Direitos e Justiça procedimental imperfeita

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Resumo: A idéia de que um sistema político justo deva respeitar os direitos básicos das pessoas pertence aos fundamentos de grande parte das nossas concepções filosóficas da justiça. Entretanto, esta ainda é uma idéia controvertida. Analisar brevemente as principais correntes filosóficas que tratam deste tema é o principal objetivo deste trabalho.

Sumário: 1) Introdução. 2) Questões Conceituais: 2.1. A tese de que os direitos são metaeticamente neutrais; 2.2. A tese de que o direito é (parcialmente) neutral do ponto de vista da ética normativa; 2.3. Algumas observações sobre o conceito de direitos morais. 3) Direitos morais versus direitos constitucionais. 4) A democracia constitucional: um caso de justiça procedimental imperfeita. 5) A circunstância da primazia da constituição. 6) Conclusão: o perímetro do coto vedado.

1) Introdução*1

A idéia de que um sistema político justo deva respeitar os direitos básicos das pessoas pertence aos fundamentos de grande parte das nossas concepções filosóficas da justiça. Entretanto, esta ainda é uma idéia controvertida. Algumas concepções filosóficas negam este privilegiado lugar aos direitos. Por algumas razões diversas, Jeremy Bentham, Edmund Burke e Karl Marx buscaram negar, desde um ponto de vista teórico, a centralidade dos direitos na concepção da justiça[1]. Os direitos eram para Bentham, nada mais que “nonsense upon stils”[2]; uma crítica que, sob base filosófica diferente, permeia os escritos de autores comunitaristas, críticos das concepções liberais da justiça[3]. Assim, Alasdair MacIntyre afirma que em realidade os direitos não existem e que acreditar neles é como acreditar em bruxas ou unicórnios.

Obviamente, a crítica deste autor, não se refere aos direitos legais, conferidos por normas jurídicas, mas sim, aos direitos naturais ou humanos, que os jusnaturalistas racionalistas introduziram na discussão da filosofia moderna. Não é esta polêmica, de todos os modos, que constituirá o objeto do presente trabalho. Presumirei, de uma maneira que mais adiante especificarei melhor, que a proposição que reconhece direitos humanos a todas as pessoas possui significação verdadeira e que tal proposição é verdadeira se determinados princípios ou regras fazem parte da teoria da justiça que assumimos como quadro de referência.

A questão a que me refiro é a seguinte: se ao aceitarmos uma teoria da justiça que confere direitos fundamentais estaremos comprometidos em aceitar alguma conseqüência na estrutura da nossa instituição política? E em particular:

(i) Devemos delinear a estrutura política da sociedade de modo que pelo menos alguns destes direitos fundamentais conservem-se protegidos em um Bill of Rights que goze de primazia sobre a atividade legislativa ordinária?

(ii) Que lugar, devem ter os órgãos jurisdicionais na proteção dos direitos fundamentais estabelecidos no Bill of Rights?

A resposta dos teóricos liberais a estas duas perguntas é a seguinte: para aquele que considera a (i) sustenta-se que a decisão da maioria e portanto, a soberania parlamentar, deve ser limitada pelos direitos constitucionalmente protegidos (sabemos e podemos ter inclusive outros aspectos do desenho constitucional que não estão sujeitos as decisões democráticas); para aquele que  considera a (ii) sustenta-se que algum tipo de controle jurisdicional de constitucionalidade deva ser estabelecido, seja este um controle difuso realizado por todos os juízes (como na prática constitucional norte-americana), ou um controle concentrado confiado a um só órgão (como no sistema de inspiração kelseniano, adotado em muitas democracias da Europa continental). Nos últimos anos esta resposta tem sido posta em discussão. Por isto que a consideração a (ii), tem ocupado grande parte da discussão norte-americana sobre o mecanismo do judicial review e a considerável objeção antimajoritária.[4] Recentemente, também a (i) tem sido discutida – geralmente com argumentos críticos vinculados a crítica da (ii); assim, por exemplo, através de uma proposta de um Bill of Rights  para o Reino Unido[5] como parte integrante de uma profunda revisão constitucional. Jeremy Waldron,[6] elaborou uma crítica ao desenho institucional da tutela constitucional dos direitos, sob uma perspectiva liberal-democrática da justiça, que aceita princípios que conferem direitos fundamentais. Alguns aspectos desta crítica são aceitos também por Carlos Bayón[7] e Roberto Gargarella[8].

Com base nesta crítica, advogo que: ao aceitar uma teoria da justiça que contenha princípios que estabeleçam direitos fundamentais, tenho fortes razões para que pelo menos alguns destes direitos se transformem em um desenho institucional justo, em direitos  constitucionais com certa primazia sobre as decisões legislativas ordinárias. Tenho também, fortes razões para confiar a outros órgãos jurisdicionais, alguns aspectos da proteção destes direitos constitucionais.

Meus argumentos serão desenvolvidos da seguinte forma. No tópico  2  trato de mostrar que as idéias que defendo são neutrais com respeito a meta-ética adotada, que são também neutrais com respeito à ética normativa que fundamenta a teoria da justiça. Pactuo que tal teoria da justiça inclua princípios que estabeleçam direitos e que os meus argumentos independem de um conceito concreto de direitos morais ou humanos. Na terceira parte deste artigo,  apresentarei os argumentos que criticam a idéia da primazia do direito constitucional seguindo fundamentalmente a Waldron. No tópico 4, seguindo a Rawls, apresentarei um modo para transitar da teoria da justiça ao desenho da instituição política fundamental. No tópico 5, buscarei mostrar como tal mecanismo de transição justifica  a tese da primazia dos direitos constitucionais  e que conteúdo mínimo devam conter a fim de que os órgãos jurisdicionais protejam tal primazia. Por fim, no tópico 6, contestarei algumas críticas as idéias que apresento neste artigo.

2) Questões Conceituais

2.1. A tese de que os direitos são metaeticamente neutrais

Freqüentemente os defensores dos direitos humanos afirmam que tais direitos possuem uma espécie de existência objetiva. Ou bem porque eram conceituados como faculdades morais que residem na natureza humana, ou bem porque eram concebidos como outorgados por princípios ou normas morais, cuja validade objetiva vinha dada pela razão humana. Mas para as teses que penso defender não é necessário assumir um empenho ontológico forte. Pode argumentar-se que os princípios que estabelecem direitos são somente propostos ou adotados por determinada teoria moral que trata de reconstruir  nossas intuições e práticas morais. Assim, J. L. Mackie, notório não-cognitivista em matéria moral[9],  manifesta-se:

“It is true that rights are not plausible candidates for objective existence. But neither are goods or intrinsic goals, conceived as things whose nature itself requires that they should be pursued, or duties taken as intrinsic requirements, as constituting something like commands for which there need be, and is, no commander, which issue from no source. A belief in objective prescriptivity has flourished within the tradition of moral thinking, but it cannot in the end be defended. So we are not looking for objective truth or reality in a moral system. Moral entities – values or standards or whatever they may be – belong within human thinking and practice: they are either explicitly or implicitly posited, adopted, or laid down. And the positing of rights is more obscure or questionable than the positing of goals or obligations”.[10]

Segundo esta concepção, a verdade de uma proposição moral do tipo “as crianças tem direito a não serem torturadas” depende do fato de que uma norma ou princípio de uma teoria moral, estabeleça que as crianças têm o direito à não serem torturadas, como princípio fundamental ou derivado daquela teoria. O fundamento desta teoria   permanece nesta apresentação nebuloso. Para alguns, as teorias morais podem ser comparadas com uma determinada realidade moral; para outros, as teorias morais são construídas ou projetadas sobre o mundo. Os meus argumentos não tem necessidade de acolher nenhuma posição a respeito desta discussão meta-ética (mesmo assim, quero acrescentar, que meu posicionamento é, sobre este ponto, não-cognitivista).

Qualquer um pode sustentar que as concepções não-cognitivistas  são incapazes de capturar a característica central das teorias dos direitos humanos, ou seja, a universalidade do direito. Esta crítica é persuasiva se a universalidade pressupõe qualquer espécie de validade objetiva; pois bem, que os direitos humanos são universais será aqui  pactuado no sentido que estes direitos se atribuem, na teoria,  a todos os seres humanos pelo simples fato de sê-lo.[11] Neste sentido, e de acordo com a teoria, são universais.

2.2. A tese de que o direito é (parcialmente) neutral do ponto de vista da ética normativa

O meu argumento não precisa aderir a uma teoria normativa concreta que estabeleça direitos. De fato, o meu argumento é compatível com todas as éticas normativas que contenham regras que estabeleçam direitos. Persistem excluídas somente aquelas concepções da justiça que não deixam algum lugar para os direitos. Como por exemplo, alguma forma particularmente extrema de utilitarismo para o qual a correção moral da ação depende unicamente da conseqüência de uma ação individual respeito a qualquer fim coletivo – como, por exemplo, a felicidade coletiva, a maximização da preferência -; ou, alguma forma de comunitarismo, para a qual a linguagem da moral é a linguagem da virtude que permite ao indivíduo realizar-se em uma comunidade determinada onde à linguagem dos direitos é concebida como uma  perversão iluminista da linguagem moral.

