Encarecer para proteger: tentativas para inverter a lógica de prevalência do lucro sobre a saúde do trabalhador

Resumo: O presente trabalho visa analisar a possibilidade da cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade. Trata-se de matéria que possui desacordo no âmbito jurídico e não há um posicionamento regular a respeito da cumulação dos referidos adicionais. É pretendido demonstrar que não há fundamentos justificadores – jurídicos ou biológicos – para a vedação da cumulação do adicional de insalubridade e periculosidade. Ao contrário, o trabalhador que, simultaneamente, em virtude de sua atividade laboral, fica exposto a risco de morte e a contaminação por agentes nocivos à saúde sofre agravos distintos e, por isso, deve ser duplamente recompensado. A suposta vedação prevista em norma infraconstitucional não pode se sobrepor à Constituição Federal ainda mais em um contexto em que a hierarquia de normas no Direito do Trabalho é definida pelo princípio da norma mais favorável.

Palavras-chave: Princípio da proteção. Cumulação. Adicional de insalubridade. Adicional de Periculosidade.

Abstract: The present scientific paper aims to analyze the possibility to cumulate the health hazard bonus and the death risk premium. The authors intended to demonstrate that there are no justificatory grounds – legal or biological – to deny this labor right. On the contrary, the workers that at the same time are exposed to the risk of contamination by agents harmful to their health and to the risk of death suffer from different damages and, therefore, should be doubly rewarded. The supposed prohibition provided in a federal law cannot overlap with the Constitution, especially in a context in which the hierarchy of norms is defined by the principle that says that the most favorable law to the worker must prevail.

Keywords: Principle of protection. Cumulative damages. Hazard bonus. Death risk premium.

Sumário: Introdução. 1. A monetarização dos riscos e dos prejuízos: detalhes acerca da sistemática adotada pela CLT. 1.1 Caracterização dos agentes insalubres e perigosos. 1.2 Perícia técnica. 1.3 Equipamentos de proteção individual. 1.4 Base de cálculo. 1.5 Tempo de exposição. 2. Da acumulação dos adicionais. 2.1 Por que não acumular? 2.2 Possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade no direito trabalhista brasileiro: uma tentativa de proibir “monetarizando”. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Os adicionais de insalubridade e periculosidade surgiram com o intuito de valorizar o trabalho realizado por prestador submetido a condições prejudiciais à sua saúde ou que representem risco à sua vida.

Teoricamente, o objetivo da imposição legal de pagamento dos adicionais, deveria levar o empregador a, em tese, zelar pela manutenção de um ambiente de trabalho mais saudável e mais seguro.

No entanto, a despeito de tal intenção, a interpretação majoritária da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – contrariamente à norma Constitucional que zela pelo princípio da máxima proteção – entende que os mencionados adicionais não podem ser cumulados. Isso significa que os tribunais trabalhistas entendem que o trabalhador exposto a ambos os agentes (quais sejam, insalubre e periculoso), deve optar pelo pagamento do adicional de um em detrimento do outro. Como se não bastasse, o valor dos referidos adicionais, especialmente o de insalubridade, é ínfimo.

A sobreposição da norma trabalhista em relação à Carta Magna evidencia que a interpretação defendida majoritariamente está equivocada.

O equívoco é tamanho que, o próprio diploma trabalhista (a CLT) estabeleceu a diferenciação entre o ambiente insalubre e o periculoso. A presença daquele importaria em se reconhecer que existem agentes prejudiciais à saúde no local de trabalho. A presença do último (periculosidade) significa que o ambiente apresenta iminente risco à vida do obreiro. Ora, se as ameaças são diversas e os agentes não se confundem, não existe justificativa lógica para limitar a percepção, pelo trabalhador, a apenas um dos adicionais.

Destarte, tem-se que o pagamento cumulativo dos adicionais de insalubridade e periculosidade não geram um bis in idem. Se as situações previstas para os adicionais são diferentes, não há de se falar pagamento duplicado. Mesmo porque, o empregado exposto a mais de um agente agressivo tem a sua resistência reduzida, e, ainda a presença simultânea de agentes periculosos e insalubres multiplica os riscos à saúde.

Defende-se que, se permitida à cumulação desses adicionais, os empregadores preocupar-se-iam mais com o ambiente de trabalho, proporcionando melhores condições e um ambiente mais saudável, o que iria ao encontro do fundamento constitucional da dignidade humana do trabalhador.

O presente trabalho detalhará em seu primeiro capítulo, a insalubridade e a periculosidade. Como esses agentes são identificados; como podem ser neutralizados; qual é a base de cálculo dos adicionais; entre outras peculiaridades do tema.

Ademais, buscar-se-á criticar a técnica adotada pela CLT que, quando definiu valores para o pagamento dos adicionais, não se preocupou efetivamente com a proteção do trabalhador. Atribui-se um preço à saúde, quiçá à vida, ao invés de proibir o exercício do labor em condições nocivas.

Noutro giro, discutir-se- à, finalmente, partindo da problematizarão supracitada, a possibilidade da cumulação de ambos adicionais, utilizando-se para tanto, de princípios constitucionais consagrados no sistema jurídico brasileiro, assim como, de entendimento jurisprudencial recentemente divulgado.

Por meio dessa nova interpretação, pretende-se, mesmo que de forma indireta, inviabilizar a exigência de trabalho prejudicial à saúde e/ou que gere risco de morte.

