Superendividamento e crédito ao consumidor: reflexões sob uma perspectiva de direito comparado

“Les dettes aujourd’hui, quelque soin qu’on emploie,
Sont comme les enfants que l’on conçoit en joie,
Et dont avec peine on fait l’accouchement.
L’argent dans une bourse entre agréablement;
Mais le terme venu que nous devons le rendre,
C’est lors que les douleurs commencent à nous prendre.”[1]
(Molière, L’étourdi ou les contretemps, ato I, cena V)
“Access to financial markets is important for poor people. Like all economic agents, low-income households and microenterprises can benefit from credit, savings, and insurance services. Such services help to manage risk and to smooth consumption … and allow people to take advantage of profitable business opportunities and increase their earnings potential.”[2]
(Banco Mundial, World Development Report 2000-2001)
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Introdução

O século de Molière não conheceu o fenômeno do superendividamento, ao menos não como se o concebe na contemporaneidade. A tônica anedótica do escritor não deixa, todavia, de acenar para as dificuldades decorrentes do endividamento pessoal, ressentidas desde a sua época.

Quem diz “superendividamento”[3] não se refere a simples endividamento, a semelhança vocabular não dissimula o risco de se pecar, mediante tal assertiva, pela evidência. A gravidade do problema enfrentado na atual sociedade de consumo é bem digna dos fenômenos que nos surpreendem, num mundo globalizado, desde o final do século XX.

Na Europa e na América do Norte, já há décadas o problema recebe inclusive tratamento legislativo. Discursar sobre o superendividamento no Brasil já não é novidade. Vários são os apelos da doutrina[4] que aponta não só a emergência do problema no País, mas igualmente a necessidade de estudá-lo para dar-lhe tratamento específico e lhe evitar as conseqüências nefastas observadas alhures.

Entremeiam-se no estudo do superendividamento inevitavelmente conhecimentos de natureza sociológica, ética, política, psicológica, econômica e jurídica. A compreensão de suas causas nos remete, aliás, à reflexão quanto ao modo de vida na atual sociedade de consumo, quanto às conseqüências do consumo exacerbado e às perdas que implica em termos humanos e ambientais[5].

Sem olvidarmos estes aspectos de singular importância, mas igualmente escapando à sua análise mais aprofundada, interessam-nos no presente estudo os últimos aspectos referidos, quais sejam, as implicações de ordem sócio-econômica e o tratamento em direito positivo do superendividamento, sob uma perspectiva de direito comparado.

A delimitação do tema, todavia, exigirá que façamos ao leitor um alerta: as causas sócio-econômicas geradoras de situações jurídicas que compõem o domínio de aplicação das normas sobre o superendividamento são demasiado vastas; os critérios de sua definição legal utilizados em determinados ordenamentos, caso generalizados, poderiam, por exemplo no Brasil, levar à provável constatação – não tão surpreendente – de que elevadíssima proporção da população encontra-se em situação de superendividamento.

Escolhemos, assim, combinar o estudo do problema com a análise do “crédito ao consumidor”, cuja delimitação metodológica se deve menos por uma diferenciação do tratamento de direito positivo que por razões de interesse prático, das quais nos atemos a duas principais: primeiro, porque dentre as causas constatadas do superendividamento, o crédito surge como a mais importante, senão na realidade atual transmutada dos ordenamentos jurídicos que pioneiramente o conceberam, ao menos na aurora de sua descoberta[6]. Segundo, porque, no ordenamento pátrio, o problema da liberalização desmesurada do crédito ao consumidor está na ordem do dia.

Deve-se notar que, sob seu aspecto econômico, o problema do endividamento individual já figurou entre as preocupações do legislador brasileiro, não são deveras novos os conceitos de insolvência civil e de falência comercial.

Entretanto, a ausência de tratamento legislativo específico de que padece a realidade brasileira atual faz apelo ao estudo de direito comparado. Conforme salientam René David[7] e Rodolfo Sacco[8], numa perspectiva de comparação jurídica importa analisarem-se não somente regras, instituições e sistemas, mas também a funcionalidade das normas, o caráter histórico e sociológico do contexto em que se desenvolveram.

Não fosse por necessidade de explicitar o método comparado[9] no que se refere ao tema proposto, a advertência ao leitor de que a realidade econômico-social e a cultura jurídica brasileiras não se identificam àquelas da Europa e dos Estados Unidos revelaria ingenuidade intelectual.

Outrossim, o atendimento a tais preocupações é que confere pertinência ao estudo e enriquece a possibilidade de se adotarem normas similares em contextos jurídicos divergentes.

“Para melhor comparar uma noção, nada melhor que descontextualizá-la”, afirmava Nicole Chardin ao estudar os contratos de crédito ao consumidor na França[10]. Seguindo tal orientação, elegimos os contextos comunitário europeu e francês como modelos comparativos, além de breves referências ao ordenamento jurídico norte-americano, cujos contrastes político-legislativos entre si e em relação ao contexto brasileiro no tratamento do mesmo fenômeno enriquecerão a demonstração[11].

Enquanto fenômeno da sociedade de massas, a “superexpansão” do crédito ao consumidor e o conseqüente problema do superendividamento exigiram, num momento relativamente recente, a edição de medidas de direito positivo de proteção dos consumidores (I).

No entanto, arriscando-nos a surpreender o leitor que ainda se acostuma à idéia e à compreensão do tratamento dos mencionados fenômenos em direito positivo, forçoso será constatar a necessidade de novas adaptações aos problemas (II) que surgem da evolução acelerada das práticas econômicas relativas ao crédito e de suas conseqüências num contexto comunitário, senão globalizado.

Não nos parece errôneo afirmar que a necessidade de dar respostas a tais mundanças são conseqüência natural dos próprios mecanismos de reprodução operantes na referida sociedade de consumo e – por que não dizer – da “obsolescência programada” que caracteriza atualmente a generalidade dos bens de consumo[12]. Ao jurista cabe, enfim, despertar-se e buscar o socorro do Direito.

I – Soluções de direito positivo

A ideologia neoliberal que predominou no final do século XX no ocidente trouxe como conseqüência a liberalização do crédito. Alguns legisladores sentiram logo, outros com certo atraso… a necessidade de regulação do “direito do crédito ao consumidor”, de modo a evitar o agravamento da condição econômica e social dos consumidores.

O tratamento específico do crédito ao consumidor e das situações de superendividamento se insere na política mais ampla de proteção jurídica do consumidor, e como tal adota igualmente seus métodos e sua lógica[13]: trata-se de fenômenos da sociedade de massas, que afetam não só o interesse individual, mas igualmente o interesse coletivo dos consumidores, e enquanto tal exigem ao mesmo tempo medidas de caráter preventivo (A) e medidas de caráter curativo (B).

A) Medidas preventivas contra o superendividamento

As medidas de prevenção contra o fenômeno social do superendividamento passam, inicialmente, por uma mudança de paradigma econômico e, em seguida, pela tomada de consciência da necessidade de regulação do crédito ao consumidor.

Danielle Khayat relata que até então na França, se poucos detinham conta em banco, obter crédito era a fortiori um privilégio. As instituições concessoras testemunhavam de grande desconfiança e o inadimplemento era em larga medida identificado à culpa, no sentido jurídico e moral, do devedor. Desde 1879, nos departamentos da Alsace-Moselle o tratamento jurídico dispensado aos devedores insolventes continha medidas humilhantes, tais como a imposição do uso em público de um boné verde[14].

A mudança verificada pela liberalização do crédito se deu inicialmente nos Estados Unidos e na Europa dos anos 70 e 80, tanto na consideração do seu papel econômico quanto na sua concessão: a vasta difusão do crédito ao consumidor passaria a ser vista como excelente fomentador do crescimento econômico e do aumento da produção.

Resumidamente, com o surgimento da sociedade de consumo e sua ideologia de desregulamentação, operou-se uma brusca baixa da taxa de inflação e, ao mesmo tempo, dos salários, o que gerou desemprego. O novo “mode de vie” passou a ser o recurso ao crédito.

O legislador europeu, motivado por duas ordens de idéias intrinsecamente ligadas procedeu, a partir de 1974, à elaboração de uma diretiva comunitária que harmonizasse a concessão de crédito ao consumidor no âmbito dos Estados membros, a qual, todavia, somente veio a ser promulgada em 1986 em virtude de divergências políticas no seio da Comunidade[15].

Por um lado, era necessário garantir a livre circulação de bens e serviços no mercado comum e corrigir as imperfeições decorrentes da falta de transparência das transações[16]; por outro lado, igualmente importante era a promoção dos interesses econômicos dos consumidores.

