Necessidade de desenvolvimento social e tecnológico combinado com a proteção do consumidor

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Sumário: 1.Atual modelo social: tecnológica e consumo; 2. A adequada realização da Política Nacional das Relações de Consumo como fator de transformação social; 3. A proteção do consumidor no Brasil frente ao avanço tecnológico; 4. A garantia legal de qualidade e adequação dos produtos e serviços no mercado brasileiro; 5. A atividade econômica, desenvolvimento e a consagração da teoria do risco da atividade; 6. Instrumentos tecnológicos e o princípio da confiança nas relações de consumo; 7. A necessidade de a tecnologia atender a proteção do consumidor; 8. Conclusões; 9. Referências.

1.ATUAL MODELO SOCIAL: TECNOLÓGICA E CONSUMO

A tecnologia tem transformado a sociedade moderna. Rotinas que anteriormente tinham a interferência humana, agora são realizadas por meio da chamada inteligência artificial. São as máquinas programadas pelos homens para decidir sem a sua presença ou interferência. Em tudo temos a presença de sistemas informatizados. Um mundo novo e sem fronteiras ou soberania é revelado pela internet.

Convivemos com o dilema da escolha: velocidade ou segurança.

Os sistemas informatizados não são absolutamente seguros (ao menos aqueles disponibilizados ao grande público) e os dados pessoais armazenados nestes sistemas podem ser violados e utilizados por qualquer um.

Nosso sistema jurídico se mostra em alguns aspectos desatualizado, contudo jamais poderemos adequar o direito na mesma velocidade do desenvolvimento tecnológico.

Talvez a mudança não tenha que ser jurídica mas primeiramente cultural. Nossa cultura tecnológica é ainda mais restrita que a cultura tradicional. O desenvolvimento econômico e social fundamenta-se na evolução tecnológica, contudo alguns valores e, especialmente, garantias legais, não podem ser preteridos pelo falso conforto que a tecnologia proporciona.

Nos tempo atuais, não resta alternativa senão termos que enfrentar a revisão jurídica à luz da tecnologia. Mesmo que ainda existam relações jurídicas celebradas na forma tradicional, algumas como as relações jurídicas de consumo, trabalhistas, tributárias, contratuais, etc., hoje se apresentam diferentes em razão da tecnologia.

A utilização da expressão sociedade de consumo no presente trabalho não quer significar sociedade de consumismo.[1]

2. A ADEQUADA REALIZAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO COMO FATOR DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

A busca do equilíbrio entre as partes contraentes foi o centro das atenções e preocupações do legislador, ao perceber a necessidade premente de interferência jurídica no âmbito das relações de consumo. A diferença entre o sistema protetivo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e o existente anteriormente à sua edição justifica a utilização daquele como instrumento de transformação jurídica para os brasileiros, a repercutir em transformações de ordem econômica, política e especialmente social.

Mais recentemente surgem novas preocupações no campo da sociedade de consumo e tecnológica, como assegurar às gerações futuras as condições necessárias de sobrevivência no planeta Terra. Deste novo horizonte não se debate somente a segurança ou garantias jurídicas dos atuais sujeitos de Direito, mas até de gerações futuras e com a preocupação da preservação da biodiversidade, regulação da produção e consumo de materiais biodegradáveis, avanço da extração e utilização de recursos naturais, etc.

Como forma de efetivar seus objetivos, instituiu o CDC Brasileiro, em seu art. 4º, a chamada Política Nacional das Relações de Consumo, que “tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”. Portanto, o diploma protetivo dos direitos do consumidor expressamente outorga ao consumidor a prerrogativa da existência de comando normativo de conteúdo principiológico a ser incondicionalmente respeitado e que, conjugado aos demais instrumentos jurídicos propalados pelo mesmo Código, vem a formar a Política Nacional das Relações de Consumo.