1 A MONETARIZAÇÃO DOS RISCOS E DOS PREJUÍZOS: DETALHES ACERCA DA SISTEMÁTICA ADOTADA PELA CLT

A forma utilizada pela CLT para a proteção do obreiro submetido a agentes insalubres e periculosos trabalha com uma balança que coloca o dinheiro sobre um prato e a saúde do trabalhador sobre outro.

Evidentemente que os adicionais visam a dificultar, ou melhor, desmotivar o empregador a exercer a sua atividade expondo os trabalhadores a essas condições. Contudo, conforme será exposto a seguir, os adicionais representam um baixo custo na produção. Esta pesquisadora se arrisca, inclusive, a denunciar que, muitas vezes, vale mais a pena pagar os adicionais a tomar medidas que efetivamente reduziriam os riscos a que o trabalhador se submete.

1.1 Caracterização dos agentes insalubres e perigosos

Verificada a terminologia no Dicionário Aurélio (2015), o termo insalubre se define como doentio ou não salubre.

Nos termos da Lei Trabalhista, o ambiente insalubre caracteriza-se como aquele em que está presente o prejuízo cotidiano à saúde do trabalhador. Conforme dispõe o artigo 189 da Consolidação das Leis do Trabalho: “Art. 189 – Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.” (BRASIL, 2016).

Portanto, tem-se que o trabalhador exposto a agentes nocivos à saúde que ultrapassem os limites fixados por lei (de acordo com a natureza, tempo e intensidade do agente) circula em um ambiente insalubre, fazendo jus ao recebimento do respectivo adicional.

Os mencionados limites de tolerância são fixados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, dotado de competência para tal, nos termos do artigo 190 da CLT.

Assim, através da Norma Regulamentadora de nº 15 (NR 15), o MTE estabeleceu rol de atividades consideradas insalubres, suas condições, limites e formas de proteção. Dentre as operações assim consideradas estão inclusas: ruídos, condições hiperbáricas, radiações não ionizantes, vibrações, frio, umidade, agentes químicos, agentes biológicos, entre outros. (BRASIL, 2016)

Neto (2012) explana que “na insalubridade, o funcionário deverá estar exposto, em caráter habitual e permanente, a locais insalubres ou em contato permanente com substancias, que podem vir a causar adoecimento nos termos já previstos na NR 15. Neste caso, a exposição e permanência, é o principal causador para um possível adoecimento.” (NETO, 2012, p. 01).

No que tange ao ambiente periculoso, a previsão normativa se localiza no artigo 193 da CLT, in verbis: “art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: I – inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; II – roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.” (BRASIL, 2016).

Segundo o entendimento de Maria Bernadete Miranda (2013) há de se fazer distinção entre a insalubridade e a periculosidade. A autora esclarece que “[…] diferentemente do adicional de insalubridade, que afeta a saúde do trabalhador, o adicional de periculosidade tem o objetivo de ‘compensar’ o empregado que desenvolve sua atividade em risco iminente de sua vida. Deve-se considerar que um trabalhador desenvolve uma atividade perigosa quando esta causa risco a sua vida ou a sua incolumidade física.” (MIRANDA apud CONDÉ, 2013, p. 32).

Portanto, a periculosidade refere-se à possibilidade de risco iminente de morte, independentemente do tempo de exposição (NETO, 2012).

No mesmo sentido, Nestor conclui que, “na periculosidade o que motiva o pagamento é o risco de ocorrer uma fatalidade” (NETO, 2012, p. 01)

Portanto, temos que, conforme a sábia explanação de Condé (2013), “[…] as condições geradoras de um risco de vida legalmente indicados gerariam o percebimento do adicional. Por isso, pode-se dizer que o adicional de periculosidade tem como objeto de proteção o direito à vida e à incolumidade física uma vez que as condições às quais está exposto o empregado geram perigo não somente à sua saúde, mas à sua vida como um todo.” (CONDÉ, 2013, p. 32).

No caso da periculosidade, apesar de existir norma regulamentadora própria que detalha circunstâncias técnicas para a caracterização de agentes periculosos (NR-16), somente os trabalhadores expostos a produtos inflamáveis e explosivos; em contato com eletricidade; radiação ionizante ou elemento radioativo; risco de violência física em virtude da prestação de segurança patrimonial, bem como os profissionais que laboram como motoboys possuem direito ao adicional.

Aumentando o leque de trabalhadores tutelados na esfera de tal instituto, o Supremo Tribunal Federal (STF) incluiu no rol os trabalhadores de posto de combustíveis líquidos. Assim, a súmula 212 do mencionado tribunal expõe que “tem direito ao adicional de serviço perigoso o empregado de posto de revenda de combustível líquido” (BRASIL, 2016).

Em consonância com tal posicionamento, a súmula 39 do Tribunal Superior do Trabalho dispõe que, “Os empregados que operam em bomba de gasolina têm direito ao adicional de periculosidade” (BRASIL, 2016).

Insta dizer que, a atividade do trabalhador que opere motocicleta em caráter profissional (motoboy) só foi incluída na lista da periculosidade em 2014, por meio da Lei 12.997/2014.

1.2 Perícia Técnica

A exposição a tais fatores pode e será necessariamente verificada através de perícia técnica, estando aptos para tal, observados respectivos cadastro no Ministério do Trabalho e Emprego, os Médicos do Trabalho assim como os Engenheiros de Segurança do Trabalho (SALIBA, 2009).

