A religiosidade dos índios guarani: Uma situação de contato, e uma tentativa de nacionalização dos índios do litoral paulista

Resumo: O objetivo deste artigo é o de fazer uma leitura do livro Os índios guarani do litoral do estado de São Paulo: análise antropológica de uma situação de contato, do Professor Mauro Cherobim, e analisar e interpretar o processo social a que foram submetidos os índios Guarani do litoral paulista, fazendo uso da Teoria de Aculturação e cultura indígena.

Palavras-chave: Índios Guarani. Situação de Contato. Integração. Religiosidade.

Abstract: The purpose of this article is to take a reading of the book The guarani of the state of São Paulo coastline: Anthropological analysis of a contact situation, Professor Mauro Cherobim, and analyze and interpret the social process they have undergone the Guarani the São Paulo coast, making use of Acculturation Theory and indigenous culture.

Keywords: Guarani Indians. Contact situation. Integration. Religiousness.

Sumário: Introdução. A religiosidade do povo guarani. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

Os aspectos de uma situação de contato e a teoria da aculturação, dos índios Guarani do litoral paulista não ocorre totalmente. O que ocorre na verdade é uma assimilação pelos Guarani dos costumes e ideias da população nacional. Nem todos os costumes e ideias dos nacionais foram assimilados pelos Guarani, felizmente.

 Mister se faz, afirmarmos que muito a população nacional tem para aprender com a cultura Guarani, e muito pouco a ser ensinado. O que deveria ocorrer seria uma assimilação de certas ideias e costumes dos Guarani pela população nacional.

 O presente trabalho dará maior destaque no que tange as Atividades Religiosas dos índios Guarani, porque este é a minha principal área de pesquisa, ou seja Psicanálise e religião.

 Muito importante entender o conceito de integração adotado pelo autor no seu trabalho. Isto significa que, ao abordar as relações conjuntivas de índios e civilizados, o autor faz em dois planos: no plano da cultura e no plano da estrutura sócio-econômica.

 O livro do prof. Mauro Cherobim muito se beneficiou do trabalho feito por Shaden (1969, p. 103), sobre a integração do índio Guarani na comunidade nacional.

 Mister se faz entendermos o sentido de INTEGRAÇÃO. O Prof. Mauro Cherobin adotou a definição de integração usada por Darcy Ribeiro: “Integração é uma forma de acomodação” (1982), e esta integração é por ele dividida em índios: isolados – com contato intermitente – em contato permanente – e os integrados, que são ilhados no meio da população nacional, ou seja, a integração não acontece realmente.

 Para os índios Guarani, a aculturação é um processo que não chega ao seu final, pois para que isto ocorra o índio teria que ser aceito na população nacional não mais como índio, e por outro lado os índios teriam que esquecer toda a sua identidade étnica.

 O processo de integração envolve necessariamente relações do grupo indígena com a população nacional, e a religião acelera este processo de aculturação. Com a religião, através dos grupos protestantes os índios ingressam na sociedade.

 No que tange a localização geográfica dos índios Guarani do litoral, sofreram algumas modificações com o passar dos tempos. Com a transformação do litoral paulista em balneário turístico e a criação de polos industriais, fizeram com que os índios se locomovessem indo se instalarem em terras pouco produtivas, ou seja, em terras que o homem civilizado não se interessava, onde hoje se localizam as aldeias. Os índios foram perseguidos por “grileiros” de terras que expulsavam-nos com o objetivo de explorarem as terras.

 Quando os índios vieram para o litoral, este era vazio. A migração dos Guarani para o litoral se deram em 1824 – 1870 e em 1912.

 Os índios Guarani do litoral de São Paulo estão divididos em dois subgrupos: os Ñandeva e os Mbüá.

 Os Ñandeva se denominam Guarani, e são provenientes do litoral. Já os Mbüá se denominam Tupi e vieram do Rio Grande

(Rio Grande do Sul), os Mbüás mais novos dizem que vieram do Paraná.

