O processo que precisamos, a Justiça que merecemos

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Na trajetória da humanidade, em todos
os tempos pode ser sintetizado por esta verdade: a incessante luta pelo
reconhecimento de direitos (direitos naturais, direitos civis, direitos
políticos, direitos econômicos-sociais,
direitos coletivos, sociais e difusos, direitos bioéticos…).

Mas como diz o provérbio jurídico: “não
basta ter direitos; é preciso poder exercê-los”.
E
para tanto concebeu-se o processo, este meio
civilizado para a realização e efetivação dos direitos. O processo é
assim a garantia de efetividade dos direitos. Sem  isso eles  não
passam de promessas vazias da lei.

A história do Direito processual pode
nos levar às civilizações pré-romanas, incluída a helênica, que mesmo não tendo
legado subsídios inteiriços à ciência processual, são fonte de fragmentos que
atestam rudimentos desta ciência (Babilônia, Pérsia, Índia, Egito, povos
hebreus e Grécia). Sob o prisma do desenvolvimento do processo, o direito
romano se apresenta elementarmente por três fases distintas: a das ações da lei
(legis actiones),
a das fórmulas escritas (período formulário) e a do juízo unificado (cognitio extra ordinem).

Podemos situar na segunda metade do
século XX o momento em que o processo civil sofreu suas mais profundas
mudanças, estimulado pelo pensamento daqueles que preconizaram a idéia da
efetividade do processo, ou seja, de um instrumento com destinações bem
definidas, cujos objetivos precisam ser alcançados para que se cumpra seu fim
de utilidade e para que seja socialmente legítimo. Isto se deve a alguns tantos
estudiosos como Cappelletti e Vitorio
Denti, a partir de movimentos na Itália, Europa e
continente americano, que difundiram o já tão propalado “acesso à justiça”. Chiovenda já
havia afirmado com propriedade e extrema precisão que “na medida do que for
praticamente possível o processo deve proporcionar a quem tem um direito tudo
aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter”, ou seja, o
processo deve outorgar a quem tem razão, toda a tutela jurisdicional a que tem
direito, sendo esta a forma mais moderna de se interpretar suas palavras.

Hoje há o compromisso social de
propiciar a todos o acesso aos meios jurisdicionais,
num processo rápido onde se obtenha resultado justo.

No Brasil há um movimento ligado a tais
idéias e com objetivo de reformulação da legislação, que já está em andamento,
e a mini-reforma do final de 1994, que entrou em
vigor no início de 1995, é parte dele e tem entre seus objetivos: a) diminuir
os embaraços técnico-processuais da lei, com o fito de abrir espaços para o exercício
da jurisdição e b) proporcionar meios mais ágeis e
eficientes para a obtenção do acesso à justiça.

Tudo passa pelo crivo
de uma reflexão crítica como também pela busca de um novo modelo de processo,
que esteja em sintonia com a vida moderna, com as pretensões que evoluem
rapidamente com a sociedade, criando novas necessidades que precisam ser
enfrentadas de maneira apropriada, justamente porque há uma gama variada de
acréscimos e mudanças no campo do direito material, e se o processo não se aparelha
para atendê-los, mesmo sendo constantemente reformado, continua sem cumprir
seus objetivos e sem alcançar sua finalidade.

Nossa legislação em vigor (CPC de
1973), não foi elaborada segundo princípios já sedimentados na Europa engajada
na revolução cultural, vale dizer não é progressista, e desde que sopraram os
novos ventos para o direito processual civil brasileiro, ficou constatado que
era preciso correr atrás do prejuízo.

Estamos redesenhando e buscando
fórmulas próprias para aplacar nossa tradição de cunho individualista
(legitimidade que era necessariamente individual; efeitos diretos da sentença
limitados às partes e limitação subjetiva da coisa julgada), que remonta ao
direito romano, porque o processo hoje não pode sobreviver sem instrumentos adequados
à tutela coletiva.

Sob influência da boa doutrina foram
vindo devagar as bases de nossa reforma
jurídico-positiva com vistas à tutela jurisdicional coletiva no direito
brasileiro, sendo marcos significativos dela a Lei da Ação Civil Pública (1985),
o Código do Consumidor (1990) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).
O CDC trouxe conceituações importantes neste plano da tutela coletiva: a) do
que seja direito difuso, coletivo stricto
sensu
e individuais homogêneos (art. 81), b)
reafirmou a legitimidade do Ministério Público e de outras entidades dotadas de
legitimacy of representation (art. 82); c) ditou regras sobre a coisa
julgada erga omnes e ultra partes (art. 103).