É de se concluir que esta vem a ser a exteriorização dos objetivos do CDC, e que “visa exatamente a harmonia das sobreditas ‘relações de consumo’, porquanto, se por um lado efetivamente se preocupa com o atendimento das necessidades básicas dos consumidores (isto é, respeito à sua dignidade, saúde, segurança, e aos seus interesses econômicos, almejando-se a melhoria de sua qualidade de vida), por outro visa igualmente à paz daquelas, para tanto atendidos certos requisitos, como serão analisados a seguir, dentre os quais se destacam as boas relações comerciais, a proteção da livre concorrência, do livre mercado, da tutela das marcas e patentes, inventos e processos industriais, programas de qualidade e produtividade, enfim, uma política que diz respeito muito mais ao mais perfeito possível relacionamento entre consumidores – todos nós em última análise, em menor ou maior grau – e os fornecedores”[2].

Tamanha a atenção dispensada pelo Código de Defesa do Consumidor ao assunto relativo à Política Nacional das Relações de Consumo, justamente por esta significar os instrumentos hábeis disponibilizados para que o consumidor tenha a efetiva prevenção e reparação dos danos por ele suportados, mais ainda por se tratar da exteriorização da filosofia imprimida pelo CDC, que lhe foi destinado capítulo próprio[3]. Dentre os dispositivos previstos na Lei, todos objetivando a efetividade da tutela dispensada pelo CDC, estão a presunção legal de vulnerabilidade do consumidor; a previsão de necessidade de ação governamental para a defesa dos consumidores, através do incentivo à criação de associações de consumidores, garantia de qualidade dos produtos e serviços; harmonização das relações de consumo, com base na boa-fé; educação e informação dos participantes da relação de consumo; incentivo ao controle de qualidade; coibição e repressão de abusos cometidos no mercado de consumo; melhoria dos serviços públicos; estudo do mercado de consumo; assistência jurídica integral; criação das Promotorias e Delegacias de Defesa do Consumidor, entre outros.

Na verdade, a Política Nacional das Relações de Consumo vai além dos dispositivos legais trazidos pelo CDC, pois “além dos ‘princípios’ que devem reger a referida política, terão relevância fundamental os ‘instrumentos’ para sua execução, e não apenas os institucionalizados, como os previstos pelo art. 5º do Código e nos mencionados arts. 105 e 106, como também os privados, consistentes na atividade das próprias empresas produtoras de bens e serviços”[4].

Assim, o atendimento eficaz das normas que norteia legalmente a Política Nacional das Relações de Consumo, repercute no avanço social e econômico.

3. A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO BRASIL FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

É de se observar, contudo, que o rápido progresso de todos os setores da economia impossibilitou o devido acompanhamento normativo, estando os cidadãos envolvidos de forma direta e indireta com a questão carentes de legislação específica que tutele suas atividades. No cenário jurídico brasileiro, note-se que até o momento não foram produzidas legislações regulamentadoras dos contratos firmados pela internet, assim como continuam obscuras as questões tributárias e penais em relação a este poderoso instrumento.

Muito se tem debatido sobre a necessidade de criação de diploma legal específico para o regramento das transações ou negócios jurídicos celebrados via internet.

Contrariamente a este posicionamento, os profissionais da área de informática buscam a desregulamentação do setor, sob a alegação de que a internet é somente um veículo de comunicação, como fora o telégrafo, o telex, o telefone, o fax, etc.

Em que pese não haver ainda legislação específica que trate do tema, a sociedade de consumo está amparada pelo Código de Defesa do Consumidor, que veio instituir normas e princípios para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir papéis ora de consumidores, ora de fornecedores, ajustando-se perfeitamente ao que dispõe o referido diploma legal. Da mesma forma que se aplica o Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, aplica-se também referido diploma às operações realizadas via internet, disponibilizadas por tais instituições.

Nosso sistema de proteção e defesa do consumidor reconhece a vulnerabilidade de todos os consumidores brasileiros (art. 4º, inciso I do CDC), independentemente da condição econômica ou conhecimento técnico.