 Estão hoje residindo principalmente no Itarirí, Bananal, Rio Branco, Silveira e Ubatuba. Residem em terras de propriedade reconhecida e que são impróprias ao plantio de bananal. O aldeamento Bananal perdeu o status Ñandeva e passou a Ter o status de reserva indígena.

 Desapareceram as tensões nos dias atuais. Por residirem em pequenas aldeias e em terras impróprias ao plantio de bananal, e pela regulamentação, os índios não são mais importunados pelos homens civilizados. O processo de aculturação, o contato quase que permanente com o homem civilizado, também contribuiu para o fim das tensões.

 As aldeias tem papel fundamental na vida dos Guarani, não somente como moradia, mas as aldeias estão sempre acolhendo aqueles que a abandonaram indo viver com os civilizados. Com o fracasso da tentativa em se viver com os nacionais, eles retornam as aldeias que os acolhem novamente. Isto ocorre com maior frequência com os Mbüá, que são mais nômades. Os Ñandeva são mais sedentários, por isso possuem relações mais duradouras com os nacionais. A aldeia serve como retorno.

 Os Mbüá por serem nômades não possuem relações duradouras. Eles reforçam a sua identidade étnica frente a sociedade nacional e até mesmo com os Ñandeva.

 Os constantes deslocamentos produzem índios não aldeados ou semi-destribalizados. Os índios não aldeados ficam soltos e sofrem preconceitos, que são os denominados índios católicos, já os índios crentes tem o acolhimento da igreja.

Os índios Mbüá quando retornam, eles vão para qualquer outra grupo, já os Ñandevas saem e retornam para a mesma aldeia. O que facilita o relacionamento entre eles, fortalecem os relacionamentos.

 É comum se ver índios Mbüás trabalhando como caseiros no litoral. Já os Ñandeva se abrigam em instituições de obras sociais.

 Os aldeamentos tem papel importante no processo de integração dos índios Guarani no litoral do litoral à sociedade nacional. As aldeias servem de amortecedores de conflitos que se originam no decorrer da situação de contato.

 A aculturação além de não conseguir verdadeiramente se concretizar, traz vários transtornos aos índios, inclusive de aspectos psicológicos. Com os constantes deslocamentos dos índios Mbüás, eles se desestruturam, perdem sua identidade étnica. Vários são os conflitos culturais-sociais gerados, os grupos quando vão viver entre os civilizados, são ilhados. Não são plenamente aceitos pela sociedade nacional e também não vivem como índios, perdendo assim sua identidade étnica.

 No que tange ao aspecto demográfico, os constantes deslocamentos faz diminuir a população indígena aumentando a população nacional. Os caiçaras, os mestiços acabam engrossando a população das favelas nas grandes cidades.

 Apesar disso continuam a se formar novas aldeias.

 A miscigenação entre a sociedade nacional e a indígena se dá mais entre o nacional e a mulher índia. Quando ocorre a união com o nacional, ocorre a destribalização.

 Quando ocorre a união entre indígenas de diferentes grupos, a mulher segue o marido, ou seja, o homem permanece no grupo.

 Os Mbüás aceitam menos a união com nacionais e também entre Mbüás e Ñandevas, eles dizem que esta união “enfraquece o sangue”.

 As atividades econômicas dos Guarani se baseia principalmente no artesanato, ou seja, na fabricação de artesanatos indígenas e a sua venda aos nacionais.

 Os Guarani também trabalham com a agricultura, a caça e a pesca e a coleta, para provê-los de matérias-primas para a produção de artesanato.

 As atividades econômicas dos Guarani tem importância fundamental, mantém a sobrevivência do grupo, não somente pelo fato da aquisição de recursos financeiros, mas o mais importante é que através das atividades econômicas, o grupo mantém vivos seus costumes e práticas que ajudam a manter a suas identidades étnicas. O lado ruim é o da dependência dos nacionais, no que tange a venda dos artesanatos.