Pois bem, o meu argumento não exclui aquelas teorias da justiça que não estão fundadas sobre direitos, mas sobre deveres ou sobre objetivos, sempre que  estas teorias contenham regras que conferem direitos, ainda que estas regras sejam derivadas de outros princípios fundamentais que estabeleçam deveres ou objetivos  por realizar. Como é notório, Ronald Dworkin[12] propôs uma classificação das teorias políticas em: teorias fundamentadas sobre objetivos, teorias  fundamentadas sobre deveres e em teorias fundamentadas sobre direitos. Aquelas baseadas sobre objetivos tem como princípio fundamental, a realização de qualquer objetivo coletivo, como por exemplo, o bem-estar geral. As teorias baseadas sobre deveres tem como princípios fundamentais algumas normas que estabeleçam o que devemos fazer. As teorias baseadas sobre direitos tem como princípios fundamentais algumas normas que conferem direitos fundamentais. O utilitarismo é, por exemplo, um caso de teoria fundamentada sobre objetivos. A moral kantiana é um exemplo de teoria fundamentada sobre deveres. A teoria da justiça de Rawls é um bom exemplo, de teoria fundamentada sobre direitos. Tentarei mostrar ainda, as razões pelas quais o meu argumento não necessita impregnar-se com nenhuma destas concepções.[13]

Ainda que as teorias utilitaristas não possuam entre seus fundamentos princípios que estabeleçam direitos, é possível que tais princípios sejam derivados do interior da própria teoria. L. W. Sumner entende que o fundamento mais adequado para os direitos encontra-se em uma versão particular do utilitarismo, e escreve:

“A consequentialist theory of rights tells us that a right is genuine just in case the social policy of recognizing it in the appropriate rule system in the best means of promoting some favoured goal”.[14]

O mesmo sucede com as teorias fundamentadas sobre deveres. É possível que se argumente que o direito a não ser torturado não seja fundamental para esta teoria, e que nem se quer, tal direito  seja fundamentado sobre outros direitos como os da integridade física ou psíquica; dado que, para esta teoria, o fundamento último deste direito não se encontra no interesse fundamental a não ser torturado da pessoa que pode sofrer a tortura, mas no fato de que a tortura degrada o torturador, elimina a sua humanidade, e mina a sua integridade como ser racional.[15] A moral kantiana é um caso particularmente claro de teoria fundamentada sobre deveres, observa-se que  o próprio dever é preliminar e fundador, tanto que prevalece sempre sobre a consideração dos objetivos e inclusive dos direitos. Como por exemplo, com o dever de dizer a verdade, sustentado por Kant.[16]

Portanto, a questão de saber que conseqüências acarretariam para o desenho da instituição política, a aceitação dos direitos na nossa teoria da justiça não depende do fato de que tal teoria seja fundamentada sobre direitos. Que os princípios que estabeleçam direitos sejam fundamentados na teoria (comporta-se como axioma), ou que sejam derivados de outros princípios mais fundamentais da teoria (comporta-se como teorema) é uma questão que não é necessária aclarar aqui. A única coisa relevante é que a teoria da justiça em questão seja capaz de acolher em seu seio princípios fundamentais ou derivados que estabeleçam direitos.

2.3. Algumas observações sobre o conceito de direitos morais

O argumento que apresento a respeito da proposição jurídica que atribui direitos tem conexão somente com uma análise como a seguinte.

Dado enunciado (1), “X tem um direito moral a fazer A”, (1) deve ser interpretado como:

(1’) “A concepção moral mais plausível, (CM)  atribui a X o direito de fazer A”.

CM pode ser uma teoria construída ou projetada pelos seres humanos, e não é necessário que seja uma teoria cujos princípios sejam verdadeiros objetivamente ou qualquer coisa de similar. Então, a discussão sobre fato de que X tenha ou não um determinado direito moral é em realidade, uma discussão sobre a plausibilidade de determinadas teorias morais. Desta forma, se alguém pensa que existe alguma CM que é objetivamente verdadeira, então para ele esta CM é a  mais plausível. Mas  isto não exclui os não objetivistas em matéria ética da discussão, um não objetivista pode seguir em desacordo a cerca  de que esta seja a concepção moral mais plausível. Portanto, o objetivista deverá oferecer argumentos morais para convencer o não objetivista que poderá replicar-lhe com outros argumentos morais. Isto mostra que a moral  é fundamentalmente uma questão de argumentação, e explica porque a crença na objetividade moral não tem muita relevância nas questões de ética normativa. O debate sobre a injustiça ou não da escravidão, por exemplo, mais que um debate relativo à existência de qualquer fato no mundo que tribute injustiça a escravidão, é um debate relativo a razoabilidade de proibir a escravidão.

Para esta concepção, a noção de direitos morais não é mais controvertida que a noção de direitos jurídicos. Que qualquer pessoa possua um direito legal significa que qualquer sistema jurídico lhe atribui direitos e em modo análogo, que qualquer pessoa possua um direito moral significa que qualquer sistema moral lhe atribui direitos morais.

Por este motivo, um aspecto da conhecida crítica de Bentham a noção de direitos naturais é que estes carecem de eficácia. Para Bentham, os direitos jurídicos são como um filho da norma jurídica: dado que não existem normas de Direito Natural, os direitos naturais são como um filho que nunca teve um pai. Às vezes, os direitos morais são concebidos metaforicamente como uma muralha contra a tirania, mas Bentham acrescenta que  a sombra desta muralha não é uma muralha, e que os direitos morais são como uma sombra sem muralha[17]. Agora bem, dado que a idéia de norma moral como é aqui apresentada, não questionável tampouco a noção de direitos morais o é.[18] Questão diferente, a que não me referirei aqui, é aquela de Bentham que pensava que a noção de direitos morais era normativamente  perniciosa, porque estaria em conflito com a sua interpretação do princípio de utilidade[19].

Abandonada a idéia de que os direitos possam ser criados somente a partir do direito positivo, resta-nos determinar que tipo de regras e como ditas regras (jurídica, moral ou de outro tipo) atribuem direitos. Uma notória análise dos direitos jurídicos pode ser de auxílio: refiro-me à análise de Wesley N. Hohfeld[20]. Esta análise de Hohfeld evidencia que o enunciado do tipo “X tem direito a A” é ambíguo, e pode referir-se a uma das seguintes situações (ou qualquer outra combinação):

(i) Pode ser que “X tem direito a A” signifique que “X não tem o dever em relação à outra pessoa Y (uma pessoa ou um conjunto de pessoas), de não fazer A”. Tendo presente que as proposições que atribuem direitos supõem sempre a existência de um sistema qualquer de regras, o enunciado “X tem direito a A” pode ser analisado assim:

(a) Não existe nenhuma regra no sistema S que proíbe  a  X  de  fazer  A.

Hohfeld denominou a este sentido  de possuir um direito “privilégio”, ou, como se costuma chamar um “liberty-right”.[21]

(ii) Mas é ainda possível que “X tem direito a A” seja convencionado como “Y (uma pessoa ou um conjunto de pessoas) tem o dever de fazer que X obtenha A”.  Às vezes, o dever de Y poderá consistir em omitir certa ação, outras, consistirá em cumprir certa ação. Então, dizer “X tem direito a alimentos no confronto com seu genitor” significa que “O genitor de X  tem o dever de fornecer os alimentos a X”. A análise comporta:

(b) Existe uma regra no sistema S que obriga a Y a fazer que X obtenha A (ou a não impedir que X obtenha A).

Esta posição é chamada por Hohfeld, “claim-right”. Os claim-rights são sempre correlacionados com os deveres de agir ou de omitir-se.

(iii) “X tem direito a A” pode ser entendido também no sentido de poder, de capacidade ou de competência, que X tem de produzir mudanças normativas. Assim “X tem direito a fazer testamento” significa que “X tem o poder de fazer testamento”. Coisa que pode ser resumida em:

(c) Existe uma regra que atribui a X a competência para testar. Este caso é chamado por Hohfeld de “power-right”[22]. Se qualquer um tem o poder normativo de fazer A, estaremos todos sujeitos a este poder.

(iv) Por fim, dizendo que “X tem direito A”  podemos indicar ainda que X é imune com respeito a Y (uma pessoa ou um conjunto de pessoas), ou seja, que Y não pode alterar a situação normativa de X em relação a A. Assim são, freqüentemente convencionados, os direitos constitucionais. O meu direito a expressar-me livremente não é somente um liberty-right (não são as regras que me proíbem de fazer), ou um  claim-right (não são as regras que obrigam a outros a não me impedir): em efeito, são as regras que declaram inválida a norma que me proíbe de fazer (portanto, as disposições legislativas). A análise requer qualquer coisa como:

(d) No sistema S são inválidas as regras que proíbem a X de fazer A.

Esta posição é chamada por Hohfeld “imunity-right”; e o seu correlato é uma ausência de poder (uma disability) por parte dos outros.

Os direitos morais, pelo contrário, parecem ter uma relação mais estreita com a categoria do claim-rights. Quando se empreende esta linha de análise, se deve outra vez, determinar qual é a relação entre o claim de X e o dever correlativo de Y. A propósito, duas são as concepções dominantes: aquela chamada “Choise Theory”[23] – que identifica o titular X do direito através do controle que tem sobre o  dever correlativo de Y – ,   e a “Benefit o Interest Theory”[24] – neste caso o dever correlativo de Y ao direito de X é fundado sobre qualquer interresse de X, qualquer aspecto do bem-estar de X é uma razão para impor o dever a Y.

Afortunadamente, não vou adentrar-me nesta polêmica.  Os direitos morais podem ter uma das posições hohfeldiana como, por exemplo, aquela de claim-right – segundo a teoria das decisões protegidas ou segundo a teoria dos interesses protegidos -, ou  podem ser os títulos que justificam possuir alguma destas posições[25]; ou bem, algo semelhante ao anterior, a justificação moral do fato de ter um direito convencional acordado como uma posição hohfeldiana[26]. Para o meu argumento é suficiente evidenciar dois aspectos que são comuns a todas estas análises de conceito dos direitos morais: (i) de uma parte, as proposições que atribuem direitos morais pressupõem a existência (encoberta ou  construída) de qualquer sistema de regras morais, e (ii) o fato de atribuir determinados direitos morais às pessoas é uma razão que justifica atribuir-lhes determinados direitos institucionais.

3) Direitos morais versus direitos constitucionais

Jeremy Waldron apresenta a tese contrária a supremacia dos direitos constitucionais e a introdução de um controle jurisdicional de constitucionalidade com as seguintes palavras:

“(…)“[…] there is no necessary inference from a right-based position in political philosophy to a commitment to a Bill of Rights as a political institution along with an American-style practice of judicial review[27].

Waldron não tenta somente defender esta tese negativa, mas também a tese positiva de que existem razões morais para não assumir compromisso algum com a defesa dos direitos e para refutar o controle jurisdicional de constitucionalidade.

