociais, de ordem moral, como os deveres de fidelidade
recíproca, vida em comum, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos
filhos, bem como, respeito e consideração mútuos. Bem mais complexo que os
contratos patrimoniais, o casamento, envolve relacionamento entre pessoas e
comunhão de suas vidas, para qual os Romanos usavam a expressão honor
matrimonii,
por isso não há como considerar o casamento como um contrato.


de ficar bem claro que casamento não se restringe à sociedade conjugal, que é a
parte contratual regida pela escolha do regime de bens (comunhão universal de bens,
comunhão parcial de bens, participação final nos aqüestos e separação
total de bens), vai mais além, tanto, que com a separação judicial se tem o fim
da sociedade conjugal, mas não o do casamento.

2.
Conceito de união estável

“A
União Estável é a união entre homem e mulher, configurada na convivência
pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de
família[6]”.

Alguns
pontos são relevantes, o primeiro, é que só pode ser perfilhada como entidade
familiar a União Estável entre homem e mulher, impossibilitando a união de
pessoas do mesmo sexo ser reconhecida como entidade familiar, como também
disciplinou a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226 § 3º. Deve-se
ressaltar que a união entre pessoas do mesmo sexo só pode ser considerada  como um sociedade de fato.

O
segundo aspecto importante é a convivência pública contínua e duradoura, pela
qual, não pode ser considerada uma união mascara, fraudulenta, simulada,
encoberta, clandestina ou imperceptível;
da mesma forma, não se estabelece prazo de convivência para se
configurar a União Estável, observando, também, que não resulta de encontros
casuais, mas de comunhão de vida. A publicidade, o interesse e a natureza da
relação devem ser observados. Aproveitando o aforismo romano: “nuptias nom
concubitus, sed consensus facit” (não é a relação sexual que faz as núpcias,
mas o consentimento).

Por
último, mas não menos importante, o conceito legal de União Estável traz: “com
o objetivo de constituição de família”, que provoca a necessidade de fim
específico para a União Estável se configurar, ou seja, não adianta a duração
da relação entre um homem e uma mulher e que esta seja pública e contínua, se
ela não tiver o fim peculiar de formar uma família. Vale salientar, que família
não é prole, para ser reconhecida a união como entidade familiar faz-se
necessário o anseio de vida em comum.

O
novo Código Civil também exclui a possibilidade de ser reconhecida a União
Estável quando incidir num dos impedimentos do artigo 1521 do mesmo diploma
legal, salvo se casada e separada de fato ou judicialmente.

União
Estável não é casamento, este uma situação de direito revestida de fé pública e
reconhecida ab initio que modifica o estado civil dos contraentes e lhes dá
garantias e deveres, àquela, uma situação de fato,  que não modifica o estado civil dos
companheiros, carente de declaração e com reconhecimento posterior, quanto às
garantias, só as patrimoniais reservadas ao regime de comunhão parcial de bens,
nenhuma garantia ou formalidade para desfazimento como ocorre no casamento.

A
doutrina tratou a União Estável como concubinato puro, existindo, também, o
concubinato impuro, nomenclatura esta que foi suplantada pelo novo Código Civil
que preferiu referir-se à União Estável e Concubinato, sendo aqueles tratados
por companheiros e estes por concubinos.
Diferente da União Estável o concubinato “impuro” se estabelece na união
de pessoas impedidas de casar-se ou de serem companheiros. Portanto, em
relacionamentos proibidos por lei, como os incestuosos, desleais,
extramatrimoniais, tem-se o concubinato, podendo existir uma sociedade de fato
ou não.

3. O fim do casamento e a prescrição conjugal.

A
sociedade conjugal só termina com a morte de um dos cônjuges, pela nulidade ou
anulação do casamento, pela separação judicial ou pelo divórcio, pelo menos é o
que vem explícito no artigo 1571, do Código Civil vigente. Vai mais além, o§ 1º
do mesmo artigo também estabelece que o casamento válido só se dissolve pela
morte de um dos cônjuges, pelo divórcio ou pela presunção aplicada ao cônjuge
declarado ausente.

Ao
mesmo tempo, no artigo 1723, o novo Código Civil permite que seja conhecida a
União Estável de pessoa casada desde que separada de fato ou judicialmente;
presumindo, assim, o fim da sociedade conjugal com a separação de fato.