 Com a venda dos artesanatos para os nacionais, mantém os Guarani em constante contato com a sociedade nacional, contribuindo assim com a aculturação. A preocupação com esta situação de contato constante, são as transformações culturais sofridas pelos Guarani. Esta inter-relação existente entre os Guarani e os nacionais, provocam uma assimilação da cultura dos nacionais por parte dos Guarani. E como já vimos antes esta assimilação não se dá por completo, ela é assimilada parcialmente pelos Guarani. Não poderia ser de outra maneira, já que os nacionais na compra dos artesanatos exigem que os mesmos tenham origem, ou seja, que sejam artesanatos verdadeiramente indígenas, feito por índios legítimos. Esta exigência dos nacionais contribui sobremaneira para a manutenção da identidade étnica dos Guarani. Eles mantém vivos certas técnicas e costumes que pertencem ao acervo cultural dos Guarani.

Os Guarani reunidos em aldeias mantém uma série de padrões preservadores da identidade étnica, calcados em “segredos de grupo”, isso ocorre com a manipulação e confecção dos artesanatos, que se tornam de grande valor na manutenção da cultura Guarani.

 É importante salientar que os artefatos religiosos, que possuem grande importância para os Guarani, não são colocados à venda por eles.

 A caça tem relevante importância para os Guarani, tão importante que eles não são capazes de conceber a vida sem ela. Ela faz parte da socialização dos meninos. São ensinadas técnicas de caça aos meninos, e são lhes dado como brinquedos instrumentos de caça em tamanho menor, como arco e flechas, compondo assim a dimensão lúdica da criança Guarani. Este é um aspecto muito importante que tem que ser analisado e levado em conta no processo de aculturação.

 A habilidade do caçador Guarani é comentada pelos seus vizinhos nacionais, que se queixam de não serem felizes na caça porque os Guarani acabam com os animais com suas armadilhas. Fato curioso é que os animais não acabam para os Guarani. Os nacionais praticam a caça esporadicamente, as vezes por hobby, por esporte, e usando armas de fogo. Já os Guarani a caça é um elemento indispensável para a sua subsistência.

 Todas as atividades econômicas dos Guarani são voltadas para uma atividade principal, que é a confecção e comercialização dos artesanatos.

 Os artesanatos tem uma ótima aceitação pela sociedade nacional, que valoriza muito o exótico. Os arcos e flechas São os mais procurados e vendidos, principalmente para a criança nacional. Os comerciantes e atravessadores, para valorizar os artesanatos dizem que os mesmos são feitos por índios brabos da serra e do Mato Grosso.

 Muitos dos artesanatos indígenas, como punhais, facas, arcos e flechas são encontrados para vender em casas de umbanda, são muito usados em ritos religiosos afro-brasileiros.

 Antigamente havia uma diferenciação nos trabalhos indígenas da mulher e do homem, ou seja, havia artesanatos, como arcos e flechas, as armas, que só eram feitos pelos homens. Ultimamente homens e mulheres realizam o mesmo trabalho. Esta mudança tem relevante importância no processo de aculturação. Mostra que os Guarani assimilaram um aspecto comercial, ou seja, interessados na confecção dos artesanatos visando a comercialização, e deixando para trás antigo costume que fazia parte de sua cultura guarani.

 O importante é frisar que o índio Guarani está preparado apenas para ser um Guarani, ou seja, não será jamais um comerciante completo ou um bom comerciante. Muitos são aqueles que tentam transformar os Guarani em agricultores, trabalhadores dos bananais e comerciantes. Se frustrará sempre aqueles que quiserem transformar os Guarani em outros que não índios Guarani.

A vida política dos Guarani é muito interessante e em certos aspectos poderia nos servir como exemplo, pois eles vivem em harmonia.

 Existem aldeamentos, como o do Bananal por exemplo, há uma separação entre o capitão e o chefe religioso. Mas também existem aldeamentos onde o capitão, o cacique e o que reza identificam-se numa só pessoa. Já em outros aldeamentos, vemos a figura do capitão e do cacique numa mesma pessoa e a do rezador em outra.

 É importante entendermos as funções de capitão e cacique, que a maioria das vezes estão identificadas numa só pessoa. O cacique é o chefe do grupo indígena, ele é que resolve os assuntos internos do grupo, ou seja, o cacique desempenha sua função perante o grupo e para o grupo. Já a figura de capitão é a autoridade civil, ou seja, o capitão representa o grupo perante os nacionais, as instituições como a FUNAI.

