Algumas considerações sobre a interpretação de Robert Alexy sobre a tese da única resposta correta de Ronald Dworkin

Sumário: Introdução. 1 – Teoria dos Princípios. 1.1 – A distinção entre princípios e regras. 1.2 – Sobre a relação entre direito e moral. 1.3 – É possível uma única resposta correta? 2 – Uma proposta de teoria da argumentação jurídica.  3 – Críticas a leitura de Alexy da teoria de Dworkin. Referências Bibliográficas.
Resumo: O presente trabalho pretende reconstruir os pontos fundamentais da teoria dos direitos de Robert Alexy, presentes no ensaio Sistema Jurídico, Princípios Jurídicos y Razón Practica, no qual o autor apresenta suas objeções a tese dworkiana da existência de uma única resposta correta para um caso controverso. Em seguida, são apresentadas críticas a essa leitura partindo, de um lado, da própria teoria de Dworkin e, de outro, pela Teoria do Discurso de J. Habermas.
Palavras-chave: Razão Prática – Correção Normativa – Direito e Moral.
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Introdução

O ensaio Sistema Jurídico, Princípios Jurídicos y Razón Practica, de autoria de Robert Alexy, célebre jurista de Kiel, é bastante elucidativo para se compreender o que o mesmo entende por uma “resposta correta” para os chamados casos controversos, ou também conhecidos na tradição anglofônica como hard cases.

Para tanto, o presente trabalho se destina a reconstruir o percurso argumentativo desenvolvido no texto, passando pelos dois pontos principais: 1) uma digressão sobre a teoria dos princípios, que analisa a distinção entre regras e princípios; e 2) algumas considerações sobre uma teoria da argumentação orientada pelo conceito de razão prática. Mas pode se verificará no pensamento de Alexy que ainda persiste uma dificuldade em assimilar completamente o giro hermenêutico-pragmático,[1] de modo à ainda se buscar no método a expressão de uma racionalidade capaz de neutralizar toda a complexidade inerente à linguagem (ALEXY, 1998:32).[2]

1 – Teoria dos princípios.

1.1 – A distinção entre princípios e regras.

Alexy (1998:09) concorda com a compreensão de regras e princípios como espécies de normas jurídicas.[3] Partindo dessa premissa lembra que freqüentemente compreende-se que a distinção entre ambos os standars normativos se dê em razão da generalidade dos princípios frente às regras. Isto é, compreendem-se os princípios como normas de um grau de generalidade relativamente alta, ao passo que as regras seriam dotadas de uma menor generalidade.

Contudo, tal abordagem quantitativa, levada a diante por autores como Del Vecchio e Bobbio, se mostra insuficiente à luz do pensamento desenvolvido já em Esser, como demonstra Galuppo (2002:170-171). Tal tese é denominada por Alexy (1998:09) como a tese fraca da separação, de modo que uma tese forte, como a que o autor pretende adotar, considera a distinção qualitativa. Logo, pode-se perceber que a generalidade não é um critério adequado para tal distinção, pois é quando muito uma conseqüência da natureza dos princípios, sendo incapaz de proporcionar uma diferenciação essencial (GALUPPO, 1998:137).

Assim, diferentemente dos princípios, regras serão aplicáveis na maneira do tudo-ou-nada (all-or-nothing-fashion). Isto significa dizer que se uma regra é válida, ela deve ser aplicada da maneira como ordena, nem mais nem menos; enquanto se não for considerada válida não será considerada pela decisão, devendo ser retirada do ordenamento jurídico, pois será sempre inválida caso não seja estabelecido que uma regra excepcione a outra. Já os princípios não são determinantes para uma decisão, de modo que somente apresentam razões em favor de uma ou de outra posição argumentativa (ALEXY, 1998:09-10). É por isso que o autor afirma existir uma dimensão de peso entre princípios, principalmente nos chamados casos de colisão. Destarte, em face de uma colisão entre princípios, o valor decisório será dado a um princípio que tenha naquele caso concreto maior peso relativo, sem que isso signifique a invalidação do princípio compreendido como de peso menor. Em face de um outro caso, portanto, o peso dos princípios poderá ser redistribuído de maneira diversa, pois nenhum princípio goza antecipadamente de primazia sobre os demais.

