A crise financeira atual e o risco sistêmico

A crise financeira atual, desencadeada pelo mercado hipotecário americano, fez renascer na mente de economistas e operadores do direito o temido conceito de risco sistêmico.

1.Causas e Conseqüências da Crise Financeira Atual

Para compreendermos no que este conceito se enquadra, na possibilidade atual de recessão, queda violenta das bolsas mundiais e crise no mercado cambiário, devemos analisar, primeiramente, os motivos e estruturas da quebra de gigantes americanos, desencadeadora da crise atual.

Os juros baixos do Banco Central Americano (Federal Reserve), resultado da expansão daquela economia nesta década, acelerou o mercado imobiliário, encorajando financiamentos e hipotecas.  Muito além da aquisição de imóveis, na esperança de valorização, cresceu-se o número de pessoas que hipotecavam este bem para utilizarem-se do produto em outros investimentos.

Assim, pela demanda do mercado e interessante taxa de juros, sociedades especializadas neste segmento passaram a atender a população de baixa renda, os chamados subprime.

Os financiamentos ou hipotecas conferidos ao cliente subprime não contavam com rigor excessivo para o deferimento, tendo em vista que esta parcela da população já tinha problemas de endividamento e dificuldade de comprovação de renda.

Desta forma, e já percebendo um dos elementos agravantes do risco sistêmico, os benefícios conferidos a esta clientela tinham maior perigo, porém, com taxas mais altas, de modo a equilibrar a relação.

Tais títulos passaram por uma verdadeira operação de securitização, gerando o que conhecemos no Brasil como CRI´s (Certificado de Recebíveis Imobiliários), iniciando-se a cadeia de venda destes papéis, que foram adquiridos por bancos e gestores de fundos de investimento que passaram a emprestar valores entre si, garantidos por estes créditos.

Com o aumento dos juros e encarecimento do crédito, os imóveis passaram a experimentar enorme desvalorização e, em virtude destes fatos aliados aos empréstimos a clientes subprime, de alto risco e com histórico de endividamento por insuficiência de renda, a inadimplência atingiu patamares elevados, interrompendo operações de crédito e a cadeia de compra e venda destes papéis.

A crise do mercado imobiliário que acarretou prejuízo e quebra de grandes empresas deste setor afetou diretamente instituições financeiras detentoras destes “títulos podres” o que acarretou verdadeiro caos no mercado financeiro, transferência de controle para obtenção de recursos e até o pedido de concordata do gigante Lehman Brothers.

Esta estrutura da crise atual afeta o mundo, tendo em vista que a securitização dos créditos imobiliários permite a negociação destes papéis lastreados em outros países, muitas vezes vendidos como aplicações seguras, o que gerou efeitos, principalmente, na Europa e Japão, em razão dos juros mais baixos.

Obviamente que a crise afeta a economia brasileira, tendo em vista que os investidores estrangeiros, já prejudicados pela situação, vendem seus papéis, também, no Brasil, gerando as quedas na Bolsa que estamos acompanhando.

2.Risco Sistêmico e sua Interligação com a Realidade Atual

A situação atual pode ser entendida se analisarmos pela ótica do conceito de risco sistêmico.

Podemos defini-lo como o risco de que o choque a uma parte do sistema atinja os outros participantes do mercado, tirando sua possibilidade de auto-ajuste ou levando, até mesmo, a uma quebra de todo o sistema financeiro.

No cenário atual podemos identificar todas as formas de existência de risco sistêmico que desencadearam a crise, o que deixa a sensação de preocupação intensa com a economia global.

Em primeiro lugar, podemos identificar que o risco no portfólio das sociedades concessoras dos financiamentos imobiliários e hipotecas, composto em grande parte pelos clientes subprime, pela securitização destes créditos, levou à perda simultânea de vários intermediários, tendo em vista que se o primeiro elo da cadeia não paga sua dívida, dá-se início a um ciclo de não-recebimento por toda a cadeia.

Este fato leva, diretamente, à segunda hipótese de identificação do risco sistêmico e manifestação da crise, o contágio informacional, ou seja, a crença do mercado de que a falência de uma instituição levará à falência das demais, gerando um critério absolutamente subjetivo, que é a perda de confiança generalizada.

A falta de segurança das aplicações, gerando a incerteza se poderão ser liquidadas no tempo e valores contratados, acarreta a necessidade dos clientes de livrarem-se dos investimentos, transformando-nos em pecúnia, vendendo seus papéis no mercado, ou retirando as aplicações dos bancos. Foi exatamente isto que ocorreu, com a corrida pela venda dos títulos lastreados em garantias imobiliárias e demais títulos dos investidores, na tentativa de diminuir os efeitos da crise sobre seu patrimônio.

A terceira hipótese e talvez mais adequada ao caso concreto é a falência de uma instituição financeira do sistema, levando à quebra de outras instituições que detenham crédito ou ações contra a primeira, levando a falências sucessivas, o chamado efeito dominó.

Esta hipótese resume o até aqui narrado, tendo em vista que a alta inadimplência no mercado americano, em especial dos clientes subprime, gerou prejuízos efetivos às empresas do setor de crédito imobiliário que, securitizando seus títulos, vendeu-os no mercado, especialmente a bancos de investimento, levando a prejuízos destes que detinham crédito contra as primeiras.

Sem dúvida a concessão de créditos a clientes subprime aumentou o risco sistêmico da economia. Porém, nem sempre o aumento do risco é negativo, devendo-se analisar o nível de risco, face o retorno esperado.

Se o nível de risco aumentado for mais do que compensado pelo retorno gerado pela economia, a mudança será benéfica para a sociedade como um todo.

Obviamente não foi o que ocorreu com o caso da economia americana, tendo em vista que a concessão de crédito de risco, mediante o aumento das taxas, parecia perfeito se não tivesse sido influenciado por fatores como a alta dos juros e encarecimento do crédito, além da desvalorização sofrida pelo setor imobiliário, todas causas da inadimplência.

Esta discussão acerca do risco sistêmico travou-se em razão do mercado de derivativos, que possibilitam a compra e venda de riscos específicos e, no Brasil, quando da quebra do Banco Santos.

A crise Americana e global, além de levar os investidores estrangeiros a vender seus papéis no Brasil, de modo a amenizar seus efeitos, o que gerou a queda da Bolsa e a operação em cadeia de venda de títulos, podem acarretar outros problemas ao mercado brasileiro.

O aumento do dólar pode aumentar a inflação, tendo em vista que grande parte dos produtos no mercado tem seu preço indexado à moeda estrangeira.

O status do país como produtor e exportador de matéria prima, será afetado pois a crise leva à queda dos preços das commodities.

Finalmente, sem dúvida, e por todos os fatos expostos, teremos afetado o PIB, que desacelerará juntamente com a economia brasileira.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Gabriela Di Pillo de Paula

 

Graduada em direito. Especialista em direito Empresarial e Societário pela FGV.

 


 

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