Seus argumentos podem ser apresentados da seguinte forma:

(i) em primeiro lugar, ter um direito moral a algo não implica que se deve ter um direito legal a este. Waldron sugere  a possibilidade  de que, por exemplo, um amigo meu tenha um direito moral a que lhe  revele uma informação importante para ele e me diga “tenho direito a saber”, sem apelar a nenhuma norma jurídica[28].  Concedo este ponto sem necessidade de argumentar. Mas de aqui se deduz somente que ter um direito moral nem sempre implica em ter um direito legal. Somente alguns direitos morais possuem correlatos em nosso ordenamento jurídico: aqueles que possuem uma relação com o desenho justo da nossa instituição política.

Sem embargo, também para este último caso a inferência parece questionável. Assim, segundo Waldron[29]:

(1) que X tem um direito moral com A,

não implica necessariamente

(2) que X deve (moralmente) ter um direito legal com A.

Implica, ao contrário, qualquer coisa relativa ao direito. Implica presumivelmente:

(3) O direito deve ser tal que X obtenha A[30].

Agora bem, tomando-se em consideração a análise hohfeldiana, é óbvio que – como reconhece o mesmo Waldron – (3) pressupõe a existência de qualquer regra que atribua a X qualquer posição hohfeldiana. Esta posição hohfeldiana vem, habitualmente, unida a  titularidade de uma ação de procedimentos de X com respeito a  A. É certo que, em alguns casos de escassez de recursos em políticas de bem-estar social, o direito – em vez de outorgar ações processuais  individuais – concede uma limitada discricionalidade ao poder administrativo para gestionar da maneira mais eficiente possível esses recursos. Mas isto não significa que X não tenha direito a A: significa, ao contrário, que o direito de X pode entrar em conflito com o direito de Y sobre o mesmo recurso, e justificando-se que Y possui maior necessidade do recurso que X, pode o poder administrativo destiná-lo a Y.

(ii) Mesmo Waldron não dá muito peso a primeira objeção, e se pergunta  se seria plausível sustentar que qualquer um que aderisse a (2) deveria aderir também a :

(4) X deve (moralmente) ter um direito constitucional a A.

Ou seja, o desenho da instituição política deve ser tal que X tenha um immunity-right com respeito a A: o que representa que o legislador carece de competência para abolir o direito de X sobre A. Os direitos constitucionais configuram o que Ernesto Garzón Valdés chamou de “coto vedado”*3, excluído da negociação e do compromisso parlamentar[31]. É a tese do “coto vedado” que Waldron  questiona e por  duas razões: (a) porque se este “coto vedado” não é reconhecido a nível constitucional, agora o defensor desta tese deve lutar por uma revisão constitucional muito custosa, ou, se já existe um Bill of Rights e um direito concreto não é reconhecido, agora deve-se lutar para uma revisão ou mais bem, para que seja reconhecido em via interpretativa; e, coisa agora mais importante, (b) porque a rigidez verbal que surge por  engessar os direitos em determinadas formas canônicas, como sucede nas cláusulas constitucionais que expressam o “coto vedado”, levam as discussões sobre  seu significado  longe de uma discussão moral aberta, transformando-as em discussões  escolásticas sobre o significado de determinados textos, assim, são um tipo de expressão, protegidos pela liberdade de expressão, a pornografia, ou os insultos raciais, ou a queima da bandera nacional um tipo de insulto?[32]

É óbvio que o mesmo ocorre quando direitos são reconhecidos a nível legislativo. Mas neste último caso, as deliberações jurisprudenciais podem ser eliminadas com uma mera revisão legislativa.

Querer defender constitucionalmente os direitos, acrescenta Waldron,[33] é um exemplo de desconfiança em relação aos demais   concidadãos. Uma desconfiança deste tipo não se coaduna com o respeito a autonomia dos demais que é próprio do fundamento para atribuir-lhes direitos.

iii) Este último elemento tem relação com uma outra conhecida questão: aquela relativa a quais são os direitos que devem ser inseridos no “coto vedado”. Trata-se de uma questão bastante controvertida na sociedade pluralista. O pluralismo e o desacordo são fatos que não podem ser ignorados na nossa teoria da justiça. A teoria dos direitos deve ser acompanhada de uma teoria da autoridade. Uma teoria em condição de determinar quem deve decidir em caso de desacordo. De nada serve afirmar que se as pessoas estão em desacordo relativamente a qualquer questão mas se tal desacordo deve ser resolvido utilizado-se a regra de maioria como instrumento de decisão, sempre que não sejam violados os direitos individuais[34]. Dado que o desacordo é sobre direitos, teremos agora necessidade de qualquer procedimento de decisão para resolver tal desacordo. A regra de decisão não pode ser “eleger a resposta justa”, justo porque não estamos de acordo sobre qual é a resposta justa. Devemos agora eleger entre um procedimento em que seja escutada a voz de todos, ou um outro – como o controle jurisdicional de constitucionalidade – onde prevaleça à voz dos membros de um Tribunal. Isto nos leva ao próximo ponto.

(iv) Confiar o “coto vedado” a um Tribunal (nos Estados Unidos a todos os Tribunais, e, em última análise, a Corte Suprema; em Espanha o Itália ao Tribunal Constitucional) não é aceitar – qualquer regra de decisão em caso de desacordo sobre possuir ou não X um direito fundamental a A seguinte regra: “X tem direito a A se este descende da melhor teoria da justiça”, assim, “X tem direito A – no caso italiano – é uma decisão da maioria do Tribunal Constitucional”[35]. Se adotarmos esta regra de decisão, ignoraremos o direito de todos de participar sobre decisões que influenciam sobre si mesmos. A participação de todos sobre as decisões públicas tem valor porque reconhece a dignidade, a autonomia e a capacidade de autogoverno de cada pessoa. Precisamente esta característica possibilita atribuir direitos morais a todas as pessoas. É óbvio que a democracia representativa, ao entregar as decisões ao Parlamento através da regra de maioria, não é um sistema democrático perfeito -mas a voz de todos tende a ser mais escutada que no caso em que se entrega a decisão a poucos.

Roberto Gargarella sublinha esta linha argumentativa insistindo sobre a origem conservadora e elitista da instituição do judicial review nos Estados Unidos e reivindica um peso maior para as decisões dos cidadãos em todas as questões de seu interesse[36].

Concluímos que pode ser sempre equivocado negar direitos morais a alguém mas não é nada de especificamente equivocado o fato que esta negativa parta da maioria dos cidadãos. Uma reflexão que Waldron contempla do seguinte modo:

“In the end, I think, the matter comes down to this. If a process is democratic and comes up with the correct result, is does no injustice to anyone. But if the process is non-democratic, it inherently and necessarily does and injustice, in its operation, to the participatory aspirations of the ordinary citizen. And it does this injustice, tyrannizes in this way, whether it comes up with the correct result or not”.[37]

4) A democracia constitucional: um caso de justiça procedimental imperfeita.

John Rawls[38] distinguiu três tipos de justiça procedimental: a justiça procedimental pura, a justiça procedimental perfeita e a justiça procedimental imperfeita. No caso da justiça procedimental pura, consideramos justo um resultado porque seguiu um determinado procedimento: não dispomos neste caso de nenhum critério independente para julgar  a justiça do resultado. O resultado de um jogo de azar, por exemplo, um jogo de cartas, é justo se foram seguidas as regras que definem o procedimento do jogo mesmo: não dispomos de nenhum critério independente da própria regra procedimental para valorar a justiça do resultado. Os princípios de justiça selecionados  na posição originária são, assim como estes, um caso de justiça procedimental pura: são princípios adequados porque são aqueles que elegeríamos se seguíssemos a regra que configura a posição originária. Conforme Rawls:

“Thus, rational autonomy is modelled by making the original position a case of pure procedural justice. That is, whatever principles the parties select from the list of alternatives presented to them are accepted as just. Put another way, following the idea that citizens themselves (via their representatives) are to specify the fair terms of their cooperation (and putting aside for the present the criterion of reflective equilibrium), the outcome of the original position yields, we conjecture, the appropriate of justice for free and equal citizens”.[39]

Na justiça procedimental perfeita, ao contrário, dispomos de um critério precedente e independente para estabelecer o que é justo, e o procedimento é delineado para assegurar que o resultado satisfaça o critério. Rawls dá o exemplo da divisão de uma torta. Se aceitamos que o resultado justo seja o de que cada pessoa receba uma igual porção (supondo que a consumação da torta seja racional) podemos estabelecer que o procedimento para alcançar tal resultado seja o de que aquele que corta a torta,  receba a última porção.

Também no caso da justiça procedimental imperfeita, dispomos de um critério independente para valorar a justiça do resultado, ainda que não seja possível individualizar um procedimento que nos assegure alcançar resultados justos em todos os casos. Rawls ilustra este caso com um exemplo do processo penal. O resultado desejado é que o acusado seja declarado culpado se e somente se, cometeu o delito pelo qual é julgado. Parece ainda impossível designar a norma jurídica de maneira que sempre se alcance o resultado correto. Desafortunadamente, os casos de justiça procedimental perfeita são raros principalmente quando estão em jogo questões de grande interesse prático, portanto, devemos nos contentar com a justiça procedimental imperfeita.

Agora bem, os procedimentos que delineamos para  tomar decisões no interior das nossas instituições políticas são um caso de justiça procedimental pura, ou um caso de justiça procedimental  imperfeita (supondo que estamos de acordo que não se trata neste caso, de hipótese de justiça procedimental perfeita)?

