Da competência em razão do lugar na Justiça do Trabalho

Sumário: I- Intróito; II- Caso concreto; III- Contestação a
exceção; IV- A sentença; V- Recomendação.

I- Intróito

Resolvemos
abordar o assunto já tão discutido pela grande maioria de doutrinadores e
julgadores em virtude de interessante caso concreto que tivemos oportunidade de
patrocinar aqui em Belém do Pará perante a 3º. Vara do Trabalho de Belém.

No caso
pudemos vivenciar o quanto é importante o conhecimento do direito e processo do
trabalho, bem como atividade do julgador e o papel inovador e criador do
advogado que necessita de uma cultura e visão incomum para poder pleitear
direitos de seus constituintes.

II- Caso concreto

Alguns
dias atrás nosso escritório de advocacia com sede em Belém foi procurado por um
senhor para o ajuizamento de reclamação trabalhista contra a empresa a qual
tinha trabalhado.

Em
conversa com um de nossos advogados o cliente explicou que após ter obtido
êxito em concurso público para fiscal da receita federal resolveu pedir seu
desligamento da empresa onde trabalhava mas que, porém existia apenas um
detalhe: o de que tinha sido arregimentado e contratado pela filial do Rio de
Janeiro e, além dos serviços terem sido executados naquela região a direção e
fiscalização era naquela cidade onde o mesmo estava subordinado.

Informou ainda
que na empresa dedicou longos 20 (vinte) anos de trabalho sendo demitido sem
justa causa e que em julho de 2003 por intermédio de decisão da Justiça Federal
o mesmo conseguiu decisão favorável que determinou o reajuste monetário de seu
FGTS em decorrência do expurgos inflacionários acorridos em 1989 e 1990,
relativos aos planos Verão e Collor I.

Com
recebimento desta diferença surgiu o direito também a multa de 40% sobre o FGTS
que deveria ser paga de pronto e, espontaneamente, pela empresa, o que não ocorreu.

Após a
conversa, a advogada responsável, com algumas dúvidas quanto a questão da
competência, resolveu nos indagar sobre a possibilidade do ajuizamento da
reclamação no foro de Belém.

Em virtude
do contexto não vislumbramos nenhum óbice ético e moral para que a reclamação
tivesse a tramitação em Belém pois estava sendo discutida matéria tão somente
de direito e, além disso, a empresa possuía e possui considerável estrutura em
todas as unidades da federação o que permitiria uma defesa tranqüila e sem maior
ônus para a empresa. Sendo assim resolvemos dar o aval para que a advogada propusesse a ação.

No dia da
audiência compareceram todas as partes. Esperávamos então pela dispensa dos
depoimentos pois tratava-se de matéria de direito. No entanto, para nossa
surpresa, o patrono de empresa argui exceção de incompetência em razão do
lugar, o que deu lugar ao adiamento da audiência.

III- A Contestação a exceção

Diante do
acontecido nossa primeira reação foi de indignação pois como uma empresa que se
vangloria de sua posição patriótica na defesa do Brasil pode tentar obstar de
forma tão sorrateira direitos de um de seus ex-funcionários que durante 20
(vinte) anos ajudou a construir seus alicerces uma vez que, em nada
prejudicaria a contestação da ação em Belém já que possui estrutura jurídica e
funcional para realizar este encargo. E mais, que advogado é este que através
de premissas legais se utiliza do processo para, de forma escusa, conseguir
objetivos nocivos ao cidadão e a todos. Procedimentos incompreensíveis que
levam o descrédito na função social dessas instituições.

Bom, após
esta rasteira resolvemos participar ativamente do processo elaborando peça
contestatória a esta exceção que foi e é um monumento ao péssimo exercício da
advocacia e um terrível exemplo de como a empresa agradece o funcionário pelos
anos dedicados a sua construção.

Para
impedir que este ataque tivesse prosperidade alegamos que no processo do
trabalho, o melhor critério de fixação de competência em razão do lugar para o
ajuizamento da ação é aquele que facilita ao litigante economicamente mais
fraco – o trabalhador – o ingresso em juízo em condições mais favoráveis a sua
defesa demonstrando, com base na jurisprudência, do C. TST que:

“Impor-se que a reclamação tenha seu curso em juízo distante
do domicílio do empregado implica em denegação de justiça pela simples
impossibilidade de o obreiro deslocar-se de uma região para outra, em que os
custos da viagem podem até não compensar o ajuizamento da reclamatória
.” (TST, Ccomp.
113.931/94.6, Min. Vantuil Abdala, Ac. SDI n° 4.782/94).

Portanto, a
impossibilidade do ajuizamento dessa reclamação no Rio de Janeiro era PATENTE,
uma vez que o reclamante é residente e domiciliado em Belém-Pa.

Salientamos que no
presente processo a superioridade patronal persistia principalmente, no momento
em que requereu a modificação de competência para a vara do Rio de Janeiro,
pois sabia que o reclamante não teria condições de pleitear seus direitos em
virtude dos custos com passagens, advogado e estada. Além do mais a empresa
reclamada possui bases em todas as unidades da federação não tendo custo
adicional nenhum com a tramitação do processo da vara de Belém, sendo assim
justa a aplicação do princípio da proteção para tratar desigualmente os
desiguais, na mesma proporção em que se desigualam para aplicar a regras do
artigo 651 parágrafo 1º. Parte final que estabelece que “…Será competente a vara da localização em que o empregado tenha
domiciliado
”.

