Delação premiada e o princípio da publicidade

Resumo: O presente trabalho trata do instituto da delação premiada e sua relação com o princípio da publicidade. Atualmente existe a necessidade de se analisar mais de perto alguns institutos jurídicos já existentes em nosso ordenamento jurídico, mas até então pouco regulamentado. E um deles é a delação premiada. Trata-se de uma ferramenta que deve ser utilizado com a devida cautela e critério para que não se afronte garantias individuais. Este estudo possibilita uma análise sobre a relação da delação premiada e a violação ao princípio da publicidade.

Palavras-chave: Delação premiada, garantias individuais, princípio da publicidade.

Abstract: The present work deals with the institute of denunciation and its relation with the principle of publicity. Currently there is a need to examine more closely some legal institutions that already exist in our legal system, but until then little regulated. And one of them is the delation awarded. It is a tool that should be used with due caution and discretion for that will tackle individual guarantees.

Keywords: Delation winning individual guarantees, the principle of publicity.

Sumário: Introdução. 1. Delação premiada. 1.1. Origem. 1.2. Conceito 1.3 principais características 1.4 Evolução legislativa no Brasil. 2. Delação premiada e o princípio da publicidade. 2.1. Publicidade dos atos processuais. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A delação premiada é uma ferramenta utilizada pelo Estado para elucidar crimes. No entanto, deve-se tomar cuidado para que a sua utilização não afronte garantias individuais asseguradas pela Constituição Federal e pelo ordenamento jurídico como um todo.

O trabalho parte da origem da delação premiada, depois explica os seus principais conceitos doutrinários, suas características mais importantes e, por fim, ensina como ocorreu a evolução do instituto da delação premiada na República Federativa do Brasil.

O princípio analisado no presente trabalho é o da publicidade. Primeiramente, caracteriza-se e explica-se tal princípio, para depois verificar-se, como a delação premiada o afronta e de que modo isso acontece.

Para isso, analisa-se as diversas opiniões de especialistas sobre o assunto e, ainda, os principais posicionamentos dos tribunais superiores sobre a delação premiada e sua relação com as garantias individuais, dando ênfase a sua relação com o princípio da publicidade.

1. DELAÇÃO PREMIADA

A partir de agora, aborda-se uma das principais ferramentas da atualidade do combate efetivo às organizações criminosas e, principalmente, na possibilidade de recuperação dos bens objeto de crime ou surrupiados da Administração Pública, como propinas, desvios de verbas públicas, dentre outros valores mobiliários e monetários.

O primeiro capítulo apresenta de maneira progressiva o instituto da delação premiada, explicando a sua origem, o seu conceito e assuas principais características.

1.1 ORIGEM

A delação premiada, segundo Lima (2013), tem uma origem histórica não muito recente, já sendo encontrada, por exemplo, como no sistema anglo-saxão, do qual vem a origem da expressão crowwitness, ou testemunha da coroa.

O autor ainda faz uma breve reflexão sobre a delação premiada na sociedade contemporânea:

“Foi amplamente utilizada nos Estados Unidos (pleabargain) durante o período que marcou o acirramento do combate ao crime organizado. Adotada com grande êxito na Itália (pattegiamento) em prol do desmantelamento da máfia – basta lembrar as declarações prestadas por Tommaso Buscetta ao Promotor italiano Giovanne Falcone – que golpearam duramente o crime organizado na península itálica”. (LIMA, 2013, p. 808)

Enfim, destaca-se que a delação premiada tem uma origem antiga, e que já foi utilizada em diversas civilizações, incluindo as bárbaras.

Ainda, foi utilizada em diversos países ao longo da história, tendo grande atuação em países como a Itália e os Estados Unidos.

Segundo Aranha (2006) a delação premiada teria surgido nos Estados Unidos no decorrer da campanha contra a Máfia, a Cosa Nostra e outras organizações criminosas, quando, por via de uma transação de natureza penal, firmada pelos Procuradores Federais e alguns suspeitos de militância criminosa, a estes era prometida a impunidade desde que confessassem sua participação e prestassem informações que fossem suficientes para atingir toda a organização e seus membros.

Para o autor a delação premiada teve o seu apogeu na Itália, na conhecida operação mãos limpas, realizada com invejável sucesso, quando organizações criminosas daquele país foram desbaratadas, o que foi possível com delações de alguns de seus participantes.