O CDC já prevê a realização de negócios jurídicos (venda de produtos e prestação de serviços, ou seja, contratações) via internet: art. 49 do CDC. Neste caso, a qualidade e a prestabilidade serão aferidas durante o prazo de reflexão.

Ainda, caracterizam-se as contratações via internet, ao menos grande parte delas, como contratos de adesão, previstos no art. 54 do CDC, razão pela qual justifica-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a todas as relações celebradas na rede mundial de computadores, inclusive as de e-commerce.

Finalmente, o Projeto de legislação apresentado pela OAB/SP, sobre comércio eletrônico, determina categoricamente em seu art. 13 que se aplique o CDC aos contratos celebrados via internet.

A legislação pátria, através do Código de Defesa do Consumidor, impõe a todos os produtos e serviços a necessidade de qualidade e adequação (art. 4º, inciso II, alínea “d”).

4. A GARANTIA LEGAL DE QUALIDADE E ADEQUAÇÃO DOS PRODUTOS E SERVIÇOS NO MERCADO BRASILEIRO

Como meio de prevenção a ser observado pelo fornecedor, consolidou o sistema legal de proteção do consumidor brasileiro, atendendo aos princípios constitucionais da ordem econômica (art. 170, V, da CF) e das garantias fundamentais dos cidadãos (art. 5º, XXXII, da CF), o direito básico do consumidor à garantia de qualidade e adequação dos produtos e serviços. Em relação à qualidade, nosso sistema deixa expresso que nenhum produto ou serviço colocado no mercado de consumo pode acarretar risco à saúde ou segurança do consumidor (art. 8º, do CDC), confirmando o disposto nos arts. 4º e 6º.

Em suma, “a adequação dos produtos e serviços ao binômio segurança/qualidade atende concretamente aos objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo, encartadas no caput do art. 4º, da Lei 8.078/90, consistentes no atendimento das necessidades dos consumidores, com respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos e a melhoria da sua qualidade de vida. A efetivação desse princípio, em última análise, é o fim ideal colimado por todo sistema protetivo do consumidor, e está a cargo do fornecedor que será oficialmente coadjuvado pelo Estado, a quem cabe o dever de fiscalização”[5].

Além de determinar o CDC a necessidade de o fornecedor proceder ao seu próprio controle de qualidade e adequação, de acordo com a Política Nacional das Relações de Consumo é também dever do Estado proporcionar a defesa do consumidor nesta seara, através da criação de órgãos e entidades responsáveis pela fiscalização dos produtos e serviços que estão sendo proporcionados ao consumidor.

Inclusive, estes órgãos têm competência para a edição de normas técnicas a serem observadas pelos fornecedores, como forma de padronização mínima dos bens consumíveis. É, portanto, além de princípio da Política Nacional das Relações de Consumo, dever dos fornecedores e dos órgãos representativos dos consumidores e do mercado de consumo como um todo, a fiscalização e a busca pela qualidade e adequação dos produtos e serviços distribuídos.

Nenhum produto ou serviço pode ser colocado no mercado de consumo brasileiro – de maneira lícita – se houver a possibilidade de causar danos ao consumidor. O Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 8º determina que: “Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito”. O artigo 9º salienta a expressa previsão da qualidade de produtos e serviços colocados no mercado de consumo: “o fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde  ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto”. No mesmo sentido o artigo 10 ressalta que: “O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de periculosidade à saúde ou segurança”.

Isto revela de maneira clara a questão preventiva da proteção do consumidor no Brasil a lhe garantir a segurança dos produtos e serviços.