Note-se que a Diretiva tem caráter minimal, o que permitiu aos Estados membros a adoção de medidas mais protetoras dos interesses dos consumidores. O legislador francês, por sua vez, atento aos riscos sociais do endividamento exacerbado de considerável camada da população, adotou importantes medidas desde 1978 sobre o crédito ao consumo.

Quanto à proteção do consumidor[17], os principais objetivos da legislação eram, por um lado, garantir um consentimento racional[18] e refletido (a) sobre sobre a dimensão global do endividamento em que aquele se engajava[19]; ao mesmo tempo, visava a garantir a lealdade nas transações (b) confortando a confiança dos consumidores. Para tanto, adotaram-se as seguintes medidas:

(a) – Forma escrita: a imposição de um formalismo contratual, mediante fornecimento de instrumento obrigatoriamente escrito (oferta preliminar) contendo as informações essenciais sobre a modalidade contratual, notadamente a TAEG (taxa efetiva anual global), vale dizer, uma cifra percentual indicando o valor global do custo da operação – que deve incluir os juros remuneratórios e todos os demais engargos – além das cláusulas gerais contratuais, entre outras; na França, a transgressão a tais normas implica perda do direito à cobrança dos juros convencionais[20];

Oferta: mais protetora que a Diretiva, a legislação francesa prevê a obrigatoriedade de manutenção da oferta durante pelo menos quinze dias (trinta dias para o crédito da habitação) após envio do instrumento de oferta preliminar, para conferir um prazo suficiente de reflexão acerca do endividamento iminente[21];

Reflexão: a Diretiva faculta aos Estados membros a estipulação de um prazo de arrependimento (desdito), durante o qual o consumidor pode “retirar-se” do contrato sem justificativa nem indenizações; a França adotou prazo mínimo de 7 dias para o seu exercício, após a aceitação da oferta; nos contratos de crédito da habitação esse prazo, denominado “prazo de reflexão” é de 10 dias, devendo obrigatoriamente preceder a aceitação do contrato[22];

Interdependência contratual: a Diretiva, embora sob numerosas condições, estabelece expressamente a interdependência entre o contrato de crédito e o contrato que este visa a financiar; além do mais, determina aos Estados membros que disciplinem, nos contratos de “crédito afetado”, a forma de “recuperação” do bem, por exemplo em caso de resolução do contrato principal por inadimplemento, de modo a evitar enriquecimento sem causa; por sua vez, o legislador francês estabeleceu a interdependência, não só nos contratos de crédito ao consumidor, mas igualmente nos de crédito da habitação, e a jurisprudência se encarregou de que a sorte de um siga a mesma a sorte do outro[23];

(b) – Publicidade: afim de evitar um endividamento excessivo e garantir a lealdade nos contratos de crédito, procedeu o legislador à regulamentação específica da publicidade, mediante imposição, nos instrumentos publicitários contendo um mínimo de informações atrativas ao crédito, de apresentação do seu custo global representado pela TAEG; na França restringiu-se, ademais, mensagens publicitárias alusivas a “crédito gratuito”, sendo que a transgressão a tais normas implica sanções penais de multa e, conforme o caso, de prisão[24];

Juros: além da já mencionada obrigação de informação por escrito e anterior à conclusão contratual dos juros, a Diretiva determina especialmente que, nos contratos de abertura de crédito em conta (limite em cheque-especial), ou em casos de saque a descoberto, sejam informados por escrito o limite de crédito permitido e a taxa anual de juros sempre que houver alteração; homenageando a boa-fé, o legislador francês foi além das previsões comunitárias e impôs um teto percentual para os juros, sancionando civil e penalmente a prática de usura[25].

Reembolso antecipado: enfim, entre outras medidas, o direito de reembolso antecipado do montante do crédito, sem indenizações ou sob reduzido percentual regulamentar, caso o consumidor tenha interesse em extinguir suas dívidas antes do termo previsto, sobretudo em épocas de variação acentuada dos juros de mercado.

No Brasil, embora com algumas décadas de atraso, assiste-se nos últimos anos, semelhantemente ao que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos nas décadas de 70 e 80, a uma liberalização nunca antes vista do crédito[26], com forte apelo publicitário dirigido em larga escala sobretudo a segmentos mais vulneráveis da população, notadamente os aposentados. As investidas de tais práticas, deve-se reconhecer, deleitam-se no limiar da abusividade, implicando graves riscos de endividamento excessivo e irrefletido[27].

O legislador brasileiro ainda não interveio mediante elaboração de legislação específica de regulação global do crédito ao consumidor que dê resposta à chamada “onda do crédito”. O Código de Defesa do Consumidor, no entanto, introduziu a partir de 1990 várias inovações, semelhantes em sua finalidade àquelas adotadas pelo legislador europeu, cujas normas indubitavelmente se aplicam ao fornecimento de crédito[28]. Definiu-se ali a Política nacional das relações de consumo, visando a proteger os interesses econômicos dos consumidores, a promover a almejada transparência das transações, mediante a boa-fé e o equilíbrio nas relações entre fornecedores e consumidores[29].

Assim, no que toca à proteção do consentimento, impôs o legislador brasileiro uma obrigação geral de informação completa e adequada sobre as características essenciais da modalidade contratual[30], a qual evidentemente complementa as informações específicas nos contratos que envolvam outorga de crédito (artigo 52, CDC), entre as quais devem figurar a taxa anual efetiva de juros e a soma total a pagar, com ou sem financiamento.

Um direito de arrependimento exercível em sete dias após a conclusão do contrato é concedido aos consumidores, embora se restrinja aos contratos realizados fora do estabelecimento comercial do fornecedor[31].

São, enfim, consideradas nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas nos contratos de compra e venda de bens móveis e imóveis e de alienação fiduciária, caso pleiteada a resolução contratual e a retomada do bem por inadimplemento.

Quanto à promoção da lealdade e boa-fé contratuais, procedeu o legislador consumerista à regulamentação da publicidade, proibindo de forma geral práticas enganosas e abusivas[32], sendo assim consideradas, notadamente, as que tendam a prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, conhecimento ou condição social. Ademais, impôs-se a vinculação das menções publicitárias ao contrato que vier a ser celebrado[33].

Enfim, nos contratos de crédito é assegurada ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos (artigo 52, § 2º).

Todas as medidas legislativas adotadas nos diversos ordenamentos jurídicos mencionados, umas editadas especificamente visando os contratos de crédito, outras aplicáveis a tais contratos em virtude de legislação especial protetora dos consumidores, deveriam ser aptas a prevenir o endividamento irrefletido de consumidores e evitar que sucumbam ao intenso apelo do fornecimento de crédito.

A prevenção do superendividamento dos consumidores dependia, no entanto, do respeito e da efetiva implementação de tais normas por parte dos agentes econômicos aos quais elas se destinavam.

Contudo, a ausência de controle do seu efetivo cumprimento, associada à agressividade das estratégias de marketing num mercado globalizado e altamente competitivo e, entre outros, decisivamente a adoção de política econômica que vê na difusão acentuada do crédito ao consumidor a panacéia de impulsão do crescimento econômico global permitem pressentir que as medidas de prevenção adotadas, sozinhas, “não fizeram verão”.

O legislador não restou inerte ao apelo social por socorro exigindo novas medidas reparatórias das situações de agravamento da condição econômica dos consumidores endividados, o que culminou com a juridicização do superendividamento.

B) Medidas curativas contra o superendividamento

A mudança de paradigma econômico que deu lugar à liberalização do crédito como motor de propulsão da economia não ocorreu sem certa mudança simultânea da ideologia dominante até então. De modo geral, operou-se uma objetivação do aspecto econômico do consumo, mediante a mitigação do aspecto moral[34] que envolvia o auto-endividamento, e uma intenção de certa forma difusa de “responsabilização da economia”[35] no afrouxamento do crédito, vale dizer, de internalização dos custos sociais e econômicos resultantes do intenso endividamento de consumidores que se seguiu a tal política econômica[36].

Na França, à ocasião de um projeto de lei oriundo do governo denunciava-se em 1989 que aproximadamente duzentas mil famílias se encontravam em situação de desespero financeiro, “à beira da completa exclusão social”.

Nessa primeira fase de denúncia do problema, detectou-se que a causa mais importante do que se denominou “superendividamento ativo” era o recurso sistemático ao crédito, o que submetia os consumidores a uma espiral de aquisição de novos créditos diante da incapacidade financeira de reembolsar os adquiridos anteriormente[37].

Não desejando aguardar providências do legislador comunitário, a França viu promulgar-se finalmente a lei com o objetivo de assistir os consumidores que se encontrassem em  situação de superendividamento, cuja definição legal era “a impossibilidade manifesta para o devedor de boa-fé de honrar o conjunto de suas dívidas não profissionais, exigíveis e vincendas”. Comissões administrativas especiais, presentes em cada departamento do país, foram criadas para analisar e julgar os diversos casos.

