A Homologação de sentença estrangeira no Brasil e a competência internacional concorrente

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RESUMO: Este artigo trata da homologação de sentença no Brasil, seus requisitos e procedimentos, do problema da inexistência de litispêndencia internacional, da competência concorrente e suas conseqüências.

Palavras-chave: homologação, sentença, litispendência, internacional, competência.

Sumário: 1. Introdução; 2. Procedimento; 3. Requisitos; 4. A competência concorrente.

1. Introdução

A atribuição de valor jurídico aos atos praticados no estrangeiro constitui verdadeiro corolário do princípio internacional de respeito mútuo entre os Estados, aplicando em um país o que se consolidou em outro sistema jurídico.

Entretanto, há que atentar para as peculiaridades existentes nas diferentes ordens jurídicas vigentes nos países do globo, vinculadas às origens históricas, tradições e religião das sociedades que nas quais aquelas se inserem. Se por um lado o que se deseja é conferir o máximo de efetividade ao direito adquirido fora do Estado recepcionante, por outro esta efetividade sempre estará condicionada à ordem pública local e a existência de institutos correlatos, não apenas materiais, mas também processuais.

Assim, não é possível a homologação de sentença estrangeira que determina o cumprimento de um contrato de servidão, porque instituto repudiado por nosso direito. Da mesma forma, chocante seria admitir o divórcio por repúdio, ou seja, unilateral, praticado legalmente nos países de tradição muçulmana, onde o marido devolve a esposa, mesmo contra a vontade desta, ao lar paterno.

Mesmo o sistema de recepção de sentenças estrangeiras não é universal, ou seja, cada país atribui uma valoração distinta às decisões alienígenas.

Há os que praticam a reciprocidade, recepcionando as decisões sem demais formalidades, há os que emprestam caráter meramente probatório aos provimentos estrangeiros e, por fim, há os que conferem à sentença estrangeira a mesma eficácia da decisão nacional, mediante um prévio juízo de deliberação por meio do qual se atesta o cumprimento dos requisitos necessários à nacionalização do pronunciamento judicial para posterior conferimento de eficácia executiva. O Brasil adota este último sistema, como dispõe expressamente o art. 483 do CPC.

O mérito da ação já está decidido, e a decisão jurídico-internacional é respeitada. Contudo, sua execução não pode afrontar nossa soberania, ordem pública e bons costumes, nos termos definidos nos art. 15 a 17 da LICC.

O procedimento de homologação de sentença estrangeira é de competência do STJ, de acordo com a emenda 45/2004 (art. 105, alínea i, CF). Antes disso, era de competência do STF e regulado pelos artigos 217 a 224 de seu regimento interno.

2. Procedimento

A competência para homologação é do presidente do STJ, decisão da qual cabe agravo para o plenário. O procedimento inaugura-se com petição do interessado na homologação, após o que há a citação do requerido para contestar. Superada a impugnação ou não a havendo, é extraída dos autos carta de sentença e enviada ao juízo federal competente, por distribuição, segundo o art. 109, X da CF, para a execução, obedecida neste processo a legislação brasileira.

A cognição não é exauriente ou plenária, uma vez que a causa encontra-se decidida em tribunal estrangeiro. Por esta razão, limita-se a defesa à impugnação da autenticidade dos documentos, ao alcance da decisão e aos requisitos de homologabilidade.

3. Requisitos

Em primeiro lugar, a decisão deve ter sido proferida por juízo competente. Observa-se se não houve invasão de matéria de competência exclusiva da justiça brasileira, nos termos do art. 88 e 89 do CPC, bem com se não foi produzida por tribunal de exceção.

As partes devem ter sido validamente citadas ou sofrido revelia válida. É importante salientar que o sistema processual brasileiro consagra, para citação de pessoa que se encontra fora de território nacional, o procedimento da carta rogatória.