Esclarecemos que o princípio
protencionista segundo Wagner Giglio de caráter tutelar de direito material do
trabalho se transmite e vigora também no direito processual do trabalho. E assim
é porque nas palavras de Conqueijo costa, “o
processo não é o fim em si mesmo, mas o instrumento de composição de lideres
que garante a efetividade do direito material. E com este pode ter natureza
diversa, o direito processual, por seu caráter instrumental, deve saber adaptar-se
a essa natureza diversa
(1)

Buscamos também em
doutrina alienígena o principio da razoabilidade trazido por Américo Plá
Rodrigues(2) que pode ser perfeitamente aplicável
a situação, pois não seria razoável que o empregado tivesse que se deslocar ao
Rio de Janeiro para ajuizar reclamação trabalhista uma vez que a empresa possui
recursos materiais, físicos e jurídicos para defender-se na localidade onde o
mesmo tem domicílio possuindo filiais totalmente estruturadas para tal fim.

Argumentamos também a
questão do acesso a justiça expresso jursiprudencialmente na decisão abaixo:

“Competência trabalhista Ex Ratione Loci – Tendo em vista
que toda a estrutura normativa do Direito Individual do Trabalho busca
reequilibrar a desigualdade social, econômica e política vivenciada, no geral,
entre os sujeitos da relação do emprego está claro que o critério adotado pela
norma celetizada, para determinar a competência trabalhista ex ratione loci,
visa facilitar o acesso do empregado ao órgão jurisdicional, evitando-lhe
despesas com locomoção, em face de sua presumível insuficiência econômica”.
(TRT 3ºR.-RO 17.148/96 –
1º T. – Rel. Juiz Fernando Antônio de Menezes Lopes- DJMG 111.04.1997)

Portanto,
entendemos que se o julgador transferisse a competência da lide para a vara do
Rio de Janeiro cometeria verdadeiro acinte à constituição federal que
estabeleceu o LIVRE ACESSO à justiça
como um dos princípios mais relevantes de um Estado Democrático e a decisão que
desconsiderasse a hipossuficiência do trabalhador implicaria em verdadeira denegação
da Justiça, tendo em vista os prejuízos trazidos com a obrigação de ajuizamento
no Rio de Janeiro seriam maiores que o próprio valor da causa discutido na
demanda.

IV- A sentença

Felizmente
a juíza substituta da 3º. Vara do trabalho de Belém consciente de sua função de
julgar de conformidade com a Justiça resolveu equiparar o reclamante a situação
prevista no artigo 651, parágrafo 1º. da Consolidação das Leis do Trabalho,
podendo assim o empregado ajuizar a reclamação na localidade em que a empresa
tenha agência ou filial ou na vara que tenha domicílio, como forma de se
cumprir o disposto no artigo 5º. Inciso XXXV da Constituição Federal.

Concluiu a
juíza que “o excepto optou por ajuizar a
presente reclamação no foro de seu domicílio, situação que lhe favorece, pois
caso precise se deslocar para o Rio de Janeiro como pretende o excipiente, inviabiliza-se
o acesso à justiça, visto que o ônus de tal deslocamento pode ser superior ao
valor pretendido como alega, e não há qualquer prejuízo à defesa da reclamada
que tem preposto e advogado constituídos em Belém, sendo desnecessária, em
razão do pedido do autor a produção de prova testemunhal.

Desta feita, rejeito a exceção de incompetência em
razão da matéria apresentada pelo excipiente
.”(3)

V- Recomendação

Diante dos
fatos entendemos que a norma trabalhista deva ser interpretada de maneira
sistemática obedecendo a hierarquia da legislação e observando os princípios de
direito para a obtenção de soluções justas como a acima referida bem como para
desprestigiar atitudes danosas perpetradas pela empresa e advogados que apenas
denigrem o exercício de toda a classe.

Sendo
assim, o critério de competência em razão do lugar para ajuizamento de
reclamação trabalhista mais apropriado para a situação é o do domicílio do
empregado quando a empresa possuir estrutura física e econômica suficiente para
realizar sua defesa mesmo que tenha sido arregimentado, contratado e prestado
serviços em outra localidade ou filial com base nas premissas doutrinárias e
jurisprudenciais apontadas como medida de justiça e correta aplicação integrada
da legislação.

Esperamos
assim que o caso sirva de exemplo para situações semelhantes no sentido de
determinar que as empresas que tiverem filiais em várias localidades sejam
obrigadas a realizar sua defesa no local onde fora acionada por ação
trabalhista desde que seja comprovado o domicílio do autor.

Notas:

(1) GIGLIO, Wagner. Direito Processual do
Trabalho. Ed. Saraiva, 10. Edição, 1997, p. 66.

(2) RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de
Direito do Trabalho. Ed. Ltr, 1997, São Paulo.

(3)
Processo nº. 1198/2003-7 3º.vara do Trabalho 18.09.2003.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Mário Antônio Lobato de Paiva

 

Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista

 


 

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