Unicidade e pluralidade sindical e a concepção da Convenção n. ° 87 da Organização Internacional do Trabalho

Ao longo de décadas, em especial no transcurso dos diversos períodos onde preponderou o autoritarismo no país, o movimento sindical brasileiro levantou como uma de suas bandeiras de luta mais significativas a autonomia e a liberdade sindicais.

Durante a ditadura, nas diversas oportunidades em que os Sindicatos, Federações e Confederações se reuniram unitariamente visando a debater e aprofundar a análise acerca da estratégia do movimento sindical brasileiro e seus rumos, quase que invariavelmente desaguavam na discussão da conveniência da ratificação ou não da Convenção N. º 87 do O.I.T. (sobre a liberdade sindical e a proteção do direito sindical). Esta polêmica se colocava a partir da visão de uma parcela das lideranças sindicais de que a luta pela autonomia e liberdade sindicais passava pela ratificação da referida Convenção, a qual, se ratificada pelo Congresso, levaria o Estado a não mais intervir no movimento sindical dos trabalhadores.

A OIT constitui-se uma das primeiras instituições a nível internacional, a regulamentar matéria sobre direito do trabalho. Foi fundada, após a I Guerra Mundial, pelo Tratado de Versalhes, como instituição da Sociedade das Nações e depois modificada, pelas Conferências Gerais de 1945 e de 1946, devido à organização de suas estruturas e ações, no âmbito da ONU. Sua função é a de promover, no plano internacional, o aperfeiçoamento das condições dos trabalhadores, através da predisposição internacional de acordos particulares, as chamadas convenções, que os Estados-membros são obrigados a subscrever, o mesmo acontecendo com órgão internos que têm a competência de autorizar a ratificação bem como elaborar as normas de execução. Além das convenções, a OIT é também responsável pelas recomendações, com indicações de caráter programático, formuladas para exigir a atenção doa Estados-membros acerca de determinados problemas. Elas não são obrigatórias como as convenções.

Segundo a OIT, o princípio da livre escolha de organizações de empregadores e trabalhadores, previsto em artigo 2°, não foi formulado para apoiar qualquer tese favorável ao pluralismo sindical, tampouco serve para respaldar a noção de monopólio sindical. Não se propôs a impor o pluralismo sindical em caráter obrigatório; limita-se a garantir, pelo menos, a possibilidade de que se pudessem estabelecer diversas organizações. Assim dispõe o artigo 2° da OIT: “Trabalhadores e empregadores, sem nenhuma distinção e sem prévia autorização, têm o direito de constituir as organizações que acharem convenientes, assim como de a elas se filiarem, sob a única condição de observar seus estatutos”.

Apesar da justificativa da OIT, o monopólio sindical que decorra de imposição legal (unicidade sindical), contraria a liberdade de escolha.

Desde o regime militar até hoje, muitos fatos significativos se sucederam. Primeiramente, deve-se registrar que no processo de abertura democrática o movimento sindical fortaleceu-se e suas pressões levaram o Executivo, ainda sob o regime militar, a estabelecer autonomia relativa do movimento sindical em relação ao Ministério do Trabalho. Posteriormente, na Assembléia Constituinte, em 1988, ficou consolidado e ampliado no artigo 8º o preceito de autonomia e liberdade sindicais, tão longamente defendidas pelas lideranças sindicais.

Deve ser destacado que, ao longo do processo constituinte, houve intensas negociações entre as correntes que defendiam, de um lado, a unicidade e a manutenção financeira do sindicalismo e, de outro, o pluralismo e o não regramento de contribuições financeiras para manutenção da estrutura sindical. Fruto desse embate, ficou consolidado o pluralismo relativo, restrito à unidade mínima do município, bem como a implantação da contribuição confederativa.

No ano de 1993, quando já se encontrava em debate o processo de revisão constitucional, começaram a crescer as manifestações de algumas lideranças sindicais pró-ratificação da Convenção 87 da O.I.T., culminando com uma audiência conjunta de representantes de centrais e da O.I.T. com o presidente Itamar Franco, em 1994.

A realidade atual do movimento sindical é bastante distinta da que ocorria durante a ditadura, quando a ingerência e controle sobre as organizações dos trabalhadores traziam enormes prejuízos à sua organização, das quais são exemplos: a intervenção do Governo nos sindicatos, o estatuto padrão, o impedimento de formar intersindicais regionais, o impedimento da criação de centrais, a fiscalização e exigências burocráticas do Ministério do Trabalho sobre os sindicatos, etc.

Em agosto de 1995, a Senadora Benedita da Silva tenta ressuscitar a Convenção 87 da O.I.T., ao mesmo tempo em que a Senadora Marina Silva apresenta parecer propondo a extinção da Contribuição Sindical imediatamente. Entretanto, no Congresso Nacional estas propostas não avançaram devido a fortes e fundamentadas argumentações de parlamentares de diversos partidos.

