Relações homoafetivas e subjetividade

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Resumo: No Brasil, as relações familiares foram regidas por sistemas jurídicos que variaram ao longo do tempo. No presente, as garantias conquistadas pela família vão ao encontro do Estado Democrático e indicam que os desafios como o reconhecimento das relações homoafetivas terão maiores facilidades para serem vencidos já que o princípio básico dessas relações é a afeição e o respeito mútuo entre seus membros. Embora haja controvércias entre juristas e operadores do direito, parte destes afirmam que o assenso dessa questão dá-se em razão da necessidade de tornar as relações homossexuais protegidas na seara jurídica pelo direito de família para que possa produzir efeitos idênticos aos da entidade familiar. O presente estudo, objetiva pensar sobre algumas questões sociais e jurídicas que perpassam as relações entre pessoas do mesmo sexo, para compreender como se opera esse novo arranjo familiar na sociedade brasileira.


Palavras-chave: homossexualidade; subjetividade; entidade familiar


Resume: En Brasil, les relations familiers font reger pour systèmes juridiques qui vaier  au long des temps. En présent, les garanties conuuérir por la famille va à le encontre de État Démocratique et indiquer qui les défilers comme le reconnaissance de les relations homoafetivas/homosexuel auront plus facilités pour ont vaincre partez le début fondamental de ces  relations est la affections et le respect réciproque parmi ses membros. Quoique avoir controverses parmi juristes et opérateur du droit, part de ces affirmer  qui la élévation de cette question se trouve en raison de la nécessité le rendre les relations homosesuel protége en aire juridique per le droit de la famille en qui posséder produire effets identiques du entités familiers. Le presente étudier objective, penser en quelques questions juridiques et sociales qui perpassan les relations entre personnes du même sexe, en compreende comme si opérer ce noveau arrangement familier en société brésilien.


Most clés: homosexuel; subjectivité; entités familiers


1. Introdução


Ganha ênfase por parte dos estudiosos do direito, principalmente, pelos do direito de família, as questões da subjetividade e da afetividade. Esta última enquanto um dos elementos constitutivos da primeira mostra-se um caminho possível para uma vida familiar mais harmônica quando empregada no sentido de amor, gratidão, lealdade, fraternidade etc. (BOCK, 2003). Esses elementos não são privilégios do direito de família, mas é nesse ramo que eles têm se propagado como resposta a uma cultura de desrespeito e desvalorização de uma parcela marginalizada da população brasileira, da qual fazem parte, entre outras, as famílias compostas por casais homossexuais.


O presente trabalho surge de uma profunda inquietação quanto ao não reconhecimento dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da inviolabilidade da vida privada e da intimidade previstos, por aqueles que têm o dever de consagrá-los, e quanto ao sofrimento que esse não reconhecimento acarreta àqueles que têm a coragem de se impor e lutar por uma vida digna.


Assim, objetiva pensar sobre algumas questões sociais e jurídicas que perpassam as relações homossexuais, para compreender como se opera esse novo modelo de arranjo familiar na sociedade brasileira.


2. Famílias: vivências e relações-interpessoais


Estudando a trajetória da vida familiar, constata-se que do espaço público a família restringiu-se ao privado e que esse não foi suficiente para resguardar os interesses de seus membros, haja vista que eles continuam expostos a todos os tipos de violências intra e extra-familiar (ARIÉS, 1981). A inserção de valores, como o da afetividade presente no discurso de alguns estudiosos do direito, mostra-se um caminho possível para a solução dos problemas que afetam a composição de novos grupos familiares formados por casais homossexuais.