E delações premiadas, já que as acusações eram feitas esperando-se, como retribuição, até a impunidade. Em razão do resultado positivo alcançado na Itália na operação já referida, foi ela copiada por vários outros países, várias outras legislações.

A seguir, apresenta-se os principais conceitos do instituto da delação premiada.

1.2 CONCEITO

Embora de origem não muito recente, o conceito de delação premiada permanece o mesmo. Seria uma espécie de “abrir o jogo” sobre o que se sabe de um fato criminoso, tendo em vista a colaboração de forma deliberada em informar as autoridades sobre crimes e seus autores, geralmente de pessoas que agem em concurso de agentes, ou que fazem parte de uma mesma organização criminosa.

Segundo Avena (2014) por delação premiada compreende-se o benefício concedido ao criminoso que denunciar outros envolvidos na prática do mesmo crime que lhe está sendo imputado, em troca de redução ou até mesmo isenção da pena imposta. Ainda, ensina que a delação premiada consiste em uma hipótese de colaboração do criminoso com a justiça, pensando em obter algum benefício para si.

Para Nicolitt (2010) delatar na linguagem comum significa revelar, acusar, denunciar. A delação no processo penal ocorre quando alguém, além de confessar a prática de um crime, revela que outro ou outros também o praticaram na qualidade de coautores ou partícipes.

Conforme afirma Bitencourt (2012) a delação premiada consiste na redução da pena (podendo chegar, em algumas hipóteses, até mesmo a total isenção da pena) para o delinquente que delatar seus comparsas, concedida pelo juiz na sentença final condenatória, desde que sejam satisfeitos os requisitos que a lei estabelece.

O autor explica que a delação premiada é um instituto importado de outros países, independentemente da diversidade de peculiaridades de cada ordenamento jurídico e dos fundamentos políticos que o justificam.

Para Capez (2015) a delação premiada consiste na afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido pela polícia. Além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação como seu comparsa.

Para elucidar, Reis e Gonçalves (2013) denominam delação como o ato por meio do qual o acusado admite a própria responsabilidade e incrimina outrem, apontando-o como partícipe ou coautor da infração. O autor ainda usa palavras como confissão declaratória e chamada de corréu para, então, conceituar o termo delação.

Já Nucci (2008) explica que a delação premiada acontece quando o acusado admite o crime, ainda, revela que outra pessoa também o auxiliou de alguma forma.

“Delatar significa acusar, denunciar ou revelar. Processualmente, somente tem sentido falarmos em delação quando alguém, admitindo a prática criminosa, revela que outra pessoa também o ajudou de qualquer forma.  Esse é um testemunho qualificado, feito pelo indiciado ou acusado. Naturalmente, tem valor probatório, especialmente porque houve admissão de culpa pelo delator”. (NUCCI, 2008, p. 431)

No mesmo sentido, Marcão (2014) afirma que o instituto da delação premiada incide quando o réu, voluntariamente, colabora de maneira efetiva com a investigação e o processo criminal. Para o autor esse testemunho qualificado deve vir acompanhado da admissão de culpa e deve servir para a identificação dos demais coautores ou partícipes e na recuperação do produto do crime.

Já Lima (2013) realça a ideia de que a delação premiada seria uma espécie de confissão delatória, que consiste na afirmação realizada pelo acusado, por ocasião de seu interrogatório, de que, além de seu próprio envolvimento, uma terceira pessoa, agindo como seu comparsa, também concorreu para a prática delituoso.

Finalmente, trago o conceito estabelecido pelo Ministro Arnaldo Esteves Lima:

“A delação premiada é instituto utilizado quando o colaborador, reconhecendo a sua prática criminosa, aponta os demais envolvidos no fato criminoso. A sua aplicação está voltada, em regra, para a oitiva durante o inquérito policial ou no interrogatório judicial. (Ação Penal n 707- DF” (2009/0188666-5) – STJ.)

Em seguida, apresenta-se as principais características do instituto da delação premiada.

1.3 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

A delação premiada, no entendimento de Bitencourt e Busato (2014), tem natureza jurídica mista, isto é, de direito material e de direito processual. Os autores explicam que trata-se de uma norma repressiva e restritiva de liberdade, não admitindo, assim, aplicação da analogia nem interpretação extensiva.

