A atividade médica e o Código de Defesa do Consumidor

Sumário: 1.Introdução.2. Definindo a relação médica como
relação de consumo. 3. A responsabilidade civil médica diante do Código de
Defesa do Consumidor. 3.1. Responsabilidade Subjetiva ou Objetiva: Verificando
a Culpa. 3.2. Obrigação de Meio e de Resultado do Profissional da área Médica
4. O objeto da atividade médica e os bens não consumíveis. 5. Conclusões. 6.
Bibliografia.

1.
Introdução

A vida, a saúde e a integridade
física e moral são bens que constituem o ser humano. Esses bens tidos,
constitucionalmente, como indisponíveis, podem ser protegidos, pelo Código de
Defesa do Consumidor, em uma prestação de serviço? No tratamento médico,
seqüelas ou danos provocados no paciente ensejam o dever de indenizar pelo
médico. Mas o vinculo entre médico e paciente se caracteriza como relação
jurídica de consumo? Acreditamos que, mesmo um objeto ou bem não passível de
venda ou comercialização, como a vida e a saúde.

 Podem, sim, ao participarem de uma relação que contenha uma
prestação e, em conseqüência, uma contraprestação financeira. Estarem
suscetíveis, ao abrigo da legislação consumerista.
Desde que, os elementos que compõem essa relação, sejam equiparadas legalmente
a um vínculo consumerista.   

Os tratamentos médicos se
popularizaram, em grande parte devido ao desenvolvimento tecnológico de exames
e aparelhos utilizados na constatação de doenças. Disso, um maior número de
pessoas são atendidas, porém necessitou do profissional da medicina uma
redobrada atenção e observância constante dos procedimentos e regramentos da
classe médica.   

 Porventura, a relação médico-paciente se distanciou e, tornou-se
mais impessoal. Como numa prestação de serviço comum. Aqui, existe uma
correlação legal e interpretativa que envolve a responsabilidade civil médica como
relação de consumo; fazendo-se necessário, o estudo comparativo, dos
integrantes dessa atividade obrigacional médico-paciente no universo do código
consumerista.   

2.
Definindo a relação médica como relação de consumo

A importância de comparar a
atividade de prestação de serviço médico com as definições legais de
consumidor, fornecedor e serviço, consubstanciado pelo Código de Defesa do
Consumidor, reside em propiciar uma aproximação do paciente, da proteção dada
pelo código, aos hipossufientes, ou seja, aos consumidores. Responsabiliza-se
civilmente o médico por um tratamento administrado inadequadamente e que, por
conseqüência, trouxer danos ao paciente.

Assim, o artigo 2º define o
consumidor como ” toda pessoa
física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário
final”

Segundo a interpretação teleológica,
“destinatário final” é o destinatário fático e econômico do bem ou
serviço. Sendo assim, o paciente se enquadra nesta definição, pois utiliza em
proveito próprio e pessoalmente os conhecimentos do profissional da área
médica. E, o remunera pela prestação do serviço.

Já fornecedor, discriminado no
artigo 3° do CDC diz que é ” toda
pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem
como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,
montagem, criação (…), distribuição ou comercialização de produtos ou prestação
de serviços
“.

O conceito é genérico e não
taxativo, por isso qualquer pessoa física (médico) ou jurídica (hospital), apta
profissionalmente ou, respectivamente, autorizada a realizar procedimentos
médicos. Tipifica-se no código consumerista como prestador de serviço.

Por fim, no parágrafo 2º do artigo
3° do mencionado código, define-se serviços como:


qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,
inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo
as decorrentes das relações de caráter trabalhista
“.

Aqui, destaca-se a expressão
“remuneração”, como fator que acarreta obrigação e responsabilização
do profissional diante de eventuais danos, sejam eles físicos ou morais,
provocados aos usuários de serviços médicos. Conceitualmente, podemos
identificar similitudes entre os sujeitos da relação médico-paciente e uma
relação de consumo comum.