Tal verificação apenas não ocorrerá quando impossível a sua ocorrência, qualquer que seja sua causa. Desta forma, caberá ao magistrado da justiça trabalhista decidir sobre a dispensa da prova pericial, observadas as prerrogativas do art. 472 do CPC/2015, in verbis: “art. 472. O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem, sobre as questões de fato, pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes.” (BRASIL, 2016).

Tal possibilidade é confirmada pela OJ 278 da Seção de Dissídios Individuais 1 (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que assim dispõe: “OJ-SDI1-278 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. PERÍCIA. LOCAL DE TRABALHO DESATIVADO (DJ 11.08.2003) A realização de perícia é obrigatória para a verificação de insalubridade. Quando não for possível sua realização, como em caso de fechamento da empresa, poderá o julgador utilizar-se de outros meios de prova.” (BRASIL, 2016).

Assim, salvo em casos da impossibilidade da perícia técnica, esta será obrigatória. Exemplo de quando a perícia não pode acontecer se dá quando um empregado, ex-trabalhador de laboratório, ingressa com ação depois que o local de trabalho já foi desativado e todo o maquinário eliminado ou transferido.

Outra situação que dispensa a realização da perícia técnica tem previsão na súmula 453 do TST. Segundo a Corte Superior Trabalhista desnecessária será a avaliação por expert, quando o empregador pagar o adicional de forma espontânea: “Periculosidade. Adicional. Pagamento espontâneo. Caracterização de fato incontroverso. Prova pericial. Desnecessária a perícia de que trata o art. 195 da CLT. CLT, art. 193. O pagamento de adicional de periculosidade efetuado por mera liberalidade da empresa, ainda que de forma proporcional ao tempo de exposição ao risco ou em percentual inferior ao máximo legalmente previsto, dispensa a realização da prova técnica exigida pelo art. 195 da CLT, pois torna incontroversa a existência do trabalho em condições perigosas.” (BRASIL, 2016).

Entretanto, e a despeito de tal súmula, quando se tratar do adicional de insalubridade, ainda que diante do pagamento voluntário do respectivo adicional, tendo em vista a necessidade de aferição do grau da insalubridade, a perícia técnica será obrigatória.

Vale mencionar ainda que, mesmo que o perito identifique hipótese diversa daquela mencionada na petição inicial, ainda assim, devido será o adicional de insalubridade. Em outras palavras: a caracterização do agente insalubre independe de correta classificação pelo autor na peça de ingresso, haja vista que a perícia existe exatamente pela aptidão do perito que a realiza, não cabendo ao trabalhador o apontamento preciso das condições insalubres e seus limites (MARTINS, 2012). Por se tratar de questão técnica que extrapola a ciência jurídica, sobrevaloriza-se a conclusão pericial ao relato do autor da ação. É o que esclarece a súmula 292 do TST.

1.3 Equipamentos de Proteção Individual

As parcelas dos adicionais, não constituem direito adquirido, devendo-se observar as alterações legais ao longo do tempo; o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) e a cessação da situação insalubre e periculosa.

Nos termos do artigo 166 da CLT, a empresa que explorar serviços em condições nocivas à saúde ou à vida do trabalhador, é obrigada a fornecer aos trabalhadores, gratuitamente, EPI’s devidamente conservados e prontos para o uso, sempre que as medidas de ordem geral não oferecerem a adequada proteção em face dos riscos de acidente e à saúde do trabalhador (BRASIL, 2016).

Conforme ensina Alice Monteiro, “o fornecimento do EPI aprovado pelo órgão competente do Poder Executivo poderá eliminar o agente agressivo gerador do adicional de insalubridade.” (BARROS, 2006, p. 753).

Desta forma: “Súmula nº 80 do TST. INSALUBRIDADE (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 – A eliminação da insalubridade mediante fornecimento de aparelhos protetores aprovados pelo órgão competente do Poder Executivo exclui a percepção do respectivo adicional.” (BRASIL, 2016).

Sobre a mesma questão, ainda temos o artigo 191 da CLT, que dispõe o seguinte: Art. 191. A eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá: I − com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância; II − com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância. (BRASIL, 2016).

Entretanto, apenas o fornecimento do EPI não elimina o risco e nem isenta o empregador do pagamento do adicional, sendo necessária a adoção de meios que garantam a efetiva utilização dos mencionados equipamentos de proteção e que tais equipamentos sejam verdadeiramente eficazes na prevenção dos riscos.

A súmula 289 do TST esclarece que, o uso per si de EPI’s não afasta a obrigação do empregador pagar os adicionais devidos pela exposição ao risco: “Súmula nº 289 TST. INSALUBRIDADE. ADICIONAL. FORNECIMENTO DO APARELHO DE PROTEÇÃO. EFEITO (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 O simples fornecimento do aparelho de proteção pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade. Cabe-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, entre as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento pelo empregado.” (BRASIL, 2016).

Alice Monteiro Barros exemplifica: “O simples fornecimento do EPI não é suficiente à elisão do pedido de adicional de insalubridade quando, por exemplo, sua durabilidade não ultrapassa determinado número de dias e a substituição é realizada além do prazo de validade.” (BARROS, 2006, p. 753).