Após várias modificações legislativas, o tratamento do superendividamento prevê duas fases, cuja implementação dependerá do nível de agravamento da situação do devedor. Para tal verificação analisa-se o passivo contábil global do consumidor em contraste com o ativo existente.

Em uma primeira fase, que podemos denominar administrativa por predominar a atuação da comissão de superendividamento[38], verifica-se a situação do devedor: caso classificada como superendividamento clássico, busca-se, inicialmente, a elaboração de um plano amistoso, com ampla liberdade de negociação com os credores.

Frustrado tal plano, a comissão recomenda ao juízo da execução medidas ordinárias, que compreendem o reparcelamento das dívidas, a redução ou imputação dos juros vincendos sobre o capital devido, ou a redução das quantias ainda devidas após a venda forçada do imóvel de habitação principal do devedor em virtude de privilégio em favor do estabelecimento financiador[39].

Se, diversamente, a situação indicar caso de insolvência por inexistência de patrimônio suficiente, de modo a frustrar as recomendações ordinárias, a comissão pode recomendar medidas extraordinárias, as quais inclem suspensão judicial das execuções em curso, moratória de até dois anos, a cujo termo, persistindo a insolvência, pode-se proclamar a eliminação parcial do conjunto das dívidas[40].

Finalmente, se a situação do devedor indicar situação irremediavelmente comprometida, caracterizada pela impossibilidade manifesta de cumprimento das medidas acima referidas, inicia-se a fase judicial mediante o procedimento denominado restabelecimento pessoal.

Trata-se de espécie de concurso universal de credores, que inclui, resumidamente, a publicação de edital de chamamento a credores, a liquidação do ativo apurado – não sem se considerar um mínimo vital, o “reste à vivre” destinado à subsistência do devedor – e, finalmente, a eliminação da totalidade das dívidas. Após o procedimento, o consumidor sai pronto para um “nouveau départ”…[41]

Nos Estados Unidos, sociedade em que a apologia do consumo vai de par com a ideologia extremamente difundida de que constitui poderoso elemento de aquecimento da economia[42], dificilmente se conseguiria relançar a capacidade financeira de consumo dos indivíduos sem um procedimento reparatório que garantisse aos já superendividados um “fresh start”.

Nesse sentido, a legislação (“Bankruptcy Code”[43]) prevê, para o tratamento do superendividamento, dois procedimentos: a liquidação do capítulo 7º (“straight bankruptcy”) e o ajustamento de dívidas do capítulo 13 (“reorganization”).

Pelo procedimento do capítulo 13, o devedor de boa-fé pode apresentar perante o Tribunal de Falências e obter-lhe a confirmação de um plano geral de pagamento de suas dívidas, caso seja aceito pelos credores e não sofra objeção do “trustee”, um oficial encarregado, em cada tribunal, de velar pela efetiva aplicação das normas relativas ao procedimento e de acompanhar o cumprimento dos planos. Ao final do prazo previsto para o cumprimento do plano, o devedor obterá liberação definitiva de todas as dívidas ali previstas. Em caso de inexecução do plano pode ainda o devedor obter do tribunal a eliminação de suas dívidas não cobertas por garantia pessoal ou real, salvo sua negligência ou fraude, entre outras condições.

Pode também o consumidor superendividado recorrer diretamente ao procedimento previsto no capítulo 7º, mediante o qual se obtém, após a liquidação do ativo apurado, a eliminação total (“discharge of debts”) das dívidas não cobertas por garantia pessoal ou real, excetuadas algumas dívidas de natureza especial.

Vale notar que, sob pretexto do caráter alegadamente relapso do procedimento e de abusos reiteradamente cometidos na eliminação das dívidas dos consumidores supostamente superendividados, a administração Bush aprovou modificações que resultaram no “Bankruptcy Abuse Prevention and Consumer Protection Act”[44]. Tal norma restringe consideravelmente o acesso de consumidores aos procedimentos, sobretudo à liquidação do capítulo 7º e inaugura, entre outros, uma investigação aprofundada (“means test”) dos bens componentes do patrimônio ativo do devedor, preliminarmente à demanda de liquidação, visando a reconduzir as demandas ao procedimento do capítulo 13[45].

No Brasil, como afirmado, a noção de insolvência civil não constitui novidade, o Código de Processo Civil prevê o procedimento específico da “execução de devedor insolvente por quantia certa”[46]. Tal mecanismo de direito comum não se destina, entretanto, exclusivamente aos consumidores, senão que a todo indivíduo insolvente, cujas dívidas superem em valor o seu patrimônio. Nesse sentido, a lógica e a ideologia que o permeiam inscrevem-se na ideologia individualista do direito civil tradicional.

Em resumo, uma espécie simplificada de concurso de credores se inicia com a análise e conseguinte declaração de insolvência do devedor, cujo efeito mais imediato é o vencimento antecipado da totalidade das dívidas[47].

Em seguida, exige-se que o devedor exponha à apreciação do Juízo as “causas” de sua insolvência[48]. Tal exigência remarcável está bem a demonstrar o acentuado subjetivismo que caracteriza tal procedimento, ainda bastante ligado à idéia de culpa, em sentido moral, do devedor pela situação em que se encontra.

Uma vez dado publicidade do procedimento aos credores, procede-se à liquidação dos bens do devedor e, caso não sejam suficientes à apuração total do passivo, conclui-se o procedimento, mas aquele continua obrigado às suas dívidas pelo prazo prescricional de cinco anos[49].

É, enfim, conferida ao magistrado a faculdade de conceder, após consulta aos credores, uma pensão ao devedor, caso não haja sido constatado culpa deste[50]. Nota-se, o procedimento é realizado no exclusivo interesse do credor e o devedor insolvente se encontra em situação de verdadeira sujeição.

A maioria das medidas mencionadas, umas visando à prevenção, outras à reparação da situação de agravamento financeiro em que se encontra o consumidor superendividado, são normas de direito positivo resultantes de intervenções pontuais do legislador em momentos de apelo social por socorro à coletividade de consumidores. Nota-se, contudo, em quase todos os modelos mencionados, seja uma anacronia normativa, seja a ausência pura e simples de disposições específicas que produzam efeitos satisfatórios de tratamento do fenômeno do superendividamento.

Atentos a tais deficiências, doutrina, legislador e inclusive a jurisprudência se inclinam em busca de novas soluções para as mudanças verificadas na realidade sócio-econômica dos diferentes ordenamentos.

II – Em busca de soluções para os novos problemas

Remediar juridicamente uma situação de fato quando se reconhece o direito do sujeito que a alega é não mais que um efeito do princípio constitucional da inafastabilidade. Em princípio, remediar ou reparar supõem, no entanto, o dano, ou no que nos concerne no presente estudo, o agravamento da situação financeira de consumidores superendividados.

Em vista da insuficiência das medidas de direito positivo adotadas, busca-se, seguindo a lógica consumerista, soluções para novos problemas surgidos no seio social, com o objetivo não só de reparar (B), mas antes de prevenir o superendividamento (A).

A) Propostas de renovação das medidas preventivas

A doutrina esclarece que a realidade que motivou a adoção de normas reguladoras do crédito com o objetivo de prevenir o endividamento excessivo de consumidores se modificou substancialmente desde a sua elaboração[51]. Tendo por modelo inicial as vendas a prazo e os crediários, as modalidades contratuais de oferta do crédito se diversificaram e se tornaram mais complexas.

Na Comunidade Européia, além da necessidade de adaptação legislativa às novas formas de crédito, constatou-se que a divergência entre as várias legislações dos Estados membros passaram a constituir entrave ao princípio da livre circulação dos bens e serviços e falseava a concorrência entre os agentes econômicos, com prejuízo inclusive para os consumidores.

Visando a um novo enquadramento jurídico harmonizado do crédito ao consumidor, novas proposições foram formuladas, das quais é notável a Proposta de Diretiva do Parlamento e do Conselho europeu relativa ao crédito aos consumidores – COM2002/0222[52].

Diga-se de passagem, é remarcável a vontade política que fundamenta o objetivo de proteger o consumidor de crédito quando, sabe-se bem, as inovações introduzidas serão impostas, de uma só vez, a vinte e sete países membros[53] por obra de legislador comunitário!

