Ainda o conflito sobre crimes de imprensa (Ou “Pegando castanha com mão de gato”)

Não conheço a origem da expressão “pegar castanha com mão de gato”. Parece, entretanto, tratar-se de alguma coisa assemelhada ao ato de entregar a terceiro a tarefa de retirar do fogo, no natal e nas festas juninas, as castanhas tostadas que fazem a alegria da criançada. Aquilo vem muito quente, chamuscando os dedos dos desavisados. O conflito entre o Poder Executivo central e uma parte da imprensa brasileira, provocando disputas jurídicas de certa relevância, fixa dois parâmetros fundamentais: uns afirmam que a liberdade de imprensa deve ser total, porque o jornalista exerce atividade equilibradora das relações “Estado-Cidadão”, apontando as mazelas da Administração Pública; outros dão relevo à garantia constitucional do respeito à vida privada do cidadão, tratando-se ou não do denominado “homem público (expressão curiosa, porque“mulher pública” já significaria qualidade negativa).

No meio da refrega, o presidente do Brasil surge com alvissareira intenção de criar um conselho federal de jornalismo, órgão disciplinador da profissão. Grande parte dos jornais investe contra a pretensão, considerando-a vocação ditatorial da presidência. Coloque-se o dilema nos devidos lugares: se um jornalista, comentarista ou outro “ista” extrapola os limites e injuria, difama ou calunia o presidente da República ou um cidadão qualquer, merece castigo, dependendo, evidentemente, da vontade do ofendido, pois este pode deixar passar.

Há alguns, aliás, que sorriem enquanto são chicoteados por contumélias de cronistas diversos. Há uns tantos que mantêm à superfície o conceito de dignidade pessoal, processando criminalmente o caluniador. O resultado de tais processos, embora duvidoso, o é na mesma medida das ações penais em geral, realçando-se que a Presidência da República, ao ser difamada, teria o Ministério Público como seu cavaleiro andante, qualidade que, no momento histórico presente, não é desprezível, porque a emérita Instituição ganhou asas portentosas. Não há razão, assim, para que o Presidente da República procure um entremeio para calar a boca dos deblateradores. Aliás, no meio deles, existe quem realmente se excede, como o teatrólogo Arnaldo Jabor, hoje mantenedor de um espaço num horário nobre de televisão.  Ele quer ser processado, é óbvio, pois uma ação penal por crime de imprensa praticado contra o Presidente da República traz pontos preciosos na mídia. Afirmar que Luiz Inácio Lula da Silva é “Ditador de Araque” ou político assemelhado, é expor o rosto para bater. Entretanto, o primeiro mandatário da nação finge que não vê, ou deixa andar.

O injuriador não obtém seu objetivo – o de ser acionado –, caprichando mais ainda nas invectivas. Lula, depois da tentativa frustra de expulsar um americano do país, fica quieto. Melhor faria se usasse a justiça comum para obter o refluir da sua honra atingida. Soluções extravagantes não ficam bem para o Palácio do Planalto e não servem ao homem de teatro travestido de jornalista. Um deles, o presidente, precisa exigir respeito à túnica que lhe foi posta pela maioria do povo brasileiro. O outro necessita aprender regras básicas atinentes à proteção constitucional da intimidade do concidadão, seja o político, seja a faxineira do condomínio que lhe serve de teto.

Na verdade, entristece bastante a visão daquele que se extravasa na crítica, porque a crítica tem limites na legalidade e não pode pregar respeito à lei aquele que a violenta. No fim de tudo, o conselho federal preconizado pela Presidência da República está a queimar as mãos do próprio Luiz Inácio. No canto oposto, ficam os ofensores. Houve um Imperador, Pedro não sei das quantas, que resolvia a questão de outra forma: tinha seus “bengaleiros”, uma segurança pessoal que usava bordões reforçados com miolo de ferro. Pedro tinha gênio ruim e cama farta. Não tolerava desaforos. No regime constitucional brasileiro, a espada da justiça tomaria o lugar da bengala, mas estão ambas em desuso, uma porque, em aparência, temos uma democracia, outra porque o fio ficou embotado pela ferrugem.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Paulo Sérgio Leite Fernandes

 

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.

 


 

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