Portanto, tem-se a relativização da integração do adicional de insalubridade ao salário do trabalhador. Assim, o pagamento do respectivo adicional deixa de ser devido, caso, via utilização de EPI’s, elimine-se completamente o agente (BARAÚNA, 2000).

Quanto ao adicional de periculosidade este não pode ser neutralizado, mesmo com entrega de equipamentos de proteção individual (EPI). Para não apresentar risco, este deve ser eliminado. Pois o que define o trabalho em condições de periculosidade é o risco à integridade física a que o trabalhador está sujeito, podendo sofrer consequências fatais de uma hora para outra.

Nos termos do artigo 194 da CLT, o direito ao adicional de periculosidade só cessará com a eliminação do risco à integridade física, isto é, quando o empregador adotar medidas que sejam aptas a remodelar o ambiente de trabalho, tornando-o seguro, ou ainda, na hipótese de, por alguma razão, houver reforma legislativa que deixe de considerar periculoso determinado agente que outrora fora assim considerado.

1.4 Base de Cálculo

A base de cálculo do adicional de insalubridade é um tema ainda controvertido.

Conforme a Súmula 137 do TST o adicional será calculado à base do salário mínimo da região, ainda que a remuneração contratual seja superior ao salário mínimo acrescido da taxa de insalubridade (DESIDERI, 1998, p. 11).

Neste ponto, é necessário explanar que, o artigo 192 da CLT ratifica tal previsão, acrescendo a variação de porcentagens que depende da classificação da atividade exercida e os limites verificados (MARTINEZ, 2013).

“Art. 192 – O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário-mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo.” (BRASIL, 2016).

No mesmo sentido é a Súmula 228 do TST, in verbis: “O percentual do adicional de insalubridade incide sobre o salário-mínimo de que cogita o artigo 76 da Consolidação das Leis do Trabalho”.

Entretanto, a despeito de tais previsões, a súmula 17 do TST, estabelece base de cálculo diversa, de forma que, “o adicional de insalubridade devido ao empregado que percebe por força de lei, convenção coletiva ou sentença normativa, salário profissional, será sobre este calculado.” (BRASIL, 2016).

À vista da controvérsia, tal súmula foi cancelada a partir a Resolução 29/94 do TST (DESIDERI, 1998).

No entanto, a Resolução 121/03 (DJ19. 11.2003) do Tribunal Pleno do TST, restaurou a súmula 17, dando nova redação à Súmula 228, da qual se depreende que, o percentual do adicional de insalubridade incide sobre o salário mínimo de que cogita o art. 76 da CLT, salvo na hipótese de existência de salário profissional (DESIDERI, 1998).

No tocante ao diploma constitucional, a Magna Carta em seu artigo 7º inciso XXIII dispõe que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […] XXIII- adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.” (BRASIL, 2016).

A CR/88, portanto, elege a remuneração como base de cálculo, sendo certo que remuneração é termo técnico utilizado para designar o salário, mais os sobressalários (como as horas extras e adicionais noturnos, por exemplo), bem como as gorjetas. Logo, segundo a CLT, a base de cálculo da insalubridade deveria ser muito mais ampla.

Por óbvio, conforme se infere da leitura dos dispositivos supracitados, existe na doutrina e jurisprudência trabalhista impasse quanto à base de cálculo a ser aplicada quando do cômputo do adicional de insalubridade (DESIDERI, 1998).

O art. 7º da CR/88, em seu inciso IV, impede o vínculo do salário mínimo para qualquer fim. Tal vedação, de acordo com Mauricio Godinho Delgado, “objetivava evitar a utilização da figura como medida de valor, prática que historicamente sempre conspirou contra sua efetiva valorização no contexto econômico.” (2009, pág. 707).

Por isso, doutrina e magistrados vinham discutindo sobre a inconstitucionalidade da base de cálculo do adicional fixada pelo art. 192 da CLT. Passados longos anos da promulgação da CR/88, o STF declarou inconstitucional a utilização do salário mínimo para esse fim, ao editar a Súmula Vinculante nº 4: "salvo nos casos previstos na constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial".

Tal súmula pôs fim à divergência em torno da matéria discutida mas exigiu que os aplicadores do direito encontrassem outra base de referência para o adicional de insalubridade.

Diante da nova vertente do STF, e com a convicção de que o trabalhador submetido a agentes insalubres não poderia ser privado da percepção do adicional, o TST alterou a redação da súmula 228: “ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo. (Redação alterada na sessão do Tribunal Pleno em 26.06.2008).” (BRASIL, 2016).

Porém, ao decidir Reclamação Constitucional de nº 6266-DF, o então Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, determinou a suspensão da súmula da Corte Trabalhista.

Segundo ele, o entendimento do TST contrariava a súmula vinculante de na medida em que, estar-se-ia, via decisão judicial[1], substituindo a base de cálculo prevista no art. 192 da CLT por outro valor de referência. (BRASIL, 2008, p. 32)

A suspensão da súmula 228, manteve o impasse no que tange à base de cálculo da insalubridade, até que, em decisão monocrática de Reclamação Constitucional de nº 13.860-SC, a Ministra Rosa Weber consagrou entendimento que vinha sendo adotado pelo Judiciário Trabalhista: “a utilização do salário mínimo como indexador do adicional de insalubridade, no caso, apesar de incompatível com a ordem judicial atual, deve ser mantida até que se edite lei ou norma coletiva superando tal incompatibilidade.” (BRASIL, 2008, p. 33)

Alice Monteiro pondera que, “a base de incidência do adicional de insalubridade será o salário mínimo, salvo se o empregado, por força de lei, convenção coletiva ou sentença normativa perceber salário profissional” (BARROS, 2006, 750).