Desde as décadas de 60 e 70 do século passado, a sociedade brasileira vem passando por transformações econômicas e sociais que acarretam mudanças nas formas de sociabilidade caracterizada pela emergência de novos modos de relacionamento familiar, interpessoal, afetivo e sexual (ROMANELLI, 1998). Acresce-se a essas, as novas modalidades de arranjos domésticos, por exemplo: a família nuclear constituída por marido, esposa e filhos, unidas pelo matrimônio ou constituídas por uniões estáveis; as famílias matrifocais ou famílias chefiadas por mulheres, compostas por mãe e filhos; as famílias ampliadas, nas quais parentes do lado materno ou paterno agregam-se ao arranjo nuclear; as famílias recompostas, em que um parceiro ou ambos, já teve ou tiveram união anterior e conceberam ou tiveram filhos e as famílias compostas por casais homossexuais. Dias (1995), ao estudar o casamento e a família no Brasil atual, comenta que o que mais chama a atenção em seus estudos são as radicais mudanças nas composições familiares.


“[…] a perda do valor do casamento indissolúvel (‘até que a morte os separe’) com o advento da legalização do divórcio inicia toda uma discussão referente aos papéis sociais destas pessoas nas novas composições de família. E é por acreditar que o gênero é uma construção sócio-histórica e que, portanto, os conceitos de família, de masculinidade/feminilidade, de maternidade/paternidade precisam ser entendidos dentro do contexto a que se ligam.” (DIAS, 1995, p.9)


De um lado, a diversidade dos arranjos familiares é interpretada como o novo e alguns estudiosos das diversas áreas do conhecimento, entre elas a Antropologia, o Direito e a Psicologia, procuram intervir junto a essas mudanças em busca de caminhos que dêem conta de administrar essas novas realidades; e, de outro, a concepção utilizada para estudar essa diversidade está fundada no antigo modelo nuclear – pai, mãe e filhos – criado com o aval do Estado e da religião é concebido como um modelo ideal, bom, justo, confortável e desejável, no qual se pensa que exista em seu interior, maior espaço de carinho e proteção e faz com que esse seja o tipo de arranjo doméstico idealizado (DIAS, 1995).


Os que idealizam o modelo nuclear esquecem-se, de que da constituição familiar afloram funções biológicas, psicológicas e sociais (NEVES, 2004), e que essas funções devem ser exercidas por qualquer tipo de arranjo familiar. Do ponto de vista biológico, a família deve garantir não apenas a reprodução, mas a sobrevivência, as funções psicológicas dizem respeito à subjetividade e ao plano afetivo e as funções sociais estão ligadas à questão da reprodução social e da socialização enquanto aprendizado das regras e dos valores existentes na sociedade.


As famílias compostas por casais homossexuais têm saído do anonimato. Vizinho e parentes agora tomam conhecimento dessas composições, no entanto, nossa legislação não regulamentou o casamento de casais homossexuais e nem os reconheceu com o direito de se unir em uniões estáveis, posto que a lei a prevê, somente para o homem e a mulher.


Dessa forma, se por um lado, enfrentam o preconceito quanto à constituição de uma família ou adotarem – conjunta ou separadamente – e a criarem filhos consangüíneos de união anterior de um dos parceiros ou não, por outro, não estão juridicamente, amparados quanto às garantias instituídas na seara do direito de família decorrentes dessa relação, que diz respeito aos alimentos, aos bens adquiridos com o esforço comum, as dívidas contraídas pelo casal, aos direitos sucessórios, usufruto e direito real de habilitação etc.


Com efeito, essa limitação legal funda-se numa visão estreita e limitada que tende a considerar a família como unidade independente do conjunto da vida social. É necessário, portanto apreender e examinar o modo como as diferentes organizações familiares relacionam-se com a esfera pública, analisar os vínculos que os integrantes mantém entre si, bem como investigar como as necessidades domésticas são atendidas por diversas instâncias do poder público. 


Finalmente, é preciso esclarecer que o conceito de família varia de acordo com a área do conhecimento que a estuda. “É justamente o saber produzido por diversas disciplinas que auxilia a pensar o conceito e o significado contextualizado do substantivo família.” (NEVES, 2004, p. 27). Apreende-se das lições advindas do direito de família que seu conceito está ligado às relações entre o homem e a mulher unidos pelo casamento, ou por união estável, ou pelo parentesco e os institutos complementares de direito protetivo ou assistencial.