 Em qualquer destes cargos, separadamente, ou fundidos num só, prevalece o sentido de hereditariedade.

 Os aldeamentos são constituídos de uma família, que torna-se seu núcleo e por outras agregadas. O líder do aldeamento assume as características de um pater famílias, sua autoridade têm um sentido mais paternalista do que civil, e a sua autoridade é respeitada enquanto ela esteja dentro dos parâmetros de aceitabilidade de seus liderados, ou seja, o líder é respeitado pelo grupo enquanto ele se der o respeito. Muitos são os lideres, que perdem este respeito, muitos pelo uso de bebidas alcoólicas. Quando isso acontece o grupo abandona o aldeamento. E este é também um dos motivos da constante mobilidade dos Guarani.

 Não existe uma estrutura de poder entre os Guarani, e sim uma expectativa de mando, de autoridade, resultantes do contato com os nacionais e da absorção de novas ideias de poder. E estas ideias ficam mais no sentido de verbalização e pouco na ação.

 O que é importante destacar é que a organização política não se baseia em poder, em mando e sim num consenso de sugestões discutidas em grupo, dos problemas do dia-a-dia. Os homens e mulheres se reúnem à noite para discutir o que aconteceu durante o dia. As decisões tomadas são decisões do grupo, e de cunho muita mais sociais que políticos. Esta atitude ajuda a manter a harmonia do grupo, e deveria servir como exemplo, estudada e usada pelos nacionais.

 Mister se faz destacar nestas reuniões a participação da mulher, sem nenhuma discriminação. Como exemplo podemos citar o aldeamento em Ubatuba que apesar de Ter um chefe as reuniões se concentrava em torno de Catarina, uma anciã de muito prestígio entre os Mbüá.

 As mudanças que ocorreram com os Guarani pelo contato com os nacionais influenciam muito no que tange a liderança, a autoridade, hierarquia etc., mas a cultura Guarani não perdeu seu caráter orientador das linhas de conduta de seus membros e os valores exógenos são moldados à visão de mundo Guarani.

 O cargo de capitão, como dissemos antes, têm mais sentido de chefe, dirigente; e permite ao seu detentor, status frente à população nacional. Para os Guarani, a conotação oficial não têm importância nenhuma.

É importante destacar que, apesar do contato com a população nacional, com a constate absorção das ideias e costumes dos nacionais, o sentido de poder, como é entendido pelos nacionais não foi absorvido totalmente pelos Guarani, o que faz comprovar que a aculturação não se dá até o final. A aculturação é parcial, como disse Darcy Ribeiro, ocorre apenas uma assimilação. E neste caso, o de poder, foi muito bom para os Guarani não terem sido “contaminados” com este vírus altamente destruidor que é o poder como é entendido e praticado pela população nacional.

A RELIGIOSIDADE DO POVO GUARANI

Segundo Clastes (1978), nos primeiros relatos de missionários e outros colonizadores, os Guarani pareciam ser "gente sem lei": povos e culturas sem a ideia de um deus, sem o seu temor, sem mais nada do que vagos nomes dados a algum fenômeno da natureza. Eles não conheciam a noção de Sagrado. Ao contrário de outros índios, pareciam não possuir ritual algum de qualquer tipo de culto religioso. Aparentemente não tinham o conhecimento de um deus, não pareciam ter crença alguma em outros seres: maléficos ou demoníacos. E se aos primeiros jesuítas espantava uma "gente" sem fé, consolava a desconfiança de que, pelo menos entre eles, não seria necessário combater "falsas crenças", pois, a um primeiro olhar piedoso, parecia não haver nenhuma.

O mesmo afirmaram os viajantes que visitaram estes índios, disseram que eles não conheciam o deus verdadeiro, mas por outro lado não tinham falsas crenças. O que levou os jesuítas a acreditarem que a evangelização seria tarefa fácil, pela ausência de falsas crenças, apesar de ficarem espantados pela falta de fé dos Guarani. Esses índios em nada acreditavam, não adoravam astros, nem animais, nem plantas, nem contando com padres ou lugares sacros.