Em outubro de 1998 o ex-Ministro Edward Amadeu encaminha uma proposta (PEC 623) que além de propor a pulverização do movimento sindical, extingue a contribuição sindical, põe fim à substituição processual, institui o sindicato por empresa, o sindicato representará apenas os associados, o custeio das entidades sindicais será feito por mensalidade associativa, cujo valor será definido por assembléia, observado o critério da razoabilidade, extingue o poder normativo da Justiça do Trabalho, institui a arbitragem privada, restringe o acesso individual à Justiça do Trabalho, ao condicionar o exercício do direito de reclamar à tentativa obrigatória de conciliação extrajudicial.

A Constituição Federal de 1934 adotou a pluralidade sindical, o que levou à multiplicação de sindicatos fantasmas, que serviram aos mais diversos interesses, exceto aqueles dos trabalhadores.

Escudam-se os defensores do pluralismo, tanto os disfarçados como os explícitos, na crítica à estrutura sindical corporativa instituída por Getúlio Vargas, sem analisar que esta mesma estrutura se constituiu, no Brasil, no instrumento de maior credibilidade e poder de arregimentação da sociedade; foi trincheira democrática histórica ao longo das ditaduras que aqui se estabeleceram, rompendo e superando os limites que lhe impunha a legislação autoritária, constituindo hoje um movimento sindical autônomo e livre.

O sindicato é uma instituição social espontânea, que reúne as pessoas pelo que apresentam de comum, isto é, pelo exercício da mesma atividade econômica e por interesses profissionais. O sindicato se organiza com base no interesse do grupo e com o objetivo de resolver problemas de índole coletiva, na defesa de interesses profissionais ou econômicos do conjunto dos trabalhadores.

Entende-se que somente a unicidade assegura a unidade dos trabalhadores em suas lutas sociais e em defesa dos interesses de suas diversas categorias. Por outro lado, a pluralidade fragmenta e pulveriza a unidade dos trabalhadores. Pela sua própria natureza e pela prática do movimento sindical, a pluralidade se caracteriza pela existência de tantos sindicatos quantos sejam desejados através de interesses individuais ou de grupos o que, claramente, não privilegia a união dos trabalhadores, enfraquecendo suas lutas.

Enquanto a unicidade propõe a união dos trabalhadores de uma mesma categoria, de uma determinada base territorial, em um único sindicato visando o fortalecimento de suas lutas, a pluralidade propõe a desagregação e a fragmentação da sua unidade, ao privilegiar a proliferação de entidades sindicais. Nesse sentido, entende-se que há uma contradição fundamental entre o fato de dar ao sindicato a faculdade de representar e defender o interesse profissional, e a liberdade concedida aos membros de uma profissão de organizar sindicatos antagônicos, para cada um deles defender, individualmente, seu interesse profissional. O interesse profissional é único e é um interesse coletivo que não se confunde com a soma dos interesses de cada um dos membros da profissão. Pode ser que um sindicato único se engane na apreciação desse interesse, mas se existem vários sindicatos revelando orientações divergentes, como saber qual deles interpreta fielmente esse interesse? Na representação dos interesses coletivos, o direito público consagra, logicamente, a unidade de interpretação. Cada um dos interesses da “comuna”, do “departamento”, da Nação, é confiado a uma administração única. Por esse motivo a pluralidade seria a anarquia. Não pode deixar de acontecer a mesma coisa com os interesses da “profissão”: – o sindicato para administrá-los deve monopolizá-los.

Na unicidade sindical, o sindicato representa toda a categoria, independentemente de filiação, ao passo que na pluralidade ele representa unicamente os seus associados, o que rompe a unidade orgânica e política dos trabalhadores, contribuindo para o enfraquecimento de suas lutas e a desagregação do movimento sindical.

A unicidade sindical, por sua natureza aglutinadora dos trabalhadores em um mesmo sindicato, possibilita o estabelecimento do conceito legal de categoria profissional ou econômica. Com ela, o sindicato representa uma determinada categoria, independentemente da filiação ou não de todos os seus membros. Este aspecto da unicidade é mais um motivo que leva os trabalhadores e suas lideranças mais conseqüentes a lutarem pela sua permanência no arcabouço constitucional e legal do Brasil.

Na medida em que a pluralidade propicia e estimula a criação de sindicatos por empresa, bem como a partidarização do movimento sindical (sindicato dos trabalhadores comunistas, socialistas, sociais-democratas, democratas-cristãos, liberais, neoliberais, etc), ela não permite que se adote o conceito de categoria profissional ou econômica. Com ela, os sindicatos representam, unicamente, os seus respectivos associados, com nenhum deles podendo expressar os interesses globais da categoria.

A pluralidade sindical, a despeito de fomentar os interesses individuais de liberdade total de representação, servirá tão somente de estímulo à criação de entidades sem representatividade expressiva, que se originariam nas desavenças ideológicas, partidárias, religiosas, quando não baseadas em interesses pessoais ou mesmo patronais.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Cíntia Moraes Gonçalves

 

Acadêmica do Curso de Direito da Fundação Universidade do Rio Grande

 


 

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