Assim, segundo Alice Monteiro, “neste caso o referido adicional será calculado sobre o salário profissional, e não sobre a totalidade da remuneração do empregado, pelo menos enquanto não for regulamentado o art. 7º, XXIII, da Constituição de 1988” (BARROS, 2006, p. 750).

Em relação à base de cálculo do adicional de periculosidade, esta se dará de forma mais prática, não sendo objeto de muitas controvérsias, como no caso da insalubridade.

Nos termos do §1º artigo 193 da CLT, o percentual fixado para fins de recebimento por parte do trabalhador exposto ao ambiente periculoso, diferentemente da insalubridade, será de 30% sobre o salário-base: “art. 193 […] § 1º – O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.” (BRASIL, 2016).

Entretanto, esse percentual de 30% assegurado aos trabalhadores que laboram sob condições periculosas é devido sem repercussão sobre gratificação ou adicional por tempo de serviço, nos termos da súmula 70 do TST (BARROS, 2006). Por isso, correto é afirmar que esse adicional incide sobre o salário-base, ou “salário seco” que significa que nenhum acréscimo além do salário que foi combinado deve se acrescer à base de cálculo.

1.5 Tempo de Exposição

O tempo de exposição ao agente periculoso ou insalubre diz respeito à abrangência temporal do contato que o trabalhador estabelece com o agente gravoso.

Ressalta-se que, tal contato poderá ocorrer de três maneiras distintas.

O permanente diz respeito ao contato constante e direto com o agente insalubre e/ou periculoso.

No que toca à exposição intermitente, há possibilidade de verificar suspensões periódicas no contato, já a eventual refere-se ao contato raro, tendo em vista que este não integra a natureza jurídica da atividade desempenhada (BARAÚNA, 2000).

Da leitura dos artigos 189 e 192 da CLT não é possível verificar clareza quanto ao tempo de exposição do trabalhador ao agente insalubre para fins de recebimento do adicional de insalubridade.

Assim, tal obscuridade ocasiona o levantamento de questionamentos quanto ao pagamento do referido adicional àqueles expostos ao agente de maneira intermitente (BARAÚNA, 2000).

Dessa forma, sobre o assunto, ante à omissão da redação celetista, a súmula 47 do TST trouxe a seguinte redação sobre o assunto: “O trabalho executado, em caráter intermitente, em condições insalubres, não afasta, só por essa circunstância, o direito à percepção do respectivo adicional” (BRASIL, 2016).

Neste sentido, Augusto Cézar, sabiamente concluiu: “Logo, havendo a exposição do trabalhador a agentes nocivos de maneira ocasional, será devido o referido adicional. Mesmo que o trabalhador não esteja diretamente exposto aos efeitos de uma determinada agressão insalubre, mas transitando em local ou efetuando serviços esporádicos – com uma certa continuidade em ambiente de trabalho insalubre -, ocasionando a incidência do agente químico, físico ou biológico sobre a integridade física do trabalhador, passa a ter direito ao mencionado adicional de salário.” (BARAÚNA, 2000, p. 332).

Pode-se concluir que, não apenas o trabalhador exposto à insalubridade de forma permanente fará jus ao recebimento do respectivo adicional, mas também o obreiro exposto de forma intermitente, que não se confunde com a exposição eventual, uma vez que, não será constada a periculosidade quando o trabalho for eventual, não cotidiano, sendo, portanto, indevido o adicional (BARAÚNA, 2000).

Da mesma forma, no que tange à periculosidade, a jurisprudência é uníssona em compreender pela obrigatoriedade do pagamento do referido adicional nos casos em que o contato do obreiro com o agente periculoso se dê de forma intermitente: “Nº 364 ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. EXPOSIÇÃO EVEN-TUAL, PERMANENTE E INTERMITENTE. I – Tem direito ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido.” (BRASIL, 2016).

Em relação a ambos adicionais, será devido o adicional em sua totalidade, ainda que a exposição seja apenas intercorrente. O tipo de contato – permanente ou intermitente –, portanto, é irrelevante (BARAÚNA, 2000, p. 337).

2 DA ACUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS

2.1. Por que não acumular?

Superados e analisados os principais aspectos dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, adentra-se à centralidade do tema aqui proposto, qual seja, a cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade.

Nos moldes do artigo 193, § 2º, da CLT, não é permitido o pagamento do adicional de insalubridade cumulativamente com o da periculosidade: “art. 193 […] § 2º – O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido.” (BRASIL, 2016).

No mesmo sentido, é o entendimento do TST que ao longo dos anos vem afirmando que não se acumulam os respectivos adicionais, vez que, “em caso de incidência de mais de um fator de insalubridade, será apenas considerado o de grau mais elevado, para efeito de acréscimo salarial, sendo vedada a percepção cumulativa”, nos termos do item 15.3 da NR-15.

Assim, a doutrina majoritária e jurisprudência majoritária vêm sustentando a impossibilidade de cumulação dos adicionais quando da exposição do trabalhador a mais de um agente nocivo, devendo o empregado optar por um ou outro, sustentando, inclusive, que, isso seria razão de enriquecimento ilícito do trabalhador (VULCANO, 2015).

