Água de lastro: problema ambiental de direto

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1. REFLEXO AMBIENTAL

1.1. Água de Lastro – Conceito

Como todo estudo que propõe a análise de elemento diversificado do que contem nosso ordenamento, uma abordagem conceitual do assunto faz-se necessária.

E por tratar-se de tema vinculado à seara marítima, própria de termos específicos daqueles que nesse ramo do conhecimento trabalham, a necessidade de conceituação é mais premente.

Sabe-se que  navegação comercial é responsável pelo transporte de 75% dos bens e serviços produzidos no mundo[1]. Para o trânsito de tamanho volume de carga, os navios apresentaram, nos últimos 50 anos, um aumento considerável em sua capacidade de carga. Entretanto, a construção de navios desse porte não é uma tarefa simples. Esses navios[2] são construídos para que sempre estejam com um mínimo de armazenagem. Dessa forma, mesmo quando não estão carregados para transporte, eles devem estar com suficiente para uma navegação segura.

Antes de uma definição de água de lastro, deve ser feita a definição de “navio”. Obviamente que existem divergências quanto a definição, visto que a doutrina internacional não preza pela distinção entre navio em embarcação[3]. Mas  utilizando a indicação do Decreto 15.788/1922,  pode-se definir  navio como: “toda construção náutica destinada à navegação de longo curso, de grande ou pequena cabotagem, apropriada ao transporte marítimo ou fluvial”.

Já a  expressão água de lastro compreende todo e qualquer material utilizado para contrabalançar do peso do navio quando este não está plenamente carregado, este material é despejado pelo navio quando o mesmo começa a ser carregado no porto de destino[4]. Vale ressaltar que somente existe necessidade do procedimento de utilização de água de lastro quando o navio em questão é objeto de transporte de grande volume de carga.

Pode-se entender a necessidade do lastro de maneira mais abrangente, visualizando que os navios utilizam o lastro para manter a segurança na navegação, estender seu calado, compensar perdas de peso pelo gasto de combustível e água de consumo, regulando os níveis de estresse na estrutura do navio em patamares aceitáveis.[5]

Passeando um pouco na história, verifica-se que até o século XIX, o lastro dos navios era sólido. Com a melhoria das condições na construção dos navios, uma evolução necessária seria a substituição dessa forma de lastro, visto que causava sérios problemas na estabilidade das embarcações. Por volta de 1880[6], começou-se a utilizar a água nos tanques – criando-se tanques específicos nos navios. Contudo, essa tecnologia somente começou a torna-se difundida mundialmente após a II Guerra Mundial, tornando-se absoluta em sua aplicação na navegação internacional[7]

1.2. A problemática da Água de Lastro no decorrer dos tempos

O problema da água de lastro,  sabe-se que não é de hoje que existe . Mas a busca de soluções para a problemática  é de recente análise pelos estudiosos. Isso se deve pela diferente forma pela qual o comércio internacional está fundamentado nestes últimos cinqüenta anos.

Entretanto, antes de analisarmos pormenorizadamente a questão específica da água de lastro, é necessária uma pequena digressão quanto às análises históricas dos problemas ambientais como um todo.

Durante o primeiro período da revolução industrial – acontecendo na Grã-Bretanha no final do século XVII e no resto do mundo na metade do século XIX – até o final do primeiro quarto do século XX, ocorreu em grande parte do mundo uma verdadeira explosão da maneira como enxergar o homem e sua interação com o meio ambiente.

Apesar de um entendimento histórico que o homem – enquanto análise de suas civilizações – nunca teve o respeito à natureza como principal objetivo, pode ser determinado que somente nesse período o homem passou a ter reais condições de modificar o ambiente que ocupa de maneira definitiva, e, além disso, pela primeira vez na história do planeta, a nossa espécie conseguiu expandir esse tipo de exploração a todos os cantos do planeta.

Com o início dessa era, começa um momento onde os meios tecnológicos conferem à espécie humana um poder quase ilimitado de modificação do meio ambiente. Não são mais as principais cerceadoras da ação humana as realidades do meio ambiente que o cerca, mas sim, o tempo e o interesse econômico envolvido.