Segundo a orientação da Antropologia, o conceito de família é mais extenso.


“O conceito de família tem sido empregado para se referir à unidade de reprodução biológica e social, criada por laços de aliança, instituído pelo casamento e também por uniões consensuais, por vínculo de descendência entre pais e filhos – biológicos ou não – e por laços de consangüinidade entre irmãos.” (DURHAM, 1983; LÉVI-STRAUSS, 1986 apud ROMANELLI, 2002, p. 249)


É oportuno ressaltar que, contra a concepção divina, eterna e imutável da família, o marxismo enfatiza seu caráter histórico e cultural e reafirma a análise da família como instituição social, histórica e determinada.


3. Questões jurídicas que perpassam as relações homoafetivas


No Brasil, as relações familiares foram regidas por sistemas jurídicos que variam ao longo do tempo. Analisando a família a luz do Direito Constitucional brasileiro, observa-se que as mudanças nas normas obedecem a momentos sociais, culturais, políticos e econômicos próprios, sendo a atenção e o interesse pelas questões familiares nas primeiras Constituições reflexos da época de suas elaborações. Observa-se, ainda que seu reconhecimento se deu, de forma sistematizada na atual Constituição, em razão desse momento  privilegiar a dignidade humana e reconhecer a função social que a família exerce no seio da sociedade a partir da igualdade absoluta dos cônjuges, conviventes e prole.


A última Constituição foi promulgada em uma época de transição. Logo após sua entrada em vigor, o mundo assistiu a queda do Muro de Berlim, que sinalizou o término da Guerra Fria entre as duas potências EUA e URSS, o que contribuiu para a implantação, a passos largos, da globalização econômica por meio de um sistema neo-liberal implantado nos Estados Unidos, no qual o Estado sai da economia, privatizando partes do sistema onde ele atuava e fortalecendo a livre iniciativa.


Esses acontecimentos também influenciaram, na nova ordem social mundial. Todavia, a Carta Política de 1988, não observou essa nova ordem, embora tenha, em parte, acatado as transformações que já vinham ocorrendo no Brasil e em outros países e considerou a família a base da sociedade dando-lhe especial proteção do Estado, mediante assistência na pessoa de cada um de seus membros e a criação de mecanismos para impedir todas as formas de discriminação e violência (física, sexual, psíquica) e a negligência no âmbito de suas relações.


Não é mais só o casamento que constitui a entidade familiar. Entende-se como entidade familiar, a família formada por quaisquer dos pais e seus descendente (monoparental) e a união estável entre um homem e uma mulher. As relações homossexuais, além de não receberem proteção estatal no âmbito do direito de família, também não recebem o apoio de grande parte dos juristas que, salvo algumas exceções, as têm desconsiderado embasando-se na falta de amparo legal.


Junto às famílias constitucionalmente previstas, os direitos e deveres são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher especificando o direito de igualdade entre ambos. A Constituição imputa aos seus membros direitos e deveres recíprocos, pelos quais os pais têm o direito de assistir, criar e educar os filhos menores, nascidos ou não das relações do casamento ou união estável, ou por adoção; e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.


A Constituição de 1988, denominada Cidadã, procurou refletir os anseios do povo, no entanto, em razão das controvérsias existentes, ainda não se pode dizer que ela atesta sua evolução na seara econômica, social, política e jurídica do Estado. Se de um lado, temos uma Constituição democrática fundada na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político, uma Constituição intervencionista porque admite a intervenção do Estado na ordem privada que, além de fixar seus fins jurídicos, permite-lhe o cumprimento dos fins sociais. Por outro lado, a atual Constituição brasileira, pelo que temos vivenciado, não é capaz de efetivamente garantir o pleno desenvolvimento econômico, social, político e jurídico do País.