Segundo Capez (2015), embora a delação premiada esteja disciplinada em diversos diplomas legais, ela não foi regulamentada pelo Código de Processo Penal brasileiro. Para o autor a delação premiada tem sua forma de aplicação da seguinte maneira:

“O único ato processual em que pode ser feita é o interrogatório judicial, sendo esta a sua única oportunidade de se manifestar a respeito dos fatos a ele imputados. Nada impede, contudo, que a delação seja feita após a fase do interrogatório, sempre que o réu resolver fazê-lo mais adiante. Isso porque, nos termos do art. 196 do CPP, o juiz pode, a qualquer momento, de ofício ou mediante pedido fundamentado de qualquer das partes, determinar a realização de novo interrogatório”. (CAPEZ, 2015, p. 473)

Uma importante informação no traz Nicolitt (2010) explicando que a delação premiada tem características diferentes da confissão durante o interrogatório judicial.

“Tal revelação tem valor probatório como um testemunho. Embora ocorra juntamente com a confissão, com ela não se confunde porque na confissão se fala de fato próprio, ou seja, praticado pelo confidente, enquanto na delação se fala de fato praticado por terceiro”. (NICOLITT, 2010, p. 408)

De um modo geral, Aranha (2006) aponta os requisitos básicos para a concessão da delação premiada. O autor afirma que a referida ordem deve ser seguida de forma sequencial:

“O que se exige é a demonstração de um grupo criminoso com a prática de crimes coletivos, uma forma concursal de delinquentes. Pode ser reconhecida numa associação de apenas duas pessoas: o delator confitente e o delatado. Depois, a confissão por parte de um dos membros participantes e que seja espontânea ou voluntária. Há que ser de parte de um dos envolvidos, pois, se por parte de um terceiro, teremos o testemunho. Por fim, a prestação de informações sobre a organização e seus membros, tendo por base fatos desconhecidos, a ponto de ser possível a obtenção das provas desejadas para a demonstração da materialidade do crime e seus autores. A toda evidência só se pode falar em informações hábeis para a obtenção da prova”. (ARANHA, 2006, p. 135)

Ainda, para esclarecer a respeito das principais características da delação premiada, Capez (2015) explica sobre o valor probatório da delação premiada:

“Quanto ao seu valor probatório, nada impede seja a delação levada em conta para fundamentar a sentença condenatória, mesmo à míngua de outros elementos probatórios, tendo em vista que o CPP lastreia-se no princípio da verdade real, pois seu art. 155 estatui que o juiz formará a sua convicção pela livre apreciação da prova. Deve ressaltar, no entanto, que o juízo de certeza exigido para a prolação do decreto condenatório desaconselha que a delação vazia e carente de detalhamento possa autorizar, por si só, a procedência da imputação”. (CAPEZ, 2015, p. 475)

Outra característica, é que a delação premiada pode ser aplicada quando o crime for praticado por apenas duas pessoas, conforme esclarece Bitencourt (2012), afirmando que basta existir o concurso de agente para a pratica do delito.

“No caso da delação premiada, tornou-se desnecessário que o crime de extorsão tenha sido praticado por quadrilha ou bando, o qual exige a participação de, pelo menos, quatro pessoas, sendo suficiente que haja concurso de pessoas, ou seja, é suficiente que dois participantes, pelo menos, tenham concorrido para o crime, e um deles tenha delatado o fato criminoso à autoridade, possibilitando a libertação do sequestrado”. (BITENCOURT, 2012, p.926)

Outro detalhe, sobre a delação premiada, diz respeito a questão de sua aplicabilidade ferir princípios relacionada à ética e à moral.

Segundo Avena (2014) para alguns a delação premiada traduz-se como um procedimento eticamente censurável, já que induz à traição. Além disso, implicaria rompimento ao sistema da proporcionalidade da pena.

No mesmo sentido, Carvalho (2009), explica que em relação à ética e à moral parte da doutrina posiciona-se contrariamente a esse tipo de colaboração. O autor, ainda, explica que devido ao fato da delação premiada ser uma postura infame, relacionada à traição para se obter vantagem para si mesmo. Concluindo que o Estado estaria premiando a falta de caráter do codelinquente, convertendo-se em um autêntico instituto incentivador de antivalores ínsitos à ordem social.

A seguir, aborda-se o instituto da delação premiada na legislação brasileira, e sua evolução ao longo dos últimos anos.

1.4. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL

Conforme explica Capez (2015) o delator, no caso, preenchidos os requisitos legais, é contemplado com o benefício da redução obrigatória de pena, conforme Leis n. 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos), 12.850/2013 (Lei do Crime Organizado), 9.807/1999 (Lei de proteção a testemunhas) e 11.343/2006 (Lei de drogas).