Dentre as inovações, constitui elemento sobranceiro da proteção a expressa consideração na Proposta de Diretiva de que “a regulamentação do crédito ao consumo respeita os direitos fundamentais assim como os princípios reconhecidos notadamente pela carta dos direitos fundamentais da União Européia[54]. Como reforço da proteção do consentimento e da promoção da lealdade e boa-fé, há que destacar:

Informações de base: doravante toda e qualquer publicidade veiculada com referência ao crédito deve conter determinadas “informações de base”, mediante apresentação de um exemplo representativo, a saber: o seu montante total, a taxa anual global, a duração da operação, o número e a periodicidade das mensalidades, assim como todos os tipos de encargos ligados ao crédito. O fim comercial deve aparecer de forma inequívoca[55].

Oferta: a oferta de crédito, apresentada obrigatoriamente por escrito e em suporte durável, deve conter, além das informações acima descritas, minucioso detalhamento sobre a modalidade contratual em questão. A Diretiva reserva disposições especiais para as aberturas de crédito em conta-corrente (os conhecidos “limites em cheque-especial”) as quais impõem, anteriormente a qualquer disponibilização de crédito, o fornecimento de informações sobre o seu montante ou limite, sobre a taxa de juros aplicada e sobre a taxa anual global da operação, entre outras[56];

Empréstimo responsável e obrigação de aconselhamento: a Proposta inaugura em âmbito comunitário a noção de “empréstimo responsável”[57], impondo ao fornecedor de crédito uma obrigação de aconselhamento. Para tanto, deve o fornecedor solicitar todas as informações necessárias – conforme o caso consultando os registros de dados apropriados[58] – para avaliar a solvabilidade do consumidor e se assegurar de que este terá condições de reembolsar o montante pretendido. Ademais, tal obrigação de aconselhamento impõe ao fornecedor alertar o consumidor com informações precisas sobre as vantagens e, conforme o caso, os inconvenientes da aquisição de crédito, além de avaliar qual a forma contratual mais adequada às suas necessidades[59]. Tal obrigação se aplica igualmente nos casos de aumento do montante de crédito anteriormente concedido.

O artigo 10º da Proposta discrimina as informações que devem constar do contrato escrito, dentre elas todos os custos que não se incluem na taxa efetiva anual global, tais como comissões, multas por ultrapassar o limite concedido e multas por inadimplemento; a faculdade de reembolso antecipado e o procedimento para realizá-lo; o direito de retratação e o procedimento para exercê-lo.

Retratação: seguindo o exemplo de vários Estados membros, estabelece-se em nível comunitário um direito de arrependimento, cujo prazo se eleva a quatorze dias, contados a partir do dia de recepção pelo consumidor de uma cópia do contrato concluído.

Cláusulas e práticas abusivas: a Proposta estipula seis cláusulas consideradas abusivas caso inseridas em contratos de crédito[60], sem prejuízo da aplicação da Diretiva 93/13/CE sobre cláusulas abusivas, entre as quais: as vendas casadas; e um sistema de variabilidade da taxa de juros remuneratórios que não se atenha à base da taxa inicialmente estipulada, ou que faça abstração da possibilidade de redução ou outras vantagens. Constata-se, no entanto, que não há previsão de abusividade da taxa em si, a configurar eventual onerosidade excessiva.

Outra inovação da Proposta é a proibição de práticas que exigem do consumidor a emissão de títulos de crédito, letras de câmbio ou cheque como garantia de pagamento do empréstimo tomado[61].

Interdependência contratual: o artigo 19 estabelece a responsabilidade solidária entre o fornecedor de bens e serviços, quando intervier na relação como intermediário de crédito, e o fornecedor de crédito, quanto à indenização ao consumidor por falta de entrega do bem ou serviço, ou por vício de conformidade entre o bem e o contrato respectivo.

Inadimplemento: a Proposta determina aos Estados membros que estipulem medidas necessárias para garantir que o ajustamento final de contas e a liquidação do débito sejam realizados eqüitativamente, e não resultem em enriquecimento sem causa[62].

Sanções: enfim, impõe-se aos Estados membros o estabelecimento de todas as medidas necessárias para garantir a eficácia de suas disposições, as quais devem ser efetivas, proporcionais e dissuasivas: exemplificativamente, a estipulação de perda do direito aos juros, além da manutenção do benefício do pagamento parcelado da dívida, em caso de desrespeito pelo fornecedor do crédito às disposições relativas ao “empréstimo responsável”.

Na França, embora a doutrina indique a necessidade de adaptações pontuais da legislação sobre o crédito[63] e a jurisprudência dê testemunho de vontade de se implementar a lealdade e boa-fé nas transações[64], não há por ora propostas de modificação legislativa substancial. Certo é, contudo, que o legislador nacional deverá se conformar às inovações impostas quando da aprovação das novas propostas comunitárias. Aliás, sobre tal ponto, já há alguns anos a doutrina denuncia que a evolução do Direito do Consumidor na França se opera primordialmente sob o influxo das iniciativas do legislador comunitário[65].

No Brasil, há quase uma década a doutrina aponta a necessidade de se adotarem normas específicas de regulação da matéria[66]. O impacto monetário e financeiro da difusão desmesurada do crédito, tais o risco de inflação, a repercução sobre o nível salarial e a taxa de desemprego, além dos custos sociais que representam, são provas da necessidade de intervenção normativa em tal questão.

Nesse sentido, são apontadas algumas medidas preventivas que, de resto, assemelham-se àquelas preconizadas no contexto europeu, das quais citaremos três por considerá-las mais importantes, no intuito de prevenir o superendividamento.

Notadamente, importa reforçar a proteção do consentimento do consumidor, mediante informação adequada sobre os riscos das operações[67]. A idéia provavelmente mais urgente a ser posta em prática é a de “empréstimo responsável”, devendo-se impôr aos fornecedores de crédito, como imperativo de boa-fé, a avaliação da capacidade de reembolso dos consumidores, a evitar o seu superendividamento[68].

Outra medida de elevada importância, especialmente diante da agressiva solicitação publicitária a que vêm sendo submetidos constantemente os consumidores no País – sobretudo os mais vulneráveis – é a extensão do direito de arrependimento (artigo 49, CDC) a todos os contratos de crédito e não somente aos concluídos “fora do estabelecimento comercial”, de forma a garantir um consentimento refletido.

Enfim, levando ainda em consideração as práticas comerciais correntes no País, a habitualidade das vendas a prazo e dos “crediários”, igualmente importante seria a previsão expressa de interdependência entre o contrato de crédito e o contrato de fornecimento de bens ou serviços. Dessa forma, o consumidor que aceita pagar em várias prestações (por exemplo, as não raras ofertas “pague em 12 vezes” sem juros![69]), uma vez confrontado à inexecução do contrato ou aos vícios do produto ou serviço não se veria, a contragosto, vinculado ao pagamento das prestações.

Embora propugnemos pelo reconhecimento da necessidade de intervenção normativa de regulação do crédito, como acima exposto, a doutrina especializada em Direito do Consumidor parece uníssona em concordar que o maior entrave à prevenção do problema reside, em realidade, no flagrante desrespeito às normas em vigor no CDC. Para tais autores, após quinze anos de existência, o grande desafio consumerista é implementar de forma eficaz as normas protetoras já existentes[70].

Diante de tal desrespeito à lei, válido é nos indagarmos sobre a suficiência de novas soluções normativas destinadas precipuamente a prevenir o endividamento excessivo dos consumidores. Ressurge pertinente, diante da realidade atual, a proposta de medidas curativas do superendividamento.

B) Propostas de renovação das medidas curativas

Deve-se atentar para o fato de que o fenômeno aqui analisado constitui uma situação de agravamento global da condição financeira do consumidor. Trata-se de depreciação considerável e duradoura de seu patrimônio e de sua capacidade de participar ativamente da vida econômica em sociedade, traduzindo-se em sua verdadeira exclusão social.

Na Europa, o legislador comunitário não desconhece tal realidade. Em 13.7.1992 era dado o primeiro alerta sobre o problema do superendividamento, incorporado pela Resolução do Conselho da Comunidade Européia. A partir daí, vários estudos de indicadores econômico-sociais foram realizados visando a oportunidade de implementação harmonizada de normas de tratamento do superendividamento no âmbito de todos os Estados membros.

Tais estudos resultaram em Resoluções e Comunicações do Conselho[71], em que se reafirma a importância do tema para a proteção dos consumidores e sua relação com a realização do mercado comum.

Um documento recente que apresenta sugestões de medidas mais concretas de combate ao superendividamento no âmbito comunitário é o Parecer do Comitê Econômico e Social sobre o sobre-endividamento familiar na União Européia[72].