Quanto à família, o estudo do material consultado sugere que as Constituições brasileiras ora avançaram, ora retrocedem em suas regulamentações, mas que cada uma, de acordo com o momento de sua elaboração, procuraram regulamentar suas relações sociais, todavia, por serem as relações humanas – no geral – e as relações tecidas no interior da família – em particular – dinâmicas, faz-se necessário reavaliar e adequar as normas e os posicionamentos de alguns juristas aos novos modelos e arranjos familiares que se formam no interior da sociedade atual.


Investigações na área mostram que os sistemas de parentesco e as formas de família possuem dinâmicas particulares e seguem regras próprias que variam no tempo e no espaço. Isso sugere que, não se pode afirmar que as Constituições anteriores se esqueceram da família nem que a atual não carece de modificações porque corresponde aos anseios do povo.


A dinâmica das relações familiares sofre influência, não só dos problemas sociais, políticos e econômicos, pois, acrescem-se a esses os problemas emocionais oriundos das relações muito próximas que perpassam a convivência cotidiana. As garantias conquistadas pela família vão ao encontro da estruturação do Estado Democrático Social, indicam que não haverá retrocesso e que os desafios, como o reconhecimento do relacionamento homoafetivo, terão maiores facilidades para serem vencidos já que o princípio básico das relações conjugais e de parentesco é a afeição e o respeito mútuo entre seus membros. 


“O jurista afeto à área do Direito de Família, por trabalhar essencialmente com fatores sócioafetivos – em especial com os diversos graus de crise pelos quais os membros familiares possam passar –, não pode pretender se enclausurar no mundo normativo essencialmente técnico e com lições exclusivamente jurídicas.” (OLIVEIRA, 2002, p. 295).


A análise do material consultado sugere ainda, que para a regulamentação do relacionamento entre pessoas do mesmo sexo junto ao direito de família é preciso que nossos legisladores procurem adaptar-se à evolução social e aos costumes,  observem e considerem as mudanças sobrevindas (quando dizem respeito às relações que ocorrem entre sujeitos inseridos em um determinado contexto sócio-histórico e cultural) e que os operadores do direito tenham sensibilidade ao atender, assistir, advogar, interpretar ou aplicar as leis e, que todos, além desses requisitos essenciais, tenham conhecimentos em várias áreas ligadas ao direito de família, por exemplo, Direito, Psicologia, Ciências Políticas e Sociais, quando se tratar de relações socioafetivas.


Entre as relações socioafetivas temos as relações entre pessoas do mesmo sexo, denominados de homossexuais que pode ser masculina ou feminina. Em 1995 a Organização Mundial da Saúde (OMS) deixou de classificar o homossexualismo como doença suprimindo-lhe o sufixo “ismo” – condição patológica – e substituindo-o por “dade” – qualidade, estado, modo de ser. A partir dai a melhor doutrina utiliza a denominação homossexualidade.


A denominação homoafetivo é considerada mais adequada pela desembargadora Maria Berenice Dias (2001), para designar o relacionamento de pessoas do mesmo sexo e traduz sua incansável luta pelo respeito a essas relações com base no valor afetivo, pela sua incorporação na seara do direito de família para que possa produzir todos os direitos decorrentes desse instituto, pelo silêncio da doutrina e tratamento discriminatório das decisões judiciais e pelo reconhecimento do direito à diferença. Essa denominação demonstra o reconhecimento do valor afetivo, pois é preferencial e freqüentemente empregada por muitos estudiosos do direito.


De forma equivocada, mas muitas vezes, utilizada como sinônimo de homossexualidade encontramos as denominações bissexualidade e transexualidade.