Segundo entendimento do relator ministro Arnaldo Esteves Lins, em relação a lei que estabelece o sistema geral da delação premiada, tal dispositivo encontra-se presente na lei 9.807 de 1999.

“Com efeito, o sistema geral da delação premiada está previsto na lei 9.807/1999. Apesar da previsão em outras leis, os requisitos gerais estabelecidos na Lei de Proteção à Testemunha devem ser preenchidos para a concessão do benefício”. (HC 97.509 – MG- (2007/0307265-6) – STJ.)

Bitencourt (2012) explica que a delação premiada na legislação brasileira foi fortemente impulsionada através da retificação legislativa de 1996, com a qual se iniciou a proliferação da “traição bonificada”, defendida pelas autoridades como grande instrumento de combate à criminalidade organizada, ainda que, contrariando esse discurso, o último diploma legal referido tenha afastado exatamente a necessidade de qualquer envolvimento de possível organização criminosa.

O autor, de forma sintética, aponta o histórico mais detalhado do instituto da delação premiada na legislação brasileira.

“A delação premiada foi inaugurada no ordenamento jurídico brasileiro com a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90, art. 8°, parágrafo único), proliferou em nossa legislação esparsa, atingindo níveis de vulgaridade; assim, passou a integrar as leis de crimes contra o sistema financeiro (art. 25, § 2°, da Lei n. 7492/86) crimes contra o sistema tributário (art. 16, parágrafo único, da Lei n. 8.137/90), crimes praticados por organização criminosa (art. 6° da Lei n. 9.034/95), crimes de lavagem de dinheiro (art. 1°, § 5, da Lei n. 9.613/98) e a Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas” (art. 13 da Lei n. 9.807/99). (BITENCOURT, 2012, p. 927)

Sendo um pouco mais específico em relação a Lei de Proteção às vítimas e testemunhas, traz-se o julgamento do relator ministro Haroldo Rodrigues:

“Demais disso, a concessão da benesse segundo a Lei da Proteção à Testemunha, que expandiu a aplicação do instituto da delação premiada para todos os delitos, é ainda mais rigorosa, porquanto pressupõe a efetividade do depoimento, sem descurar da personalidade do agente e lesividade do fato praticado, a teor do que dispõe o parágrafo único do art. 13 da Lei n. 9.807/1999”. (HC n 90.962 – SP (2007/0221730-9) – STJ.)

No que diz respeito à Lei de crimes hediondos, Prado (2010) explica que torna-se possível ao delator a aplicação de causa especial de diminuição de pena.

“A Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990) criou a causa especial de diminuição de pena para o delator que, com sua denúncia, facilite a libertação da vítima do sequestro. É o que se denomina delação premiada, instituto que encontra raiz na política criminal, priorizando a prevenção e repressão do crime”. (PRADO, 2010, p.338)

No mesmo sentido, Franco (2011) afirma que a delação premiada não foi, em verdade, formulada com o fim exclusivo de propiciar um prêmio ao delator, mas, sim, com dois outros propósitos: a finalidade explícita de facilitar a liberação do sequestrado e a finalidade subtendida de provocar o comprometimento e consequente punição dos demais autores ou partícipes da infração penal.

Já em relação ao instituto da delação premiada sendo aplicada conforme a Lei de Drogas de 2006, observa-se o seguinte entendimento do relator ministro Campos Marques:

“No tocante à redução prevista no art. 41da Lei 11.343/2006, a chamada delação premiada, a jurisprudência iterativa vem orientando que a colaboração voluntária para a identificação dos coautores deve ser eficaz, não bastando meras citações a terceiros, com informações vagas sobre seu paradeiro. E, novamente, a sentença reconheceu que o condenado repassou informações não muito precisas acerca do local onde o corréu, poderia ser encontrado, razão pela qual a redução da pena se mostra impossível. (Agravo em recurso especial n 311.577 – CE” (2013/0097750-6) – STJ.)

No próximo capítulo, aborda-se o princípio da publicidade, seus conceitos e suas principais características.

2. DELAÇÃO PREMIADA E O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

Através da aplicação da delação premiada, muitas investigações acabam por afetar consideravelmente o princípio da publicidade dos atos processuais. Mas primeiro, apresenta-se a seguir, as peculiaridades desse princípio.

2.1. PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS

Segundo Távora e Alencar (2013) a publicidade dos atos processuais, que pode ser definida como a garantia de acesso de todo e qualquer cidadão aos atos praticados no curso do processo, é a regra. Todavia o sigilo é admissível quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.