É desta forma que Alexy (1998:12) apresenta a distinção fundamental entre regras e princípios:

princípios são normas que ordenam que algo se realize na maior medida possível, em relação às possibilidades jurídicas e fáticas. Os princípios são, por conseguinte, mandados de otimização que se caracterizam porque podem ser cumpridos em diferentes gruas e porque a medida de  seu cumprimento não só depende das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. […].

Por outro lado, as regras são normas que exigem um cumprimento pleno e, nessa medida, podem sempre ser somente cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então é obrigatório fazer precisamente o que se ordena, nem mais nem menos. As regras contêm por isso determinações no campo do possível fático e juridicamente (ALEXY, 1998:12, tradução nossa).

Desse modo, conclui o autor que se estivermos diante de uma norma que exige um cumprimento na maior medida do possível, estaremos diante de um princípio; em contra partida, se tal norma exigir apenas o cumprimento em uma determinada medida, ter-se-á uma regra.

Aqui devem ser sublinhados dois pontos importantes. Primeiramente, o critério de distinção entre regras e princípios apresentados por Alexy acima em momento algum encontra equivalência na posição assumida por Dworkin. O jurista de Oxford não distingue regras e princípios a partir de critérios morfológicos, mas sim lógico-argumentativos. Isto é, a distinção não pode se operar a priori, em um plano abstrato, mas somente em face de um caso concreto de modo a adquirir densidade em razão da argumentação produzida pelos sujeitos no processo. Dworkin (2002:39), então, lembra que certas disposições podem funcionar do ponto de vista lógico como uma regra e do ponto de vista substantivo como um princípio.

Palavras como “razoável”, “negligente”, “injusto” e “significativo” desempenham freqüentemente essa função. Quando uma regra inclui um desses termos, isso faz com que sua aplicação dependa, até certo ponto, de princípios e políticas que extrapolam a [própria] regra. A utilização desses termos faz com que essa regra se assemelhe mais a um princípio. Mas não chega a transformar a regra em princípio, pois até mesmo o sentido restritivo desses termos restringe o tipo de princípios e políticas dos quais pode depender a regra (DWORKIN, 2002, p. 45).

Uma segunda colocação é que em momento algum a teoria de Dworkin deixa de atribuir a natureza deontológica aos princípios, típicas das normas em geral.  Oportuno, então, lembrar que Habermas percebe que a maneira como Alexy (1998:14) entende a ponderação de princípios, implica uma concepção axiologizante do Direito, porque a ponderação só seria possível ao se poder preferir um princípio a outro, o que somente seria permitido se os princípios fossem considerados como valores (GALUPPO, 2002:179).

Assim, as normas, como princípios ou como regras, são enunciados deontológicos, isto é, visam ao que é devido. Já os valores são enunciados teleológicos, de modo que objetivam o que é bom, melhor ou preferível, sendo condicionados a uma determinada cultura. Dessa forma, a norma para Alexy perde a característica de código binário para se transformar em um código gradual, ao passo que a adequabilidade sede espaço para uma aplicação ponderada (balanceada) [4] dos princípios tidos como comandos otimizáveis (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:88-90).

E realmente, tal desnaturação do direito em forma de valores se mostra necessária para que possa afirmar a possibilidade de estabelecer uma hierarquia entre valores ou uma prioridade entre princípios, como faz o jurista alemão. Mas com isso, corre-se o risco de transformar direito em bens, que podem ter sua aplicação negociada. Como conseqüência, então, Alexy deixa de levar do direito a sério, como poderia afirmar Dworkin, uma vez que para este os direitos são trunfos contra argumentos de política, que justamente fariam essa remissão ao que é tipo como bom para uma comunidade.

1.2 – sobre a relação entre direito e moral.

Em seguida, uma nova questão pode ser posta: haveria alguma relação entre os princípios e a moral? Alexy (1998:58) pretende responder isso partindo do pressuposto de que a relação entre direito e moral se coloca ao nível de uma teoria da argumentação que compreende a argumentação jurídica como um caso especial da argumentação moral. Com isso sua teoria busca afirmar a existência de regras especiais presentes nos discursos jurídicos que seriam supletivamente complementadas por regras existentes nos discursos prático-morais em geral.