“Homossexuais são os que mantêm atividade predominantemente ou exclusivamente homossexual. Os bissexuais, os que não escolhem apenas parceiros do mesmo sexo, são uma subespécie para parte da doutrina. […] a pessoa transexual não apresenta harmonia entre seu sexo biológico e seu sexo psicológico, o que traz um sentimento de rejeição à sua genitália, uma vez que se mostra à vida social com um sexo e se sente pertencente a outro.” (BRANDÃO, 2002, p. 16 e 23)


As causas geradoras da homossexualidade não são passíveis de unanimidade. Pesquisas nas áreas da Psicologia, Psiquiatria e Medicina têm sido realizadas a fim de averiguar as causas e/ou fatores desencadeadores dessa orientação sexual, no entanto, até o momento, se pode afirmar que a homossexualidade não é nenhum desvio comportamental ou doença adquirida, ou distúrbio neurológico.


“Nesse caso, podemos afirmar, categoricamente, que se trata de uma opção legítima de investimento de afeto e que, na sociedade atual, só enfrenta a intransigência e a intolerância de grupos conservadores que, por motivos morais, não conseguem aceitar a escolha sexual diferente da considerada padrão.” (BOCK, 2003, p. 237)


Também, a origem da homossexualidade é controvertida. Relatos históricos mostram que embora condenados pela Bíblia por serem comportamentos que incentivavam a luxúria e a lasciva, além de contrariarem a ordem divina, posto que “Deus criou o homem e a mulher, a sua imagem e semelhança”, o homossexualismo já existia, desde tempos remotos. Na antiguidade ele aparece entre os romanos, egípcios, gregos e assírios e na Idade Média nos mosteiros e acampamentos militares (BRANDÃO, 2002). A mesma autora esclarece que nos dias atuais “dentro do contexto liberal existente entre os séculos XIX e XX, juntamente com as artes, a psicanálise freudiana foi bastante responsável pelo reconhecimento da existência da homossexualidade como fato social e a inserção dos homossexuais.” (BRANDÃO, 2002, p. 36).


A proteção jurídica dispensada aos casais homossexuais faz-se presente em vários países, entre outros, Dinamarca (1989), Noruega (1993), França (1999), Alemanha (2001), Finlândia (2002), que nos anos assinalados vêm, gradativamente, adequando suas legislações a fim de regulamentarem a parceria homossexual. “Na Espanha, gays podem se casar e adotar crianças, em razão da aprovação de uma lei pelo Congresso Espanhol, no dia 30 de junho de 2003.” (DINIZ, 2007, p. 359).


“Denominada ‘Act on the Opening up of Marriege’, a legislação holandesa é a mais liberal das existentes no mundo, posto que confere às pessoas que se relacionam homossexualmente a possibilidade de se casarem. […] A África do Sul é o primeiro país do mundo a formalmente proteger a liberdade de orientação sexual como direito humano fundamental em sua constituição.” (BRANDÃO, 2002, p. 124-125). 


No Brasil, juridicamente, o tema é tratado com reservas. Para não nos desviarmos do objetivo proposto ao presente trabalho, as questões jurídicas serão sucintamente delineadas com base em duas posições, quase sempre antagônicas.


A primeira corrente, da qual fazem parte grupos conservadores de juristas e operadores do direito, orienta seus posicionamentos pela seara do direito obrigacional por tratar-se de contrato de sociedade previsto no artigo 1.363 do Código Civil. Afirma que as relações estabelecidas entre pessoas do mesmo sexo que moram juntas devem, por analogia, serem regulamentadas invocando-se as regras da sociedade de fato, da partilha do capital social e do princípio que veda o enriquecimento sem causa, pois, se trata de uma sociedade entre as pessoas e/ou recursos materiais envolvidos e por isso, não tem o condão de produzir efeitos jurídicos inerentes aos institutos do direito de família como o casamento ou a união estável e por conseqüência, não há de se reconhecer direitos como: adoção por ambos os parceiros, obrigação alimentar, curatela, sucessão hereditária etc.


A previsão legal da diversidade de sexos para a configuração da união estável é entendida por vários doutrinadores como taxativa e, in casu, obrigatória.