É o que diz expressamente a Constituição Federal (art. 5, LX, CF).

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.”

Para Marcão (2014) como decorrência do sistema de garantias vigente, somente a publicidade geral é que poderá sofrer restrições, conforme o caso. Jamais, em hipótese alguma, a publicidade especial estará sujeita a limitação. Daí por eventual decisão judicial que impunha tal tipo de restrição materializará desconfortável ilegalidade e violação de direito fundamental.

Távora e Alencar (2013,) logo abaixo, explicam que o princípio da publicidade dos atos processuais não possui caráter absoluto, possuindo algumas exceções:

“O art. 792 do CPP prevê o sigilo se da publicidade do ato puder ocorrer escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem (§1°).O art. 93, inciso IX, da CRFB, alterado pela EC/2004, assegura que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, nos casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público a informação”. (TÁVORA; ALENCAR, 2013, p. 64)

No mesmo sentido, Tourinho (2012) explica que a importância não se estabelecer um caráter absoluto frente ao princípio da publicidade, com o objetivo de evitar-se inconveniências:

“É certo que a publicidade absoluta ou geral acarreta inconveniências de toda ordem. O sensacionalismo, forte impressão no público, desprestígio do réu. Há outros ainda. Por isso os evitáveis e desnecessários prejuízos que resultam do processo da publicidade geral são conjurados por limitações impostas pelas legislações”. (TOURINHO, 2012, p. 34)

Ainda, Marcão (2014) ensina que é preciso distinguir publicidade geral de publicidade especial.

“Publicidade geral ou ampla é aquela que permite a qualquer pessoa acesso irrestrito a todo e qualquer ato processual e também ao processo: é a publicidade ilimitada. Publicidade especial ou específica diz respeito ao acesso das partes e seus procuradores (Ministério Público, advogado do assistente da acusação, querelante e defensores) ao processo e atos processuais”. (MARCÃO, 2014. p.60)

Consoante Távora e Alencar (2013) em relação às partes, a publicidade dos atos na fase processual deve permanecer intocada, justamente porque ela permitirá a materialização do contraditório, e a participação no processo. Para os autores o máximo que se poderia autorizar é a realização do ato sem a cientificação momentânea e, por sua vez, sem a publicidade imediata, o que se fará em momento posterior, uma vez cumprida a diligência, a exemplo do que acontece com a realização de interceptação telefônica na fase processual.

Por fim, importante esclarecer sobre o princípio da publicidade em relação ao inquérito policial, segundo Távora e Alencar (2013) o advogado tem direito a examinar os autos, conforme explica de forma mais detalhada logo abaixo:

“Já quanto ao inquérito policial, por se tratar de fase pré-processual, é regido pelo princípio da sigilação, assegurando-se ao advogado, contudo, por força do art. 7, XIV, da lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), a consulta aos autos correspondentes, o que foi corroborado pela súmula vinculante n° 14 do STF, de sorte que é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. Por sua vez, para preservar o ofendido, é possível a decretação judicial do segredo de justiça, que pode atingir toda a persecução penal, englobando dados, depoimentos, e demais informações constantes dos autos, de forma a não expor a vítima aos meios de comunicação (art. 201, §6°, do CPP)”. (TÁVORA; ALENCAR, 2013, p. 65)

No seguinte capítulo, explica-se como o instituto da delação premiada afronta o princípio da publicidade.

A respeito do princípio da publicidade dos atos processuais, conforme explica Aranha (2006), no que tange à delação premiada, a natureza desta demanda, somente pode exigir o devido sigilo, para que se preserve o delator, evitando que eventuais vazamentos de informações possam prejudicá-lo, bem como, também, assegurar a colheita de informações sem eventuais vícios.

Lescano (2012) ensina que o réu tem o direito de conhecer todo o conteúdo do processo que está respondendo, pelas razões a seguir expostas pelo autor:

“Dessa maneira, nos deparamos novamente com a delação premiada indo contra os princípios garantidores de um devido processo legal. É sabido que a delação premiada é utilizada como prova e, assim, obrigatório que todas as partes tenham conhecimento do seu conteúdo; caso contrário, estamos diante da violação do princípio do contraditório e da ampla defesa. O réu tem direito de conhecer todo o conteúdo do processo que está respondendo. Se a publicidade dos fatos fere o sistema da delação premiada, é esta que deve ser banida do processo penal, e não os princípios consagrados pela Carta Magna”. (LESCANO, 2012, p. 28)

Desse modo, devido ao fato de as partes não terem as mesmas igualdades de condições em acessar as informações da investigação, caracteriza-se prejuízo evidente a uma das partes. Portanto, fica bem claro que a delação premiada afronta diretamente o princípio da publicidade dos atos processuais.