Dentre elas, as mais importantes são:

a) promover medidas de prevenção e tratamento do superendividamento, tanto de direito material quanto processual, conforme aos princípios de subsidiariedade e da proporcionalidade;

b) realizar estudos do impacto, em termos de agravamento das situações de superendividamento familiar, de medidas políticas adotadas e que se refiram a crédito ao consumo, crédito hipotecário, comunicações comerciais, marketing, publicidade e práticas de comércio;

c) Devem os Estados Membros: – considerar a possibilidade de adotar códigos de conduta para o tratamento de situações de superendividamento; – promover, desde a idade de ensino fundamental e médio, atividades de informação e de educação visando a prevenir o problema[73].

Finalmente, a doutrina sugere outras medidas que poderiam ser úteis, senão necessárias, tais como a disciplina dos créditos imobiliários e a fixação de um teto para as taxas de juros, acima do qual haveria prática de usura[74].

Resta-nos abordar quais propostas se adaptariam melhor à realidade brasileira, considerando a possibilidade de se tratar o problema. O Código de Defesa do Consumidor não prevê normas de tratamento específico do superendividamento, enquanto fenômeno de agravamento global da situação financeira do consumidor.

No entanto, por ser fruto da vontade do legislador constituinte de proteger o consumidor e de velar pela integridade da sua dignidade humana, ali se consagraram normas que visam não só, como já visto, à prevenção do endividamento excessivo e irrefletido, mas que visam a remediar as situações de desequilíbrio contratual.

Cabe notar que na realidade sócio-econômica brasileira, bastante diversa daquelas em que se inserem os referidos procedimentos específicos de tratamento do superendividamento, as mazelas de um consumidor acentuadamente endividado têm, não raramente, como fonte um contrato desequilibrado em sua economia interna[75].

Nessa linha de raciocínio, embora não expressamente com o mesmo objetivo, em determinados casos pode-se obter, mediante aplicação das normas do CDC que visam a restabelecer o equilíbrio contratual, o mesmo efeito de saneamento financeiro do consumidor que proporcionam os tratamentos específicos de superendividamento estudados. Por exemplo, as que concedem direito ao consumidor a que sejam modificadas cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais, além de sua revisão por fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas [76].

Geradoras de efeitos semelhantes são as normas inovadoras do Código Civil em vigor que sancionam a lesão e a imprevisão[77], embora imponham ao consumidor que delas desejar fazer aplicação o regime de direito comum que lhes é inerente.

A considerar, contudo, a insuficiência de tais soluções paliativas e a necessidade de se adotarem normas específicas de tratamento do superendividamento, de grande oportunidade torna-se, inicialmente, a análise de pesquisas que visem à identificação do problema no contexto brasileiro. Louvamos, assim, as iniciativas realizadas com tal fim[78].

Se a amplitude social e econômica dos impactos causados pela inserção de normas de tratamento do superendividamento no contexto brasileiro exigirá certamente grande cautela do legislador[79], a urgência de socorrer a coletividade de consumidores superendividados no País, principalmente em decorrência do crédito, não exige menos firmeza de expressão.

Em busca de modelos jurídicos aplicáveis no ordenamento pátrio, poderíamos nos perguntar se a nova Lei de Falências, com seus inovadores conceitos de “recuperação”, não nos oferece subsídios oportunos para a formulação de estruturas ou princípios específicos ao tratamento de consumidores superendividados.

Se ali os há, parecem-nos dignos de alguma consideração os que visam, mediante a “superação da situação de crise econômico-financeira do devedor”, em primeiro lugar à conservação da unidade econômica da empresa, da sua função social e da manutenção de sua capacidade de participação ativa do ambiente econômico em que se insere[80]; em seguida, as facilidades concedidas ao devedor tais como a livre elaboração de um plano de escalonamento de dívidas em concerto com os credores, e a concessão de prazos de recuperação podem ser eficazes instrumentos de tratamento do superendividamento.

Ao contrário, a necessidade de se imprimir ampla publicidade ao procedimento e a manutenção das dívidas, em caso de decretação da falência e liquidação do ativo[81], durante longo prazo prescricional após sua conclusão parecem-nos, segundo os objetivos próprios ao superendividamento, menos adequadas.

Limitando, finalmente, o espectro da investigação de eventuais medidas de tratamento às situações cuja causa de endividamento excessivo seja o crédito, parece-nos adequada a estipulação de um direito ao rescalonamento da dívida cumulativamente à redução eqüitativa dos juros cobrados, até o limite de sua eliminação total, sobretudo nos casos em que se constatar descumprimento da obrigação de verificação da capacidade do consumidor de cumprir razoavelmente sua obrigação de reembolso – a qual não é mais que um efeito do dever de boa-fé e da noção de “empréstimo responsável” que esta implica.

Conclusão

As vantagens da comparação jurídica merecem ser exaltadas; o exemplo das soluções encontradas em outros ordenamentos servem a inspirar a formulação de idéias adequadas ao sistema sócio-jurídico pátrio, sem necessariamente retirar a originalidade da adaptação das novas soluções ao nosso próprio ambiente cultural[82].

O superendividamento é fenômeno que exige, constatadamente no Brasil, tratamento adequado, em homenagem a princípios de justiça social e de boa-fé nas relações de consumo. A cautela do legislador na elaboração de normas adequadas deve se alinhar, talvez mais que a outros imperativos, à necessidade de velar por que tal normatização não se transmute em benefício de uma classe privilegiada de consumidores.

Mediante esta contribuição, que singelamente fornecemos ao estudo da matéria, cremos haver fundamentado nosso propósito de aderir àqueles que pioneiramente manifestaram a necessidade de remediar, pelo Direito, uma situação de grave desajuste econômico e social no Brasil.

 