Tal tese, contudo, será rechaçada por Günther (2004) e por Habermas (1998). Partindo da leitura feita pelo segundo, tem-se que como conseqüência da afirmação de Alexy, que o direito estaria subordinado a moral, o que em sede de um pensamento pós-metafísico significaria um retrocesso, principalmente por guardar resquícios de uma concepção de Direito Natural (HABERMAS, 1998:305).

Tem-se, por sua vez, que em Habermas (1998) o princípio do discurso concretiza-se de duas formas diferentes, como princípio moral e como princípio democrático,[5] sem que se posso encontrar qualquer relação hierárquica entre eles. O princípio do discurso, neutro em relação ao direito e a moral, poderia assim se compreendido:

D: São válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais.

Recorrendo, então ao autor, pode-se perceber que:

O predicado “validas” refere-se a normas de ação e a proposições normativas gerais correspondentes; ele expressa um sentido não-específico de validade normativa, ainda indiferente em relação à distinção entre moralidade e legitimidade. Eu entendo por “normas de ação” expectativas de comportamento generalizadas  temporal, sócia e objetivamente. Para mim, “atingido” é todo aquele cujos interesses serão afetados pelas prováveis conseqüências provocadas pela regulamentação de uma prática geral através de normas. E “discurso racional” é toda a tentativa de entendimento sobre pretensões de validade problemáticas, na medida em que ele se realiza sob condições da comunicação que permitem o movimento livre de temas e contribuições, informações e argumentos no interior de um espaço público constituído através de obrigações ilocucionárias. Indiretamente a expressão refere-se também a negociações, na medida em que estas são reguladas através de procedimentos fundados discursivamente (HABERMAS, 1997:1:142, grifos nossos).

Enquanto o princípio moral, enquanto especificação do princípio do discurso, produz normas que só podem ser justificadas sob o ponto de vista da consideração simétrica dos interesses, ao passo que o princípio democrático produz normas de ação que surgem na forma do direito e que podem ser justificadas com auxílio de argumentos morais, mas também pragmáticos, éticos e políticos.[6] Tem-se, então, que:

O princípio da democracia explica, noutros termos, o sentido performativo da prática de autodeterminação de membros do direito que se reconhecem mutuamente como membros iguais e livres de uma associação estabelecida livremente. Por isso, o princípio da democracia não se encontra no mesmo nível que o princípio moral (HABERMAS, 1997:1:145).

Além do mais, o princípio moral opera no nível da constituição interna de um determinado jogo de argumentação, ao passo que o princípio democrático refere-se ao nível da institucionalização externa e eficaz da participação simétrica numa formação discursiva da opinião e da vontade, garantida pelo direito. Concluindo, o direito e a moral estão em uma relação de completementariedade e não de subordinação.

Outro ponto dentro da própria dinâmica da Teoria de Alexy é a inexistência de uma distinção adequada dos discursos de justificação frente aos discursos de aplicação. Isto é, o discurso de justificação pode ser compreendido como o procedimento discursivo referente à validade das normas que se desenvolve

com o aporte de razões e formas de argumentação de um amplo espectro (morais, éticas e pragmáticas), através das condições de institucionalização de um processo legislativo estruturado constitucionalmente, à luz do princípio democrático […] (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:85).

Ao passo que o discurso de justificação se refere à adequabilidade de normas válidas tendo por base um caso concreto e pressupondo um “pano de fundo de visões paradigmáticas seletivas”(CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:85). Destarte, em razão da ausência de uma problematização a esse nível, torna-se compreensível a interpretação assumida pelo jurista de Kiel frente a tese dworkiana na única resposta correta.

1.3 – É possível uma única resposta correta?

Para refletir sobre a possibilidade de uma resposta correta para os hard cases, Alexy (1998:13) partirá do seguinte raciocínio que revelará duas variantes dessa tese, uma forte e uma fraca.

Iniciando pela versão fraca, ter-se-ia que supondo ser possível criar uma lista de certo modo completa de princípios de um dado sistema jurídico. Tal lista não apresentaria considerações sobre o peso relativos desses princípios, o que a transformaria em um mero catálogo de topoi.

