Deseducação e criminalidade

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Sumário: 1. Suporte fático familiar, social e político das condutas anti-sociais; 2. Nomarlização das anomalias sociais; 3. O direito como fim, para um novo começo.


1. Suporte fático familiar, social e político das condutas anti-sociais


Não podemos afirmar peremptoriamente que as condutas anti-sociais decorrem da falta de educação. Entretanto, pautando-se pela acepção mais ampla desse termo, é lugar comum que a deseducação abre brechas à marginalização, ou seja, à anti-socialidade, seja pela falta de perspectiva na qual o deseducado se enxerga, seja pela falta de incentivo/amparo que o Poder Constituído – Legislativo, Executivo e Judiciário – lhe oferece.


Acreditamos também que essas condutas anti-sociais (e a conseqüente marginalização dos seus autores) têm origem na normalização pelo corpo social dos atos indesejados. Hoje em dia se trata como natural artificialidades exteriores ao convívio humano, que naturais não são. Assim, como a interpretação mediata de tais atos não é feita, a fim de dirimi-los, “podemos, ciertamente, establecer – con relación a los fines – uma distinción entre lo normal y lo anormal, entre lo fisiológico y lo patológico, y admitir que, por ejemplo, los abortos y los monstruos son ‘intentos frustrados’ de la naturaleza; pero también en semejantes casos los juicios y las apreciaciones se refieren a la naturaleza misma.”[1]  


Por isso, faz-se necessária a confluência dos valores esculpidos pela família, sociedade e política, como se em um processo educativo de baixo para cima estivéssemos, já que “o ideal politico das nações deve ser produzir sabiamente e sabiamente distribuir, unico expediente para promover a adaptação de cada uma dellas á vida universal e dos homens que as compôem aos círculos sociaes a que pertencem. Mas, para tal designio, cumpre convocar todos os demais processos adaptativos. Ha um crime? Indague-se como se deu, quem foi o autor e porque o praticou. (…) Por isto mesmo devemos curar mais de medidas preventivas, que elidam ou attenuem causas (diminuição de probabilidades), do que de repressões e castigos.”[2]


E nessa diminuição de probabilidades o direito deveria nos ajudar, mas só será possível quando tiver prevalência sobre os atos políticos, que também se insurjam à ordem social, gerando conseqüências diretas à ordem jurídica, já que “a ciência do direito, pois, procura entender as vicissitudes desse (do nosso) co-existir.”[3]


2. Nomarlização das anomalias sociais


Em decisão recente, a 11ª Vara de Goiás, heróica e inusitadamente, evidenciou às avessas aquilo que José Murilo de Carvalho chamaria de “cidadania de cima para baixo”[4], pois condenou à prisão[5] políticos que desviaram verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.  E para lembrar Boaventura de Sousa Santos, dizemos que tratar como normal uma notícia de desvio de verba, sem panelaços, ou deixar sem repercussão a notícia da prisão dos corruptíveis –o contrário do que houve com o trágico assassinato de uma criança recentemente- é sem dúvida o “consenso dos insensatos”, que deseduca e forma uma “civilização descartável”. Explicamo-nos.


Primeiro, reverberando uma assertiva de Pontes de Miranda, iniciamos dizendo que “a humanidade não se realiza em Roma, nem em Berlim, nem em Londres, nem em Paris – mas no Homem.”[6] E aqui entendemos por humanidade o conjunto de atos que uma pessoa realiza com a finalidade, mesmo que inconsciente, de ser –como Durkhein diria– um ator social, de viver em sociedade. Em suma, sem demonstrar toda a paixão que nutrimos pelo tema, ser humano consiste basicamente em respeitar normas e, na medida do possível, usufruí-las. Sendo que tais normas são obedecidas não tanto pelo direito da força, mas sim pela força do direito, já que “el hombre que se aparta de ellas se siente y aparece ridículo, torpe y socialmente extraño a los ojos de los demás.”[7]


Segundo, neste entremeio se evidencia a deseducação[8] que, a nosso ver, compõe-se pelos atos insubservientes ao querer comum, que não é outra coisa senão o conjunto de vontades de uma pessoa mediana, qualquer em geral. Educar não é o mesmo que ensinar. Quem educa desenvolve ou aperfeiçoa as faculdades intelectuais e morais do indivíduo, torna-lo civil e urbano, enquanto quem ensina somente instrui, dá conhecimentos. Para citar três dos muitos exemplos de como deseducar, lembramos (i) aquele velho brocardo “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” (família)ando dar modos (fame quem deseduca deteriora as faculdades intelectuais e morais do indiv, (ii) a apatia social frente à flagelação pública (sociedade) e (iii) a escancarada falta de isonomia aos indivíduos (política), que nosso suposto Estado democrático de direito garante normativamente, mas não declara, já que garantir e declarar não são sinônimos, como bem disse Jean Carbonnier. Os exemplos são muitos de atos/omissões deseducativas, que, em geral, geram condutas anti-sociais e, não raro, desembocam infelizmente em algum tipo de criminalidade, cada dia mais “normal”.