A democracia – entendendo por democracia um procedimento de decisões mediante a regra de maioria – é um sistema que apresenta muitas vantagens respeito a qualquer outra alternativa disponível. A democracia, representativa ou direta, tem uma alta consideração com a voz de todos quando se trata de tomar decisões públicas. Não obstante, a regra de maioria, não pode ser pactuada como um caso de justiça procedimental pura para aquela concepção da justiça que reconhece princípios que atribuem direitos. É sempre possível que uma decisão tomada pela maioria viole qualquer um dos direitos da pessoa que a teoria da justiça reconhece. De fato, os procedimentos políticos são sempre, para a teoria da justiça que reconhece direitos, hipóteses de justiça procedimental imperfeita. Isto ocorre porque de um lado, existe um critério independente para estimar o resultado correto -os princípios de justiça estabelecidos pela teoria-, e, de outro, há inexistência  de um procedimento político que garanta alcançar um resultado justo. Rawls assim sinaliza:

“In fact, there is no scheme of procedural political rules which guarantees that unjust legislation will be not enacted. In the case of a constitutional regime, or indeed of any political form, the idea of perfect procedural justice cannot be realized. The best attainable scheme is one of the imperfect procedural justice”.[40]

Destarte, o problema que devemos resolver é o de como delinear procedimentos políticos que assegurem, na maior medida possível, resultados que estejam de acordo com os princípios de justiça[41].

Supondo a exclusão de determinada forma de democracia direta no estado puro, por razões bem conhecidas, restam agora duas possibilidades: (a) ou pensamos que qualquer tipo de democracia representativa – com (pelo menos) uma câmara eleita pelos cidadãos que tome todas as decisões sobre quaisquer questões através da regra de maioria – seja aquela que realizará com maior probabilidade resultados justos (trata-se  do às vezes denominado,  “modelo de Westminster”[42]), ou bem, estabelecemos algumas restrições sobre decisões que devam ser tomadas através da regra de maioria, deixando fora do âmbito de aplicação de tais regras algumas questões (trata-se do sistema chamado “democracia dualista”)[43].

Uma das formas mais atraentes de defender o modelo monista de democracia é através da tese do valor epistêmico da democracia. Segundo Carlos S. Nino:

“(…) a democracia, através da discussão e da decisão majoritária que são inerentes ao processo democrático, tem um valor epistemológico, ou seja, é uma via apta para chegar a soluções que tem uma maior probabilidade de serem moralmente corretas que as soluções que se ditam através de outros procedimentos. Isto é assim, porque a discussão generalizada, ampla, aberta e a decisão majoritária promovem procedimentos que tendem a imparcialidade e ao conhecimento dos fatos relevantes, porque faz com que todos ou uma boa parte da população conheçam através do processo democrático, quais são os interesses em conta para lograr formar coalizões majoritárias e que estas coalizões não se rompam baixo a pressão de outros grupos.”[44].

Mas também Nino acrescenta que desta mesma justificação da democracia surge um limite aos órgãos majoritários: a maioria não é legitimada para decidir sobre as restrições de condições e sobre pressupostos que restituam ao procedimento democrático um mecanismo apropriado a alcançar soluções corretas[45].  Agora bem, também este argumento é refutado por Waldron, porque afirma que as verdades relativas da participação e do procedimento são tanto complexas, como discutíveis, como qualquer outra questão política, e acrescenta:

“People disagree about how participatory rights should be understood and about how they should be balanced against other values. They have views on constitutional boundaries, proportional representation, the frequency of elections, the funding of parties, the relation between free speech and political advertising, the desirability of referendums, and so on. Respect for their political capacities demands that their voices be heard and their opinions count on these matters, as much as on any matter. Honouring self-government does not stop at the threshold from substance to procedure”. [46]

Creio que sobre este ponto Waldron tem razão. Se não se justifica situar no “coto vedado” dos direitos constitucionais os, digamos assim, direitos substanciais porque ao atrincheirar-los estaríamos ignorando a importância decisiva da deliberação democrática, cabe a mesma afirmação para os direitos procedimentais de participação política. Vale a pena, portanto, analisar a nossa segunda alternativa: o modelo da democracia dualista, pactuada como “coto vedado”, mais a regra da maioria.

Analisarei agora como se pode definir uma seqüência que conduz a um modelo como aquele da democracia dualista, ou, como também é chamada, de democracia constitucional.

Rawls[47] imagina uma seqüência em quatro estágios para decidir questões de justiça por parte do ser racional. O primeiro estágio consiste na posição originária, na qual se selecionam dois princípios de justiça. No segundo estágio se estabelecem as normas constitucionais que asseguram o princípio de igual liberdade para todos. O terceiro estágio tem, como objetivo, a seleção da regra legislativa conforme os princípios de justiça (respeitando os direitos protegidos do segundo estágio, as decisões devem conformar-se ao princípio de diferença). O quarto estágio é aquele da aplicação da regra geral aos casos individuais por parte dos órgãos de aplicação. Cada um destes estágios pressupõe um progressivo alçar o véu de ignorância que, de uma parte, permite articular a norma adequada em concreto por toda a sociedade, e da outra, permite fazer deste um modo justo, dado que em todos os estágios devem ser respeitados os princípios de justiça.

Agora interessa a passagem do primeiro ao segundo estágio. Segundo Rawls, é importante que os cidadãos estabeleçam um acordo sobre quais são os elementos essenciais que vão incluir no nível constitucional.  São de dois tipos:

“a. Fundamental principles that specify the general structure of government and the political process: the powers of the legislature, executive and judiciary; the scope of majority rule; and

b. Equal basic rights and liberties of citizenship that legislative majorities are to respect: such as the right to vote and to participate in politics, liberty of conscience, freedom of thought and of association, as well as the protections of the rule of law”.[48]

Rawls esclarece que o princípio que protege os princípios fundamentais e a liberdade, o “coto vedado”, deve ser distinto do princípio que se refere a desigualdade social e econômica. Ambos são princípios de justiça, mas enquanto o primeiro defende a liberdade de locomoção, a livre eleição de trabalho, e o direito a um mínimo social que satisfaça as necessidades fundamentais dos cidadãos, não chega a defender o princípio de igualdade de oportunidades e o princípio de diferença. As razões de Rawls para traçar esta distinção são: a) os dois tipos de princípios individuais funcionam de forma diferente na estrutura fundamental; b) é mais importante determinar os elementos essenciais que influem sobre a liberdade fundamental; c) é mais fácil verificar se estes elementos essenciais foram satisfeitos; d) é muito mais fácil estabelecer um acordo sobre direitos fundamentais e sobre a liberdade se os apresentamos em sua linha geral e não de detalhes[49].

A conclusão é óbvia:

“[…] Constitutional democracy is dualist: it distinguishes constituent power from ordinary power as well as the higher law of the people from the ordinary law of legislative bodies. Parliamentary supremacy is rejected”.[50]

Neste modelo a soberania não reside no parlamento (o parlamento não é competente sobre tudo) mas no poder constituinte. A constituição, elaborada pelo poder constituinte, é a expressão da vontade deste poder soberano. O poder legislativo, bem como, o poder executivo e judiciário são tais porque foram criados pelo constituinte e tem como limite, entre os outros, o “coto vedado”, que protege os direitos constitucionais. Sozinho este poder constituinte confere a um poder constituinte derivado a revisão da constituição (ainda quando seja possível, como faz a Lei Fundamental Alemã, proteger alguns direitos para sempre). Neste sentido, a democracia não é uma forma de governo, é mais bem, uma forma de soberania[51].

Neste modelo, a regra de maioria é o sistema de decisão confiado ao corpo legislativo com as restrições estabelecidas sobre os elementos essenciais da constituição. Neste âmbito, e com as restrições sinalizadas, a tese do valor epistêmico da democracia retoma vigor. Como sugere Rawls, se as leis votadas se situam no interior daquilo que  seria razoavelmente emanado pelo legislador racional que tende a seguir os princípios de justiça, agora a decisão da maioria é praticamente dotada de autoridade, ainda que não de um modo definitivo. A situação é aquela de uma justiça procedimental quase pura[52].

Rawls, contudo, não trata de sustentar que a democracia constitucional seja superior ao modelo de democracia monista, por uma razoável concepção política da justiça. Sugere que esta questão depende da condição histórica, da cultura política e da instituição política concreta de cada país[53].

No próximo parágrafo procurarei argumentar a favor da existência de razões para preferir o modelo da democracia constitucional ao modelo da democracia monista.

5) A circunstância da primazia da constituição[54]

É possível, a meu parecer, oferecer uma explicação para a primazia da constituição, respeito ao resto da legislação, tal que se justifique a instituição de um “coto vedado” para proteger os direitos constitucionais da atividade legislativa ordinária.

Em realidade a democracia representativa, ora pactua como um método de decisão mediante o voto da maioria, estando em contradição com a idéia da primazia da constituição; ora pactua como restrição ao conjunto de decisões que podem tomar a maioria. Para Elster, trata-se do denominado paradoxo da democracia, Segundo o qual: “each generation wants to be free to bind its successors, while not being bound by its predecessors”.[55]

Jon Elster elaborou uma analogia entre determinados mecanismos do que denomina a racionalidade imperfeita – de carácter individual – e o caso do paradoxo da democracia. O exemplo usado por Elster é aquele de Ulisses e as sereias. Como é conhecido, Ulisses, sabendo-se incapaz de comportar-se racionalmente quando escutava os cantos das sereias, mas querendo igualmente satisfazer seu desejo de  escutar aqueles cantos, idealizou uma estratégia que consistia em fazer com que os marinheiros do seu barco o amarrassem junto ao mastro tapando-lhe os ouvidos com cera. Ulisses não era um ser completamente racional, pois um ser racional não necessitaria apelar a este recurso. Mas tampouco, era um instrumento passivo e irracional dos seus vulneráveis caprichos e desejos, pois era capaz de alcançar, através de meios indiretos, o mesmo fim que uma pessoa racional poderia alcançar de maneira direta. Sua situação – ser vulnerável, e saber-se – é o que o impulsionava a criar instrumentos de racionalidade imperfeita com o objetivo de superar a própria fragilidade da vontade. 56

Este mecanismo de Ulisses é um mecanismo de “pré-compromisso”, um modo de vincular-se a si mesmo. E vincular-se a si mesmo equivale a assumir uma certa decisão no tempo t1 para aumentar a possibilidade de assumir uma outra no tempo t2.

Mecanismos de pré-compromisso são usados pelos seres humanos em múltiplas situações de debilidade da vontade: como por exemplo, em estratégias para deixar de fumar (passar mais tempo em lugares onde não existam cigarros a disposição), para emagrecer (não ter em casa, ou no lugar onde se transcorra a maior parte do tempo, os alimentos que mais desejamos), etc. Vincular-se a si próprio, nestas situações, consiste em excluir determinadas decisões futuras, para preservar uma decisão passada que se valora positivamente.

