O contrato de trabalho do jogador profissional de futebol sob a ótica da Lei 9.615/98 – “Lei Pelé”

O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol é disciplinado especificamente pela Lei 6.354/76 e pela Lei 9.615/98 (Lei Pelé) e seu respectivo regulamento, o Decreto n° 2.574/98, com as alterações procedidas pela Lei n° 9.981, de 14.07.2000 e pela Lei n° 10.672, de 15.05.2003. De maneira geral, aplicam-se as normas gerais da legislação trabalhista naquilo que for compatível com as peculiaridades da profissão, bem como as regras da FIFA e da CBF. Esta Lei nº 9.615/98 teve como marco a extinção do chamado “passe”. Esta extinção teve origem com a “Lei Bosmann”, que tratou do caso do jogador belga Jean Marc Bosmann, que teve o seu contrato de trabalho encerrado junto ao Liège. Ele pretendia transferir-se ao Dunquerque, da França, mas fora impedido por falta de garantias financeiras por parte do clube francês para o pagamento do “passe”. Bosmann apelou à Corte Européia e lhe foi dado, por ter cumprido seu contrato com o Liège, o direito de eleger seu novo empregador, dentro dos limites da União Européia.

O escopo da referida lei foi regulamentar as normas gerais sobre o desporto, introduzindo mudanças significativas no mundo do futebol, dentre as quais, sem dúvida nenhuma, a mais importante é a referida no § 2° do artigo 28, onde uma simples locução revolucionou todo um ordenamento. Essa locução é sobre o fim do “passe” no futebol.

O referido artigo diz que “o vínculo desportivo do atleta com a entidade contratante tem natureza acessória em relação ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais, com o término da vigência do contrato de trabalho”. Isto quer dizer que quando acaba o contrato de trabalho do atleta com a entidade empregadora, acaba também o vínculo desportivo, pois esse é acessório ao contrato.

Forma do Contrato:

A forma do contrato do atleta profissional de futebol deverá ser necessariamente por escrito, já que o artigo 28 da Lei 9.615/98 afirma que:

A atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.

No entanto é importante ressalvar que a exigência de ser formal é apenas para a modalidade futebol, como prevê o artigo 94 da Lei n° 9.615/98, segundo o qual “Os artigos 27, 27-A, 28, 29, 30, 39, 43, 45 e o § 1° do art. 41 desta lei serão obrigatórios exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional da modalidade de futebol”. Apesar da CLT permitir que o contrato de trabalho possa ser celebrado de forma tácita (art. 443).

Conteúdo do contrato

Em virtude da Lei 6.354/76, o contrato do atleta deverá conter os nomes das partes contratantes, devidamente individualizadas e caracterizadas, inclusive, o apelido do atleta; o modo e a forma de remuneração, com especificações do salário, prêmios e gratificações, além de bonificações e “luvas”, se for o caso; o prazo de vigência, pela própria natureza de contrato por prazo determinado; a menção que os contratantes conhecem os códigos, os regulamentos, os estatutos técnicos e as normas disciplinares da entidade a que estiverem vinculados e filiados; além do número da Carteira de Trabalho do atleta.

Duração do contrato

Preceitua a CLT, em seu artigo 445, que o contrato de trabalho por prazo determinado não poderá ser estipulado por prazo superior a dois anos. Seguindo este preceito, estava a Lei 6.354/76, em seu art. 3°, estabelecendo que “O contrato de trabalho do atleta, celebrado por escrito, deveria conter:”, segundo o seu inciso II, “o prazo de vigência, que, em nenhuma hipótese, poderá ser inferior a 3 (três) meses ou superior a 2 (dois) anos”.

O contrato de trabalho do atleta profissional obedecia esta regra, porém com advento da Lei 9.981/00, ele não mais se prendeu a esta. O contrato em análise segue a regra do artigo 30 da Lei 9.615/98, onde o prazo mínimo continua sendo o de três meses, porém o prazo máximo foi alterado, passando de dois para cinco anos.

Celebração do primeiro contrato

Quanto à celebração do primeiro contrato, o art. 29 da Lei 9.615/98, após as alterações da Lei 10.672/03,  tratou este tema da seguinte forma:

Art. 29. A entidade de prática desportiva formadora do atleta terá o direito de assinar com esse, a partir dos dezesseis anos de idade, o primeiro contrato de trabalho profissional, cujo prazo não poderá ser superior a cinco anos.

§ 2° Para os efeitos do caput deste artigo, exige-se da entidade de prática desportiva formadora que comprove estar o atleta por ela registrado como não profissional há, pelo menos, dois anos, sendo facultada a cessão deste direito à entidade de prática desportiva, de forma remunerada.

§ 3° A entidade de prática desportiva formadora detentora do primeiro contrato de trabalho com o atleta por ela profissionalizado terá o direito de preferência para a primeira renovação deste contrato, cujo prazo não poderá ser superior a dois anos.

§ 4° O atleta não profissional em formação, maior de quatorze e menor de vinte anos de idade, poderá receber auxílio financeiro da entidade de prática desportiva formadora, sob a forma de bolsa de aprendizagem livremente pactuada mediante contrato formal, sem que seja vínculo empregatício entre as partes.