A  nova Lei de
Arbitragem veio – que contribuir para a efetiva inserção do Brasil no panorama
do comércio internacional – trouxe, também, um repensar acerca do desempenho do
Poder Judiciário, naquela linha de garantia dos direitos, da busca da cidadania
viva e participativa, além de desafogar os fóruns de demandas que podem atingir
solução por meio da técnica extrajudicial, proporcionando aos magistrados e
serventuários condições para movimentar o aparato jurisdicional de forma mais
célere, podendo dedicar maior atenção às causas de real complexidade, levando
as partes à composição do litígio com rapidez, pois a justiça tardia é
freqüentemente justiça pela metade.

Com efeito, o princípio constitucional
de amplo acesso à Justiça tem sido constantemente obstruído pela morosidade na
entrega da prestação jurisdicional, acarretada pela avalanche de causas que se
acumulam nas mãos do Poder Judiciário; causas estas que, em grande parte,
poderiam encontrar solução em meios não convencionais de atividade
jurisdicional.

Aqui, impossível não reproduzir a
pertinente análise de Eduardo Faria, apontando para a divisão do aparelho de
Estado brasileiro em “anéis burocráticos”, cada um deles
: ” (a) agindo em função dos interesses e particularismos de sua
clientela específica, visando a manutenção e a expansão de suas prerrogativas e
reforçando com isso seus traços neocorporativistas;
(b) distorcendo os programas sociais, mediante o sistemático desvio dos
recursos e subsídios de projetos destinados originariamente aos segmentos mais
carentes da população para os próprios setores estatais, para vários grupos
empresariais e para as próprias classes médias; (c) produzindo uma distribuição
desigual e perversa dos direitos e deveres consagrados pelas leis, uma vez que
os grupos mais articulados conquistaram não só acesso a foros decisórios
privilegiados mas, igualmente, mais prerrogativas do que obrigações, sob a
forma de incentivos fiscais, créditos facilitados, juros subsidiados, reservas
de mercado etc.; (d) tornando o jogo político-institucional dependente da
‘jurisprudência’ interna de cada um desses ‘anéis’, pois os programas sociais
foram convertidos em recursos de poder, razão pela qual a importância de cada
‘anel’ passou a decorrer de seu orçamento interno e/ou de seu poder
regulamentar; (e) descaracterizando ideologicamente os partidos e obscurecendo
a transparência do jogo político e das ações públicas, na medida em que a
retórica parlamentar e sua ambigüidade programática jamais explicitaram
critérios e prioridades em termos de gastos públicos.”

Em resumo: estamos submetidos a um
poder de Estado: somos súditos (em maior ou menor grau) daqueles que o
controlam (política ou economicamente); num segundo nível, somos reféns
potenciais de incontáveis “agentes públicos”. Neste quadro, a
cidadania deveria ser uma verdadeira possibilidade de limitação deste poder,
diluindo-o entre toda a sociedade: o indivíduo deixaria a condição de mero sujeito
de direitos e deveres e tornar-se-ía cidadão, ou
seja, tornar-se-ía uma célula consciente de
participação social.

O exercício da cidadania no Brasil
possui três grandes obstáculos: 1º) o sistema jurídico brasileiro não possui
uma ampla definição de possibilidades para uma efetiva participação popular
consciente
; 2º) a postura excessivamente conservadora de parcelas do
Judiciário, apegando-se a interpretações que limitam absurdamente o alcance dos
dispositivos legais que permitiriam uma efetiva democratização do poder; por
fim, 3º) uma profunda ignorância do Direito: a esmagadora maioria dos
brasileiros não possui conhecimentos mínimos sobre quais são os seus direitos e
como defendê-los. Desta forma, o poder continua preservado, como preservados
continuam os benefícios desfrutados por aqueles que podem determinar (ou
influenciar), de fato, os desígnios de Estado.