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Notas:
[1]  “As dívidas hoje, seja qual for o cuidado que se empregue são como os filhos, cuja concepção se dá em regozijo, mas cujo parto não se faz sem sofrimento. O dinheiro no bolso entra agradavelmente; mas chegado o termo em que se deve restituí-lo, é então que as dores começam a nos constranger.” (Tradução do autor).
[2] “O acesso ao mercado financeiro é importante para os pobres. Assim como os outros agentes econômicos, pessoas de baixa renda… podem beneficiar do crédito, serviços de seguros etc. Tais serviços auxiliam a gestão de riscos e atenuam o consumo… além de permitir-lhes aceder a vantajosas oportunidades de negócios e aumentar seu potencial de renda…” (Trad. Do autor). Apud KUMAR, Anjali in Acces to financial services in Brazil, World Bank, Washington D.C., 2004, p. 1.
[3] Fala-se também em “sobreendividamento”. Esta é, aliás, a expressão adotada em língua portuguesa no âmbito da União Européia. Cf. http://europa.eu.int/eur-lex/pri/pt/oj/dat/2002/c_149/c_14920020621pt00010004.pdf
[4] Ver sobre o assunto no Brasil: Marques, Cláudia Lima. Estudo sobre a efetividade da proteção pré e pós-contratual dos consumidores superendividados no Brasil – O perfil do endividado no Rio Grande do Sul. COSTA, Geraldo de Faria Martins. Superendividamento: a proteção do consumidor de crédito em direito comparado brasileiro e francês. São Paulo, RT, 2002. LOPES, José Reinaldo de Lima. Crédito ao Consumidor e Superendividamento – uma Problemática Geral. Revista de Direito do Consumidor, vol. 17, p. 57 e seg. BERTONCELLO, Káren Rick Danilevicz. Bancos de dados e superendividamento do Consumidor: cooperação, cuidado e informação. Revista de Direito do Consumidor, vol. 50, p. 36 e seg. CASADO, Márcio Mello. Os Princípios Fundamentais como Ponto de Partida para uma Primeira Análise do Sobreendividamento no Brasil. Revista de Direito do Consumidor, vol. 33, p. 130 e seg.
[5] Sobre as conseqüências e o impacto do consumo exagerado na sociedade atual sobre o meio ambiente e sobre a qualidade de vida, cf. Baudrillard, Jean. La société de consommation, Denoël, 1970; GHERSI, Carlos Alberto. Consumo Sustentable y Medio Ambiente. Revista de Direito do Consumidor, vol. 31, p. 97 e seg.
[6] Sobre a evolução das situações de superendividamento de caráter eminentemente ativo para as de caráter passivo na França, cf. Raymond, Guy. Quatrième étape pour le surendettement : le redressement personnel, JCP Contrats- concurrence-consommation, agosto-setembro 2003, p. 7.
[7] Le droit comparé : Droits d’hier, Droits de demain, Paris, Economica, 1982.
[8] La comparaison juridique au service de la connaissance du droit, Paris, Economica, 1991.
[9] Sobre o método do direito comparado, cf. ANCEL, Marc. Utilité et méthodes du droit comparé : éléments d’introduction générale à l’étude comparative des droits, Neuchâtel, Ides et Calendes, 1971. CONSTANTINESCO, Léontin-Jean. La Science des droits comparés, Paris, Economica, 1983. FROMONT, Michel. Les grands systèmes de droit contemporains, Paris, Dalloz, 1987. VAN DER HELM, A. J., MEYER, V. M. Comparer en droit: essai méthodologique, Strasbourg, Cerdic, 1991. WATSON, Alan. Legal Transplants: an Approach to Comparative Law, in Glendon, Mary Ann et. al., Comparative Legal Traditions in a Nutshell, St. Paul Minn., West, 1982, pp. 2-17.
[10] Le contrat de consommation de crédit et l’autonomie de la volonté, Paris, LGDJ, 1988. p. 19.
[11] Para uma comparação geral da proteção do consumidor na Europa e no Brasil, cf. PEREIRA, Wellerson. Pourquoi protéger les consommateurs ? – Analyse comparative socio-économique et juridique des contextes brésilien et européen, Dissertação de mestrado (DEA) na Université de Savoie, Chambéry – França, 2004.
[12] Cf. Baudrillard, Jean. “O sistema dos Objetos”, tradução de Zulmira R. Tavares, São Paulo, Perspectiva, 2002, p. 168.
[13] Sobre a lógica e método adotados pelo legislador consumerista e, nesse sentido, inovador quanto ao direito comum, cf. PICOD, Yves. Droit du marché et droit comum des obligations, rapport introductif, RTD com. nº 51 (1), janeiro-março 1998, p. 1-5.
[14] KHAYAT, Danielle. Le droit du surendettement des particuliers, Paris, LGDJ, 1997. Para uma visão clássica de direito bancário na França, conferir GRUA, François. Contrats bancaires, T. I, Paris, Econômica, 1990. Com visão mais atualizada, v. GAVALDA, Christian e STOUFFLET, Jean. Droit bancaire: institutions, comptes, opérations, services, 5ª ed., Paris, Litec, 2002.
[15] Diretiva 87/102/CE sobre crédito ao consumo. O seu texto em língua portuguesa pode ser encontrado em http://europa.eu.int/eur-lex/lex/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31987L0102:PT:HTML. Sobre o assunto, cf. PAISANT, Gilles et alii. Le crédit à la consommation dans l’Union européenne: le droit communautaire, in La nouvelle loi fédérale sur le credit à la consommation, Lausanne: Cedidac, vol. 51, 2002. DUTOIT, Bernard. La transposition de la directive 87/102/CEE sur le credit à la consommation ou l’apparition d’un kaleidoscope, in La nouvelle loi fédérale sur le credit à la consommation, G. Paisant et alii, Lausanne: Cedidac, vol. 51, 2002.
[16] Cf. PAISANT, Gilles. De l’obligation de transparence dans les contrats de consommation, in Mélanges en l’honneur de Roger Decottignies, PUG, 2003.
[17] As normas comunitárias se destinam às pessoas físicas que contratam com fins não profissionais, e o contrato de crédito é definido como o “contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de pagamento diferido, empréstimo ou qualquer outro acordo financeiro semelhante”. São assim excluídos de sua aplicação os contratos de crédito da habitação, assim como os fiadores, ou garantes.
[18] A expressão é de Nicole Chardin, que afirma que um consentimento racional é resultado de uma renovação e potencialização do conceito de autonomia da vontade real. Op. cit. p. 16-19.
[19] A tal ponto que Denis Mazeaud afirma que o objetivo do legislador era precipuamente a “dissuasão contratual”. Cf. L’attraction du droit de la consommation, in “Droit du marché et droit comum des obligations”, RTD com. nº 51 (1), janeiro-março 1998, p. 95-113 ; do mesmo autor, La formation du contrat, in “ Faut-il récodifier le code de la consommation?”, dir. Dominique Fenouillet e Françoise Labarthe, Paris, Economica, 2002, p. 91 e seg.
[20] Artigo L-311-33 do Code de la Consommation.
[21] Artigo L-311-8 e do mesmo Código.
[22] Artigos L-311-15 e L-312-14-1. Sobre a distinção entre direito de arrependimento (droit de répentir) e direito de reflexão (droit de réflexion), cf. PICOD, Yves e DAVO, Hélène. Droit de la consommation, Paris, A. Colin, 2005; em opinião contrária, ver CALAIS-AULOY, Jean. Droit de la consommation, 6ª ed., Paris, Dalloz, 2003.
[23] A resolução do contrato de crédito da habitação por resolução judicial do contrato principal resultou de interpretação jurisprudencial analógica do artigo L-312-12 do Código do Consumo francês, cuja literalidade prevê que a oferta se aceitará sob condição resolutória da não-conclusão, no prazo de quatro meses a contar de sua aceitação, do contrato para o qual o crédito é solicitado.
[24] Como se verá mais adiante, a Lei nº 2005-67 de 28 de janeiro de 2005 impôs certas condições para a difusão da publicidade sobre “crédito gratuito”, cujo descumprimento enseja as sanções penais previstas nos artigos R-311-4  e seg. do Code de la Consommation. As sanções penais da publicidade enganosa são previstas no artigo L-121-6 da mesma lei.
[25] Artigos L-313-3 a L-313-5 do referido Código. A taxa de juros convencionais usurária seria a que excedesse de um terço a taxa calculada pelo Banco da França segundo as taxas médias de mercado praticadas em modalidades contratuais similares durante o trimestre precedente, a qual obteve ligeira variação em queda nos últimos quatro anos, a 18,38% ao ano nas aberturas de crédito em conta (limite cheque-especial), nos créditos permanentes e nos créditos afetados; e a 11,32% ao ano no crédito pessoal (dados de 2002). A taxa legal de juros variou em queda nos últimos dez anos entre 6,65% e 2,05% ao ano. Cf. Code de la Consommation, Dalloz, 2005.
[26] É bastante reveladora a análise do estudo dirigido por Anjali Kumar, Access to financial services in Brasil, World Bank, Washinton D.C., 2004. Patrocinado pelo Banco Mundial com o objetivo de apresentar ao Estado brasileiro alternativas de modificação legislativa e de política financeira nacional, ali se afirma o “enorme potencial brasileiro de expansão econômica e redução da pobreza mediante difusão de serviços financeiros”, com foco principal no micro-crédito. Para tanto, recomenda-se, por exemplo, que se subtraia da incidência das normas sobre usura diversas modalidades de oferta de micro-crédito destinadas à sua expansão. São, portanto, bem esclarecedoras da “onda de crédito” que se vê nos últimos anos as palavras de agradecimento a tais sugestões do ex-presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meirelles, em 7.1.2003, consignadas em tal documento: “A área de regulação e organização do sistema financeiro focalizará crescentemente os seguintes aspectos: … criação e amelhoramento dos instrumentos financeiros e de atividades que visem à difusão e barateamento do crédito. É nossa prioridade melhorar a regulação dos mecanismos que difundem o acesso da população ao sistema financeiro”. Provavelmente não se creram incompatíveis tais formas de expansão econômica pelo micro-crédito com o arriscado fenômeno do superendividamento de consumidores… Igualmente surpreendentes são os dados revelados pela revista Veja, edição de 18 maio de 2005, em que se denunciam os efeitos da “ressaca do crédito”. Segundo as estatísticas apresentadas, o montante adquirido por consumidores de crédito se elevava, em um ano, a dezessente bilhões de reais, dos quais seis bilhões foram adquiridos apenas por aposentados, o que exigiu do governo uma espécie de “força-tarefa” composta pelos ministérios da Fazenda, da Previdência e da Justiça, além do Banco Central, para refrear o consumo exorbitante. Dentre os efeitos maléficos da temeridade na liberalização do crédito apontavam-se, por exemplo, o aumento da inadimplência, a inscrição de um milhão e meio de consumidores nos registros de inadimplência somente de janeiro a abril do mesmo ano, além de prejuízos financeiros, tais como os do Banco Popular, que fora obrigado a reduzir bruscamente as aberturas de crédito em conta de R$ 600,00 a R$ 50,00.