Reflexo dessa realidade é a forma com a qual evoluiu o transporte marítimo de cargas. O domínio do globo requereu a conexão comercial entre grandes distâncias, essa necessidade surge do fato que grandes comunidades são naturalmente interdependentes. Em uma comunidade global, a regra é que uma determinada região depende do que é produzido por outras.

E, em sendo o transporte marítimo  o mais econômico e prático meio de transporte de  mercadorias entre grandes distâncias,  75% são transportadas por navios. No caso brasileiro, aproximadamente 95% das exportações são realizadas pela via marítima.

Esse aumento do transporte marítimo internacional não pode ficar alheio a regulamentação internacional. A Organização Marítima Internacional – IMO[8] é organismo vinculado a ONU que possui a premente função de regulamentar o comércio internacional.

Em decorrência desse fato, esses últimos séculos foram de grandes avanços para a indústria marítima, com especial atenção para a necessidade de melhor transportar uma quantidade cada vez maior de carga entre os extremos do planeta. Nessa senda, a utilização do lastro como meio de aprimorar a engenharia naval na construção de embarcações com maior capacidade de carga, começou a ser empregada em larga escala na construção naval. Desde o princípio ficou claro que o melhor instrumento de lastro seria a água presente nos portos.

Sem uma maior necessidade de adaptações, os porões dos navios – ou reservatórios localizados nas laterais das embarcações – tornaram-se depósitos para que essa água pudesse criar o contrapeso necessário para o lastramento dos navios envolvidos no comércio internacional.

O problema surge justamente com a forma com a qual essa água é transportada. Segundo estimativas da IMO, de três a cinco bilhões de toneladas de água são transportadas entre os oceanos do mundo anualmente através do lastro dos navios. As condições desse transporte permitem que não somente a água seja transportada pelo lastro dos navios, mas sim, uma infinidade de organismos que sobrevivem dentro dos reservatórios e são deslocados para outros ambientes costeiros. Outros dados[9] da IMO indicam que sete mil espécies animais e vegetais são transportadas anualmente através do globo pela lastro dos navios.

Inobstante a esse fato faz-se recente a preocupação do homem com o reflexo das medidas que impulsionam o mercado marítimo internacional ao meio ambiente, como reflete Kiss:

[…] é no fim dos anos 1960 que as concepções mudam de um modo fundamental, e que, sob a pressão do movimento de opinião pública tornada internacional, os governos começam a se preocupar com o estado geral do meio ambiente, concebido de agora em diante como um conjunto.[10]

Esse transporte de elementos exóticos[11], contudo, possui reflexo direto no ambiente das grandes regiões de conexão do comércio internacional.

1.3. Exemplos e análise de ações contra o problema

Como relatado no item anterior, o transporte de elementos exóticos é causa de distúrbios ecológicos nas mais diversas regiões do globo. Por esse motivo, aproveita-se a definição contida na Convenção das Nações Unidas sobre Direto do Mar , para definir esse transporte como poluição do meio marinho:

‘poluição do meio marinho’ significa a introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de substâncias ou de energia no meio marinho, incluindo os estuários, sempre que a mesma provoque ou possa vir a provocar efeitos nocivos, tais como danos aos recursos vivos e à vida marinha, riscos à saúde do homem entrave às atividades marítimas, incluindo a pesca e as outras utilizações legítimas do mar, alteração da qualidade da água do mar, no que se refere à sua utilização,e deterioração dos locais de recreio.[12]

Aborda-se portanto neste item, os efeitos nocivos ao meio ambiente e são claros os locais que recebem material biológico exótico através do lastro dos navios, causando danos ás espécies locais, trazendo reflexos na proteção do ecossistema local, danos financeiros à região e problemas de saúde pública. Exemplo claro desses fatos , é o gasto de 5 bilhões de dólares americanos por Estados Unidos e Canadá na implementação de medidas de controle ambiental reflexas ao problema da água de lastro.[13]