A prescrição, para o direito, é o “modo
pelo qual um direito se extingue pela inércia, durante certo lapso de tempo, de
seu titular, que fica sem ação própria para assegurá-lo[7]

. Assim, a prescrição servirá como nomenclatura para o período em que o cônjuge
separado de fato perderá o vínculo patrimonial com seu par, a prescrição
conjugal.

Problema
é adotar um prazo para se aceitar a União Estável, pois a segurança e
estabilidade do casamento não coadunam com a possibilidade de, recentemente
separado de fato, ter sua convivência com outra pessoa aceita como uma União
Estável.

Para
não desprestigiar o instituto jurídico do casamento civil, como também,
incentivar a formação de uma sociedade com relacionamentos clandestinos,
passageiros, e, ainda, sobrecarregar o sistema judiciário com lides versando
sobre a declaração da União Estável, não há que se agasalhar interpretações de
forma a admitir a falência jurídica do casamento. Ao contrário do que muitos
pensam, o reconhecimento da União Estável vem para incentivar e facilitar o
casamento e não para torná-lo inviável ou improfícuo.

O
novo Código Civil trouxe inovações no direito de família e das sucessões,
dentre as mudanças se destacam as que versam sobre a União Estável e
concubinato. Acolhendo e disciplinando os direitos e deveres de cada uma destas
figuras jurídicas.

Uma
das mais polêmicas disposições está no artigo 1723, do Código Civil
vigente  que permite configuração da
União Estável quando ainda casado um dos companheiros, requerendo, apenas, a
separação de fato daquele. Mas como saber se já pode ser declarada a União
Estável se aquele companheiro casado ainda não se separou, ao menos,
judicialmente? O Código traz a resposta.

No
artigo 1801, do mesmo diploma legal, estabelece o código que o concubino do
testador casado possa ser nomeado herdeiro se este já estiver separado de fato
há mais de cinco anos. Prescrevendo a sociedade conjugal, em cinco anos,
estando afastada qualquer impedimento moral ou legal de se nomear o concubino
como herdeiro.

Prazo
mais coerente traz o artigo 1830 quando afasta da vocação hereditária o cônjuge
separado de fato há mais de dois anos, desde que a culpa da separação não tenha
sido exclusiva do sobrevivente. Este artigo pode se expandir, numa
interpretação sistemática, para se estabelecer como prazo de prescrição
conjugal. Ora, idêntico prazo é exigido para possibilitar o divórcio direto,
não por coincidência, mas por coerência
usou o legislador do mesmo prazo.

Os
dois anos são tomados como período de avaliação e defesa do casamento, onde a
lei o usa como prazo para forçar os separados a refletirem sobre o casamento e
sua viabilidade, em dois anos, prazo mais que suficiente para evitar divórcios
prematuros e inconseqüentes, tomados por momentos de elevada emoção.

Passados
os dois anos, a lei desiste de impor o estado civil e admite rever o ato
jurídico realizado (casamento) e, respeitadas as demais formalidades, modifica
o estado civil daqueles possibilitando um novo casamento.

Possibilitando
o reconhecimento da União Estável, mesmo de pessoas separadas de fato, faz-se
necessário estabelecer um prazo para a separação de fato que permita a
configuração da União Estável. Visando o Código Civil como um todo inseparável
e harmônico, observando o prazo para o divórcio direto (parágrafo segundo do
artigo 1579), bem como o tempo imprescindível para afastar o cônjuge
sobrevivente separado de fato da vocação hereditária (artigo 1.830), não há que
se imaginar outro prazo para se admitir a União Estável quando se trata de
companheiro que esteja separado de fato.

Existência
precária teve o reconhecimento da união de fato de pessoas livres para se casar
mas que não tinham seu relacionamento formalizado, porém foi plantada a
semente. Embora renegada pelo direito, a união informal continuou existindo, de
maneira marginal e sombria, sendo condenada pela sociedade e aproveitada por
pessoas com más intenções. Resgatada em 1994, com
autorização da Carta magna de 1988, o legislador procurou tê-la como ferramenta
para assegurar direitos de pessoas que por um motivo ou outro não se casavam ,
mas viviam como se casadas fossem.