Entretanto, o artigo 7º, XXIII da Constituição Federal não impõe qualquer restrição à conjunta aplicação dos adicionais. Veja-se: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social; […] XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.” (BRASIL, 2016).

Com base em fundamento constitucional, a doutrina minoritária se posiciona favoravelmente à percepção simultânea de ambos os adicionais, entendendo terem estes naturezas jurídicas distintas, à vista que o adicional de insalubridade terá lugar quando da ocorrência de riscos à saúde e de periculosidade quando de risco imediato à vida (VULCANO, 2015).

No mesmo compasso compreende Alice Monteiro: “Entendemos que, se as condições de trabalho de trabalho do empregado são duplamente gravosas, é cabível o pagamento dos dois adicionais, pois houve exposição a dois agentes insalubres diferentes, que podem ocasionar prejuízos a diversos órgãos do corpo humano. Nesse sentido, pronunciamo-nos favoravelmente ao pagamento de dois adicionais a empregado que trabalhava operando raios x e ainda mantinha contato com portadores de moléstia contagiosa.” (BARROS, 2006, p. 752).

Ademais, conforme visto, há no caso um conflito entre a previsão constitucional que não proíbe a cumulação dos adicionais, e a legislação e jurisprudência trabalhista, que dispõe sobre a escolha entre um e outro.

É importante ressaltar neste ponto que, além de o valor a título de adicionais já ser irrisório à vista do risco à vida e à saúde do trabalhador, o entendimento que impossibilita o percebimento simultâneo dos adicionais poderá desestimular o empregador a adotar medidas que eliminem (ou que ao menos diminuam) os riscos no ambiente de trabalho.

Isso porque, em alguns casos, ficará mais barato pagar um dos dois adicionais, a corrigir ou alterar o ambiente laboral com vistas a reduzir os riscos produzidos aos empregados com a atividade.

2.2 Possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade no direito trabalhista brasileiro: uma tentativa de proibir “monetarizando”

Conforme o entendimento de Bandeira (apud Rodrigues, 2014), os principais problemas de saúde ocupacional decorrem da falta de adoção de medidas preventivas e protetivas por parte do empregador.

Segundo se denota de todo o trabalho apresentado até o momento, o legislador brasileiro “monetarizou” o risco do trabalhador exposto a agentes nocivos à saúde e à vida, o fazendo de maneira inadequada, tendo em vista os baixos valores cabíveis.

Dessa forma, gera-se ao empregador uma verdadeira tentação em escolher pelo pagamento de valores irrisórios de um dos adicionais, a eliminar efetivamente os riscos que a atividade produz ao empregado.

Dada a tentativa do legislador de taxar o empregador como forma de estimulo à manutenção do ambiente insalubre e/ou periculoso, tem-se que a possibilidade de cumulação dos adicionais seria mais eficiente neste sentido. Pelo que, encarecendo-se a exploração de trabalho em ambientes nocivos, o empregador se veria estimulado pelo fator monetário a eliminar os riscos nos locais laborais.

O TST, em alguns julgados, chegou a reconhecer a possibilidade de cumulação sob o pálio de que o artigo 193, § 2º da CLT – que proíbe a cumulação dos adicionais – não foi recepcionado pela Constituição Federal, à vista do já mencionado art. 7º, XXIII: “RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA – CUMULAÇÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE E DO ADICIONAL DE PERICULOSIDADE – POSSIBILIDADE – PREVALÊNCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E SUPRALEGAIS SOBRE A CLT – JURISPRUDÊNCIA DO STF – OBSERVÂNCIA DAS CONVENÇÕES NºS 148 E 155 DA OIT. No julgamento do RR – 1072-72.2011.5.02.0384, de relatoria do Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, esta Turma julgadora firmou entendimento de que a norma contida no art. 193, § 2º, da CLT não foi recepcionada pela Constituição Federal, que, em seu art. 7º, XXIII, garantiu o direito dos trabalhadores ao percebimento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, sem ressalva acerca da cumulação. A possibilidade de recebimento cumulado dos mencionados adicionais se justifica em face de os fatos geradores dos direitos serem diversos.” (RR – 1072-72.2011.5.02.0384, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 03.10.2014. Data de Julgamento: 22/04/2015, 7ª Turma).

E, ainda: “CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E SUPRALEGAIS SOBRE A CLT. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STF QUANTO AO EFEITO PARALISANTE DAS NORMAS INTERNAS EM DESCOMPASSO COM OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INCOMPATIBILIDADE MATERIAL. CONVENÇÕES NOS 148 E 155 DA OIT. NORMAS DE DIREITO SOCIAL. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. NOVA FORMA DE VERIFICAÇÃO DE COMPATIBILIDADE DAS NORMAS INTEGRANTES DO ORDENAMENTO JURÍDICO. A previsão contida no artigo 193, § 2º, da CLT não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 7º, XXIII, garantiu de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva no que tange à cumulação, ainda que tenha remetido sua regulação à lei ordinária. A possibilidade da aludida cumulação se justifica em virtude de os fatos geradores dos direitos serem diversos. Não se há de falar em bis in idem. No caso da insalubridade, o bem tutelado é a saúde do obreiro, haja vista as condições nocivas presentes no meio ambiente de trabalho; já a periculosidade traduz situação de perigo iminente que, uma vez ocorrida, pode ceifar a vida do trabalhador, sendo este o bem a que se visa proteger.” (RR-773-47.2012.5.04.0015, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 22/04/2015, 7ª Turma).