A analogia com os mecanismos de decisão coletiva consiste em sugerir que também para as decisões coletivas vale o pré-compromisso: excluir a possibilidade de tomar determinadas decisões no futuro para preservar o conteúdo dotado de valor especial. Pode-se assim, compreender a habitual distinção na teoria política, entre o poder constituinte e o poder constituído. Novamente seguindo a Elster:

“Only the constituent assembly is a political actor, in the strong sense of la politique politisante; all later generations are restricted to la politique politisée, or to the day-to-day enactment [i.e., acting-out or implementation] of the ground rules”.57

A idéia do pré-compromisso vem adequadamente expressada na idéia da democracia constitucional. Determinadas matérias (os direitos fundamentais, a estrutura territorial do Estado, a divisão dos poderes, etc) estão fora da agenda política cotidiana, e portanto, dos debates público e legislativo: não estando sujeitos  a regra de maioria, que vale somente para a agenda política das questões restantes.

O mecanismo do pré-compromisso pode ser configurado como uma explicação contextual da primazia constitucional. Tal mecanismo separa as circunstâncias que podemos denominar de primazia da constituição, de forma semelhante a como, por exemplo, a escassez moderada pertence ao que pode denominar-se de circunstâncias de justiça, em David Hume[58]. Estas circunstâncias não fazem parte de uma explicação conceitual da noção de justiça, mas constituem o contexto em que esta explicação deve ser produzida.

Se as decisões coletivas são suscetíveis de serem influenciadas pela debilidade da vontade concorrente, é razoável agora pensar em introduzir mecanismos procedimentais para tomar decisões que introduzam a racionalidade indiretamente. De outro lado, se a nossa teoria da justiça estabelece direitos individuais, podemos agora delinear mecanismos aptos para assegurarem o respeito a tais direitos. O coto vedado dos direitos constitucionais é, portanto, justificado como um mecanismo de pré-compromisso para as nossas decisões coletivas. Podemos argumentar agora que a cultura dos direitos pode ser vigente em uma sociedade e modelar as suas decisões coletivas sem que seja necessário proteger os direitos em um Bill of Rights. Mas é um fato que a sociedade humana, em certas circunstâncias, trata de oprimir a minoria negando os direitos individuais de seus membros. É óbvio que a existência de um Bill of Rights não é um muro suficiente contra a tirania, mas constitui um instrumento capaz de obstaculizar aquelas decisões que violam direitos. Os mecanismos de pré-compromisso são criados para ampliar a probabilidade de chegar aos resultados desejados, e se tais mecanismos funcionam nas decisões coletivas, teremos boas razões para introduzi-los no desenho da nossa instituição política. A democracia constitucional representa um modelo adequado de incorporação de tais mecanismos.

Até este momento, nada foi dito sobre o controle jurisdicional de constitucionalidade. A razão para dispor deste instrumento me parece separada da razão que justifica a garantia do coto vedado para os direitos fundamentais. O coto vedado dos direitos aumenta a probabilidade que as nossas decisões democráticas sejam justas, e como tentei mostrar, não somente é compatível com a idéia de democracia, mas corresponde ao modelo de democracia mais adequado a uma teoria da justiça que garanta os direitos fundamentais. Agora bem, que o controle jurisdicional de constitucionalidade seja um instrumento adequado para assegurar o coto vedado dos direitos depende de considerações contingentes e estratégicas. Em algumas sociedades e em alguns momentos, o mecanismo de controle da constitucionalidade pode ser adequado para aumentar a probabilidade que as decisões coletivas sejam justas; em outra sociedade, ou em outro momento, pode favorecer a minoria elitista desejosa de manter o seu status quo. A conveniência do mecanismo de controle jurisdicional de constitucionalidade depende portanto, de circunstâncias históricas e contingentes.

De fato, existem claros exemplos de constituições com declarações de direitos que não possuem controle jurisdicional de constitucionalidade[59]. A inexistência de controle jurisdicional de constitucionalidade não é um motivo para que a constituição e a declaração de direitos nela contido, não possuam valor político. Segundo Ronald Dworkin, por exemplo, esta foi uma possibilidade da prática constitucional norte-americana (uma possibilidade que o juiz Marshall, segundo Dworkin, afortunadamente eliminou no caso Marbury vs. Madison): “It does not follow as a matter of iron logic that the Supreme Court should have the power to decide when these limits have been transgressed. For the constitution might have been interpreted as laying down directions to Congress, the president, and state officials that these officers had a legal as well as a moral duty to follow, but making them their own judges. The Constitution would then have played a very different and much weaker role in American politics: it would have served as a background for political arguments among different institutions about the limits of their constitutional jurisdiction rather as a source of the authority of one of these institutions, the courts, to fix those limits for the rest”.[60]

Que a última palavra tenha o legislativo não significa que os argumentos constitucionais não possuam valor. Se os argumentos da minoria parlamentar são o de que um determinado projeto de lei viola a direitos, agora –presumivelmente- tais argumentos terão mais força que se não fosse assim. Se para reformar a declaração de direitos é necessário uma maioria qualificada, o argumento da minoria pode ser direto e mostrar que é indispensável o acordo desta maioria para efetuar a mudança. Que este mecanismo de controle seja insuficiente depende, a meu parecer, da cultura política na qual se opera.

Neste sentido, Joseph Raz distinguiu entre a cultura política básica de uma sociedade que a distribuição do poder (a divisão dos poderes, o sistema federal) e alguns princípios fundamentais referidos aos direitos e ao deveres dos indivíduos e do governo e regras mais detalhadas e contingentes. Por isto, é também aconselhável, proteger a estabilidade da cultura política básica mediante alguns instrumentos institucionais que a isole em alguma medida das pressões da política cotidiana. Este trabalho pode ser confiado, segundo Raz, a uma outra câmara legislativa, ou a um órgão judicial, ou a pressuposições relativas a interpretação da lei, por parte dos juízes – deste modo Raz acredita que se protegem os direitos fundamentais no Reino Unido- ou, acrescento eu, através da possibilidade que um certo número de pessoas possam colocar em movimento os mecanismos para encaminhar um referendum sobre uma lei que é considerada inconstitucional. De todos os modos, conclui Raz: “constitutional rights contribute to this process. They are part of the institutional protection of the basic political culture of society”.[61]

Não obstante, creio que sobre alguns  aspectos a função dos juízes é imprescindível. É bem notório que os direitos morais não são direitos absolutos, mas direitos prima facie, dado que  os direitos mesmos entram  em conflito (por exemplo, o direito de A a liberdade de expressão entra em conflito com o direito de B a privacy)[62]. Talvez seja possível estabelecer um tipo de ordenamento hierárquico entre os direitos capaz de regular quase todos os conflitos surgidos entre casos individuais. E se não desejamos converter a assembléia legislativa em órgão jurisdicional, devemos reconhecer que estes conflitos devem dirimir os juízes. Se os direitos fundamentais não são protegidos constitucionalmente, o legislativo poderá mudar a direção desta jurisprudência mediante o voto de maioria; mas não poderá prever antecipadamente todos os possíveis casos de conflito. Talvez seja esta uma consideração óbvia mas  tendo-se em conta que muitas das decisões dos órgãos judiciais que controlam a constitucionalidade são deste tipo, devemos interrogar-nos sobre a legitimidade do controle de constitucionalidade. Nem sempre as decisões destes órgãos são contrárias as decisões da maioria, às vezes se limitam a resolver conflitos cuja a regra de maioria  não pode dar solução.

6) Conclusão: o perímetro do coto vedado

As conclusões deste trabalho serão sintetizadas de duas formas:

(i) Se aceita-se uma teoria da justiça que contém princípios que estabelecem direitos fundamentais, estamos agora vinculados a um desenho da nossa instituição política que aumenta a probabilidade de obter decisões que não violam tais direitos fundamentais. Dado que a proteção constitucional dos direitos fundamentais é um elemento necessário a este escopo temos boas razões para instituir um coto vedado de natureza constitucional para os direitos morais fundamentais.

(ii) O controle jurisdicional de constitucionalidade da lei não é um requisito nem necessário nem suficiente para a proteção dos direitos fundamentais. Não é portanto, um requisito necessário da instituição política justa. Pode ainda ser, em algumas circunstâncias, que este seja um elemento que torna mais difícil a proteção dos direitos fundamentais e, nestas circunstâncias, não temos razão para manter-lo. Agora bem, estas não são razões para pensar que seja um procedimento que deva ser sempre refutado.

Como demonstrei no terceiro tópico, Waldron refuta ambas as conclusões. Tratarei neste parágrafo de responder a algumas de suas objeções.

Waldron não distingue, a meu parecer, com clareza entre (i) e (ii). E, em concreto, usa algumas vezes argumentos que pode ter  certa força  contra (ii) como se também fossem válidos contra (i). Analisarei, contudo, em primeiro lugar, quais são os seus argumentos contra (i).