“[…] Desse modo, afastada de plano qualquer idéia que permita considerar a união de pessoas do mesmo sexo como união estável nos termos da lei. O relacionamento homossexual, modernamente denominado homoafetivo, por mais estável e duradouro que seja, não receberá a proteção e, consequentemente, não se amoldará aos direitos de índole familiar criados pelo legislador ordinário. Eventuais direitos que possam decorrer dessa união diversa do casamento e da união estável nunca terão, ao menos no atual estágio legislativo, cunho familiar, real e verdadeiro, situando-se acentuadamente no campo obrigacional, no âmbito da sociedade de fato”. (VENOSA, 2006, p. 43-44).


Essa corrente apoia ainda, sua fundamentação na falta de norma constitucional. “A esse respeito afirmou Miguel Reale (…) a união homossexual só pode ser discutida depois de alterada a Constituição.” (MIGUEL REALE apud DINIZ, 2007, p.360).                       


A outra corrente entende que a união entre homossexuais, vinculados afetivamente com um projeto de vida comum, convivendo pública, notória e duradouramente, deve ser considerada uma entidade familiar como a dos casais heterossexuais, e que a falta de previsão legal, não impede o seu reconhecimento.


“A omissão da lei dificulta o reconhecimento de direitos, principalmente frente a situações que se afastam de determinados padrões convencionais. O legislador intimida-se na hora de assegurar direitos às minorias alvo de exclusão social, o que faz crescer a responsabilidade do juiz. No entanto, preconceitos e posições sociais não devem fazer da sentença meios de punir comportamentos que se afastam dos padrões aceitos como normais. Igualmente não pode levar o julgador a invocar o silêncio da lei para negar direitos a quem escolheu viver fora do padrão imposto pela moral conservadora, mas que não agride a ordem social e  merece a tutela jurídica”.  (DIAS, 2003, p. 17).


A autora continua explicando que essas são sociedades de afeto e não de fato e que “Inserida a homoafetividade no conceito de entidade familiar, o silêncio da lei enseja a aplicação das normas que regulamentam as uniões estáveis, o que leva, por conseqüência, também ao direito sucessório.” (DIAS, 2003, p. 18).


Ainda no que diz respeito a essa questão, Junior (2007) também comenta sobre a tendência doutrinária e jurisprudencial de enquadrar as relações entre pessoas do mesmo sexo no regime de união estável e explica a impossibilidade de “[…] prevalecer a restrição contida no § 3º do artigo 226 da CF e repisada no, artigo 1.723 do CC (de forma reflexiva e com maior gravidade ainda, no art. 1.727) a consagrar inaceitável discriminação que marginaliza o afeto no relacionamento humano.” (JUNIOR, 2007, p. 11). 


Tal corrente defende que, a falta ou omissão no texto constitucional ou na legislação infraconstitucional, não serve de recusa legítima para deixar de aplicar a lei, posto que a omissão do legislador transfere “ao Poder Judiciário o encargo de julgar os relacionamentos que, sem nome e sem lei, lhe batiam às portas” (DIAS, 2003, p. 13). Acresce-se a isto, que a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 4º determina: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.


“A postura da jurisprudência, juridicizando e inserindo no âmbito do Direito de Família as relações homoafetivas, como entidades familiares, é um marco significativo. Inúmeras outras decisões despontam no panorama nacional a mostrar a necessidade de se cristalizar uma orientação que acabe por motivar o legislador a regulamentar situações que não mais podem ficar a margem da justiça. Consagrar os direitos em regras legais talvez seja a maneira mais eficaz de romper tabus e derrubar preconceitos.” (DIAS, 2003, p. 19)


Essa é a posição dominante seguida pelos Tribunais do Rio Grande do Sul, que têm reconhecido em várias decisões pioneiras os direitos aos casais homossexuais inerentes a união estável, ao direito real de habitação, à herança, à separação e à partilha de bens, entre outros. 