O primeiro caso analisado é a transferência do mexilhão zebra. Esse espécime é natural do Mar Negro (Europa Oriental) e hoje é encontrado em abundância na costa leste dos Estados Unidos e Canadá. Esse organismo se alastrou com facilidade em no novo ambiente pela sua capacidade de modificar com facilidade de cadeia alimentar, podendo se desenvolver tanto em água doce quanto salgada. O organismo se adere a tubulações e cascos de navios, causando o enfraquecimento de estruturas. Chegou a infestar 40% das vias navegáveis dos Estados Unidos e causou danos na ordem de 750 milhões à 1 bilhão de dólares americanos entre 1989 à 2000[14]

Como segundo caso, podemos destacar os estragos causados pela chegada na costa sul da Austrália da estrela do mar do norte do Pacífico. Esse espécime transformou-se, logo após a sua chegada, e uma verdadeira praga. Foram reduzidas em 20% as extrações de ostras nessa área da costa australianas, atividade importante para a região[15].

Visualizando a proximidade do problema, o terceiro caso trata-se do transporte do mexilhão dourado do sudeste asiático para os portos dos Atlântico sul. Diversos são as situações de entupimentos de hidroelétricas brasileiras por esse mexilhão de água doce que não encontra limites de atuação em nossos rios.

Esse espécime teve a facilidade de contar como entrada os portos de Buenos Aires (Argentina) e Rio Grande (Brasil), dois portos de grande circulação de mercadorias – especialmente vindas do Sudeste Asiático – sendo ambos portos de água doce. Em especial quanto a esse caso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, determinou que o último problema de abastecimento de água potável na região metropolitana de Porto Alegre deveu-se ao entupimento das tubulações de abastecimento pelo mexilhão dourado, impedindo o transporte de água com potabilidade[16].

O quarto caso, que oportunamente restou por último dado a sua problemática, é o comprovado transporte do vírus colérico (Vibrio cholerae) através da água de lastro. A OMS indica que algumas epidemias de cólera podem estar diretamente relacionadas ao deslocamento do vírus pela água de lastro, especialmente o surto que aparentemente deslocou-se da Índia para a América do Sul na metade da década de 90[17].

Como exemplo da séria preocupação com o tema, a Anvisa recomenda tratamento especial da água de lastro de navios que entrem na região amazônica por entender que a situação sanitária delicada da região a colocaria mais exposta a um novo surto de cólera.[18]

1.4. A natureza internacional do problema ambiental

1.4.1. O Direito Ambiental como vertente do DI

As situações acima citadas demonstram que não existe – na questão da água de lastro – a dificuldade de um país isolado. O problema de um determinado Estado não é contido pela linha imaginária de sua fronteira.

A afirmativa, entretanto, não é restrita ao caso da água de lastro, ora estudado. Exemplo claro é a decisão arbitral envolvendo EUA e Canadá, o aclamado caso da Fundição Trail. Em março de 1941 uma empresa canadense (Fundição Trail) foi julgada como responsável, por um tribunal arbitral, por emanar dióxido de enxofre de sua fábrica no Canadá, em relação aos efeitos nocivos que causava em território americano. A referida fábrica ficava na fronteira entre os dois países. Esse caso é considerado como paradigma para a determinação internacional de responsabilidade transfronteirícia quanto a danos ambientais[19].

Desse precedente, começou a ser estruturado o costume internacional, e deste, a codificação internacional quanto a realidade internacional dos problemas envolvendo o meio ambiente. Em 1972, na Convenção de Estocolmo, foi tornado claro, através do Princípio 21 da Convenção, que nenhum Estado teria o direito de utilizar seu território para causar danos ambientais em outro Estado, ou a área internacional. Tal princípio foi reafirmado como Princípio 2º da Declaração do Rio[20]

Foi nesse sentido que o jurista francês Alexandre Kiss começa a estruturar, na década de 60, o assim chamado Direito Internacional do Meio Ambiente. Este é reflexo do entendimento que somente através de ações que envolvessem os vários Estados que poderiam ser alcançados os objetivos de convivência e segurança com o meio ambiente. Desta maneira, começou um processo de pressão internacional – respaldado por decisões em tribunais internacionais e no esforço de codificação de princípios e regras internacionalmente válidas para o Direito Ambiental – que acabou por refletir na criação de diversas codificações nacionais sobre a questão ambiental.