Segundo Waldron, dado que existe um desacordo sobre quais são os direitos fundamentais a incluir no coto vedado, é melhor abandonar esta decisão nas mãos da maioria parlamentar. Procedendo deste modo também podemos nos equivocar mas, pelo menos, preservamos os direitos de todos a participação. Agora bem, o desacordo a que se refere Waldron não é tão grande como ele parece considerar. Se os direitos são estabelecidos no coto vedado em modo genérico e não detalhado, ou seja, se introduzimos na constituição conceitos e não concepções[63], o acordo pode ser bastante generalizado. De fato, o mesmo Waldron  argumentou em favor da presença de conceitos controvertidos[64] no direito, ou seja, conceitos tais que contínuos debates a cerca de seu significado próprio entendam-se como úteis para algumas funções importantes associadas com o uso do termo  que os expressa,  acrescentando que tal aspecto pode ser relevante no caso de disposições constitucionais com a finalidade de introduzir uma ampla discussão pública a respeito (referindo-se precisamente ao caso da Nova Zelândia citado na nota nº 59): “We do not agree on many tings in our society, but perhaps we can agree on this: that we are  better society for continuing to argue about certain issues than we would be if such arguments were artificially or stipulatively concluded”.[65]

Dispor de uma constituição de princípios, em lugar de uma constituição ou  de uma legislação de detalhe, parece um bom modo para alcançar o objetivo que Waldron aqui indica[66]. E os conceitos de direitos morais fundamentais são casos exemplares de conceitos essencialmente controvertidos. Sabemos que a grande maioria de nós está de  acordo sobre a importância da liberdade de expressão, ou do direito à vida, mas não estamos de acordo sobre quais são as melhores concepções dos conceitos expressos em locuções como “liberdade de expressão” ou “direito a vida”. É certo que isto atenua a crítica que Waldron dirige a cristalização destes conceitos em rígida fórmula verbal. Devemos usar fórmulas canônicas genéricas que nos permitam aderir não obstante o nosso desacordo, a um debate franco e aberto sobre as suas implicações. Isto pode explicar, ademais, a presunção de que o poder constituinte possui maior lucidez se comparado ao poder legislativo ordinário: decidindo sobre questões mais abstratas, questões em que o nosso grau de confiança é mais alto. Esta constatação nos remete ao argumento do pré-compromisso.

Refiro-me agora, a crítica que Waldron endereça em particular, a idéia de pré-compromisso traduzida no desenho da nossa instituição política[67]. Segundo Waldron, a analogia entre o agente racional, que prevê a debilidade de sua vontade futura, e o poder constituinte, que prevê que a maioria poderá amanhã tomar uma decisão que viole os direitos fundamentais, não é de todo persuasiva. E não o é porque não se trata, como no caso do fumante que deseja deixar de fumar, ou do motorista que entrega a chave do seu carro a um amigo para não guiar alcoolizado, de um eu lúcido que protege um eu menos lúcido (ou de um eu incapaz que autoriza uma medida de auto-paternalismo), mas de uma sociedade cujos membros estão em desacordo, ainda que em momentos de maior lucidez, sobre os direitos que possuem. Uma melhor analogia para Waldron, seria aquela de uma pessoa que duvida de seu próprio credo religioso. Um dia esta pessoa escolhe uma religião particular e decide não consultar mais a sua biblioteca privada de livros teológicos que há muito estava lendo. Fecha a biblioteca e entrega a chave a um amigo, dando-lhe instruções de jamais devolver-lhe a chave, mesmo que a solicite. Alguns meses depois, ela solicita a chave. Ainda que este seja um caso de pré-compromisso, similar neste sentido, ao caso do amigo que entrega a chave do carro para não dirigir embriagado, entre elas existe uma importante diferença: a pessoa convertida a uma fé religiosa não é agora menos capaz de tomar decisões racionais que o era precedentemente. A democracia assemelha-se, segundo Waldron, a este segundo caso. Não existem razões para atar as mãos dos legisladores futuros, pois este último não é menos racional que a assembléia constituinte.

Todavia, a assembléia constituinte sozinha faz uso de grandes ponderações para alcançar um consenso sobre matérias de cultura política fundamental. Uma ponderação que nem sempre esta presente no momento da política normal (obviamente estou seguindo a sugestão de Ackerman anteriormente apresentado). Retomemos o caso de uma pessoa que se converte a uma determinada fé religiosa. Se esta conversão é fruto de uma ponderação sincera e profunda e muito importante para a vida de tal pessoa, talvez teria sentido que a instrução ao amigo não fosse “Não entregar jamais a chave, mesmo que a solicite”, mas sim,  “Se te solicito  a chave não me entregues até que não termine de estudar uma outra vez e com aprofundamento, as teses da religião a que me converti”. Talvez esta regra pudesse evitar um abandono inconsciente a religião abraçada o que produziria graves conseqüências para a integralidade moral da própria pessoa. É esta analogia que creio seja mais adequada à idéia do coto vedado dos direitos constitucionais. A critica de Waldron pode servir para casos como aquele da Lei Fundamental Alemã, que engessa os direitos de uma vez para sempre, mas não para os casos em que se estabeleça um mecanismo de revisão constitucional. Reivindica-se portanto que nas questões que o poder constituinte considerou especialmente valiosas a mudança deva realizar-se depois de uma diliberação mais profunda do que aquela que se produz na deliberação  legislativa  habitual.

Um modo habitual de proteger a supremacia da constituição é aquele de dotá-la de um mecanismo de revisão que exija maioria qualificada. Tem  razão Waldron, quando defende que isto produz uma assimetria com respeito a decisão a ser tomada. Uma minoria detém uma espécie de direito de veto sobre a maioria para manter o status quo. Agora bem, se o processo constitucional é realizado em conformidade com os princípios de justiça, justifica-se um procedimento mais gravoso para modificar o resultado daquele processo. De outra parte, existem meios para dotar a revisão constitucional de uma maior legitimidade democrática: por exemplo, exigir a aprovação por parte da maioria dos cidadãos através de um referendum (conforme os artigos 167 e 168 da Constituição Espanhola de 1978)*4.

Para concluir, analisarei a crítica feita em particular, ao controle jurisdicional de constitucionalidade. Entendo que o controle jurisdicional de constitucionalidade é um instrumento que pode ser adequado para proteger os direitos constitucionais, sabendo-se que não é um instrumento necessário para a existência de uma democracia constitucional. Conforme Ronald Dworkin: “I do not mean that there is no democracy unless judges have the power to set aside what a majority thinks is right and just. Many institutional arrangements are compatible with the moral reading, including some that do not give judges the power they have in the American structure. But none of these varied arrangements is in principle more democratic than others. Democracy does not insist on judges having the last word, but it does not insist that they must not have it”.[68]

Refiro-me somente a uma questão: se não somos favoráveis à tese da indeterminação radical, é possível distinguir os casos constitucionais claros dos casos constitucionais difíceis.

Nos casos claros, e na hipótese que os direitos constitucionais reconheçam os direitos estabelecidos pelos princípios de justiça, pode suceder que o legislador tenha violado um destes direitos em uma determinada lei. Se o Tribunal Constitucional anula tal lei, se concretiza um resultado mais justo que se não existisse tal controle. Se o Tribunal não anula a lei, estaremos na mesma situação de que se o Tribunal não existisse. Portanto, nos casos claros em que o legislador emana lei inconstitucional, a o Tribunal aumenta a possibilidade de realizarem-se resultados justos. Obviamente, podemos ainda acrescentar que se o Tribunal declara inconstitucional uma lei que é claramente constitucional e que se destina a proteger um direito constitucional, tal direito estará agora menos protegido (mas não totalmente sem proteção: o Tribunal não pode revogar a Constituição) pois  estaremos negando os direitos de participação política. Entretanto, tenho a tendência a pensar que esta segunda hipótese seja bastante rara nos casos constitucionais claros.

Nos casos difíceis, a questão é mais complexa. Talvez, nestes casos, um certo grau de deferência as decisões legislativas seja exigível ao Tribunal com o fim de evitar que umas poucas pessoas tomem decisões contrárias a maioria democrática sobre questões  ainda largamente controvertidas na sociedade. Não indagarei aqui, sobre qual deva ser o grau de deferência em questão[69]. Agora bem, desejo terminar sinalizando que por mais que exista um procedimento de controle judicial de constitucionalidade isto não representa, em nenhum caso, que a constituição seja o que o Tribunal diz que é, existem procedimentos –ainda que custosos- de reforma da Constituição e existe a permanente vontade da maioria política que também não pode, sem custos, mudar a composição do Tribunal ou as suas opiniões. Como nas palavras de Rawls: “The constitution is not what the Court says it is. Rather, it is what the people acting constitutionally through the other branches eventually allow the Court to say it is”.[70]

 