Diferentemente, a versão forte dessa tese deve conter, além de todos os princípios, todas as possíveis relações de prioridades abstratas e concretas entre eles, de modo a se determinar de maneira unívoca a decisão em cada caso. Contudo, tal exercício é por demais improvável, o que leva Alexy a rejeitar a tese dworkiana.[7] Isto porque, tomando por base tanto os princípios quanto os valores, não podem ter seus pesos concebidos em grandezas numéricas.

Uma alternativa é proposta pelo autor: o estabelecimento de uma ordem fraca, obtida através de: 1) um sistema de condições de prioridade; 2) um sistema de estruturas de ponderação; e 3) um sistema de prioridades prima face.

Através de uma decisão em um caso concreto, poder-se ia defender a possibilidade de essa decisão estabelecer relações de prioridade para outros casos concretos, através da formulação de uma lei de colisão: “As condições, sob as quais um princípio prevalece sobre outro, formam o pressuposto fático de uma regra que determina as conseqüências jurídicas do princípio prevalente” (ALEXY, 1998:15). Tal tese a pauta por afirmar uma relação de níveis entre regras e princípios, mas tais relações são meramente informativas, sendo necessário uma teoria completa da argumentação jurídica.

Uma outra saída, então, está na lei de ponderação enunciada da seguinte forma: “quanto mais alto seja o grau de descumprimento ou de desprestígio de um princípio, tanto maior deve ser a importância do cumprimento do outro” (ALEXY, 1998:16). Tal lei de ponderação consiste na estrutura do princípio da ponderação em sentido estrito.

O terceiro elemento trata das prioridades prima face. Nessas se estabelecem forças aos argumentos a favor da prioridade de um  princípio, criando certa ordem no campo dos princípios. Destarte, ainda se abre a uma nova argumentação, não podendo ser tomada como uma determinação definitiva, mas trás para o opositor o ônus da prova em contrário.

2 – Uma proposta de teoria da argumentação jurídica.    

Tomando como base as reflexões anteriores, Alexy (1998:17) reafirma a impossibilidade de uma teria forte sobre os princípios capaz de determinar para cada caso  uma resposta correta. Contudo, Alexy procura ainda verificar a possibilidade de uma reposta correta, mas pautando-se por uma teoria frada dos princípios. Nesse caso têm-se duas vias: uma primeira afirmaria que a resposta correta independe de um procedimento capaz de demonstrá-la – tal opção é de antemão descartada pelo autor; e a segunda que afirma que nem princípios ou regras são capazes de regular por si mesmo sua aplicação, de modo que se faz necessária uma compreensão da decisão jurídica, regrada por uma teoria da argumentação jurídica.

Como já colocado anteriormente,  a argumentação jurídica é vista por Alexy (1998:18) como um caso especial da argumentação prática geral – ou seja, da argumentação moral. Sua peculiaridade está na série de vínculos institucionais que a caracteriza, tais como a lei, o precedente e a dogmática jurídica. Mesmo estes vínculos concebidos como um sistema de regras e forma de argumentação jurídica é incapaz de levar a um resultado preciso.

Tudo então para Alexy (1998:18-19) vira em volta de um problema de racionalidade jurídica. Assim, como não é possível uma teoria moral de cujo substantivo, somente se pode apelar para teoria morais procedimentais que formulam regras ou condições para a argumentação ou para uma decisão racional.

Desse modo, para Alexy (1998:19-20) a questão de uma resposta correta se resume ao desenvolvimento de um procedimento que conduza a mesma, devendo ainda ser capaz de gerar consenso, o que demandaria:

 – tempo ilimitado; – informação ilimitada;  – transparência lingüística conceitual ilimitada;  – capacidade e disposição ilimitada para troca de papeia; e – ausência de preconceitos.

Sem todos esses requisitos, torna-se para autor impossível sustentar a tese de uma resposta correta. Contudo, como será exposto no próximo tópico nenhum desses requisitos é exigido por Dworkin para sustentar a afirmação de uma única resposta correta. O argumento dworkiano se apegará mais ao que Günther denominará de adequabilidade, observando a ótica dos discursos de aplicação das normas.

3 – Críticas a leitura de alexy da teoria de dworkin.

Após apresentarmos os argumentos de Alexy, passa-se a demonstrar como, em momento algum, tal proposta de uma teoria forte dos princípios se coaduna com o pensamento de Dworkin.