Entretanto, tal construção não estava deslocada da realidade da época, coadunamos com o posicionamento de Guido Soares[21] quando defende que somente com a soma de dois elementos que esse esforço seria possível:

a – o aumento de prestígio da ONU e de seus organismos relacionados em questões que não fossem de segurança internacional – no momento, paralisada pela omissão do Conselho de Segurança ao longo da Guerra Fria – possibilitando um fórum viável de discussões para a seara ambiental;

b – a iniciativa, e a repercussão na opinião pública internacional do, das organizações não governamentais – ONGs de proteção ao meio ambiente, que começaram a situar-se como atores de relevância internacional.

Somado ao entendimento do citado professor,  têm-se a iniciativa da ONU na codificação do costume internacional. Esse trabalho da organização tornou possível a criação de instrumentos como a Convenção de Montego Bay – Direito do Mar, e a Convenção de Estocolmo – Meio Ambiente, somente para sermos pertinentes ao tema de estudo.

Sendo assim, inegável é a relevância da análise internacional das questões ambientais. Não somente em relação a impossibilidade de tratar os problemas ambientais sem um respaldo internacionais, mas também pelo foro institucional já criado nos organismos internacionais para facilitar a discussão dos mais variados temas dessa área.

1.4.2. A impossibilidade da solução isolada da questão da água de lastro

Os conceitos determinados no subitem anterior são as bases para a determinação deste ponto.

Primeiramente, devemos qualificar a posição da situação da água de lastro dentro do ordenamento internacional de proteção ao meio marinho. Segundo a CONVEMAR, o deslastreamento (termo que indica a liberação da água de lastro) faz parte da quinta forma de poluição ao meio ambiente[22], Não é a utilização de água de lastro a única prática nessa classificação, compartilhando o item com a limpeza de tanques e porões, englobando, como isso, segundo Guido Soares: “toda descarga, intencional, para as situações de normalidade no uso da embarcação, e não intencional, ou em situação de emergência, para situações de acidentes náuticos.”[23]

Dentro da referida convenção, essa forma de poluição é a mais dotada de dispositivos normativos, justamente por que é a que encontra, na habitualidade de sua ocorrência dentro da rotina naval, a sua maior problemática. Não existem navios de transporte intercontinental que não utilize a água como lastro de seu navio, sendo a operação de deslastreamento do material lastreado um hábito do navio.

Tendo em vista que os problemas descritos no presente estudo  é necessária uma visão internacionalista na análise da situação. Como identificado neste trabalho, o problema da água de lastro enquadra-se em situações onde organismos vivos são transportados entre diferentes locais do globo. A questão indica, portanto, três agentes:

O primeiro agente é o transportador, o Estado responsável pelo navio que transfere o material biológico de um local para o outro. Tendo sido a água de lastro caracterizada como poluição ao meio ambiente marinho, e em face de responsabilidade objetiva do agente poluidor [24], torna-se clara a necessidade desse Estado procurar toda a forma de evitar a responsabilização futura pelo dano.

Necessário é identificar que o Estado possui com o navio que arvora sua bandeira um “vínculo substancial”[25], que lhe incube uma larga lista de responsabilidades estabelecidas no artigo 94 da CONVEMAR. Destas, cabe-lhe exercer “sua jurisdição e seu controle em questões administrativas, técnicas e sociais sobre navios que arvoram sua bandeira”.

Por entender que o Estado da bandeira aplica sua jurisdição e, utilizando a devida analogia jurídica, estende seu território ao navio, é possível estabelecer o seguinte raciocínio: estando o Estado impedido de executar agressão ambiental além de suas fronteiras (Princípio 23 da Convenção de Estocolmo), e sendo o navio – extensão do Estado, o agente causador do dano ambiental relacionado à água de lastro, é dever do Estado ser responsável pelo dano causado pelo transporte da água de lastro.

O segundo agente é o Estado receptor. Claramente, este é o agente mais agredido pelos efeitos oriundos do descarregamento do material biológico exótico. É o seu ecossistema que é agredido pelos efeitos da migração feita pelo lastro, sendo assim, claro é seu interesse na regulação eficaz da matéria. É somente através de uma forte fiscalização deste agente que poderá ser eficaz qualquer técnica de tratamento da águas de lastro, já que o controle através do porto que recebe o navio é a única forma de estruturar uma malha confiável de proteção a questão da água de lastro.