Entretanto, e a despeito do posicionamento da 7ª Turma do TST, foi firmado entendimento, pelo TST, em julgamento pela SDI-I, de que não há de se falar em conflito entre o dispositivo constitucional e a norma trabalhista, vez que a constituição demandou ao legislador infraconstitucional a normatização para a percepção dos adicionais (MIZIARA, 2016).

Contudo, na mesma ocasião se estabeleceu dois posicionamentos quanto a possibilidade de cumulação, sob o enfoque da causa de pedir. Se a causa de pedir for a mesma (idêntico fato que ocasionou o pedido tanto da insalubridade, como da periculosidade) não haverá cumulação. Mas, caso a causa de pedir seja distinta (dois fatos distintos repercutem em também dois diferentes adicionais), nesse caso, permitir-se-á a cumulação (MIZIARA, 2016).

A título de exemplo, respectivamente, Veja-se: “1) empregado de mineradora que, no trabalho de campo, ativa-se em contato direto com detonação de explosivos (periculosidade – fato gerador 1) e, por essa razão, também está exposto a ruído intenso (insalubridade – também advinda do mesmo fato gerador 1, qual seja, trabalho com explosivos). 2) empregado cortador de cana-de-açúcar que trabalha perto de uma caldeira (risco de explosão – periculosidade) (fato gerador/causa de pedir 1) e sob intensa radiação solar acima dos limites de tolerância (insalubridade) (fato gerador/causa de pedir 2) (MIZIARA, 2016, p.01).

Na situação 1, segundo o atual entendimento do TST, não haveria a possibilidade de cumulação dos adicionais. Ao passo que em “2” (quando há um primeiro fato – explosão – apto a gerar o direito à periculosidade e outro fato – radiação solar – capaz de repercutir no dever de pagamento do adicional de insalubridade), a cumulação deveria ser imposta.

Seguindo esse viés, recentemente o TST negou provimento ao recurso interposto pela empresa Whirlpool S.A, contra decisão que a condenou ao pagamento cumulativo dos adicionais de insalubridade e periculosidade a trabalhador exposto à radiação não ionizante e manipulação de produtos químicos e ruído, havendo, in casu, causas de pedir ou fatos geradores são distintos. Confira-se: “CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E DE PERICULOSIDADE DECORRENTES DE FATOS GERADORES DISTINTOS. POSSIBILIDADE. O TRT manteve a condenação ao pagamento simultâneo do adicional de periculosidade e do adicional de insalubridade. Ao adotar os fundamentos da sentença, baseados na Convenção nº 155 da OIT, a Corte Regional entendeu que a vedação disposta no artigo 193, § 2º da CLT não deveria prevalecer na hipótese dos autos. Tem-se que a SBDI-1 do TST, (sessão do dia 28/4/2016, da SBDI-1, E-ARR-1081-60.2012.5.03.0064) ao analisar o mesmo tema, firmou entendimento quanto à impossibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade. Concluiu que, nessas situações, tão somente remanesce a opção do empregado pelo adicional que lhe for mais benéfico. Não obstante, ponderou que a vedação de cumulatividade do adicional de insalubridade com o adicional de periculosidade, disposta pelo artigo 193, § 2º da CLT, não se revela absoluta. Invocou a necessidade de uma interpretação teleológica e conforme a Constituição Federal, para concluir que mencionada vedação justifica-se apenas nas hipóteses em que os adicionais decorrem da mesma causa de pedir. Entende, assim, a SBDI-1 do TST que restando comprovada a existência de dois fatos geradores distintos, específicos para cada um dos adicionais, deve ser reconhecido o direito à sua percepção de forma cumulativa.” (TST-RR-7092-95.2011.5.12.0030, Ministro Relator Douglas Alencar, Data de Julgamento: 10/08/16. 7ª Turma).

Desta forma, a Sétima turma do Tribunal Superior do Trabalho, baseada na decisão da SDI-1 do TST, de abril de 2016, confirmou o entendimento regional e permitiu que os referidos adicionais fossem cumulados, compreendendo se tratar de fatos geradores distintos.

Ou seja, tem-se que se tal entendimento for aplicado nos demais casos similares, ter-se-á um estímulo para que os empregadores, de maneira geral – a fim de não terem um alto custo com o pagamento simultâneo dos referidos adicionais – adotem medidas eficientes para eliminação dos riscos à vida e dos agentes nocivos à saúde do trabalhador.

Vale ressaltar, que os entendimentos dispostos acima, decorrem ainda das Convenções Internacionais 148 e 155 da Organização Internacional do Trabalho, das quais o Brasil é signatário.

A propósito, Silva e Zapata (2013, p.1) esclarecem que a Convenção 155, considerada "Tratado Internacional de Direitos Humanos", constitui a norma mais adequada ao trabalhador exposto a riscos concomitantes.

Jorge Luiz Souto Maior cita a passagem da Convenção 155 da OIT de maior relevo ao objeto desta pesquisa e conclui que, desde a ratificação da Convenção pelo Brasil, o art. 193, §2º deveria ter deixado de ser aplicado.