5. A ATIVIDADE ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E A CONSAGRAÇÃO DA TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE

Qualquer pessoa que pretenda fazer parte do mercado de consumo no pólo fornecedor deve ter consciência de um aspecto muito importante: o produto que será comercializado ou o serviço que será prestado deve estar em estrita observância dos parâmetros legais impostos pelo CDC e demais legislação correlata, sob pena de, objetivamente, vir a ser responsabilizado por eventual defeito ou acidente de consumo. O fato de proceder todos aqueles instrumentos preventivos acima analisados, não o desonera de responsabilização caso venha a efetivamente ocorrer qualquer tipo de vício ou defeito.

Mais do que isso, deve-se levar em conta que, sendo o fornecedor o titular do conhecimento técnico acerca do que lança no mercado de consumo, assume posição de superioridade técnica em relação aos consumidores que desfrutam de seu produto ou serviço. Portanto, caso ocorra algum problema daí derivado, por ser o responsável pela atividade de fornecimento e se presumir haja uma parcela de assunção de riscos por força da previsão legal de adequação imposta ao fornecedor, o CDC prevê a responsabilização do fornecedor independentemente da apuração de sua culpa.

Isto porque o nosso Código adotou a Teoria do Risco da Atividade – através da previsão de responsabilidade objetiva (mitigada ou não absoluta) do fornecedor -, segundo a qual responde o fornecedor por todo prejuízo suportado pelo consumidor por força da má qualidade do produto ou do serviço contratado, independentemente de averiguação de culpa daquele, em virtude da posição de superioridade que assume nas relações de consumo. Esta superioridade é legalmente presumida, quando prevê o CDC o “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”[6]. Basta ao consumidor, para ser ressarcido de eventuais danos decorrentes de relação de consumo, demonstrar a existência do defeito, o dano efetivo e o nexo de causalidade entre eles, justamente porque a culpa está embutida no risco da atividade do fornecedor, que deveria ter prevenido a não ocorrência de defeitos, eventos danosos e de danos.

Com o uso de dispositivos técnológicos, deve o fornecedor se certificar e zelar pela segurança e inviolabilidade de seus registros e bancos de dados, sob pena de restar abalada a privacidade daqueles cujos dados são armazenados por tais sistemas.

A mesma segurança dada às contratações deve estar presente também quanto aos registros das pessoas (físicas e jurídicas) existentes junto aos bancos de dados e cadastros.

A violação de tais dados decorrente da fragilidade destes sistemas, ou a transferência não autorizada das informações a respeito dos consumidores, sujeitará o arquivista ao pagamento de indenização em favor daquele que teve sua privacidade atacada.

Também o fornecedor deve verificar se a introdução de produto ou evolução tecnológica não coloca em risco a saúde, segurança e integridade (física e psíquica) do consumidor.

A adoção do risco da atividade representa a possibilidade de avanços tecnológicos na sociedade de consumo sem a exposição das pessoas (e do meio ambiente) às atividades, produtos nocivas à saúde ou segurança, visto que o sistema de apuração de responsabilidade atribuirá ao agente econômico a reparação integral dos danos (patrimoniais e extrapatrimoniais) verificados, se anda assim nenhuma medida preventiva puder ser adotada.

6.INSTRUMENTOS TECNOLÓGICOS E PRINCÍPIO DA CONFIANÇA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Todo o consumidor, mesmo que não tenha qualquer conhecimento jurídico, ao contratar a aquisição de produto ou a prestação de serviços, devota expectativas a respeito da sua qualidade, segurança, prestabilidade, etc.

Esta confiança de que suas legítimas expectativas sejam supridas pelo fornecedor e pelo produto/serviços, originárias das informações observadas na embalagem, rótulo, manual de utilização, bula, etc., bem como aquelas agregadas pelo fornecedor (ou pelo seu preposto como representante, vendedor, demonstrador, etc.) é assegurada pelo ordenamento jurídico, sob pena de caracterização de frustração da oferta (art. 30 do CDC) e inadimplemento contratual (visto que a própria oferta no sistema de proteção do consumidor possui caráter vinculante) ou quebra da boa-fé que maculará o negócio jurídico.