Nahas (2006), após analisar os limites e as possibilidades de interpretação do artigo 266 da Constituição da República Federativa do Brasil verificou:


“[…] que o art. 266 da Constituição é aberto, admitindo a interpretação concretizadora, em conformidade com a realidade, e, ao mesmo tempo, não permitindo qualquer exclusão discriminatória no que concerne a entidades familiares. Há um respeito a pluralidade. […] Portanto, através de uma interpretação concretizadora, é possível amparar entidades familiares, independente de reforma do texto constitucional.” (NAHAS, 2006, p. 142) 


Soma-se a essa posição a Instrução Normativa nº 25, de 7.6.2000, do INSS e decisão do STF que garante o direito aos homossexuais de requerem seu reconhecimento para fins previdênciários (DINIZ, 2007). Assim como recentemente, a Lei nº 11.340/2006, que em seus artigos 2ª e 5º, expressamente, vedam a ocorrência de violência doméstica contra a mulher, independentemente, de orientação sexual.


“A lei em estudo, portanto, de forma até então inédita em nosso arcabouço normativo, prevê que as medidas nela previstas, de caráter penal e civil, aplicam-se, também, às uniões homossexuais entre mulheres, permitindo inclusive, em nosso entendimento, que se determine, por exemplo, o afastamento do lar da agressora (art. 22, II), a restrição de visitas ao filho eventualmente adotado (por analogia ao art. 22, IV), a fixação de alimentos (art. 22, V) etc”. (CUNHA, 2007, p.33)


Outra questão que emerge dessa reflexão, diz respeito à possibilidade da adoção conjunta por casais homossexuais. Aqui também fatos sociais e jurídicos se fazem presentes nas relações homoafetivas e dividem opiniões. Os que consideram que crianças adotadas por casais homossexuais são vítimas, em nossa sociedade, de estereótipos negativos – preconceitos – e, por conseqüência são discriminadas por seus pares e que a convivência com esses casais poderá influenciar em sua orientação sexual, esquecem-se de outras diferenças existentes na sociedade brasileira que podem alterar profundamente o modo de vida e as relações sociais de crianças e adolescentes.


Também não consideram que, nas famílias brasileiras, a socialização dos filhos, elemento imprescindível em sua constituição, obedece a um código próprio, o qual é marcado pela hierarquia e diferença de gênero, pela faixa etária e pela classe social (ROMANELLI, 1997).


“Condições criadas pela dinâmica da economia e pelo poder público, que não dependem de escolha ou da vontade dos pais pertencentes à classe mais pobre, os filhos deles tendem a ser criados de modo diverso do que ocorre com os filhos das famílias de camadas médias”. (RIVA, 2006, p. 39).


O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), segundo o disposto em seu artigo 42, embora tacitamente não autorize, não veda a adoção por casais homossexuais. Dias (2001, p. 110) comentando sobre essa questão, entende que diante da ausência de impedimento, prevalecem as determinações do artigo 43 do ECA, sendo que “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivo justo”.


Além disso, no Brasil, fundamentando suas decisões no princípio do melhor interesse da criança e/ou do adolescente, nossos tribunais, freqüentemente, têm concedido a adoção para uma pessoa homossexual, desde a implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Recentemente, na cidade de Catanduva, interior do estado de São Paulo, foi concedida a adoção de uma menina, a um casal homossexual e determinado o registro no nome dos dois pais. Zakabi (2007, p. 120), sobre esta questão verificou “[…] só no ano passado conseguiram, pela primeira vez, adotar e registrar filhos como um casal. Até agora, três casais gays obtiveram esse direito”. Essas decisões priorizam o desenvolvimento harmônico e completo (físico, mental, espiritual, social etc.) e a proteção integral da criança ou do adolescente. Aliás, essa é a orientação, taxativamente prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 (art. 3º).