Aponta Cherobim (1986, p.123), que a presença de vários grupos missionários cristãos ao redor ou dentro de uma mesma aldeia, a maioria dos Guarani em situação de contato constante com os brancos aceita identificar-se como cristã. Assim, as aldeias dos Guarani ao longo do litoral de São Paulo, no Brasil, aprendem a dividir-se simbolicamente em católicos e crentes (isto e, convertidos a alguma denominação evangélica, via de regra, pentecostal). Um desdobramento, aí sim estratégico, permite à lógica religiosa indígena reconhecer, para dentro da tribo e para as interações com os regionais, uma religião guarani de que o índio se reconhece sendo, e uma adesão ao cristianismo, cuja religião, ao contrário, ele se reconhece tendo.

Conforme Shaden (1974), após mais de um século e meio de submissão às missões jesuíticas, dois parecem ser os destinos tomados pelos povos guarani. Alguns deixaram-se submeter à ação missionária dos outros grupos religiosos católicos entre meados do século 18 e fins do século 19. Aproximaram-se das cidades e do modo de vida dos brancos e, mesclados aos seus códigos de crença, culto e identidade, incorporaram à religião guarani elementos míticos e mesmo éticos de um cristianismo inicialmente catequético e, depois, francamente popularizado, como o dos camponeses da Argentina, Brasil, Bolívia e, principalmente, do Paraguai, com quem os Guarani estreitaram relações de troca de serviços e sentidos religiosos. Outros tomaram desde então o caminho da vida errante e livre nas florestas. Por isto mesmo, foram aqueles que preservaram até agora mais livres de elementos brancos e cristãos a sua cultura e a sua religião. Por causa desta oposição de destino, sincretismos religiosos e integrações de símbolos cristãos à religião guarani variam intensamente no tecido de um núcleo religioso indígena comum.

Seja entre culturas indígenas francamente cristianizadas, seja entre índios escapados ao longo dos séculos de um trabalho missionário persistente, o que os estudiosos dos índios do Sul encontram, parece ser sempre uma estrutura simbólica e uma vida religiosa coletiva sem dúvida alguma Guarani.

 Segundo Schaden (1974), todos os grupos indígenas, não somente do Brasil, mas do Paraguai e da Argentina não são cristãos, e sim Guarani. Dos ritos e das cerimonias do cristianismo, ficaram apenas alguns aspectos formais e tangíveis. Todo o conteúdo é pagão. E entre os índios, cujo os antepassados tiveram influência direta ou indiretamente com os missionários, não mantiveram nem ao menos uma mitologia sincrética em que todos os elementos bíblicos e outras reminiscências cristãs estivessem amalgamados com os relatos autóctenes. Mas ficou apenas registrado o conjunto de mitos que manteve o genuíno caráter indígena. Não ficou nada que reflete a estrutura e do pensamento mítico-religioso do que deve ter sido dos jesuítas.

 E ainda de acordo com Schaden (1974), a religião guarani – " núcleo de resistência da cultura nas situações de contato" – apenas mantém a sua antiga integridade enquanto cada grupo, em cada aldeia, consegue preservar pelo menos a essência das regras de relações entre seus integrantes. Religião de uma comunidade em diáspora, ela significa a própria experiência de tal vida coletiva. E quando ela perde todos ou alguns dos seus principais princípios de reorganização de estruturas e processos de orientação da vida e de significação do mundo, também a sua religião deixa de ser acreditada e vivida como um sistema integrado e íntegro de símbolos e significados.

 Entre os fatores de uma progressiva desintegração religiosa guarani, Schaden (1974), faz coro com outros autores ao apontar: os casamentos mistos (dado que o cônjuge não-guarani dificilmente se integra em uma religião tribal); a imposição do trabalho do índio subordinado ao poder e à lógica de patrões brancos; a incorporação à vida da aldeia e aos códigos da tribo de princípios regionais de ordenação e atribuição de sentido à vida social, como e principalmente, uma nova hierarquia de pessoas não mais fundada em valores internos de base religiosa, mas em critérios "brancos", como a riqueza material.