O terceiro agente é, justamente, todo e qualquer Estado que não é o agente transportador, nem o receptor do material de lastro. Esse terceiro Estado é atacado pelos efeitos da disseminação de organismos exógenos, tanto ou mais que os dois primeiros agentes. Apesar de não serem os diretamente envolvidos, existem exemplos claros do quanto podem ser atingidos.

O espraiamento do golden mussel pela bacia hidrográfica do Prata, através dos portos de Rio Grande (BR) e Buenos Aires (AR), acabou por limitar as atividades da Usina Hidroelétrica de Itaipu, acabando por comprometer o abastecimento de energia elétrica do Paraguai – que não possui saída para o mar.[26]

Outro claro exemplo dessa relação de comprometimento entre diversos Estados – não somente os vinculados aos grandes armadores e aos grandes portos internacionais, é o caso da inserção da Cercopagis pengoi,  vulgo pulga d´dágua, no Mar Báltico. Natural do Mar Negro e Mar Cáspio, esse espécime está praticamente dominando um círculo inteiro da cadeia alimentar básica de diversos animais da região, diminuindo drasticamente os cardumes de peixes muito importantes comercialmente para vários países da região.

Sendo assim, não somente Suécia, Dinamarca e Alemanha, países com importantes portos na região, são atingidos. Polônia, Lituânia, Estônia e Letônia têm a sua indústria pesqueira seriamente comprometida pelo avanço dessa poluição.

Nenhum desses agentes, isoladamente, é capaz de tratar da questão da água de lastro de maneira separada. Como todo e qualquer assunto relativo a proteção do meio ambiente (como argumentado no item anterior) somente a cooperação internacional pode surgir como solução para o problema.

Ademais, as características da lida marítima potencializam os efeitos internacionais do problema. Da mesma forma como os oceanos são meios de disseminação do engenho humano de maneira global (pesca, prospecção, transporte, etc.) também é maneira de – mundialmente – estarmos conectados aos mais diversos problemas.

2.1 Eficácia diferenciada dos tratados internacionais ambientais: o exemplo da Convenção sobre Água de Lastro e outros Sedimentos

Conforme vimos até a presente parte, a Convenção de Água de Lastro é exemplo de uma forma diferenciada de eficácia de tratados internacionais. Aprovada em 13 de fevereiro de 2004, a Convenção foi assinada por 74 países, sendo o Brasil signatário da mesma.

Já no seu artigo 18, é estipulada uma forma de eficácia condicionada, o que não é destoante da regra dos tratados atuais, sendo o elemento  de distinção a tipologia de condicionamento. O referido artigo determina que a Convenção entrará em vigor 12 meses após um mínimo de 30 países a ratificar, entretanto, esses países devem significar (somados) uma porcentagem mínima de 35% do mercado marítimo internacional.

O objetivo que tenta ser alcançado é a real legitimidade do pactuado. Através de um filtro de representatividade, fica determinado que o tratado possuirá sua validade somente quando Estados que realmente terão efeitos dos termos acordados tiverem ratificado o disposto na Convenção.

Essa diferença na forma de eficácia não é originária da Convenção ora estudada . Entretanto, pelo assunto emergente e pela recente confecção da Convenção, sua análise é bom parâmetro para a validade dessa forma de eficácia nos tratados internacionais ambientais.

Apesar dessa forma de eficácia não ser originária da convenção estudada, ela é característica dos tratados ambientais, visto que esses tratados requerem soluções que não podem ser alcançadas com um número reduzido de partes contratantes. Não adiantaria em nada a determinação de medidas eficientes no tratamento da água de lastro se essas medidas fossem adotadas por poucos países.

Porém, tampouco adiantaria a existência de uma Convenção se um a grande quantidade de países que não apresentam significância alguma no mercado marítimo internacional fosse responsável pela sua implementação. O problema da água de lastro permanecerá a ocorrer se os grandes responsáveis pelo fluxo de mercadorias pelo transporte marítimo não se responsabilizarem pelas medidas cabíveis.