Cláudia Lima Marques, a respeito do Princípio da Confiança no CDC esclarece: “No sistema do CDC, leis imperativas irão proteger a confiança que o consumidor depositou no vínculo contratual, mais especificamente na prestação contratual, na sua adequação ao fim que razoavelmente dela se espera, e irão proteger também a confiança que o consumidor deposita na segurança do produto ou do serviço colocado no mercado”.[7]

Desta forma, os produtos e serviços que de alguma maneira frustrem as legítimas expectativas dos consumidores, restará configurada a quebra da confiança depositada na relação jurídica, impondo a intervenção do Direito como meio de obrigar o suprimento da expectativa ou a reparação do dano verificado.

7. A NECESSIDADE DE A TECNOLOGIA ATENDER A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

Tanto os produtos como os serviços apresentados ou fornecidos no mercado de consumo devem ser adequados e seguros, conforme já tivemos oportunidade de abordar, artigos 8º, 9º e 10 do Código de Defesa do Consumidor.

As transações que se utilizam de sistemas tecnológicos devem assegurar o cumprimento da confiança depositada pelo consumidor e a adoção do sistema de assinaturas com chaves, ou criptográficas, já apresenta um avanço tecnológico a proporcionar um pouco de tranqüilidade aos consumidores.

Porém, sabe-se que diversas empresas já sofreram a invasão dos seus sistemas por hackers, ou piratas de computador, o que comprova que as técnicas empregadas na tentativa de se atribuir segurança aos serviços realizados através da internet ainda não são plenamente confiáveis.

A responsabilidade civil dos fornecedores, segundo as normas do Sistema de Defesa e Proteção do Consumidor, não decorre somente de ato culposo do agente causador da lesão. Assim, “danos patrimoniais e extrapatrimoniais sofridos pelo consumidor deverão ser indenizados independentemente de culpa, por disposição expressa do art. 14 do CDC.”

Isto porque nosso sistema adotou a responsabilidade civil não absoluta ou também chamada responsabilidade mitigada, já que prevê algumas hipóteses em que o fornecedor não será responsabilizado, tais como a comprovação de que o acidente de consumo deu-se pela ocorrência de caso fortuito ou força maior, existência de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 12, § 1º, inciso III e art. 13, § 3º, inciso II, do CDC), inexistência de defeito (art. 13, § 3º, inciso I, do CDC), sendo a prova, nestes casos, de incumbência do fornecedor.

Uma das formas de exteriorização de danos advindos da má qualidade do produto ou do serviço é a ocorrência de fato do produto ou serviço. Para James Marins , “o fato do produto é a manifestação danosa dos defeitos juridicamente relevantes, que podem ser de criação, produção ou informação (defeito), atingindo (nexo causal) a incolumidade patrimonial, física ou psíquica do consumidor (dano), ensejando a responsabilização delitual, extracontratual, do fornecedor, independentemente da apuração de culpa (responsabilidade objetiva”).

Os defeitos juridicamente relevantes são os arrolados pelo art. 12 (defeitos de criação, produção e informação). Assim, pode-se dizer que o fato do produto está ligado a evento ocasionado por defeito (juridicamente relevante) que eterniza suas conseqüências, proporcionando evento danoso ao consumidor.

Portanto, na ocorrência destes defeitos, deverá indubitavelmente ser invocado o Código de Defesa do Consumidor.

No que se refere aos vícios do produto enquadrados no CDC, a melhor doutrina dividiu a categoria em vícios na qualidade, vícios na quantidade ou na disparidade com as indicações.

Os vícios na qualidade decorrem de impropriedade do bem, inadequação do bem ou ainda diminuição de seu valor. Em qualquer dos casos, as saídas oferecidas pelo ordenamento aos consumidores que tenham adquirido produto com vício de qualidade são: a substituição do bem, a restituição do valor pago ou o abatimento proporcional do preço, respondendo os fornecedores solidariamente pelo vício do bem verificado.