 Segundo Shaden (1974), a desintegração cotidiana do sistema de relações entre homens e mulheres, entre pais e filhos, com os adultos em número crescente trabalhando fora das aldeias e para os brancos, sugere um efeito crescente de desintegração da vida religiosa guarani, que cinco séculos anteriores de catequese não conseguiram abalar.

 Apesar de todo o contato de muitos anos com os brancos e apesar da atual subordinação do guarani aos princípios de vida e trabalho dos regionais, persistem em preservar tão intacta quanto possível a "religião dos ancestrais", lançando mão, inclusive, de estratégias de ocultamente de práticas rituais indígenas, de afirmações "para os brancos" de adesão ao cristianismo e de incorporação fragmentada de elementos do cristianismo popular à periferia entre magia e religião na vida da aldeia.

 Para Cherobim (1986), a religião tribal é, em última análise, um dos elementos aglutinadores do grupo enquanto expressão étnica onde o Guarani encontra solidariedade tribal em termos de segurança, apoio, auto-identificação, etc. Neste sentido, esta dimensão religiosa é sinônimo de dimensão índia de vida do Guarani.

 E ainda segundo Cherobim (1986), mesmo entre os "guarani-crentes" há queixas dos pastores brancos de que eles são volúveis: mudam de uma para outra igreja e não raro se afiliam a mais de uma, algo impensável na lógica protestante. O que parece ser problema para a fração guarani convertida ao pentecostalismo: assumir-se crente e aceitar na prática a verdade da religião dos antigos (o que é diferente de, no interior da aldeia, reconhecê-la como verdadeira, pelo menos no âmbito do mundo Guarani), é uma solução não pressentida como contraditória para o guarani-católico.

 Para Cherobim (1986), as seitas protestantes, principalmente as iluministas ou pentecostalistas, prescrevem um código de comportamento moral com proibições de vícios e estímulos à vida correta e produtiva. Fabricam, assim, uma imagem de uma criatura puritana, muito compatível com as ideias capitalistas de vida. daí a melhor aceitação, pelo civilizado, do índio-crente e a sua valorização no contacto político manipulado pelo branco.

 Quando um Guarani é convertido a uma igreja protestante, os brancos e os seus neo-irmãos de fé exigem dele uma conduta que, ambivalente ao negar o ethos e o modo de ser propriamente guarani, como um suposto tipo puro de sujeito indígena, negue aquilo que caracteriza o guarani-católico: a idolatria, os vícios do álcool e "da carne", o recurso as atividades mágicas, a não subordinação do tempo da pessoa a um código de vida regido pelo trabalho, onde a própria caça – atividade guarani ancestral – é mal vista, porquanto é um não-trabalho. Pelos guarani não-crentes, o convertido é desqualificado por haver abdicado publicamente não apenas de usa religião de origem – o que ele faz com dificuldades, vimos – mas de um modo de ser em sua essência incompatível com os valores protestantes.

 De um lado e do outro das duas margens que o cristianismo oferece ou impõe ao Guarani como saída simbólica a uma incorporação do sujeito índio ao mundo do homem branco, subsiste uma estranha vocação de guarda da integridade da religião ancestral. Em outras situações de conversão de sujeitos, famílias e grupos inteiros de indígenas latinoamericanos a confissões cristãs, não é raro que, fragmentado e subalternamente sincretizado, sobretudo com o catolicismo, a religião tribal se reduza a um repertório de preceitos e usos de tipo mágico. A tribo adota ou representa haver adotado uma religião dos brancos e, nos limites em que ocultamente pode fazê-lo, revive fragmentos de sua religião antecedente.