[27] “Prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços” é prática abusiva e vedada pelo CDC – artigo 39, inciso IV.
[28] O que se confirma pela decisão do Supremo Tribunal Federal de 7 de junho de 2006 na ação direta de inconstitucionalidade nº 2.591-1, a qual negou provimento ao pedido de declaração de contrariedade à Constituição da aplicação do CDC às relações de consumo em que figurassem instituições bancárias e financeiras.
[29] Artigo 4º caput e inciso III.
[30] Artigos 6º., III , 31 e 46.
[31] Os contratos de crédito concluídos à distância, notadamente por meio eletrônico, internet ou telefone, integram sem dúvida o campo de aplicação da aludida norma.
[32] Artigos 6º, inciso IV e 37.
[33] Artigo 30.
[34] Sobre a influência, nos países em que tal mudança efetivamente se operou, da ética protestante, cf. KHAYAT, Danielle, op. cit.
[35] Nas palavras de Jason Kilborn em La Responsabilization de l’Économie : What the U.S. Can Learn From the New French Law on Consumer Overindebtedness, in Michigan Journal of International Law, n. 26, 2005.
[36] Se bem nos permitamos duvidar de que tal política, implementada no Brasil, possui efetivamente como anteparo uma mudança ideológica, pelo menos no que toca especificamente a uma dita responsabilização da economia pela liberalização do crédito, outrossim indubitável é a reviravolta a que assistimos no comportamento das instituições fornecedoras na concessão de crédito, tanto na facilidade de aquisição quanto na ausência temerária de precaução sobre a capacidade de reembolso dos consumidores adquirentes. Oxalá o futuro nos mostre estar enganados quanto à suspeita de que tal política, que mais nos parece paradoxal com a intenção manifestada pelo governo de controle da inflação, procede, em verdade, da aplicação de estratégias econômicas neoliberais a um contexto sócio-econômico arredio e impropício.
[37] Cf. PAISANT, Gilles El tratamiento del sobreendeudamiento de los consumidores en derecho francés. Revista de Direito do Consumidor, vol. 42, p. 9 e seg.
[38] Tal procedimento continua, todavia, sob ulterior controle judicial, aliás com significativo aumento dos poderes do juiz desde a previsão legal inicial do procedimento. Cf. La réforme de la procédure de traitement des situations de surendettement par la loi nº 95-125 du 8 février 1995, JCP, Éd. G, n. 19, p. 199. (versão em português nos cadernos do programa de pós graduação em direito PPGDir./UFRGS, número III, março 2005).
[39] Artigo L-331-7 do Code de la Consommation.
[40] Note-se que a lei modificativa nº 98-657, de 29 de julho de 1998, até a reforma operada pela lei nº 2003-710, de 1º de agosto de 2003, trazia a possibilidade de eliminação total do conjunto das dívidas do devedor.
[41] Parte da doutrina se demonstra cética quanto à eficiência de tal procedimento em proporcionar o exaltado “novo começo”. Cf. PAISANT, Gilles. La réforme de la procédure de traitement du surendettment par la loi du 1er août 2003 sur la ville et la rénovation urbaine, RTDcom, oct/dec. n. 4, Dalloz, 2003, p. 671.
[42] Para exemplos caricaturais de slogans incitativos americanos ilustrados por Vance Packard, cf. Jean Baudrillard em “O sistema dos Objetos”, op. cit. p. 170.
[43] O Código de Falências americano, ou “U.S. Bankruptcy Code” (Título 11 do “U.S. Code”), foi editado em 1978 em substituição ao “Bankruptcy Act”, também conhecido como “Nelson Act” de 1898, compreendendo tanto as normas de falência comercial quanto as de tratamento do superendividamento de consumidores (“individual overindebtedness”) e desde então sofreu numerosas reformas legislativas. O texto da lei pode ser encontrado no site oficial da Câmara de Representantes http://uscode.house.gov/download/pls/Title_11.txt
[44] Lei de prevenção contra abusos no superendividamento e de proteção ao consumidor, de 20 de abril de 2005. Tal legislação, cuja aprovação fora bastante controvertida, sofreu severas críticas por reduzir os direitos dos consumidores sem, em contrapartida, prever normas eficazes de prevenção dos abusos cometidos na concessão de crédito. Entre outras medidas controvertidas, estipula-se doravante a responsabilidade solidária do advogado do demandante cuja proposição de liquidação de dívidas seja considerada fraudulenta ou abusiva.
[45] As estatísticas de 2003 e 2004 apontam o recurso de consumidores ao procedimento do capítulo 7º três vezes superior ao do capítulo 13, com 1.153.865 demandas em 2004 fundadas no primeiro, contra 454.412 no segundo. Cf. em http://en.wikipedia.org/wiki/Chapter_7%2C_Title_11%2C_United_States_Code
[46] Artigo 748 e seg. CPC.
[47] Artigo 751, inciso I, CPC.
[48] Artigo 760, inciso II.
[49] Artigo 774, CPC.
[50] Artigo 785, CPC.
[51] PAISANT, Gilles. Le crédit à la consommation dans l’Union européenne: le droit communautaire, op. cit.
[52] Para uma versão em língua portuguesa do texto da Proposta de Diretiva, cf. http://europa.eu.int/eur-lex/pt/com/pdf/2002/com2002_0443pt01.pdf
[53] Se para os países já membros desde o início da elaboração da Proposta trata-se, mais exatamente, de implementação de um compromisso, para o qual efetivamente contribuíram por intermédio de seus representantes nas instâncias comunitárias, tal implementação representa provavelmente verdadeira imposição aos vários países recentemente integrados. Hoje compõem a União Européia, em realidade, vinte e cinco países membros, cujo número alcançará vinte e sete a partir de 2007, mediante inclusão da Romênia e da Bulgária.
[54] A assertiva se encontra no “Considerando” nº 27 da Proposta de Diretiva. Note-se que o campo de aplicação da legislação foi alargado para incluir os garantes e fiadores, além de estabelecer o teto de cem mil euros por crédito concedido globalmente.
[55] Os artigos 4º e 5º da proposição inicial da diretiva incluíam ainda a proibição do comércio de porta a porta. Tal proibição foi eliminada nas modificações da proposta de 28.10.2004 “afim de evitar o entrecruzamento de tais disposições com as já previstas na Diretiva sobre vendas porta a porta”. Cf. COM(2004)747 final.
[56] Todo uso superior ao montante de crédito concedido, ou “extrapolamento” do limite de crédito autorizado em conta-corrente deverá ser comunicado imediatamente ao consumidor, mediante discriminação das taxas e encargos aplicáveis. Tal situação de mora deve ser regularizada em, no máximo, três meses (artigo 25).
[57] Na Europa, a Suíça foi o país pioneiro na consagração legislativa de tal noção, mediante a Lei Federal do Crédito ao Consumidor. Como se sabe, no entanto, tal país não integra a Comunidade Européia. Cf. STAUDER, Bernd. Le crédit à la consommation, (Polycopie) Université de Genève, 2003/2004.
[58] Os Estados Membros devem criar bancos de dados centralizados para registro de incidentes de não pagamento. Os fornecedores de crédito devem consultar estes dados antes de conceder o crédito, com a única finalidade de avaliar a capacidade de reembolso dos consumidores (artigo 8º).
[59] Artigos 6º e 7º.
[60] Artigo 15. Para uma visão da matéria anterior às propostas, cf. CALAIS-AULOY, Jean. Les clauses abusives en droit français, in « Les clauses abusives dans les contrats types en France et en Europe », dir. J. Ghestin, LGDJ, 1990, p. 114 et seg.
[61] Artigo 18.
[62] Artigo 26.
[63] PAISANT, Gilles et alii. Op. cit.
[64] É de notar a decisão da Corte de Cassação que, constatando a negligência de um fornecedor de crédito imobiliário pela ausência de avaliação da capacidade de reembolso do consumidor, estabeleceu pela primeira vez em 27.6.1995, sob os aludidos fundamentos jurídicos, a responsabilidade da instituição de crédito pelo agravamento da situação financeira do consumidor, cujo montante indenizatório teria o mesmo valor do capital emprestado.
[65] Cf. PIZZIO, J.P. La protection des consommateurs par le droit commun des obligations, in “Droit du marché et droit commun des obligations”, RTD com. nº 51 (1), janeiro-março 1998, p. 53-69.
[66] Cf. MARQUES, Cláudia Lima. Os Contratos de Crédito na Legislação Brasileira de Proteção ao Consumidor, in: Revista de Direito do Consumidor, n. 17, 1996, p. 36 e ss.; Contratos bancários em tempos pós-modernos – Primeiras reflexões, in: Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 15, 1998, p. 33 e ss.
[67] Durante o I Congresso Internacional de Direito do Consumidor realizado em setembro de 2005 em Gramado-RS, o colega Geraldo Martins Costa sugeriu a imposição de sanção penal para o descumprimento do artigo 52 do CDC. Cf. seus apontamentos em Superendividamento… op. cit.