§ 5° É assegurado o direito ao ressarcimento dos custos de formação de atleta não profissional menor de vinte anos de idade à entidade de prática de desporto formadora sempre que, sem expressa anuência dessa, aquele participar de competição desportiva representando outra entidade de prática desportiva.

§ 6° Os custos de formação serão ressarcidos pela entidade de prática desportiva usufruidora de atleta por ela não formado pêlos seguintes valores:…

Ao ler e analisar o artigo 29, bem como seus parágrafos, vislumbramos que o legislador procurou resguardar os direitos do clube formador, aquele clube que investe na construção de centro de treinamentos para as categorias de base, com acompanhamento a estes atletas, tanto na preparação física quanto na assistência médica e educacional, desde que tenha nos seus registros como não profissional há pelo menos dois anos. Previu, também, o direito de renovação para o clube formador, bem como o ressarcimento dos custos de formação de atleta não profissional. A lei neste ponto é clara quanto à indenização do clube formador, os métodos e os prazos para tal, o que nas disposições anteriores não ocorrera.

Outra grande importância na celebração do primeiro contrato, e que recém está despertando a atenção dos clubes, é a indenização pela formação de jogadores jovens, estipulada pela FIFA, no seu Regulamento sobre o estatuto e as transferências de Jogadores, no seu art. 13 que prevê:

A formação e a educação de um jogador se realizam dos 12 aos 23 anos. Como regra geral, a indenização por formação se pagará até a idade dos 23 anos pelo treinamento efetuado até os 21 anos de idade, salvo quando seja evidente que um jogador tenha terminado seu processo de formação antes de cumprir os 21 anos. Neste último caso, se deverá pagar uma indenização baseada nos anos compreendidos entre os 12 anos e a idade em que o jogador haja concluído efetivamente sua formação.

Sendo o futebol brasileiro exportador de jogadores, esta será também uma nova fonte de renda, pois essa indenização se dará a cada transferência do atleta entre os clubes.

Cláusula penal

A estipulação desta cláusula foi uma inovação da Lei 8.672/93 (Lei Zico), embora não tenha sido levada a cabo, na prática, por atletas e clubes, vindo vigorar obrigatoriamente e efetivamente por força do artigo 28, §§ 3º e 4º da Lei 9.615/98.

A cláusula penal, na visão do civilista Silvio de Salvo Venosa[1], “é uma obrigação de natureza acessória. Por meio desse instituto insere-se uma multa na obrigação, para a parte que deixar de dar cumprimento ou apenas retardá-lo.” Todavia, no âmbito desportivo, a inclusão desta cláusula no contrato de trabalho do atleta profissional é obrigatória, sendo aplicada nas hipóteses de descumprimento, rompimento e rescisão unilateral, conforme disposto no art. 28, caput, da Lei n° 9.615/98.

É importante ressalvar que em relação a essa cláusula podem-se ter dois entendimentos: o primeiro é que ela veio para suceder o antigo “passe” e que assim manteria o vínculo do atleta com o clube, já a segunda hipótese seria manter uma paridade entre os clubes, pois em razão do poder econômico de alguns, poderia haver por parte deste um aliciamento de atletas de clubes rivais durante uma competição, o que levaria a se tornar uma competição desigual. Além disso, a CBF, no regulamento do Campeonato Brasileiro, maior campeonato nacional de futebol, veta a transferência entre clubes de atletas que já jogaram mais de seis partidas.

Devemos lembrar que a cláusula penal é aplicada somente ao atleta. Isto é, se a rescisão for de iniciativa do empregador, o atleta não terá que pagar o valor da cláusula penal, pois o empregador deverá arcar com as indenizações da legislação trabalhista, principalmente pela multa prevista no art. 479 da CLT:

Art. 479. Nos contratos que tenham termo estipulado, o empregador que, sem justa causa, despedir o empregado, será obrigado a pagar-lhe, a título de indenização, e por metade, a remuneração a que teria direito até o termo do contrato. Parágrafo único. Para execução do que dispõe o presente artigo, o cálculo da parte variável ou incerta dos salários será feito de acordo com o prescrito para o cálculo da indenização referente à rescisão dos contratos por prazo indeterminado.

A Lei Pelé trouxe outras inúmeras alterações ao Contrato de Trabalho do Jogador Profissional de Futebol, mas pelo que se pôde observar, estas foram as mais significativas e que ainda geram verdadeiro combate a mesma pelos clubes e jornalistas brasileiros. Se analisarmos pelo lado econômico, talvez o Brasil ainda não estivesse pronto para tal legislação, pois é impossível competir com o poder financeiro dos clubes do exterior, os quais levam cada vez mais cedo os jovens talentos. Mas, desta forma, os clubes viram-se obrigados a profissionalizarem-se, possuírem departamentos e assessorias jurídicas qualificadas, dando o respaldo necessário para que façam contratos que atendam a realidade do clube, contratos longos e que protejam seus investimentos.

 

Nota:
[1] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 3ª edição, São Paulo, Atlas, 2003, p.165.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Mateus Lima Silveira

 

 


 

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