3.
A responsabilidade civil médica diante do Código de Defesa do Consumidor.

3.1.
Responsabilidade Subjetiva ou Objetiva: Verificando a Culpa.

O Código de Defesa do Consumidor,
prevê em seu artigo 14, a responsabilidade por danos, cometidas aos consumidores,
nas prestações de serviços de modo defeituoso. Conforme disciplina o mencionado
artigo:

“Art.
14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de
culpa
, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes e
inadequadas sobre sua fruição ou risco.”

A princípio, a natureza da atividade
médica é subjetiva, isto é, depende da existência de culpa. Então, o
discriminado artigo estabeleceria a responsabilidade objetiva do médico?[i] 

Assim seria, se o citado dispositivo
legal não discorresse, como faz, no seu parágrafo quarto que diz: “A responsabilidade pessoal dos
profissionais liberais será apurada mediante a verificação da culpa”
.

Acerca disso tiramos considerações
importantes; na atividade, mesmo de risco, dos profissionais liberais não
incide em culpa presumida. Mas, deve-se verificar, antes de tudo, se a conduta
profissional atendeu aos procedimentos da classe médica. O objetivo é analisar,
a culpa, para a eventual responsabilidade do médico.

Neste ponto, que diz respeito a
culpa, para a doutrina majoritária; não podemos convencionar a mesma regra, do
médico para um profissional qualquer que, por exemplo, vende um produto.

Está mantida a teoria subjetiva à
responsabilidade dos profissionais da área médica e demais profissionais
liberais em geral; nas obrigações de meio. Cabendo ao paciente a
responsabilidade na produção de provas contra seu médico; embora e, neste ponto
ressaltamos, a demonstração da culpa profissional é tarefa das mais difíceis
para o paciente, pois quais instrumentos materiais detêm, o paciente, como
prova determinante de erro médico, além de suposições subjetivas quanto ao
emprego negligente de um procedimento médico? Ou, qual profissional da mesma
área médica irá atestar contra seu colega de profissão, na verificação da
culpa? Prejudica-se, com isso, o consumidor da prestação do serviço, para seu
ressarcimento.

Por esse motivo, alguns autores,
defendem a inversão do ônus probatório; tanto nas obrigações de meio
(subjetiva) quanto nas obrigações de resultado (objetiva), como já ocorre
nesta. Buscando não lesar o consumidor que, na maior parte dos casos,
encontra-se em uma posição de hipossuficiência em relação ao médico. Visto que,
até mesmo a responsabilidade delimitada pelo Código de Defesa do Consumidor; no
que se refere aos fornecedores, é uma presunção juris tantum, ou seja, admitindo prova em contrário. Sendo assim, a
princípio, não traria nenhum prejuízo para as partes, possibilitar a inversão
do ônus probatório.

A utilização plena do instituto da
inversão do ônus probatório possui o intuito de igualar as partes. Assim, tanto
na responsabilidade objetiva quanto na subjetiva, deveria haver a possibilidade
de inversão do ônus probatório. Tendo, o consumidor da prestação de serviço,
apenas que provar os pressupostos de responsabilidade civil, isto é, o fato, o
dano e o nexo de causalidade.    

Por outro lado, não podemos omitir a
preocupação legislativa e doutrinária de não descaracterizar a responsabilidade
subjetiva, para não trazer instabilidade nas relações entre médicos e
pacientes.

3.2.
Obrigação de Meio e de Resultado do Profissional da área Médica

Podemos distinguir as obrigações de
meio das obrigações de resultado, conforme os ensinamentos de Maria Helena
Diniz:

“A
obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga tão-somente a usar de
prudência e diligência normais na prestação de certo serviço para atingir um
resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo.”

“A
obrigação de resultado é aquela em que o credor tem o direito de exigir do
devedor a produção de um resultado, sem o que se terá o inadimplemento da
relação obrigacional.”
(Curso
de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1992.)

Desse modo, existem obrigações
vinculadas a um resultado certo e determinado (obrigações de resultado),
enquanto, outras obrigações necessitariam apenas uma atividade diligente por
parte do prestador do serviço, ou seja, as obrigações de meio.

Nas obrigações de resultado a responsabilidade
é objetiva, sem necessidade de provar a culpa profissional; nas obrigações de
meio, não se pode exigir do profissional o resultado desejado. Busca-se neste
caso, a prova da culpa a fim de que seja ressarcida a vítima.