Da mesma forma, os vícios na quantidade também provêm de impropriedade, de inadequação do bem ou da diminuição de seu valor e também ensejam a responsabilização solidária dos fornecedores. Porém, com o intuito de se ver ressarcido de seu prejuízo, pode o consumidor exigir o abatimento proporcional do preço, a complementação do peso ou medida, a substituição do produto por outro de igual modelo, marca ou espécie, que não tenha outros vícios, ou ainda a restituição imediata do pagamento, corrigido monetariamente, não se obstando a indenização pertinente.

Finalmente, o vício do produto pode ocorrer pela disparidade com as indicações ou informações constantes do rótulo, recipiente, embalagem, oferta ou mensagem publicitária. Apesar de espécie autônoma de vício, está intimamente relacionada com os vícios na qualidade e na quantidade, devendo portanto, sujeitar-se ao disposto no § 1º, art. 18 do CDC.

Há que se lembrar que a terminologia empregada pelo CDC, no sentido de ‘equiparar-se’ a consumidor todas as vítimas do evento (art. 17) e as pessoas expostas às práticas previstas nos Capítulos V e VI (art. 29), não quer significar que exista qualquer diferença de ordem prática entre os consumidores do art. 2º e outros consumidores conceituados por outros dispositivos do CDC. Da mesma forma, a lei de proteção ao consumidor em momento algum faz distinção de tratamento entre consumidor pessoa física ou jurídica, ao contrário, inovando em relação às leis estrangeiras, o caput do art. 2º conceitua consumidor como “toda pessoa física ou jurídica”.

Em relação à proteção conferida pelo sistema jurídico de defesa e proteção do consumidor às pessoas jurídicas, não vemos como distinguir o tratamento dado às pessoas físicas e o dado às pessoas jurídicas (seja de direito público ou privado).

Consoante afirma James Marins[8], o regime do Código de Defesa do Consumidor para o fato do serviço (art. 14) é bastante semelhante ao do fato do produto, com a diferença de ser mais abrangente:O fato do serviço é a causa objetiva do dano ocasionado ao consumidor em função de defeito na prestação de serviço, isto é, a repercussão do defeito do serviço, causadora de danos na esfera de interesse juridicamente protegido do consumidor. O sistema da responsabilidade pelo fato do serviço é o mesmo do fato do produto”[9].

Assim, atribui-se ao fornecedor a responsabilidade objetiva pelos danos causados à vítima de fato do serviço virtual e a terceiros, dentro do princípio de que aquele que lucra com a atividade deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela decorrentes. Nestes patamares, abrange o CDC tanto os danos de ordem patrimonial, quanto os danos que tangem as esferas físicas e psíquicas.

Distingue-se o fato do serviço, do vício do serviço, uma vez que aquele é concernente à constatação de defeito juridicamente relevante, relativo à ausência de segurança do serviço prestado (art. 14, § 1º, do CDC), portanto de natureza mais grave, ao passo que este seria relativo à falta de qualidade que torne o serviço ou o produto somente impróprio ou inadequado, portanto de natureza menos grave.

Vale ressaltar novamente que, tendo em vista a importância assumida pelos meios sistemas tecnológicos e de informática nos dias atuais, a relação da mesma com seus usuários impende absoluta segurança, que se traduz no mais das vezes como confiança (na espécie, confiança que leva à segurança patrimonial como pontifica a doutrina mais abalizada).

Com absoluto acerto e precisão dispõe o Código de Defesa do Consumidor, quanto ao fato do serviço: “Art. 14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1º- O serviço é defeituoso quando não oferece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I- o modo de seu fornecimento; II- o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III- a época em que foi fornecido”.

Assim, tal deficiência do serviço, por não oferecer a segurança patrimonial que seus consumidores poderiam esperar (§ 1º, do art. 14, do CDC) e configurando a existência de resultado e risco inesperados pelo consumidor (inciso II, art. 14, do CDC), resta caracterizado o fato do serviço bancário virtualmente prestado.