Avaliando essa realidade, entretanto, devem ser pesadas as questões relacionadas a essa forma diferenciada de eficácia, visto que muitos aspectos dessa questão podem ser utilizados contra a própria eficácia do tratado.

O ponto evidentemente positivo nesta forma de eficácia do tratado é quanto a sua legitimidade. Quando um tratado deve possuir a capacidade de criar regra para uma área específica, não é somente a questão quantidade de Estados-partes que importa, pois o elemento qualitativo é muito importante.

Os tratados que envolvem a seara ambiental são de natureza muito específica. Em relação à abordagem do presente trabalho, a área de abrangência da problemática da água de lastro é justamente o comércio marítimo internacional. Sendo assim, seria inexpressiva a validade de um tratado, mesmo que reunisse uma grande quantidade de países, se esses países não tivessem participação relevante no mercado marítimo internacional.

Dessa forma, podemos identificar claramente que os elementos de legitimidade e especificidade da norma são melhores aplicados em um tratado tão particular quanto o vinculado ao direito ambiental, quando esse apresenta os instrumentos de vigência como os apresentados no Tratado sobre Água de Lastro.

Mas não  pode ser negado um fato: quanto mais específico for o instrumento de vigência de um tratado, maiores serão as dificuldades para o mesmo entrar em vigor.

Existem inúmeros exemplos de tratados que – através de instrumentos de ratificação simples – nunca entraram em vigor. Claramente que, com a criação de um instrumento que não somente implica na ratificação de um determinado número de Estados, mas exige a ratificação por países que possuam determinada representatividade no cenário mundial, a possibilidade que esse tratado acabe por nunca entrar em vigor é muito grande.

Reflexo da condição acima exposta é a diferenciação entre os Estados-parte. Com a diferenciação entre as capacidades contributivas dos Estados – mesmo que seja negativamente (maiores poluidores) – criam-se diferenças entre os Estados contratantes.

Um dos fundamentos no Direito Internacional é a igualdade entre as partes celebrantes de tratados. Mesmo quando essa harmonia entre as partes não ocorre plenamente, existem recursos formais para a evocação da igualdade entre as partes.

Quando existe essa ratificação condicionada, é conferida uma clara vantagem – ainda em fase negociação – aos Estados que serão fundamentais na aprovação do tratado. Sabedores que somente através da sua ratificação que o tratado poderá vigorar plenamente, esses Estados possuirão uma vantagem em relação às demais partes que quebraria com a base da igualdade entre as partes contratantes.

Uma outra situação claramente piora a questão da ratificação condicionada em tratados ambientais: as grandes questões vinculadas ao tratados ambientais dependem da ação ou omissão de Estados que possuam uma maior capacidade de interação com o meio ambiente. Invariavelmente, são os países de maior capacidade industrial ou comercial em várias áreas, ou seja, são Estados desenvolvidos.

Sendo assim, para a entrada em vigor de tratados ambientais internacionais que tenham essa forma de ratificação como base, uma verdadeira democracia na tomada de decisões no plano internacional fica definitivamente impossível. Somente pouquíssimos países poderão ter papel decisivo na implementação do tratado. Como reflexo ainda mais delicado, esses países estão vinculados aos maiores conglomerados de exploração ambiental do globo, o que dificulta uma tomada de decisão verdadeiramente positiva em relação à natureza em detrimento do interesse corporativo.

Da mesma forma como foi determinado no Tratado sobre Água de Lastro, foi estipulada uma forma condicionada de ratificação, exigindo que o tratado somente entraria em vigência 90 dias após o 55º depósito de instrumento de ratificação pelos Estados partes do tratado. Como pré-requisito, estipula que desses países que ratificarem o tratado, devem estar presentes 55 por cento dos maiores poluidores mundiais (quantidade de dióxido de carbono emitido).

O universo de grandes países poluidores é, em si, pequeno; poucos Estados são responsáveis por grande parte da poluição mundial. Com isso, no aguardo de uma única ratificação (do governo estadunidense), esse tratado de vital importância para a diminuição do crescente desequilíbrio climático no planeta pode nunca entrar em vigor.