 No caso Guarani parece haver uma vocação oposta. Ela consiste em reduzir e em magicizar a religião de conversão e afirmar ainda a integridade e a excelência da religião tribal como um sistema não redutível e crenças e cultos próprios da tribo. Seja reconhecendo tal sistema indígena como a verdadeira religião, para os índios, como entre os "crentes", seja vivendo-a na plenitude possível, sob a capa de uma confissão católica, é a religião Guarani que se trata de não integrar, isto é, de não deixar corromper-se no confronto com a do homem branco, " não enfeitado", " não eleito", ainda que dominador. A própria "mescla" com elementos religiosos do catolicismo popular ou de cultos de origem afro-brasileiras realiza-se, vimos já, segundo os padrões de incorporação do novo e as possibilidades de transformação própria da lógica e da vocação religiosa guarani.

As atividades religiosas dos Guarani é de relevante importância para nosso trabalho porque a religião é a que mais contribui para o processo de integração dos Guarani para com a população nacional.

 A religião é um forte mecanismo social no processo de integração entre os Guarani e os nacionais. A religião acelera este processo de integração, e a religião é também um núcleo de resistência frente as forças desintegradoras.

 Os Guarani se auto-identificam como “católico” ou “crente”. Isto não implica que eles tenham comportamentos coerentes com a ética católica, ou de praticante desta religião. Eles se identificam como católicos quando não pertencem a nenhuma denominação religiosa. Identificam-se da mesma forma a maioria dos nacionais católicos. A definição de Guarani como “crente”, por outro lado, implica em pertencer, como membro, a um grupo protestante qualquer.

 Para ser rezador, chefe religioso é imperioso que se saiba rezar. E mais, têm que entrar em contato com divindades. E muitos são os que dizem “ver Tupã”.

 Na verdade, para o Guarani, a ideia global de religião encerra duas dimensões – a religião tribal e o cristianismo nacional – que são manipuladas pelos indígenas em diferentes situações e para diferentes fins. A religião tribal é, um dos elementos aglutinadores do grupo enquanto expressão étnica, onde o Guarani encontra solidariedade tribal em termos de segurança, apoio, auto-identificação etc. A religião tribal é sinônimo de dimensão índia de vida do Guarani. A religião nacional por sua vez, oferece-lhes o grupo de apoio do lado civilizado, representado pela “igreja” da qual é membro. A religião nacional faz com que o Guarani se identifique como elemento do grupo dos brancos.

 Os grupos protestantes a que os Guarani se filiam são na sua grande maioria pentecostalistas, que recrutam seus membros em setores da população que passam por processo de desorganização social. Estes grupos petencostalistas oferecem duas sedutoras propostas ao povo indígena, a primeira é a oportunidade de se estruturarem socialmente, ou seja, de se integrarem com os nacionais. E a Segunda é uma proposta de natureza terapêutica.

 Os Guarani entram para estas denominações religiosas para adquirirem o status de brancos e por outro lado para que possam eliminar o assédio que sofrem pelos grupos religiosos, ou seja, para serem deixados em paz. Mesmo convertidos os Guarani terão sempre na religião tribal a sua verdadeira religião.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para discutir a religiosidade do povo Guarani, e a sua busca de uma religião, para se integrar aos nacionais, e serem aceitos pelos brancos, vale a pena destacar a situação interessante ocorre no que tange a comercialização de seus artesanatos. O Guarani se converte em crente frente ao nacional para adquirir o status de branco e aproxima-los mais dos nacionais. Mas quando têm que vender seu artesanato, mesmo o Guarani crente, se diz índio para legitimar seu artesanato, ou seja, são crentes, ou não, somente quando lhes interessa.

 É de grande importância salientar que estes grupos pentecostais a qual os Guarani se unem, a maioria são despreparados, são compostos de pastores regionais, ou seja, moradores da localidade sem nenhum preparo teológico ou cultural. Muitas destas igrejas pentecostais têm interesses de evangelizar os índios para adquirirem o status de missionárias.

Os Guarani continuam com seus costumes religiosos mesmo depois de convertidos. Eles continuam a Ter como religião verdadeira a sua primeira religião, ou seja, a religião tribal. Depois de participarem dos cultos protestantes, eles vão até a casa de reza e entoam os porahéis, que traduzindo é “o canto bom”, suas canções religiosas.