Primeiramente, deve ser lembrado que Dworkin irá travar todo um debate com a tradição do convencionalismo (positivistas) e do pragmatismo (realistas),[8] para afirmar que o magistrado não detém qualquer poder discricionário que o permita decidir de maneira mais simples um caso controverso.

Para se opor a compreensão positivista do direito como um conjunto de regras, Dworkin irá compreender os princípios jurídicos também como espécie do gênero norma. Como já afirmado anteriormente, Dworkin sustenta que a diferença entre princípios e regras tem natureza lógico-argumentativa, de modo que

Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela oferece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso nada contribui para a decisão (DWORKIN, 2002:39).

Outra característica das regras é que, pelo menos em tese, “todas as exceções podem ser arroladas e o quanto mais o forem, mais completo será o enunciado da regra” (DWORKIN, 2002:40). As regras não possuem a dimensão de peso ou importância, de modo que se duas regras entram em conflito, apenas uma delas fará a subsunção ao caso concreto. A decisão de saber qual delas será aplicada e qual delas será abandonada deve ser feita recorrendo-se às considerações que estão além das próprias regras. Essas considerações versam, por exemplo, os critérios clássicos de solução de antinomias do positivismo:

– o critério cronológico, em que a norma posterior prevalece sobre a norma posterior;

– o critério hierárquico, em que a norma de grau superior prevalece sobre a norma de grau inferior; e

– o critério da especialidade, em que a norma especial prevalece sobre a norma geral.

Assim, não se pode dizer que uma regra é mais importante que outras enquanto parte de um mesmo sistema de regras. Logo, uma não suplanta a outra, por ter uma importância maior no caso concreto (DWORKIN, 2002:43).

Já os princípios jurídicos, diferentemente das regras, não apresentam as conseqüências jurídicas que seguem quando as condições são dadas. Eles não pretendem, nem mesmo, estabelecer as condições que tornam a sua aplicação necessária. Ao contrário, eles enunciam uma razão que conduz a um argumento e a uma determinada direção. Com relação aos princípios não há exceções, pois elas não são, nem mesmo em teoria, susceptíveis de enumeração.

Dworkin ainda se preocupa em distinguir princípios e políticas, distinção essa que é olvidada por Alexy. Sobre tal diferenciação, o princípio é aquele padrão que contém uma exigência de justiça, eqüidade, devido processo legal ou qualquer outra dimensão de moralidade. Por sua vez, o padrão denominado política estabelece um objetivo a ser alcançado, que geralmente, consiste na melhoria de algum aspecto econômico, político ou social da comunidade, buscando promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável (DWORKIN, 2002:36).

Outro problema que Dworkin visa superar frente à tradição do positivismo jurídico é a afirmação de um espaço discricionário para aplicação do direito nos casos difíceis, de modo  que ao magistrado fosse permitir criar direito e aplicá-lo retroativamente ao caso.

Como solução irá propor, em nítida influência gadameriana, que os direitos são fruto tanto da história quanto da moralidade. E para comprovar sua tese lançará não de dois artifícios: da metáfora do juiz Hércules e, posteriormente, do romance em cadeia.

No primeiro caso, Dworkin imagina um magistrado com capacidades e paciência sobre-humanas, competente para de maneira criteriosa e metódica selecionar as hipóteses de interpretação dos casos concretos a partir do filtro da integridade. Assim, ele deverá interpretar a história como um movimento constante, desprezando a vontade do legislador como proposto pelo positivismo. Já no romance em cadeia, o que se propõe consiste no seguinte exercício literário:

Suponha que um grupo de romancistas seja contratado para um determinado projeto e que jogue dados para definir a ordem do jogo. O número mais baixo escreve o capítulo de abertura de um romance, que ele depois manda para o número seguinte, o qual acrescenta um capítulo, com a compreensão de que está acrescendo um capítulo a esse romance, não começando outro, e, manda os dois capítulos para o seguinte, e assim por diante. Ora, cada romancista, a não ser o primeiro, tem a dupla responsabilidade de interpretar e criar, pois precisa ler tudo o que foi feito antes para estabelecer, no sentido interpretativista, o que é o romance criado até então (2001: 235-236).