Notas
*1 “Diritti e giustizia procedurale imperfetta”, texto original escrito em italiano publicado na Revista “Ragion Pratica”, número 10, páginas 13 a 39, em 1998. Tradução de Sheila Stolz.
Uma versão anterior deste artigo foi apresentada no segundo encontro de “Ragion Pratica” sobre “Giustizia e procedure”, realizado em Sanremo, Itália, em janeiro de 1997. Agradeço de modo particular, pelas observações e comentários de: Manuel Atienza, Juan Carlos Bayón, Albert Casamiglia, Bruno Celano, Paolo Comanducci, Víctor Ferreres, Roberto Gargarella, Ernesto Garzón Valdés, Riccardo Guastini, Francisco Laporta, Pablo Navarro, Cristina Redondo, Carlos RosenKrantz e Juan Ruiz Manero.
[1] Ver: J. Waldron (ed.), Nonsense upon Stilts. Bentham, Burk and Marx of de Rights Man, Methuen, London, 1997, que contém uma passagem relativa a J. Bentham, Anarchical Fallacies, in The Works of Jeramy Bentham, ed. J. Bowring, vol. II, William Tait, Edinburgh, 1838-1843, pp. 489-534; E. Burke, Reflections on the Revolution in France, ed. C.C.  O’ Brian, Penguin, Harmondsworth, 1969; e K. Marx, On the Jewish Question, em Karl Marx: Selected  Writings, ed. David McLellan, Oxford University Press, Oxford, 1977. O livro de Waldron contém também interessante introdução aos textos selecionados,  é um estudo conclusivo.
[2] J. Bentham, Anarchical Fallacies, cit., p. 501.
[3] Cfr. A. MacIntyre, After Virtue; University of Notre Dame, Notre Dame, 1984; M. Sandel, Liberalism and the Limits of Justice, Cambridge University Press, Cambridge, 1982; Ch. Taylor, Sources of the Self, Cambridge University Press, Cambridge, 1989; M. Walzer, Spheres of Justice, Basic Books, New York, 1983.
[4] Como é sabido, o locus classicus é A. M. Bickel, The Least Dangerous Branch, Yale University Press, New Haven, 1962.
[5] Cfr. R. Dworkin, Does Britain Needs a Bill of Rights?, em R. Dworkin, Freedom’s Law. The Moral Reading of American Constitution, Oxford University Press, Oxford, 1996, pp. 352-372.
[6] J. Waldron, A Right-Based Critique of Constitutional Rights, em “Oxford Journal of Legal Studies”, 13, 1993, pp. 18-51. Cfr., no mesmo sentido, J. Allan, Bill of Rights and Judicial Power – A Liberal’s Quandary, em “Oxford Journal of Legal Studies”, 16, 1996, pp. 337-352.
[7] J. C. Bayón, Derechos, democracia y constitución, redação inédita apresentada em 26 de agosto de 1996 na Universidade de Palermo, Buenos Aires, Argentina.
[8] R. Gargarella, La justicia frente al gobierno. Sobre el carácter contramayoritrio del poder judicial, Ariel, Barcelona, 1996.
[9] Cfr. J. L. Mackie, Ethics. Inventing Right and Wrong, Penguin, Harmondsworth, 1977.
[10] J. L. Mackie, Can There Be A Right-Based Moral Theory?, em J. Waldron (ed.), Theories of Rights, Oxford University Press, Oxford, 1984, pp. 170-171. Eugenio Bulygin, como os demais, é também defensor do não cognitivismo em matéria moral escrevendo neste sentido: “É claro que se não existem normas morais absolutas, objetivamente válidas, tão pouco pode haver direitos humanos universalmente válidos. Significa que não existem, em absolute, direitos morais […]? […] nada impede falar de direitos morais e de direitos humanos, mas tais direitos não podem pretender uma validade absoluta. Eles somente podem ser interpretados como exigências que se formulam a ordem jurídica desde o ponto de vista de um determinado sistema moral”, E. Bulygin, Sobre el status ontológico de los derechos humanos, em “Doxa”, 4, 1987, p. 83.
[11] Cfr., neste sentido, F. J. Laporta, Sobre el concepto de los derechos humanos, em “Doxa”, 4, 1987, p.32.
[12] Cfr. R. Dworkin, Taking Rights Seriously, Duckworth, London, 1978, pp. 169-173.
[13] Vê-se uma interessante defesa da teoria fundamentada sobre direitos in J. L. Mackie, Can There Be A Right-Based Moral Theory?, cit. , pp. 168-181; e uma crítica a esta concepção, que argumenta em favor de um fundamento pluralista da teoria da justiça, em J. Raz, The Morality of Freedom, Oxford University Press, Oxford, 1986, cap. 8, e J. Raz, Rights and Politics, em “Indiana Law Journal”, 71, 1995, pp. 27-44.
[14] L. W. Summer, The Moral Foundation of Rights, Oxford University Press, Oxford, 1987, p. 199.
[15] Cfr. J. Waldron, Introduction, em J. Waldron (ed.), Theories of Rights, cit., pp. 12-13.
[16] Kant escreve: “A mentira (no significado ético da palavra), como falsidade deliberada, não precisa prejudicar a outros para ser considerada condenável (…). Sua causa pode ser simplesmente a ligeireza ou ainda a bondade, inclusive pode perseguir-se com ela um fim realmente bom, mas o modo de perseguir-lo é, pela mera forma, um delito do homem contra sua própria pessoa e una leviandade que  deve ser desprezada perante seus próprios olhos”, I. Kant, La metafísica dei costumi, trad. di G. Vidari, Laterza, Bari, 1970, p. 288.
[17] Cfr. Bentham, Supply without Burden; or Escheat vice Taxation, em J. Bentham, Economic Writings, ed. W. Stark, vol. I, George Allen & Unwin, London, 1952-1954, p. 134; e J. Bentham, Pannomial Fragments, em J. Bentham, The Works of Jeremy Bentham, cit., vol. III, p. 219.
[18] Guastini também concorda que a noção de direito moral não é autocontraditória, em R. Guastini, Distinguendo. Studi di teoria e metateoria del diritto, Giappichelli, Torino, p. 149. Na filosofia do direito recente, de lingua espanhola, tem sido usado o argumento lingüístico para mostrar a inadequação da expressão espanhola ‘direitos morais’ (cfr., por exemplo, G. Peces-Barba, Sobre el fundamento de los derechos  humanos, em “Anales de la Cátedra Francisco Suárez”, 28, 1988, pp. 193-207; e R. J. Vernengo, Los derechos humanos como razones morales justificatorias, em “Doxa”, 7, 1990, pp. 275-297), porque, se diz, que enquanto na língua inglesa  distingue-se entre ‘direito objetivo’ (law) e ‘direito subjetivo’ (right) – coisa que permite a distinção entre legal rights e moral rights -, na língua espanhola (como na francesa, alemã ou italiana)  se dispõe somente do termo ‘direito’, coisa que ‘direito legal’ é redundante e ‘direito moral’, paradoxal ou absurdo. Esta consideração léxica é desconcertante: em primeiro lugar, pelo fato de que uma só palavra designe dois conceitos não se infere que exista alguma conexão entre os dois conceitos, e, em segundo lugar, ‘direito’ é usado no sentido de ‘direito subjetivo’ em muitas ocasiões em espanhol, em contexto claramente não jurídico, como quando digo a um amigo ‘tenho direito a que tomes em sério minhas observações’. Veja-se a pertinente crítica ao encargo de F. J. Laporta, Acotaciones del trampolín: Respuesta a Roberto Vernengo, em “Doxa”, 7, 1990, p. 301; C. S. Nino, Sobre los derechos morales, em “Doxa”, 7, 1990, pp. 311-313.
[19] Encontra-se uma interessante análise deste aspecto do pensamento de Bentham em H. L. A. Hart, Natural Rights: Bentham and John Stuart Mill, em H. L. A. Hart, Essays on Bentham. Jurisprudence and Political Theory, Oxford University Press, Oxford, 1982, cap. IV. Destaca-se aqui que J. S. Mill (Utilitarianism, em Collected Works of John Stuart Mill, ed. J. M. Robson, vol. 10, University of Toronto Press, Toronto, 1969, cap V) considerava os direitos morais como um importante aspecto da justiça na sua moral utilitarista.
[20] Cfr. W. N. Hohfeld, Fundamental Legal Conceptions as Applied in Judicial Reasoning, Yale University Press, New Haven, 1919.
[21] Uma interessante análise que desenvolve a idéia de Hohfeld esta em A. Ross, On Law and Justice, Stevens & Sons, London, 1958, pp. 158-169. Para alguma análise de Bentham que prefigura aquela hohfeldiana, cfr. H. L. A. Hart, Legal Rights, em H. L. A. Hart, Essays on Bentham, cit., pp. 162-193; e J. J. Moreso, La teoría del derecho de Bentham, P. P. U., Barcelona, 1992, pp. 216-225.
[22] Não se examina aqui a natureza da regra que confere poderes.
[23] Defendida por H. L. A. Hart, Are there Any Natural Rights?, em J. Waldron (ed.), Theories of Rights, cit., pp. 77-90.
[24] Cfr. D. Lyons, Rights, Claimants, and Beneficiaries, em “American Philosophical Quarterly”, 6, 1969, pp. 173-185; N. MacCormick, Legal Rights, em P. M. S. Hacker, J. Raz (eds.), Law, Morality, and Society. Essays in Honour of H. L. A. Hart, Oxford University Press, Oxford, 1978, pp. 189-209; J. Raz, The Morality of Freedom, cit., cap. 7; e C. S. Nino, Etica y Derechos Humanos, Astrea, Buenos Aires, 1989, pp. 31-40.
[25] Cfr. F. J. Laporta, Sobre el concepto de derechos humanos, em “Doxa”, 4, 1987, pp. 23-46.
[26] Cfr. L. W. Sumner, The Moral Foundation of Rights, cit., p. 137.
[27] J. Waldron, A Rights-Based Critique of Constitutional Rights, cit., p. 19.
[28] Ivi, p. 24.
[29] Ibidem.
[30] Para que esta ilação seja correta, necessita-se explicitar a premissa (implícita) de caráter moral segundo a qual o  direito deve adequar-se a moral.
*3 Nota do tradutor: no texto original a expressão “coto vedado” foi traduzida para o italiano por “terreno proibido” entretanto, preferimos manter a expressão original criada por E. Garzón Valdés. O Diccionario de la Real Academia Española, 21ªEdicción, define a  palavra “coto”, como: (Del lat. Cautus, defendido) m. Terreno acotado (…) Término, límite (…) Mandato, precepto (…).
[31] Cfr. E. Garzón Valdés, Representación y democracia, em E. Garzón Valdés, Derecho, Ética y Política, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1993, pp. 644-645.
[32] Cfr. J. Waldron, A Rights-Based Critique of Constitutional Rights, cit., pp. 25-27. Como é fácil dar-se conta, esses exemplos tratam da discussão norte-americana sobre a primeira emenda a Constituição dos Estados Unidos.
[33] Ivi, pp. 26-28.
[34] Ivi, p.32.
[35] Cfr. J. Waldron, Freeman’s Defence of Judicial Review, em “Law and Philosophy”, 13, 1994, pp. 35-36.
[36] Cfr. R. Gargarella, La Justicia frente al gobierno, cit., Caps. 1 e 2.
[37] J. Waldron, Cfr. J. Waldron, A Rights-Based Critique of Constitutional Rights, cit., p. 50.
[38] Cfr. J. Rawls, A Theory of Justice, Havard University Press, Cambridge, Mass., 1971, pp. 85-87 e J. Rawls, Political Liberalism, Columbia University Press, New York, 1993, pp. 72-73.
[39] J. Rawls, Political Liberalism, cit., p. 72.