Sabe-se que a Convenção sobre Água de Lastro foi resultado de um grande esforço para demonstrar a possibilidade de um trabalho eficaz na conclusão de um grande tratado internacional que tenha como base a clara necessidade de baixos custos operacionais e eficiência em área tão sensível da segurança marítima internacional. Esse objetivo tornou-se claro com a composição da Ballast Water Comission, estruturada com seis Estados em desenvolvimento.

Como conseqüência, as teses mais conservadoras financeiramente foram as encaminhadas pela Comissão e foram as aprovadas na Convenção. No plano técnico, isso significa que devem ser implementadas as medidas de menor custo e que apresentam eficiência comprovada por estudos em todo o mundo.

Em exposição sintética, essas medidas caracterizam-se pela troca de água de lastro em alto mar, sendo supletiva a utilização de tratamento químico quando existe impossibilidade na referida troca. Essas formas de tratamento aprovadas pela Convenção apresentam uma taxa de eficiência em torno de 95 por cento em condições climáticas ideais.

Essas determinações alcançadas na Convenção criaram um patamar mínimo que deverá ser obedecido pelos países contratantes. Contudo, toda a questão vinculada ao tratamento da água de lastro pode esbarrar na vigência da Convenção.

Entretanto, a referida estrutura de ratificação condicionada adotada para a plena vigência desse tratado pode criar reais empecilhos para a implementação do mesmo. Isso ocorre pela própria natureza do tratado ambiental.

Hoje em dia, pode ser considerada como lógica a argumentação que devem existir políticas de proteção ao meio ambiente, compreendendo essas políticas em salva-guardas à continuidade da vida no planeta. Todavia, os elementos de construção do posicionamento político de um Estado não passa por um filtro de princípios tão claro.

A relação clara é a necessidade de justificativas econômicas e políticas para fundamentar todo e qualquer posicionamento favorável a proteção ambiental.

Mas o tratado que analisa-se neste trabalho, apesar disso, apresenta características que podem fazê-lo bem sucedido onde outros tratados ambientais não o foram.

A primeira dessas é o fato que a água de lastro é realmente disseminadora de doenças que podem causar pandemias, como o  último grande surto mundial de cólera.

Inobstante a esse fato, a principal dessas características é o fato que o Tratado sobre Água de Lastro ser o fim de medidas governamentais paliativas e de custos elevados em todo o mundo.

Mas segundo o posicionamento de muitas delegações[27], as medidas determinadas no tratado são de difícil operacionalidade técnica, o que tornará possível – e muito freqüente – a abertura de precedentes para não observância dos ditames de segurança.

Isso é argumentado pelo claro exemplo da troca de lastro no alto mar. A técnica mais eficaz[28] necessita de, em média, dois dias para ser executada, além da utilização de considerável quantidade de combustível para a sua implementação. Isso torna e técnica evidentemente cara e especialmente onerosa para o armador.

Ademais, essa operação apresenta riscos para o navio, visto que esse fica, em parte, tolhido de sua capacidade de manobra quando está realizando a operação de troca. Isso torna inviável que esse procedimento seja efetuado sob certas condições climáticas ou em determinados locais – devido suas condições normais de navegabilidade.

A medida alternativa a impossibilidade da troca em alto mar é a utilização de produtos químicos na água de lastro. Como os navios que serão construídos até 2009 – incluindo todos os que estão em operação, não terá a obrigatoriedade de possuírem mecanismos específicos para esse fim, uma grande parte da frota mundial de navios poderá ficar totalmente desobrigada do controle da água de lastro em diversas circunstâncias.

Dessa forma, as estipulações quanto a outras formas de tecnologias para serem aplicadas ao problema não foram colocadas com sentido de obrigatoriedade, mas somente de incentivo. Apesar dessas outras técnicas não terem sido ainda aprovadas em todas as condições, as estruturas de reciclagem do lastro e modificação estrutural dos navios para filtragem apresentam as melhores possibilidades de eficiência para a eliminação dos organismos que se deslocam através da água de lastro.