Nessa perspectiva, cada juiz será como um romancista na corrente, de modo que deverá ler tudo o que os outros juízes escreveram no passado, buscando descobrir o que disseram, bem como o estado de espírito quando disseram, objetivando chegar a uma opinião do que desses juizes fizeram coletivamente. A cada caso o juiz que for incumbido de decidir deverá se considerar como parte de um complexo empreendimento em cadeia no qual as inúmeras decisões, convenções e práticas representam a história, que será o seu limite. Seu trabalho consistirá na continuação dessa história no futuro por meio do que ele faz no presente. Ele deverá interpretar o que aconteceu no passado, porque será responsável por levar a diante o dever que tem em mãos e não partir em uma nova direção. O dever do juiz consiste, para Dworkin (2001:239-240), em interpretar a história jurídica que encontra e não, inventar uma história melhor. Desta forma, não pode o juiz romper com o passado. A escolha de qual dos vários sentidos que o texto legal possa ter não pode ser remetida à intenção de ninguém, devendo ser decidida pelo juiz como uma questão de teoria política a luz do melhor princípio ou política que justifica tal prática.

Outro ponto importante, é que Dworkin pressupõe a existência de uma comunidade de princípios, ou seja, uma dada sociedade é formada por pessoas que concordam que sua prática é governada por princípios comuns e não somente por regras criadas em conformidade a um acordo político (DWORKIN, 1999:254). Assim, o direito não está restrito ao conjunto de decisões tomadas em âmbito institucional, mas transborda o mesmo, devendo ser tomado em termos gerais, como um sistema de princípios que essas decisões devem pressupor. Desta forma, tanto o juiz Hércules quanto os co-autores do romance em cadeia representam membros dessa comunidade, tendo sua visão moldada por esse mesmo “pano de fundo de silêncio compartilhado” que rege as práticas sociais, como bem coloca Carvalho Netto (1999).

Assim, tais atividades levarão o magistrado ao melhor argumento possível do ponto de vista da moral política substantiva, mas ainda, a um argumento com pretensões de ser correto. Assim, lembra Habermas (2004), é necessário fazer uma distinção – que parece ainda não muito bem clara em Alexy – entre as pretensões de verdade e as pretensões de correção normativa.

Diferentemente da pretensão de verdade, que transcende toda justificação, a assertabilidade idealmente justificada de uma norma não aponta além dos limites do discurso para algo que poderia “existir”independentemente do fato estabelecido de merecer reconhecimento. A imanência à justificação, característica da “correção”, apóia-se num argumento de crítica semântica: porque a “validade” de uma norma consiste no fato de que ela seria aceita, ou seja, reconhecida como válida sob condições ideais de justificação, a correção é um conceito epistêmico (HABERMAS, 2004: 291).

Sua validade então, está diretamente relacionada à possibilidade de inclusão dos seus atingidos, na condição de co-autores, e por isso mesmo observando o modelo dworkiano de uma comunidade de princípios. Cabe novamente recordar que tal possibilidade de consenso se mostra impossibilitada ao se adotar uma compreensão axiológica do direito, como faz o jurista de Kiel.

Por isso mesmo, Alexy continua a se situar mais próximo a perspectiva ainda  ligada à tradição positivista filosófica, na qual é o método o mecanismo capaz de conferir a racionalidade à ciência, do que de transcendê-la. Isso porque desde Gadamer esta questão pode ser sepultada, pois do contrário estar-se-ia deixando de lado o fato de que nossa razão é limitada (CARVALHO NETTO, 2003:105).