A carta rogatória ativa, ou seja, ordem de citação ou intimação proveniente de autoridade do Poder Judiciário pátrio, será remetida por via postal, ou entregue ao DRCI[1] pelo juiz competente ou pelo interessado, que pode ser a própria parte, seu advogado ou procurador. O DRCI, ao receber a carta rogatória, analisará se esta preenche os requisitos legais. Caso não os preencha, será devolvida, mediante ofício, ao juízo rogante, com a solicitação de que a medida seja devidamente instruída. Esta diligência poderá ser repetida, até que sejam atendidas as formalidades indispensáveis ao cumprimento da carta rogatória no país destinatário.

Caso a carta rogatória esteja instruída adequadamente, o DRCI a encaminhará, por via postal, à autoridade central do juízo rogado, na hipótese de existir acordo internacional, ou à Divisão Jurídica do Departamento Consular e Jurídico do Ministério das Relações Exteriores, para que a transmita, por via diplomática, ao país destinatário.

O DRCI aguardará o retorno da carta rogatória, cumprida ou não, que provém da autoridade central ou do Ministério das Relações Exteriores (Divisão Jurídica do Departamento Consular e Jurídico). Em qualquer hipótese, restitui se o processo, por ofício, ao juiz rogante.

As cartas rogatórias passivas, oriundas das justiças estrangeiras, são recebidas por via diplomática, no Ministério das Relações Exteriores, que as transmite diretamente ao Presidente do STJ, para a concessão do exequatur[2].

Em vista disso, a ausência de citação por rogatória da parte residente no estrangeiro constituirá verdadeiro impedimento à homologação da sentença no Brasil, ainda que o outro sistema jurídico admita a variante. Estaria criado um paradoxo: em sua origem, a decisão seria absolutamente válida e produziria seus feitos em relação a parte que se encontra no Brasil, mas esta jamais teria seus direitos afetados em solo pátrio.

4. A competência concorrente

Outro importante requisito é a necessidade da sentença ter “passado em julgado”, ou seja, haver decisão definitiva, esgotados todos os recursos cabíveis. Em espanhol utiliza-se a expressão “se encontra firme”.

Problema interessante é o da litispendência, analisada do âmbito transnacional. Ressalte-se que no Brasil não ocorre a chamada litispendência internacional, segundo o disposto no art. 90 do CPC[3]. O processo não se extinguirá pelo simples fato de haver outro idêntico tramitando no exterior.

Por sua vez, tomando como exemplo o ordenamento luso, na chamada “competência internacional” de seus tribunais, este estabelece critérios que podem gerar a dualidade de processos, conforme se depreende do disposto no artigo 65 do CPC português:

“CAPÍTULO II

Da competência internacional

ARTIGO 65.º

(Factores de atribuição da competência internacional)

1 – Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias:

a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;

b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;

d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

2. Para os efeitos da alínea a) do número anterior, considera-se domiciliada em Portugal a pessoa colectiva cuja sede estatutária ou efectiva se localize em território português, ou que aqui tenha sucursal, agência, filial ou delegação.”

Por sua vez, em se tratando de ação de divórcio, o artigo 75 do referido diploma determina:

“ARTIGO 75.º

(Divórcio e separação)

Para as acções de divórcio e de separação de pessoas e bens é competente o tribunal do domicílio ou da residência do autor.”

Tendo em vista o ordenamento processual português e brasileiro, claro está que há possibilidade das partes em um divórcio, domiciliadas em ambos países, poder intentar ações idênticas concomitantemente, gerando um conflito positivo de jurisdição.

O que se verifica é que, no caso de ações se processando em paralelo, a parte que encontre solução mais favorável e a obtiver primeiro, poderá tentar homologá-la. Uma vez atingido este intento, estaria criada a “coisa julgada” que, esta sim, implicaria na extinção do processo ainda em andamento.

Não é difícil vislumbrar tais situações. Cabe lembrar que o sistema jurídico português também contempla a citação de pessoas residentes no estrangeiro por carta registrada, o que torna o processo extremamente ágil se comparado com o meio moroso consagrado em nosso CPC[4].