A doutrina em geral, começou a
englobar sob o foco do Código de Defesa do Consumidor, relações como a do
médico-paciente, devido às transformações tecnológicas dos últimos anos.

O progresso técnico-científico fez
com que a relação médico-paciente se tornasse muito parecida com uma relação de
consumo comum. O médico afastou-se de seu paciente, pois a máquina e os exames
laboratoriais, muitas vezes, suprem a presença direta do médico. Acarretou-se,
com isso, uma negligencia médica no acompanhamento do paciente.

Por tudo isso, as obrigações de meio
e de resultado na prática médica começaram a se tornar muito parecidas,
trazendo dificuldades em identificá-las separadamente.

4.
O objeto da atividade médica e os bens não consumíveis.

Para alguns autores a
inaplicabilidade, do Código de Defesa do Consumidor, está relacionado ao objeto
da prestação do serviço médico, isto é, a vida, a saúde e a integridade física
e moral; por serem bens indisponíveis e não consumíveis, integram a vida humana
e, por isso, impossível de transferência a outrem.

Assim, Ferreira Couto Filho e Alex
Pereira Souza, aduzem que:

“A
vida e a saúde não são bens de consumo, posto que não podem ser comparadas a
nenhum produto (…) se a vida e a saúde não são bens de consumo – não se pode
deixar de dizer que são muito mais que isto, são bens inalienáveis (…). Para
que as atividades humanas sejam açambarcadas pelo Código de Defesa do
Consumidor, é necessário que se tenha em primeiríssimo lugar, como ponto
inicial e vital, nestas referidas relações, uma atividade consumerista.”
(COUTO FILHO, Antonio Ferreira; SOUZA, Alex
Pereira. Responsabilidade civil médica e
hospitalar:
repertório
jurisprudencial por especialidade médica, teoria da eleição procedimental
. Belo
Horizonte: Del Rey, 2001.)

Nesse posicionamento, a relação médico-paciente
não pode ser considerada de consumo, porque é uma prestação de serviço sui generis, isto é, tem uma função
social de relevante importância – a saúde e a vida humana.

Além disso, de acordo com esse
raciocínio, tratar a relação médico-paciente como relação de consumo é imprimir
àquela o mesmo risco existente na prestação de um serviço preciso e exato, como
no conserto de um aparelho doméstico. Logo, quando se fala em prestação de
serviço de saúde, se está diante de algo impreciso, porque mesmo se prestando
um serviço adequado, diversos fatores totalmente alheios ao prestador podem
ocorrer, prejudicando o resultado esperado com o tratamento médico.

Em contrapartida, se não podemos
deixar de considerar que os bens da vida são insuscetíveis de consumo, também
não podemos dizer que, o objeto da relação médico-paciente descaracterizaria a
relação consumerista, ainda que o seu bem seja impossível de disposição ou
apropriação física. Isto é, a vida e a saúde.

Acreditamos, que o médico quando se
põe à disposição da sociedade passa a exercer uma relação típica de prestação
de serviço, disciplinada Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, o paciente se configura
como consumidor, pelo fato de que contrata o serviço médico; objetivando um
resultado, ou seja, a cura. Assim, enquadra-se como destinatário final de uma
relação de consumo, e que, por isso, merece proteção pelo Código de Defesa do
Consumidor.

5.
Conclusões

1)     
Sabemos, que a vida e
a saúde, indiscutivelmente são bens intrínsecos ao ser humano e, por isso,
indisponíveis e inalienáveis. Contudo, as relações profissionais que envolvem
esses tipos bens merecem a proteção do código de defesa do consumidor quando
legalmente compatíveis a uma relação de consumo comum.

2)     
Existem correntes
legais e interpretativas, ainda mais, em virtude dos avanços tecnológicos dos
procedimentos médicos, que caracterizam os conceitos de consumidor, fornecedor
e serviço, dadas pelo código de defesa do consumidor. Às prestações dos
profissionais liberais como, por exemplo, dos serviços médicos convencionais.