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Notas:
[1] Cabe destacar desde já que, diferentemente de Alexy, Dworkin desenvolve sua teoria levando em conta o giro hermenêutico empreendido por Heidegger e Gadamer, que irá adotar uma postura de ruptura com as posições objetivistas de Schleiermacher e Dilthey, radicalizando a experiência hermenêutica e apoiando-se principalmente no modo de ser do Dasein (do ser-aí) heideggeriano. Desta forma, a Hermenêutica Filosófica entende que “a compreensão humana se orienta a partir de uma pré-compreensão que emerge da eventual situação existencial e que demarca o enquadramento temático e o limite de validade de cada tentativa de interpretação” (GRONDIN, 1999:159). Os reflexos da percepção da tal “consciência histórica”, podem ser sentidos no pensamento de Dworkin, como lembra Menelick de Carvalho Netto: “Para ele, a unicidade e a irrepetibilidade que caracterizam todos os eventos históricos, ou seja, também qualquer caso concreto sobre o qual se pretenda tutela jurisdicional, exigem do juiz hercúleo esforço no sentido de encontrar no ordenamento considerado em sua inteireza a única decisão correta para este caso específico irrepetível por definição” (1999:475).
[2] De maneira alguma é a pretensão do presente trabalho abortar de maneira exaustiva os pressupostos da teoria de Alexy, bem como analisar todas as regras que o jurista enuncia como necessária para o desenvolvimento de uma argumentação racional, de modo que a questão é vista aqui apenas como uma abordagem introdutória. Para uma leitura mais aprofundada recomenda-se: ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001.
[3] Aqui é preciso lembrar que Alexy toma como referência de norma o conceito “semântico” de norma (GALUPPO, 1998:135-136) presente já em Kelsen (1999), de modo que compreende que a norma é o significado extraído de um enunciado. Isto é, tanto princípios quanto regras indicam algo que deve-ser.
[4] Mesmo Dworkin fazendo uso do termo ponderar é importante ter em mente que o mesmo está sendo aplicado em sentido divergente que o atribuído por Alexy. Alexander Aleinikoff (1987:1001) coloca bem essa questão ao lembrar que para o jurista de Oxford, o termo adquire o significado de refletir, de modo que a solução de um caso demanda uma construção teórica acerca de um princípio adequado ao caso concreto.
[5] Em Facticidade y Validez (1998), Habermas irá marcar uma distinção entre o princípio do discurso e o princípio moral, que até então não havia sido feita de maneira satisfatória em obras anteriores.
[6] Essa distinção é assim posta por Habermas (1997:1:143): “Em questões morais, a humanidade ou uma suposta república dos cidadãos forma o sistema de referência para a fundamentação de regulamentações que são do interesses simétrico de todos. As razões decisivas devem poder ser aceitas, em princípio, por todos. Em questionamentos ético-políticos a forma de vida “de nossa respectiva” comunidade política constitui o sistema de referência para a fundamentação de regulamentações que valem como expressão de um auto-entendimento coletivo consciente. Os argumentos decisivos têm de poder ser aceitos, em princípio, por todos os membros que compartilham “nossas” tradições e valorações fortes. Antagonismos de interesses necessitam de um ajuste racional entre interesses e enfoques axiológicos concorrentes. E a totalidade dos grupos sociais ou subculturais imediatamente envolvidos forma o sistema de referência para a negociação de compromissos. Esses têm que ser aceitáveis, em princípio, e na medida em que se realizam sob condições de negociações eqüitativas, por todos os partidos e, em certos casos, levando em conta até argumentos diferentes”.
[7] Contudo, já antecipando as colocações a serem feitas, tem-se que o jurista alemão faz uma leitura de Dworkin que pode ser submetida a diversas críticas como se verá.
[8] Para o convencionalismo, as decisões políticas do passado constituem os critérios que deverão fundamentar as decisões do presente e, na falta delas, ou seja, no caso de lacunas, abre-se para que o próprio magistrado crie normas por meio de um poder discricionário. Desta forma, a prática jurídica se resume a obediência às convenções anteriormente estabelecidas, sendo, portanto, ignora-se que com tempo decorram graduais modificações na forma como os operadores do Direito se apropriam dessas convenções. Diferentemente, para o pragmatismo, os juizes não devem ficar presos às convenções do passado, mas sim se preocuparem com a justiça da decisão, mas de modo a vincular esse ideal a uma questão de bem estar geral. Essa tradição, então, volta-se para uma perspectiva utilitarista do direito. Nega-se, com isso, que as pessoas possuam qualquer direito subjetivo garantido, de modo que os juizes agem como se as pessoas tivessem esses direitos se em longo prazo isso servir melhor para a sociedade (DWORKIN, 1999:187).

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Flávio Quinaud Pedron

 

Mestrando em Direito Constitucional na UFMG; Monitor de Pós-Graduação nas disciplinas Teoria da Constituição e Teoria Geral do Direito Público; Bolsista pelo CNPq.
Trabalho originalmente apresentado como conclusão da disciplina Sociologia Jurídica no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

 


 

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