CONCLUSÃO

Após análise à doutrina e à jurisprudência, a respeito da violação do princípio da publicidade, pelo instituto da delação premiada, constata-se que realmente tal afronta acontece.

Para consolidar a possibilidade da inconstitucionalidade da delação premiada, Souza (2009) afirma que muitos doutrinadores entendem que a delação premiada ofende diversas garantias constitucionais.

“Expressivo segmento da doutrina defende que o instituto da delação premiada ofende: a) o princípio da publicidade, por ser acordo secreto; b) a ética do processo, uma vez que a colaboração se dá por interesses egoísticos e por tornar o delator objeto de medida processual, corrompendo-lhe o espírito; c) o dever de ofício, pois há apatia da autoridade pública em razão da facilidade de obter prova; d) o princípio da proporcionalidade, pois réus com a mesma culpa estarão sujeitos a penas diversas; e) quebra, por fim, o princípio acusatório, visto ser ônus da acusação a busca de prova condenatória”. (SOUZA, 2009, p. 137)

Para complementar, os autores Bitencourt e Busato (2014), afirmam que na Lei n. 12.850/2013, contempla-se já, de entrada, uma inconstitucionalidade flagrante, na medida em que, sendo a colaboração premiada um meio de prova, diga-se, prova processual, converte o delegado de polícia em sujeito processual.

Ainda, o autor explica:

“Isto porque se refere expressamente: considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do CPP. Esta inconstitucionalidade é complementada pelo § 6 do mesmo artigo, que dispõe: O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor”. (BITENCOURT; BUSATO, 2014, p. 122)

Assim sendo, chega-se à conclusão de que o instituto da delação premiada consiste em um procedimento que simboliza a ineficiência do Estado em combater a criminalidade, pois não respeita diversas garantias individuais, incluindo o princípio da publicidade.

O trabalho sugere, ainda, que existe a necessidade de uma legislação específica a respeito da delação premiada. Isso porque não existe uma maneira uniforme dela ser aplicada no processo penal.

Pois, assim como está sendo utilizada, a delação premiada proporciona uma série de violações ao princípio da publicidade dos atos processuais.

Portanto, trata-se de uma ferramenta utilizada pelo Estado, que fere diversas garantias constitucionais, principalmente, o princípio da publicidade, prejudicando, dessa forma, a igualdade das partes no devido processo legal.

 

Referências
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 7 Ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2006.
AVENA, Norberto. Processo penal: esquematizado. 6 Ed. São Paulo, SP: Método, 2014.
BITENCOURT, Cesar Roberto. Código penal comentado. 7 Ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2012.
BITENCOURT, Cesar Roberto. BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa. São Paulo, SP: Saraiva, 2014.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n° 97.509 – MG- (2007/0307265-6) Brasília, DF, 02 de agosto de 2010.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação Penal n° 707 – DF (2009/0188666-5) Brasília, DF, 05 de outubro de 2013.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 22 Ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2015.
FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 7 Ed. São Paulo, SP: RT, 2011.
LESCANO, Mariana Doernte. A delação premiada e sua invalidade à luz dos princípios constitucionais. São paulo, SP: RT, 2012.
LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói, RJ: Impetus, 2013.
MARCÃO, Renato. Curso de processo penal. São Paulo, SP: Saraiva, 2014.
NICOLITT, André Luiz. Manual de processo penal. 2 Ed. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier, 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. São Paulo, SP: RT, 1999.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 11 Ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 8 Ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2014.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direitopenal brasileiro. 9 Ed. São Paulo, SP: RT, 2010.
RIOS, Alexandre C. Araújo. GONÇALVES, Victor E. Rios. Direito processual penal esquematizado. 2 Ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2013.
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Manual da prova Penal Constitucional. Pós-reforma de 2008. Curitiba: Juruá, 2009.
TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8 Ed. Salvador, BA: Juspodivm, 2013.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35 Ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2013.

Informações Sobre o Autor

Álisson Hahn

Graduado bacharel em Direito pela Universidade Ulbra Pós-graduado em Gestão Pública pela Universidade dom Bosco Graduado bacharel em Administração pela Universidade Feevale


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