Por outro lado, entende-se por vício do serviço a atividade desempenhada a um ou mais consumidores cuja finalidade de satisfação não é atingida, seja pelo mau desempenho de quem prestou a atividade, seja pela simples impossibilidade de cumprimento, quando não tiver o consumidor qualquer responsabilidade pela frustração do serviço. Responderá o fornecedor quando efetuar a atividade acordada de modo diverso do que fora anteriormente ajustado, ou quando, mesmo que de forma alheia à sua vontade, o serviço não se realizar da maneira esperada.

A responsabilidade pelo vício do serviço decorre de questão ligada ao caráter intrínseco do bem que, uma vez defeituoso, gera insatisfação e prejuízos econômicos ao consumidor. Assim, torna-se o fornecedor objetivamente responsável pela qualidade do serviço prestado ao consumidor, quando não houver observado a adequação, a eficiência, a segurança e a continuidade da atividade realizada, ainda que ignore o vício.

Assegurou o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 20 que, seja qual for o vício constatado no serviço, poderá o consumidor requerer a sua reexecução, sem que para isso tenha de pagar valor além do ajustado, a devolução do valor pago pelo serviço, devidamente corrigido, ou ainda o abatimento proporcional do preço.

Ocorrendo efetivamente o prejuízo, é imperativa a responsabilização dos fornecedor e de todos os demais agentes econômicos fornecedores envolvidos na causação do danos patrimoniais e morais suportados pelo consumidor.

Em outro caso, havendo dano de natureza moral associado ao dano patrimonial, cumpre ressaltar que, por força dos dispositivos do CDC relativos à responsabilidade civil do fornecedor, em especial arts. 12 ao 25, o consumidor deverá ser ressarcido, independentemente do culpado pela ocorrência do fato, por todos os prejuízos que vier a suportar.

Ainda, pode o consumidor vítima de danos morais e patrimoniais intentar ação indenizatória contra qualquer fornecedor participante da cadeia de fornecimento. Isto por força dos dispositivos do CDC.

Dispõe o art. 7º, § único do CDC que: “tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.”

No mesmo sentido, o art. 25, § 1º determina expressamente que “havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação previstas nesta e nas Seções anteriores”.

É claro, portanto, que o sistema de responsabilidade civil adotado pelo CDC é o da responsabilidade solidária, a determinar que todos os fornecedores que participem da cadeia de fornecimento do produto ou serviço instrumento do evento danoso possam responder pela totalidade da reparação dos danos suportados pelo consumidor.

Nunca é demais lembrar que, seja qual for o fornecedor instado a responder pelo ressarcimento, este deverá ser efetuado sem se levar em conta a concorrência do mesmo para a efetivação do evento. Basta que o consumidor demonstre o evento danoso, o dano em si e o nexo de causalidade entre eles para que o fornecedor esteja obrigado a pagar, por força do sistema de responsabilidade objetiva do CDC.

Desta forma, acaso a tecnologia não atenda as garantias de proteção do consumidor, repercutirá na responsabilização do agente econômico (ou agentes tendo em vista a solidariedade prevista pelo sistema legal), nas esferas civil, criminal e administrativa, assegurando-se de qualquer forma a integral reparação dos prejuízos sofridos pelos consumidores, tanto patrimoniais como extrapatrimoniais, tanto individuais como coletivos.

8.CONCLUSÕES

Não obstante a dinâmica legal não ser capaz de acompanhar a dinâmica social e econômica, o sistema de defesa e proteção do consumidor, tomando por base os interesses e necessidades dos consumidores, já protege a população brasileira através do CDC, que se apresenta perfeitamente aplicável às situações decorrentes da prestação de serviços bancários através da rede mundial de computadores.