3. O direito como fim, para um novo começo


Sob outra perspectiva, conceituar o termo deseducação é relacioná-lo diretamente com a banalização do direito, da linguagem, da política, da violência, da informação, da falta de modos, ou seja, com a normalização do que normal não é, ou melhor, com a normalização de condutas anti-sociais que normais não deveriam ser.


As sociedades que até hoje existiram tentaram combater essas condutas anti-sociais pela via mais cômoda e menos eficiente, a saber, reprimindo-as com o emprego da força. Tentaram demonstrar ao indivíduo que devia fundir sua vontade com a de seus pares, mas utilizaram o meio errado: as surras, os carrascos e as prisões. Ademais, como bem disse Manzini, “esto es guerra y nosotros queremos la paz; es represión tiránica, y nosotros queremos educación.”[9]


Importante se faz ressaltar que o direito somente pode ser consultado na medida em que a Teoria Garantista permite, pois se sabe que, em sob o aval da defesa social, a história narra infamantes e torpes situações legais, como o emprego do direito penal do autor no Nazismo, mas não justas, como defendemos que o direito penal do fato[10] deve ser. Sabemos ainda que, por mais que se adote a melhor teoria, devem existir atos positivos ou negativos dos atores sociais, já que, como bem escreveu Bobbio, “incluso el más perfecto sistema del garantismo no puede encontrar en sí mismo su propia garantía y exige la intervención activa por parte de los individuos y de los grupos en la defensa de los derechos que aun cuando se encuentrem normativamente declarados no siempre están efectivamente protegidos.”[11]


Desta forma, evitar a criminalidade é praticar uma nova teoria da educação, que tenha no direito um respaldo para sua efetividade, como bem fez o judiciário goiano. E isso nos parece a única direção possível para expandir as faculdades individuais, sem que se forme àquele “consenso dos insensatos” e muito menos àquela (ou esta?) “civilização descartável”.


Por fim, “ojalá” que o direito seja, como brilhantemente lembrou o Professor chileno Mauricio Tapia[12], uma “flecha en el jardín”, do enigmático quadro de Paul Klee, para evidenciar “um sinal de orientação, em meio de uma paisagem saturada, de formas borrosas e partes assimétricas” desta sociedade que assim é, mas diz não querer ser.


 


Notas:

[1] Giorgio Del Vecchio. Aspectos y Problemas del Derecho. Madrid: Espesa, 1967, p. 19.

[2] Pontes de Miranda. Systema de Sciencia Positiva do Direito. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, 1922, p. 585.

[3] Attié, Afredo. A Reconstrução do Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 12.

[4] Cidadania: Tipos e percursos, disponível em http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/199.pdf

[5] Notícia completa disponível em http://www.conjur.com.br/static/text/68125,1

[6] Miranda, Pontes de. Manual do Código Civil brasileiro, vol. XVI, 1º parte, pag. 53.

[7] Malinowski, Bronislaw. Crimen y Costumbre en la Sociedad Salvaje. Barcelona: Ediciones Ariel, 1956, p. 61.

[8] Muito embora não concordarmos com a conclusão de Garófalo, subscrevemos seu ensinamento introdutório, que disse:  “La palabra educación no debe tomarse em el sentido pedagógico; significa más bien um conjunto de influencias exteriores, una serie de escenas que el niño ve desarrollarse continuamente y que imprimen en él costumbres moraes, enseñándole experimentoa y casi inconscientemente la conducta que debe seguir en los distintos casos.” La Criminología, estudio sobre la naturaleza del crimen y teoría de la penalidad. Madrid: Daniel Jorro Editor, 1912, p. 146.

[9] In Vecchio, Giorgio De. Aspectos y Problemas del Derecho. Madrid: Espesa, 1967, p. 268..

[10] Ver Ferrajoli, Luigi. Derecho y Razón, Teoría del Garantismo Penal. Madrid: Editorial Trotta, 1997, “Por distintas y a veces antitéticas que sean sus matrices ideológicas, todas estas orientaciones miran no tanto a los delitos como a los reos, no a los hechos sino a sus autores, distinguidos por características personales antes que por su actuar delictivo.”

[11] Norberto Bobbio, Prologo del libro Derecho y Razón, Teoría del Garantismo Penal, de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial Trotta, 1997, p. 19.

[12] Racionalización del derecho privado, Santiago: Gaceta Jurídica, n. 319, p. 43.


Informações Sobre o Autor

Hernani Zanin Júnior

Acadêmico de Direito


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