[68] Sob o ângulo da proteção do consentimento do consumidor, duas modalidades de crédito merecem atenção especial, não só pela sua prática extremamente difundida, mas igualmente pelo alto risco financeiro que representam. Em primeiro lugar os chamados limites em conta (cheque-especial): segundo o referido estudo realizado sob os auspícios do Banco Mundial (Access to financial services in Brazil, op. cit.), entre as diversas classes sociais da população, tais aberturas de crédito constituem uma das modalidades contratuais a que mais comumente recorrem os consumidores das classes C e D, sobretudo pela facilidade de sua obtenção, haja vista a pré-existência de um quadro contratual de conta bancária já concluído; ademais, em tais casos são normalmente dispensadas análises mais aprofundadas do histórico financeiro e evolução patrimonial dos adquirentes. Outra modalidade contratual de concessão de crédito bastante difundida constitui, nos contratos de cartão de crédito, a faculdade de “pagamento mínimo” das prestações,  para cujo financiamento da parte postergada praticam-se normalmente as taxas de juros mais elevadas do mercado de crédito. Em ambos os casos, informações básicas sobre a operação, tais como o valor dos juros, o montante total e a duração do crédito, as quais devem ser prestadas anteriormente à sua outorga (artigo 52, caput, CDC), na maioria das vezes são negligenciadas, isso admitindo-se – provavelmente sem razão… que os consumidores, quando muito, têm conhecimento de que tais operações se tratam efetivamente de concessão de crédito. Sobre o dever de informação, cf. STIGLITZ, Rubén S. La obligación Precontractual y Contractual de Información. El Deber de Consejo. Revista de Direito do Consumidor, vol. 22, p. 9 e seg.
[69] Seguindo a lógica de comércio, o vendedor que permite o parcelamento do pagamento sem cobrar juros, mormente quando os prazos concedidos são assaz longos, buscará evidentemente encontrar meios de se refinanciar. Há que se atentar, portanto, para as práticas desleais de mascaramento de juros, já embutidos no preço de venda. Note-se que, na França, a publicidade relativa ao “crédito gratuito” era proibida até o advento da lei liberativa nº 2005-67 de 28 de janeiro de 2005. Doravante – embora pareça paradoxal – toda publicidade que comporte a menção “crédito gratuito” ou que proponha vantagem semelhante deverá indicar o valor do desconto para pagamento à vista, além de indicar quem suporta o custo do crédito concedido “gratuitamente” aos consumidores! (V. nota 22 supra).
[70] Antônio Herman Benjamin, um dos autores do Anteprojeto de Código do Consumidor, é um dos vetores de tal doutrina, cujas conclusões foram apresentadas no referido Congresso de Direito do Consumidor em setembro de 2005 (nota 58 supra). Outrossim, afirmando o dever do Banco Central do Brasil na implementação das normas do CDC, cf. EFING, Antônio Carlos. O dever do Banco Central do Brasil de Controlar a Atividade Bancária e Financeira, Aplicando as Sanções Administrativas Previstas no Sistema de Proteção do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, vol. 26, p. 18 e seg.
[71] Comunicação do Conselho da Comunidade Européia, intitulada “Objetivos de luta contra a pobreza e a exclusão social”, publicada no Jornal Oficial CE nº. 82, de 13.3.2001, em cujo texto se incita à “Ajuda aos vulneráveis”. Também importante foi a Resolução do Conselho relativa “ao crédito e ao endividamento dos consumidores”, nº. 2001/C 364/01, de 26.11.2001, na qual se reconhece que “se é certo que o crédito constitui um dos motores do crescimento econômico e do bem-estar dos consumidores, também representa um risco para os fornecedores de crédito e uma ameaça de excesso de encargos e de insolvência para um número cada vez maior de consumidores”, constatando-se que “a maioria dos casos é gerada pelo crédito ao consumo”.
[72] Publicado no Jornal Oficial n. C 149, de 21.6.2002. Com base nos artigos 2º e 34 do Tratado de Amsterdam e do artigo 153 do Tratado de Roma que instituiu a CE, o Parecer alerta para a clara necessidade de harmonização das medidas legislativas, judiciárias e administrativas sobre prevenção e tratamento do superendividamento.
[73] Outras sugestões referidas no Parecer são: proceder à publicação oficial dos dados estatísticos sobre o fenômeno, assim como lançar procedimentos de concorrência pública para avaliação e síntese dos sistemas de tratamento da questão em direito comparado; criar uma espécie de “observatório europeu do superendividamento” para acompanhar a evolução do fenômeno no seio da União européia, mediante a troca de informações entre os Estados membros; estes devem cooperar nos esforços de troca de informação, sobretudo no que toca às medidas nacionais de tratamento legal de execuções por inadimplemento, de insolvência civil e de procedimentos de cobrança de dívidas; considerar a possibilidade de adotar medidas de cooperação para o tratamento de situações de “pluriendividamento”, resultantes de créditos transfronteiriços, por meios extrajudiciais.
[74] PAISANT, Gilles et alii. Le crédit à la consommation dans l’Union européenne: le droit communautaire, in La nouvelle loi fédérale sur le credit à la consommation, Lausanne: Cedidac, vol. 51, 2002.
[75] Ver os vários exemplos, tristes por verdadeiros, de casos concretos submetidos à apreciação do STJ em AGUIAR JR., Ruy Rosado de. Os Contratos Bancários e a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília: CJF, 2003.
[76] Artigo 6º, inciso V, CDC. O artigos 39, inciso V; 51, inciso IV e 51, §1º, inciso III se referem, respectivamente, às práticas e às cláusulas que, por causarem desvantagem exagerada, manifestamente excessiva ao consumidor, são consideradas abusivas e nulas de pleno direito. Cf. sobre a matéria SILVA, Luis Renato Ferreira. Causas de Revisão Judicial dos Contratos Bancários. Revista de Direito do Consumidor, vol. 26, p. 125 e seg. Importante notar, todavia, que a jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de não aplicar tais normas às convenções de juros praticados por instituições financeiras, reservando porém a noção de abuso.
[77] Artigos 157, 317, 478 e 479 do Código Civil.
[78] Cf. as conclusões apresentadas sobre o tema no “Seminário Internacional Defensoria Pública e a Proteção do Consumidor” realizado em outubro de 2004 em Porto Alegre-RS e que culminaram na “Carta de Porto Alegre”, cujo texto se encontra no site http://www.anadep.org.br/destaques/cartaportoalegre.htm. Ver ainda MARQUES, Cláudia Lima. Estudo sobre a efetividade da proteção pré e pós-contratual dos consumidores superendividados no Brasil – O perfil do endividado no Rio Grande do Sul. (Apresentação na palestra de abertura do “Seminário Internacional – Defensoria Pública e a Proteção do Consumidor, dia 21 de outubro de 2004, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFRGS”).
[79] Os dados denunciados pelo legislador francês para fundamentar a inauguração da legislação especial, de “200.000 famílias à beira da exclusão social”, poderiam parecer estatisticamente pouco significantes confrontadas à realidade brasileira, onde se afirma haver cinqüenta milhões de indivíduos “vivendo” em completa miséria. Em todo caso, por razões de ausência absoluta de meios econômico-materiais, muito provavelmente tais indivíduos se veriam excluídos do grupo de freqüentadores das instâncias de tratamento do superendividamento eventualmente instituídas. Tal argumento, todavia, não deve ser dissuasivo dos esforços de elaboração normativa, pelo qual propugnamos, e que visam à dar socorro jurídico a um problema social constatadamente grave. Sobre o problema da discriminação social de consumidores quanto ao acesso às normas especiais de proteção, cf. Benjamin, Antônio Herman. Consumer Protection in Less-Developed Countries: The Latin American Experience, in Consumer Law in Global Economy, 1997, p. 49-50.
[80] Artigo 47, Lei nº 11.101 de 9 de fevereiro de 2005.
[81] Interessante notar as justificativas do legislador francês, à ocasião da elaboração do texto inicial da lei, para refutar veementemente a extensão da aplicação em todo o território nacional do modelo de falência civil instituído nos departamentos da Alsace-Moselle, sob pretexto de que tais medidas “infligiriam incabível infâmia aos consumidores que se submetessem a tais procedimentos, além de exigir custos desproporcionais aos valores das dívidas em causa”. Ademais de submeter os consumidores “a situações de indigência e exclusão social inadmissíveis”, tal procedimento “faria crerem os franceses que poderiam contrair dívidas e não pagá-las”. Ver as críticas de PAISANT, Gilles. La réforme de la procédure de traitement du surendettment par la loi du 1er août 2003 sur la ville et la rénovation urbaine, RTDcom, oct/dec. n. 4, Dalloz, 2003, p. 671.
[82] A exemplo do próprio Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, inspirado amplamente em modelos de direito estrangeiro. V. a introdução de GRINOVER, Ada Pellegrini in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 5e éd, 1997.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Wellerson Miranda Pereira

 

Mestre em Direito das relações de consumo pela Universidade de Lausanne, Suíça
Doutorando em Direito Privado na Université de Savoie, França em co-tutela com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

 


 

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