Claro está que, em princípio, tal decisão não seria homologável por afrontar nosso sistema processual vigente, como a maciça jurisprudência de nosso STF sempre preconizou e nosso STJ acolheu[5]. Contudo, a parte que eventualmente possua bens ou direitos em território luso, receosa dos efeitos perniciosos de sua ausência no curso do processo, certamente ingressará nos autos, suprindo esta deficiência a arriscando-se sob o pálio de um juízo desconhecido, pois em Portugal este processo estaria perfeitamente válido, e a sentença resultante produziria todos seus efeitos legais.

Tendo em vista a possibilidade de competência internacional concorrente, resta a parte que estiver domiciliada no Brasil, se nada recear dos efeitos da sentença no estrangeiro, aguardar o trâmite da homologação, para impugná-la pela falta da citação válida, impugnação esta que, acolhida, permitirá o prosseguimento do processo “gêmeo” em território nacional, até sua ultimação.

Notas:

[1] Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, criado por meio do Decreto n.º 4.991, de 18 de fevereiro de 2004. É órgão subordinado à Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) do Ministério da Justiça. O Departamento tem como principais funções analisar cenários, identificar ameaças, definir políticas eficazes e eficientes, bem como desenvolver cultura de combate à lavagem de dinheiro. Essas funções têm como objetivo a recuperação de ativos enviados ao exterior de forma ilícita e de produtos de atividades criminosas, tais como as oriundas do tráfico de entorpecentes, do tráfico ilícito de armas, da corrupção e do desvio de verbas públicas. Além disso, o DRCI é responsável pelos acordos internacionais de cooperação jurídica internacional, tanto em matéria penal quanto em matéria civil, figurando como autoridade central no intercâmbio de informações e de pedidos judiciais por parte do Brasil.

[2] Compete ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) – artigo 105, inciso I, alínea ‘i’, da CRFB/88 – a concessão do exequatur às cartas rogatórias, isto é, o despacho que ordena a exeqüibilidade, no Brasil, de diligência judicial oriunda do estrangeiro.

[3]

[4] Art. 247º (citação do residente no estrangeiro)

1.Quando o réu resida no estrangeiro , observar-se-á o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais.

2. Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais. (… omissis).

[5] STF. SEC 7696/ HL – REINO DOS PAÍSES BAIXOS. SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA
Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO Julgamento:   23/09/2004 Órgão Julgador:  Tribunal Pleno
Publicação:  DJ 12-11-2004 PP-00006 EMENT VOL-02172-02 PP-00199 Ementa: SENTENÇA ESTRANGEIRA – HOMOLOGAÇÃO – AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. A citação de pessoa domiciliada no Brasil há de fazer-se mediante carta rogatória, não prevalecendo, ante o princípio direcionado ao real conhecimento da ação proposta, intimação realizada no estrangeiro. Inexistente a citação, descabe homologar a sentença. Precedentes: Sentenças Estrangeiras nos 3.495, 3.534, 4.248, 4.307, 6.122 e 6.304, relatadas, respectivamente, pelos ministros Octavio Gallotti, Sydney Sanches, Carlos Velloso, Paulo Brossard e, as duas últimas, pelo ministro Sepúlveda Pertence. Votação: unânime. Resultado: indeferida a homologação. Acórdãos citados: SE-3495 (RTJ-115/1089), SE-3534 (RTJ-117/57), SE-4248 (RTJ-138/471), SE-4307 (RTJ-141/113), SEC-6122 (RTJ-176/680), SEC-6304 (RTJ-179/1032). Reqte.: Paulo César Alves Almeida. Reqdo.: Sociedade Esportiva Palmeiras.

Nesse sentido, vide também STJ, SEC 861 /ex; sentença estrangeira contestada 2005/0031335-3

 


 

Informações Sobre o Autor

 

André Luís Ferreira

 

Advogado, mestre em Ciências Jurídico Internacionais pela Universidade de Lisboa e professor de Direito Internacional Publico e Privado na UniverCidade, UCAM, UNISUAM e UNIFESO.

 


 

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