“Frise-se, ainda, neste assunto, a disposição do art. 11, alínea b, da Convenção 155 da OIT, ratificada pelo Brasil, e com vigência interna desde setembro de 1994: ‘[…] deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes’. Com isso, não tem aplicabilidade, também, a regra do §2º do art. 193 da CLT, que impede a acumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade.” (2000, p. 236, grifos nossos)

Na mesma toada, a Convenção 148 da OIT, que trata sobre a Proteção dos Trabalhadores Contra os Riscos Profissionais Devidos à Contaminação do Ar, ao Ruído e às Vibrações no Local de Trabalho, com vigência desde outubro de 1986, em seu art. 8º, §3º, dispõe que os critérios e limites de exposição a esses agentes deverão ser fixados levando em consideração qualquer aumento dos riscos profissionais resultante da exposição simultânea a vários fatores nocivos no local de trabalho. (Brasil, 1986)

Dessarte, é de se observar que o ordenamento jurídico brasileiro possui normas que permitem a cumulação dos referidos adicionais, não sendo possível ignorar o exposto nas Convenções 148 e 155 da OIT. É preciso valorizar e respeitar o trabalhador, uma vez que o labor humano é uma atividade voltada para a satisfação de necessidades básicas pessoais e da família.

Depreende-se do exposto que a opinião de impossibilidade de cumulação entre os adicionais de insalubridade e periculosidade encontra-se equivocada e ultrapassada, especialmente se se considerar que a hierarquia de normas no Direito do Trabalho Brasileiro posiciona, como ápice da pirâmide normativa, aquela que for mais favorável ao trabalhador.

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, conclui-se que a possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade ainda é tema controvertido em muitos aspectos.

Verifica-se que, o legislador ordinário, ao regulamentar o pagamento dos respectivos adicionais não intencionava lhes conferir natureza compensatória. Ao contrário, o objetivo da norma era exatamente onerar o empregador com tal taxação, a ponto de este se ver compelido a eliminar, do ambiente de trabalho, as condições insalubres e periculosas.

Ocorre que o valor desses adicionais, em um universo de gastos que o empregador tem com o empreendimento, mostram-se excessivamente diminutos e, na prática, incentivam exatamente o inverso: é melhor pagar o adicional de insalubridade a preservar a saúde do empregado. É melhor pagar o adicional de periculosidade a diminuir o risco de acidentes fatais no ambiente laborativo.

A despeito da resistência doutrinária quanto ao reconhecimento da incompatibilidade entre a norma constitucional (que permite a cumulação no art. 7º, XXIII) e os dispositivos infraconstitucionais (que vedam a cumulação dos adicionais no art. 193, §2º, da CLT, e no item 15.3, NR-15), percebe-se – a partir dos recentes entendimentos firmados pelos tribunais trabalhistas -, a possibilidade de se conquistar ambos os adicionais, caso cada um deles se baseie em causa de pedir diferente.

A teor exemplificativo do caso acima referido, podemos considerar que um empregado, Fiscal da Vigilância Sanitária, que postula adicional de insalubridade, exposto a agentes biológicos agressivos de forma habitual ou intermitente, no decorrer de suas inúmeras inspeções, e também adicional de periculosidade em virtude de realizar suas tarefas laborais utilizando uma motocicleta. Uma vez identificados os agentes insalubre (contaminação por agentes biológico) e perigoso (risco de morte devido à utilização da motocicleta para a realização do trabalho), nos termos do art. 195 da CLT, é inevitável garantir ao empregado o pagamento cumulativo dos respectivos adicionais.

As decisões dos tribunais trabalhistas citadas encontram respaldo ainda nas Convenções Internacionais 148 e 155 da OIT, já que ambas garantem que seja observada a exposição simultânea do trabalhador a mais de uma substância ou agente nocivos.

Onerar a exploração de forma dupla (com ambos os adicionais) em ambientes que se caracterizam pela insalubridade e pela periculosidade, poderá estimular o empregador, em virtude do alto custo no pagamento simultâneo de dois adicionais, a resolver investir no ambiente de trabalho de modo a eliminar os agentes, invertendo, assim, a lógica de deterioração da saúde e a perda de vida de empregados.

Tal interpretação se adequa ao texto constitucional na medida que materializa o disposto no art. 7º, XXII: “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais […] a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.” (BRASIL, 2016)

Ademais, o que se propõe parece ser de fato a posição mais precisa na medida em que garante a supremacia de normas mais favoráveis ao trabalhador (CR/88, art. 7º, XXIII e convenções 148 e 155 da OIT), pois garantidoras da cumulação dos adicionais, em detrimento de outra que supostamente impediria tal prática (CLT, art. 193, §2º).

Portanto, espera-se considerável (ou mesmo completa!) mudança na jurisprudência trabalhista para que, consagrando-se a possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, os empregadores sejam forçados a adotar medidas protetivas e preventivas à vida e à saúde do trabalhador, ultrapassando-se, desta forma, os limites da mera “monetarização” do trabalho nocivo.

 

Referências
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Notas
[1] Embora possuam características especiais, as súmulas continuam, indubitavelmente, encaixando-se na categoria de decisões judiciais.


Informações Sobre os Autores

Rafael Chiari Caspar

Professor universitário. Advogado atuante nas áreas trabalhista e sindical

Thamara Lays Santos

Acadêmica de Direito na PUC Minas


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