3)     
Devido a
responsabilidade ser subjetiva pelo prestador de serviço médico; o paciente
quando sofre um dano deve provar a culpa do profissional; prejudicando-se o
ressarcimento por parte da vítima, porque esta se encontra numa posição de
hipossuficiência na relação, equiparando-se a um consumidor de serviço.

4)     
Adotar aos
procedimentos médicos a inversão do ônus probatório, seria uma atitude, menos
gravosa às partes, pois ao invés de a vítima provar a culpa do médico, o
próprio profissional poderia pelos recursos materiais e pelo conhecimento
técnico que possui realizar a juntada de documentos e de uma defesa
satisfatória, sem prejuízo pessoal, 
diante do juízo.

5)     
Assim, constatamos
que o atual estágio da atividade médica vem abarcando um maior número de
situações protegíveis pelo Código de Defesa do Consumidor. 

 

Bibliografia:

Código Civil
Brasileiro
, Editora Verbo Jurídico Ltda. Porto Alegre, 2003.

Diniz, Maria
Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1992.

Lei 8078/90 Código
de Defesa do Consumidor.

Marques, Claudia
Maria. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo:Editora
Revista dos Tribunais, 1995.

Revista de
Direito do Consumidor
. N° 37, 38 de 2001. Editora Revista dos Tribunais

Venosa, Silvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade
Civil
. 4ed. São Paulo: Atlas, 2004.


Notas:

[i] INDENIZAÇÃO
– Responsabilidade civil – Erro médico – Profissional que se conduziu, diante
dos sintomas do doente, como qualquer outro colega o faria – Imprudência,
negligência ou imperícia, ademais, não comprovadas – Ação improcedente –
Recurso não provido.

Ementa oficial: Indenização – Prestação de serviços – Erro médico –
Epilepsia de origem endógena (de fatores hereditários e constitucionais) –
Aplicação de droga básica – Superveniência de doença rara, de difícil
diagnóstico, denominada Síndrome de Stevens Johnson (forma grave de eritema
multiforme, caracterizada por sintomas constitucionais e pronunciado
comprometimento da conjuntiva e da mucosa bucal) – Dúvida que remanesce, pois a
ingestão de outras drogas pode induzir o surgimento da patologia – Negligência,
imprudência ou imperícia não comprovadas – Ação desacolhida – Recurso
improvido. (TJSP – 16.ª Câm. – Ap. Cível n.º 269.166-2-SP; Rel. Des. Soares
Lima; j. 21.11.1995; v.u.) JTJ 177/90

INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil – Erro médico –
Lesões sofridas por paciente após ministração de medicamento – Nexo de
causalidade e culpa do médico não comprovados – profissional, ademais, que
assume uma obrigação de meio e não de resultado – Ação improcedente – Recurso
não provido
.

Ementa oficial: Responsabilidade civil – Médica – Alegada ministração
de tratamento inadequado – Obrigação de meio – Nexo de causalidade e conduta
culposa não demonstrado – Improcedência – Recurso improvido. (TJSP – 2.ª Câm.
de Direito Privado; Ap. Cível n.º 247.940-1-Fartura-SP; (Rel. Des. Corrêa Lima;
j. 16.04.1996; v.u.) JTJ 183/86.

INDENIZAÇÃO – Erro médico – dano moral e
estético – Verba não devida se deferido o pedido de pagamento de despesas
relativas à futura cirurgia corretiva – recurso desprovido.

Ementa Oficial: Indenização. Erro médico. Culpa grave. Honorários
profissionais. Dano estético e moral.

Em
se tratando de pedido de indenização por cirurgia plástica malsucedida, provada
a culpa, fica o profissional obrigado a restituir ao paciente os honorários,
bem como a reparar os danos decorrentes do erro médico.

Se
em ação de indenização houve pedido de reparação pecuniária por danos morais e
estéticos decorrentes de defeitos da cirurgia e outro para pagamento de
despesas com futura cirurgia corretiva, atendido a este, inadmissível será o
deferimento do primeiro. (TAMG – 4.ª Câm.; Ap. Cível n.º 11.111-3; Rel. Juiz
Macêdo Moreira) RJ 231/148


Informações Sobre o Autor

Eduardo Chiari Gonçalves

Graduado em Direito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande/RS, Advogado e Especializando em Processo Civil.


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