 A igreja impede qualquer traço indígena nas orações, mas os Guarani incorporaram os hinos católicos e protestantes em seus porahéis. Esta incorporação fez com que Kilza Setti (1980), em seu trabalho com os Caiçaras definisse o protestantismo como “destruidor do fazer musical”.

 No aldeamento Bananal, como em muitos outros, os Ñandeva usam a religião como meio para expressar sua oposição ao acelerado processo de aculturação. Os Mbüá expressam o mesmo em seus porahéis.

 Os Ñandeva por serem mais sedentários fortalecem as casas de reza, ou seja, as casas de reza em seus aldeamentos é bastante frequentada, inclusive pelos Mbüá, que pela sua intensa mobilidade estão sempre mudando de religião. Esta é uma das reclamações dos pastores, de que os índios não mantém a fidelidade religiosa, estão sempre mudando de igreja. Toda vez que mudam de aldeamento, mudam também de religião, e é muito comum ele seguirem mais de uma denominação religiosa, só não mudam no que tange a sua religião tribal, que é para eles a verdadeira.

 Este sentimento que os Guarani têm por sua religião tribal têm fundamental papel em sua identidade étnica, pois a religião tribal faz com que haja uma persistência cultural.

 A manutenção de sua religião tribal como a verdadeira religião pelos Guarani, também é muito importante para a manutenção de sua medicina mística em oposição a medicina nacional, usando as ervas e rezas principalmente no que tange aos temores, ansiedades e a segurança, ajudando assim manter a coesão do grupo.

 A escatologia Guarani coincide em muitos pontos com a protestante como: os dois caminhos depois da morte, do bem e do mal; o guardião dos caminhos, se confunde com a figura de São Pedro; Eles acreditam que as crianças pegam somente o caminho bom.

 Eles entendem o caminho da salvação e o da perdição, como foram a eles ensinados pelos jesuítas a muitos séculos atrás. Por isso não se sabe se isto é uma coincidência ou uma assimilação pelos Guarani.

 Outro forte motivo de conversão dos Guarani, é a ideia de salvação que terão com a volta de Jesus, ou seja, estão a espera da volta de Jesus, como pregaram a eles o pentecostalismo.

 Na verdade há uma melhor aceitação pela população nacional pelo índio crente, e eles usam isto, ou seja, a religião, para serem melhor aceitos, isto quando é de seus interesses.

 Percebe-se uma grande influência afro-brasileira na religião dos Guarani e uma reação as outras religiões. Ë interessante notar que o processo de aculturação dos negros foi mais rápido, por não Ter a cultura a mesma estrutura cultural que possui os Guarani.

Segundo Pereira (2012), ao tecer considerações sobre o homem negro e sua cultura, nos diz que há uma aceitação pelo negro-tema e uma discriminação pelo negro-agente, ou seja, aceitamos a cultura negra, gostamos do exótico mas discriminamos o negro. O mesmo se aplica ao índio, aceitamos e admiramos sua cultura, gostamos do exótico do sobrenatural, mas a população nacional discrimina o índio, ou seja, aceitamos o índio-tema e discriminamos o índio-agente.

 

Referências
CHEROBIM, Mauro. Os índios Guarani do litoral do Estado de São Paulo: análise antropológica de uma situação de contato. Editora: Fflch Usp. São Paulo, 1986.
CLASTRES, Hélène. Terra Sem Mal. São Paulo, Editora Brasiliense, 1978
PEREIRA, João Baptista Borges. Religiosidade no Brasil. EDIUSP. São Paulo, 2012.
RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. 4ª ed. Petrópolis, Vozes, 1982.
SCHADEN, Egon. Aspectos fundamentais da cultura Guarani. São Paulo: EPU ; Edusp, 1974. 208 p.
SETTI, Kilza. Ubatuba nos Cantos das Praias. Editora Ática. São Paulo, 1980.

Informações Sobre o Autor

Flavio Rodrigo Masson Carvalho

Professor Doutor Pesquisador e Orientador. do Centro Universitário Barriga Verde – UNIBAVE


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