Considerando que os laços de sangue não trazem a garantia do amor que precisa ser construído na convivência diária, e que os laços afetivos são capazes de cumprir e garantir o direto à vida, à saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, entre outros elencados no artigo 4º, do referido Estatuto, não há como negar a adoção com base em valores morais ou éticos arraigados de preconceitos e destituídos de fundamentação plausível, pois o que se busca regulamentar não é uma questão moral, religiosa ou cultural, mas sim uma questão de vida.


Considerações Finais


O estudo mostrou que não é tarefa fácil compreender como se operam os novos arranjos familiares formados por casais homossexuais. Para se apreender a dinâmica dos relacionamentos dessas famílias e a relação que elas mantêm com a ordem social e jurídica vigente, é fundamental incluir outros aspectos vinculados a essas relações, como por exemplo, os fatores culturais – a liberdade sexual conquistada e o ingresso da mulher no mercado de trabalho – e jurídicos – o divórcio que, por um lado, põe fim ao casamento e, por outro, possibilita novos arranjos familiares, que transformam a vida familiar, as relações de parentesco e as representações destas relações no interior da família. Dias (2003) comentando sobre mudanças nas relações familiares aponta outros fatores que têm alterado profundamente a estrutura interna e afetiva da família.


“O gradual afastamento da sociedade da moral judaico-cristã rompeu com o modelo conservador da família, que dispunha de um perfil patriarcal, hierarquizado, patrimonial, matrimonializado e heterossexual. A revolução feminista, bem como o surgimento dos métodos contraceptivos e de reprodução assistida, produziu profundas alterações na estrutura familiar”. (DIAS, 2003, p. 12-13).


Portanto, não se pode analisar apenas o contexto jurídico, mas é preciso levar em conta o modo como instâncias da esfera social interferem na regulamentação das relações homoafetivas.


Algumas questões que emergiram do estudo deixam claro os esforços empreendidos no sentido de se resguardar os objetivos fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil, promovendo o bem de todos, sem discriminações de origem, raça, sexo etc. (art. 3º, IV, CF/1988), e permitem entender as dificuldades em pôr em prática os novos posicionamentos jurídicos, sem dúvida muito avançados e que serão implantados, mas cuja execução pode causar um sério problema na “ordem social” estabelecida.


Formas de intervenção, que não avaliem as condições sociais e emocionais das famílias constituídas por casais homossexuais e que não consideram a proximidade e os vínculos afetivos constituídos na convivência cotidiana, podem ampliar a estigmatização de que elas são vítimas. Certamente, o reconhecimento da dimensão afetiva é fundamental para não desqualificar mais ainda essas famílias, como se elas fossem incapazes de ter sentimentos positivos em relação a seus membros.


A consulta ao material pesquisado, revela que a homossexualidade não constitui apenas questão privada, cuja origem estaria na família, mas configura-se como uma realidade social mais ampla. Como o controle dessas situações sociais está fora do alcance de solução dos seus membros e como a aplicação dos recursos jurídicos existentes não é pacífica, torna-se difícil resolver definitivamente os problemas que estão na base dessas relações.  


Sem a interferência de condutas destituídas de preconceitos e de posições  doutrinárias e jurisprudenciais adequadas à nova realidade e que incluam, efetivamente, essa parcela da população na ordem jurídica em nosso País, esses casais, pelo que o estudo revelou, em curto prazo, poderão não conseguir superar as dificuldades que conduzem ao estigma que pesa sobre suas famílias.


 


Referências Bibliográficas

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Informações Sobre os Autores

Leia Comar Riva

Doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (FD-USP). Professora Efetiva de Direito Civil do Curso de Direito e de Especialização em Direitos Humanos da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Unidade Universitária de Paranaíba-MS. Pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa GREDIFAMS. Associada do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Membro-associado da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC). Associada do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

Dabel Cristina Maria Salviano

Especialista em Direito Civil e Processual Civil – Instituição Toledo/Araçatuba. Professora de Ensino Superior – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS – Unidade Universitária de Paranaíba.


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