Nosso sistema legal possibilita ao consumidor ampla proteção e integral reparação dos danos (patrimoniais e extrapatrimoniais), introduzindo legislação que confere celeridade e objetividade no julgamento de conflitos que envolvam relações de consumo como as celebradas entre instituição bancária e financeira e a sociedade.

Contudo, em que pese a garantia legal de que todos os serviços colocados no mercado de consumo brasileiro devem assegurar a sua prestabilidade, segurança e utilidade, não está o consumidor livre da superveniência de falhas provenientes dos dispositivos tecnológicos utilizados pelo fornecedor.

O que falta à sociedade como um todo, portanto, é o conhecimento mais aprofundado deste sistema, da proteção e das garantias que ele nos confere e a conseqüente adaptação e adequação dos fornecedores ao que dispõe nosso diploma consumerista.

Assim, o desenvolvimento social e tecnológico somente pode ser alcançado com a proteção do consumidor, o que se realizaria com a adoção plena do sistema jurídico de proteção do consumidor brasileiro.

 

Referências Bibliográficas
CRETELLA JÚNIOR, José et alii. Comentários ao Código do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção do Consumidor – Conceito e extensão. São Paulo: RT, 1993.
EFING, Antônio Carlos. O Código de Defesa do Consumidor e os Problemas Causados pelo Bug do Ano 2000. In: Responsabilidade Civil do Fabricante e Intermediários por Defeitos de Equipamentos e Programas de Informática. São Paulo: RT, 2000, coordenação de Joel Dias Figueira Júnior e Rui Stoco.
__________________. Prestação de Serviços: Uma análise jurídica, econômica e social a partir da realidade brasileira, de acordo com a EC 45/2004 (Reforma do Judiciário). Curitiba: Revista dos Tribunais, 2005, p. 84.
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 1991.
______ et alii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.
LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. A responsabilidade do fabricante pelo fato do produto. São Paulo: Saraiva, 1987.
MARINS, James. Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto. São Paulo: RT, 1993.
______ et alii. Código do Consumidor Comentado. São Paulo: RT, 1995.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 1992.
______ 2 ed. São Paulo: RT, 1996.
NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado, 2 ed. São Paulo: RT.
PASQUALOTTO, Adalberto. Conceitos Fundamentais do Código de Defesa do Consumidor. In: Revista dos Tribunais, n.º 666/52.
TIMM, Luciano Benetti.  A Prestação de Serviços Bancários via Internet (Home Banking) e a Proteção do Consumidor. In: Revista Direito do Consumidor. Vol. 38, abril-junho de 2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
Notas:
[1] O consumismo leva a uma disputa entre a superprodução de um mercado ciclicamente saturado por objetos obsoletos e à indução de necessidades alienantes que criam uma demanda fictícia por objetos novos, destinados, por sua vez, a uma rápida obsolência. EFING, Antônio Carlos. Prestação de Serviços: Uma análise jurídica, econômica e social a partir da realidade brasileira, de acordo com a EC 45/2004 (Reforma do Judiciário). Curitiba: Revista dos Tribunais, 2005, p. 84.
[2] FILOMENO, José Geraldo Brito et alii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 5ª edição, Rio de Janeiro : Ed. Forense Universitária, 1997, p. 44-45..
[3] Trata-se do Capítulo II do Título I (intitulado Da Política Nacional das Relações de Consumo), que é composto dos arts. 4º e 5º, da Lei 8.078/90.
[4] FILOMENO, José Geraldo Brito et alii. Obra citada, p. 45.
[5] MARINS, James. Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto, São Paulo : Ed. RT, 1993, p.41.
[6] Disposição transcrita do art. 4º, I do CDC.
[7] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.1142.
[8] Et alii, Código do Consumidor Comentado, 2ª edição, São Paulo, Ed. RT, 1995, p. 136-137.
[9] Cf. ob. loc. cit.: “Para o art. 12, em seu caput,  somente ensejam a responsabilidade civil os defeitos ‘decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos’”.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Antônio Carlos Efing

 

Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR

 


 

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