[40] J. Rawls, A Theory of Justice, cit., p. 198. Cfr. Também, S. Freeman, Constitutional Democracy and the Legitimacy of Judicial Review, em “Law and Philosophy”, 9, 1990-1991, pp. 336-337; V. Ferreres Comella, Justicia constitucional y democracia, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, Madrid, pp. 164-165.  Também Waldron compartilha esta valoração: cfr. J. Waldron, Freeman’s Defence of Judicial Review, cit., pp. 28-29.
[41]Dado que levo em consideração a teoria de Rawls, suponho que os princípios de justiça são os dois princípios Rawlseanos: um direito igual ao sistema de liberdades total mais extenso de liberdades básicas compatível com um sistema similar de liberdades para os demais; e as desigualdades econômicas e sociais devem estruturar-se de maneira tal que resultem em maior benefício para os mais desavantajados e os cargos e as funções devem ser accessíveis a todos, em condições  de justa igualdade de oportunidades (cfr. J. Rawls, A Theory of Justice, cit., p. 302). Entretanto,  nada no meu argumento esta dependente da peculiar concepção rawlseana da justiça.
[42] Cfr. R. Dahl, Democracy and Its Critics, Yale University Press, New haven, 1989, pp. 156-167.
[43] Cfr. B. Ackerman, Constitutional Politics/Constitutional Law, em “Yale Law Journal”, 99, 1989, pp. 486-515. Em realidade Ackerman distingue três modelos: o modelo monista – o modelo de Westminster-, o modelo dualista – que estabelece restrições ao conjunto de decisões que possam ser tomadas através da regra de maioria, mas esta restrição esta sujeita a revisão constitucional, e o modelo fundamentalista, que  estabelece algumas restrições de uma vez para sempre e estas não estão sujeitas a nenhuma revisão, como é o caso da Lei Fundamental de Bonn, a que me  refiro  em seguida. Cfr. também Ackerman, C. Rosenkrantz, Tres concepciones de la democracia constitucional, em Fundamentos y alcance del control judicial de constitucionalidad, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1991
[44] C. S. Nino, La filosofía del control judicial de constitucionalidad, em “Revista del Centro de Estudios Constitucionales”, 4, 1989, pp. 86-87, C. S. Nino, Etica y derechos humanos, cit., pp. 387-400; e C. S. Nino, Fundamentos de Derecho Constitucional, Astrea, Buenos Aires, 1992, pp. 203-209.
[45] Uma posição brilhantemente defendida por J. Hart Ely, Democracy and Distrust. A Theory of Judicial Review, Harvard University Press, Cambridge Mass., 1980. De fato, Nino acrescenta outra razão que justifica, a seu parecer, o controle jurisdicional de constitucionalidade: preservar a autonomia individual e assegurar  a continuidade da prática constitucional; entretanto me interessa agora o argumento do controle interno do procedimento democrático. Cfr. C. S. Nino, Fundamentos de Derecho Constitucional, cit., pp. 692-702.
[46] J. Waldron, Cfr. J. Waldron, A Rights-Based Critique of Constitutional Rights, cit., p. 39.
[47] J. Rawls, A Theory of Justice, cit., pp. 195- 201.
[48] J. Rawls, Political Liberalism, cit., p. 227.
[49] Ivi, pp .229-230.
[50] Ivi, p. 233.
[51] Cfr. S.  Freeman, Constitutional Democracy and the Legitimacy of Judicial Review, cit.
[52] J. Rawls, A Theory of Justice, cit., p. 362.
[53] J. Rawls, Political Liberalism, cit., pp. 234-235; e R Dahl, Democracy and Its Critics, cit., p. 192.
[54] A primeira parte deste parágrafo é uma reelaboração da primeira página do capítulo IV de J. J. Moreso, La indeterminación del Derecho y la interpretación de la Constitución, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, Madrid, 1997.
[55] J. Elster, Ulysses and the Syrens, Cambridge University Press, Cambridge, 1979, p. 94. Cfr. também S. Holmes, Precommittment and the Paradox of Democracy, em J. Elster, R. Slagstad (eds.), Constitutionalism and Democracy, Cambridge University Press, Cambridge, 1988, p. 222.
[56] Ivi, p.94; uma distinção similar entre a política constitucional e a política normal se encontra em B. Ackerman, The Storrs Lectures: Discovering the Constitution, em “Yale Law Journal”, 93, 1984, p. 1029.
[58] Cfr. D. Hume, A Treatise of Human Nature, ed. L. A. Selby-Bigge, Oxford University Press, Oxford, 1978, pp. 484-502. Cfr. também H. L. A. Hart, The Concept of Law, Oxford University Press, Oxford, 1961, pp. 189-195 e J. Rawls, A Theory of Justice, cit., pp. 126-127. Uma analogia similar se encontra também em S. Freeman, Constitutional Democracy and the Legitimacy of Judicial Review, cit., pp. 360-363.
[59] Em 1990, na Nova Zelândia, promulgou-se um Bill of Rights: não obstante, é expressamente vedado ao judiciário declarar inválidas as disposições legislativas pelo fato de serem contrárias ao Bill of Rights. Cfr. J. Allan, Bill of Rights and Judiciary Power – A Liberal’s Quandary, cit., p. 348, nota 49. No Canadá, depois da emancipação de 1982 do Charter of Rights and Freedoms institui-se um mecanismo (através da notwithstanding clause) em que a última palavra é dada pelo poder legislativo.  Mesmo que um Tribunal considere determinada disposição legislativa contrária a quaisquer direitos da Carta, o legislativo terá a última palavra a respeito da vigência de tal disposição. Sobre esta técnica de reenvio, ver-se R. Gargarella, La justicia frente al gobierno, cit., pp. 174-177, e A. S. Butler, The Bill of Rights Debate: Why the New Zealand Bill of Rights Act 1990 is a Bad Model for Britain, in “Oxford Journal of Legal Studies”, 17, pp. 323-345.
[60] R. Dworkin, Law’s Empire, Havard University Press, Cambridge, Mass., 1986, pp. 355-356.
[61] J. Raz, The Morality of Freedom, cit., pp. 257-260.
[62] J. L. Mackie escreveu: “This means that the rights we have called fundamental can be no more than prima facie rights: the rights that in the end people have, their final rights, must result from compromises between their initially conflicting rights”. J. L. Mackie, Can There Be A Right-Based Moral Theory, cit., p. 177.
[63] Cfr. R. Dworkin, Taking Rights Seriously, cit., pp. 134-136.
[64] No mesmo sentido de W. B. Gallie, Essentially Contested Concepts, em “Proceedings of Aristotelian Society”, 56, 1955-1956, pp. 167-198.
[65] J. Waldron, Vagueness in Law and Language: Some Philosophical Issues, em “California Law Review”, 82, 1994, pp. 539-540. Esta consideração relativa à posição de Waldron foi sugerida por Víctor Ferreres que desde já agradeço sinceramente.
[66] Para a distinção entre “constituição por princípio” e “constituição de detalhes”, cfr. R. Dworkin, Life’s Dominion, Harper Collins, London, 1993, cap. 5.
[67] Cfr. Waldron, A Right-Based Critique of Constitutional Rights, cit., pp. 46-49; J. Waldron, Freeman’s Defence of judicial Review, cit., pp. 36-39. A primeira crítica a que o mecanismo de vínculo preventivo deve fazer frente é a seguinte: os mecanismos de racionalidade individual imperfeita não são traduzíveis em mecanismos de racionalidade coletiva, porque enquanto possuímos critérios de identidade para os agentes individuais não os possuímos para os agentes coletivos. Agora bem, ocorre subliminarmente que nem mesmo os critérios de identidade para os agentes individuais são de todo claro (cfr., por exemplo, D. Hume, A Treatise of Human  Nature, cit., pp. 252-262; D. Parfit, Reasons and Persons, Oxford University Press, Oxford, 1984, pp. 199-350; e Th. C. Schelling, Choice and Consequence. Perspectives of an Errant Economist, Havard University Press, Cambridge, Mass., 1984, pp. 57-112). Sabemos que não é possível analisar aqui esta importante questão, o que quero precisar é uma noção contextual de identidade – uma noção política e não metafísica de identidade de uma comunidade -, a mesma que permite aceitar que o parlamento anterior regule a nossa conduta tramitando as suas leis que, se  não foram revogadas, serão também as nossas leis (mesmo que ainda  não tivéssemos nascidos na época de sua promulgação).
*4 Nota do tradutor: A Constituição Espanhola no Título X estabelece que a Reforma Constitucional obedecerá aos seguintes termos:
Artículo 166
La iniciativa de reforma constitucional se ejercerá en los términos previstos en los apartados 1 y 2 del artículo 87.
Artículo 167
1. Los proyectos de reforma constitucional deberán ser aprobados por una mayoría de tres quintos de cada una de las Cámaras. Si no hubiera acuerdo entre ambas, se intentará obtenerlo mediante la creación de una Comisión de composición paritaria de Diputados y Senadores, que presentará un texto que será votado por el Congreso y el Senado.
2. De no haberse logrado la aprobación mediante el procedimiento del apartado anterior, y siempre que el texto hubiere obtenido el voto favorable de la mayoría absoluta del Senado, el Congreso, por mayoría de dos tercios, podrá aprobar la reforma.
3. Aprobada la reforma por las Cortes Generales, será sometida a referéndum para su ratificación cuando así lo soliciten, dentro de los quince días siguientes a su aprobación, una décima parte de los miembros de cualquiera de las Cámaras.
Artículo 168
1. Cuando se propusiere la revisión total de la Constitución o una parcial que afecte al Titulo preliminar, al Capítulo segundo, Sección primera del Título I, o al Título II, se procederá a la aprobación del principio por mayoría de dos tercios de cada Cámara, y a la disolución inmediata de las Cortes.
2. Las Cámaras elegidas deberán ratificar la decisión y proceder al estudio del nuevo texto constitucional, que deberá ser aprobado por mayoría de dos tercios de ambas Cámaras.
3. Aprobada la reforma por las Cortes Generales, será sometida a referéndum para su ratificación”.
[68] R. Dworkin, Introduction: The Moral Reading and the Majoritarian Premise, em R. Dworkin, Freedom’s Law, cit., p.7.
[69] Uma lúcida análise de tal questão vê-se em V. Ferreres Comella, Justificación constitucional y democracia, cit., especialmente os capítulos 4, 5 e 6.
[70] J. Rawls, Political Liberalism, cit., p. 237.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

José Juan Moreso

 

Professor Catedrático de Filosofia do Direito da Universitat Pompeu Fabra de Barcelona, Espanha

 


 

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