Com o sentido de diminuir ao máximo os requisitos formais necessários para modificação e reconstrução de um tratado, poderia ser interpretado o Tratado como um umbrella treaty[29].

Um umbrella treaty é, segundo as palavras de Guido Soares: “[…] um tratado amplo, que deverá, a semelhança de um guarda-chuva, abrigar outros atos internacionais menos solenes e firmados em complementação àquele, ou melhor dito, uma ficção de que haveria uma continuidade dos procedimentos de negociação, sem necessidade das solenidades que cercaram a adoção daquele.”[30]

Essa forma de interpretação e aplicação de tratados é de comum utilização no Direito Internacional. Exemplo claro é a existência de diversos protocolos e adendos à Convenção de Montego Bay que foram decididos e implementados no âmbito da IMO[31].

Deve ser levada em consideração a celeridade na implementação de uma norma de proteção ambiental. Norma essa que surge da necessidade de diminuir danos de caráter irreversível. Torna-se claro que a constante atualização dos dispositivos do Tratado não deve ficar vinculada à morosidade que caracteriza a construção de um novo tratado.

E seguindo-se  essa forma de interpretação do Tratado, poderá ser realizada uma renovação do mesmo, a partir do início de sua vigência, no sentido de inserir formas mais modernas e eficientes de tratamento desse problema que apresenta tamanha repercussão e implicações, de cunho ambiental e econômico, em todo o mundo e para todo o mundo.

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Notas
[1] Relatório IMO2003 – In www.imo.org – 14.07.2004
[2] Inserir a definição de navio segundo a IMO.
[3] MELLO, Celso D. De Albuquerque. Alto-Mar, 2001, p. 211
[4] Anexo I
[5] Commitee on Ships Ballast Operations, 1996 – encontrar mais especificações sobre o relatório.
[6] Silva, Julieta Sales V. et al. Água de Lastro: Uma Ameaça ao Meio Ambiente, p. 1
[7] Carlton, J. T. et. al. The role of shipping in the introduction of nonindigenous aquatic organism to the costal of the U.S. and an anaysis of control operations. 1993, p. 390
[8] Sigla inglesa, mantendo o nome original da organização: International Maritime Organization
[9] Fonte de dados da IMO
[10] Alexandre Kiss, Droit International de l’Environnement, Paris, Editions A. Pedone, 1989, p.5.
[11] Elemento exótico: todo e qualquer elemento biológico que não seja originário de uma determinada região e ali é inserido (pelo homem ou por condições ambientais adversas).
[12] COVEMAR: art. 1º, §1º, inciso 4.
[13]KFURI, Letícia. Portos e Navios: Medidas Paliativas, março 2004. p. 16
[14] IMO página web
[15] Apud 9
[16] Relatório Anvisa 0126/04
[17] Apud 9
[18] Apud 8, p. 16
[19] Info pelo livro do Guido – DA
[20] 2ª Convenção das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Princípio 2º
[21] SOARES, Guido. Direito Internacional do Meio Ambiente. 2003, p. 46
[22] COVEMAR, art. 211, 217-221 (fund. 194, §3º, inciso b)
[23] Apud 21, p. 231.
[24] O  princípio do poluidor pagador.
[25] Termo utilizado na Convenção de Montego Bay para caracterizar a relação de nacionalidade entre o navio e o Estado da bandeira.
[26] Golden mussel em Itaipu
[27] Revista dos Portos – referência
[28] Artigo Petrobrás
[29] Expressão inglesa não traduzida pela doutrina ao português, com o significado literal de tratado (treaty)guarda-chuva (umbrella).
[30] SOARES, Guido, DIMA, p. 177
[31] Brownlie, Principles, p 568

 


 

Informações Sobre os Autores

 

Regina Cecere Vianna

 

Professora de Direito Internacional e de Direito do Mar da FURG-RS. Especialista em Educação e Direito. Doutora em Direito Internacional, área Direito do Mar pela Facultad de Derecho y Ciencia Sociales de la Universidad de Buenos Aires, Argentina.

 

Rodrigo de Souza Corradi

 

Bel em Direito pela FURG/RS, Membro da ILSA – International Law Students Association

 


 

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