A União Estável surgiu para garantir a um estado de fato,
para uma realidade, as garantia patrimoniais que o casamento traria. Teve a
intenção de desestimular os mau intencionados que deixavam de casar para não
ter seu patrimônio envolvido naquele relacionamento, pois não notavam a
contribuição do companheiro(a). Aquelas uniões de fato, estáveis como qualquer
casamento, deixavam de ser vistas pelo direito, ignoradas, rejeitadas e
discriminadas. Quando se extinguiam, cada qual ficava com os bens que
estivessem em seu nome, não importando quando adquiridos e qual apoio recebeu
para adquirir o bem.

Em contrapartida, o casamento, não pode perder força, pois
é a união oficial, legal e formal que o Estado oferece, cheio de garantias e
deveres, contudo é o meio seguro e o mais viável para o direito, já que é
registrado e depende da “permissão” do Estado que para permitir sua
concretização avalia os impedimentos e a vontade dos nubentes. Sendo o meio que
o Estado indica, não pode perder as garantias provenientes do ato jurídico, e,
por isso, não pode ter as formalidades de desfazimento suprimidas, daí a
prescrição conjugal.

A lei oferece garantias para o sociedade conjugal, e
formalidades para o seu término volitivo, devendo ser observadas as prescrições
legais, inclusive estando sujeitas à fiscalização do Ministério Público.

Tantos cuidados e solenidades não podem ser esquecidas
possibilitando a configuração da União Estável sem qualquer formalidade. Para
isto a prescrição conjugal, a certeza do fim da sociedade conjugal. Lapso
temporal que não mais se comunicariam os bens e que aprovaria a União Estável.
Não que para se estabelecer a União Estável tenha esta a duração de dois anos,
mas que só possa existir União Estável quando separado de fato à dois anos do
cônjuge. Trata-se de um estado de fato, separar-se de fato implica na separação
de corpos e de acordo, ou não, sobres os bens comuns. Desta forma, sem o
interesse na separação judicial para concretizar a sua situação com  o
companheiro, mostra a falta do objetivo de constituição de família,
não sendo aceita a União Estável.

O
interstício de dois anos da separação de fato é o mais conveniente para
habilitar os cônjuges ao estabelecimento de União Estável, que por natureza,
depende do interesse de se estabelecer família, sem o qual só se trata de um
concubinato. Estando separados de fato, os cônjuges, com o decorrer dos dois
anos demonstram o desinteresse pelo casamento, mesmo sendo uma situação de
fato, não há mais motivos para o Estado impor o casamento, findando vínculo
matrimonial, prescrevendo a sociedade conjugal e tornando viável a União
Estável.

 

Notas:

[1] Consolidação da Leis Civis, 3º ed., Publicação
aprovada pelo Governo Imperial, B. L. Garnier, Rio de janeiro, 1876, pp. 107.,
apud, AZEVEDO, Álvaro Villaça. ESTATUTO DA FAMÍLIA DE FATO. Editora Jurídica
Brasileira. São Paulo. 2001. pp.137.

[2] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. TRATADO DE
DIREITO DE FAMÍLIA.Max Limonad Editor. São Paulo. 3º ed., Vol. I. Pág . 93.

[3] OLIVEIRA, José Lopes de. CURSO DE DIREITO CIVIL-
DIREITO DE FAMÍLIA. Editora Sugestões Literárias. São Paulo.  3º ed., 1980. Pág. 9.

[4] Sá Pereira, apud, QUEIROGA, Antônio Elias de.
MANUAL DE DIREITO CIVIL- DIREITO DE FAMÍLIA. Editora Ciência Jurídica. Belo
Horizonte. 2001. Pág. 22.

[5]  Antônio
Elias de Queiroga. Ob., Cit., Pág. 23.

[6] Art.
1723, do Código Civil de 2002.

[7] Orlando Gomes, apud, DICIONÁRIO JURÍDICO ACQUAVIVA.
Marcus Cláudio Acquaviva.  Editora
Jurídica Brasileira. São Paulo. 6º edição. 1994.pág. 986

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Arthur da Gama França

 

Advogado na Paraíba

 


 

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