Os exemplos deste conservadorismo
prejudicial, dessa “timidez judiciária” são muitos. Responsabilidade
civil sem efeito do punitive damages (prevenção geral  pelo valor da
indenização para opulentos agentes que lucram com o dano alheio). A plenitude da desigualdade justa segundo as conveniências das razões
intimas do principio da isonomia (um grande banco não é igual ao
assalariado-consumidor). Ainda se permite que uso pervertido do Direito e da
lei, em juízo, pelos mais bafejados pela sorte econômica. Ainda encontramos
muitos profissionais do Direito mais apegados aos desvios e desvãos na
interpretação individual ou socialmente injusta, esquecendo que o Direito que
se dirige ao valor justiça não é digno desse nome. O Mandado de Injunção
(art.5º, LXXI, da Constituição Federal), por exemplo, foi previsto para que a
ausência de normas regulamentadoras não impedisse a
aplicação de normas constitucionais: o Judiciário poderia suprir a lacuna para
o requerente, permitindo a efetivação do dispositivo constitucional.
Entretanto, como lê-se no Mandado de Injunção
288-6/DF, “a jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal
firmou-se no sentido de atribuir ao mandado de injunção a finalidade específica
de ensejar o reconhecimento formal da inércia do Poder Público em dar concreção
à norma constitucional positivadora do direito
postulado, buscando-se, com essa exortação ao legislador, a plena
integração normativa do preceito fundamental invocado pelo impetrante do writ
como fundamento da prerrogativa que lhe foi outorgada pela Carta
Política.” (rel.: Min. Celso de Mello; DJU de
03/05/95, p.11.629).

Celso Bastos já teve a oportunidade de
frisar que “as leis são rasgadas num momento político de imposição da
força pela força; ou são contornadas, elegantemente contornadas na conduta
administrativa ou nas sentenças e acórdãos” (apud
Encarnação, 1995: 52). Carvalho Netto, por seu turno,
refere-se a uma “subversão efetiva dos significados possíveis, originais e
primeiros dos textos legais que, ao serem atualizados por práticas tradicionais
inerentes à ordem anterior, asseguram a continuidade desta”.

Porém, é no processo de execução que
podemos bem visualizar toda essa timidez judicial.

O ideal na execução é a equivalência
não só econômica, mas também jurídica, entre o adimplemento e
a própria execução enquanto atividade do Estado-juiz substitutiva da
vontade do obrigado. De sorte que na falência dos meios morais e
sócio-jurídicos conducentes à pronta execução espontânea das obrigações em
geral (entre nós, no entanto, estes meios parecem mais voltados à inexecução
até in judicium) é que desponta a execução
processual, de caráter secundário (aliás, como toda jurisdição), de último
instrumento lícito para forçar a satisfação do direito material, ou seja,
tensão entre força estatal e força individual visando a
expropriação patrimonial contra o devedor resistente.

Esta derradeira e
agressiva (mais para os fracos que para os fortes) fase da execução das
obrigações, a execução forçada, daí porque processual (substitutiva da força
individual, tendência natural, mas socialmente vedada) é que vem merecendo
maior reflexão dos processualistas, notadamente nas obrigações caracterizadas
por  desembolso financeiro, máxime quando o obrigado é um hipersuficiente, um não-assalariado, um não-consumidor
(empresas incorporadoras, construtoras, bancárias…). Neste quadro é habitual, quase cultura
forense, a inversão de valores e objetivo do processo de execução, que deixa de
ser o remédio derradeiro para ser o melhor e mais recomendado tratamento
daquelas obrigações de devolver quantia certa, de ressarcir, de pagar… A
advertência de Nietzche: “A mais comum forma de
estupidez humana é esquecer o que a gente está tentando fazer”, é bem
apropriada à temática em
foco. Não podemos, com efeito, nos esquecer que o ideal, que
o salutar é o cumprimento espontâneo, voluntário das obrigações, porque mais
rápido e menos violento. Este distanciamento dos objetivos aliado ao excesso de
trabalho repetitivo que gera o embotamento mental, funcional e logo à
indolência operacional é sempre bem aproveitado pelo devedor, com ou sem o
pálio de teorias pseudo jurídicas, é “um lento exaurimento
da consciência, que a torna aquiescente e resignada: uma crescente preguiça
moral”, como diagnostica Cappelletti.

A satisfação forçada das obrigações devem ser desestimuladas, por todos os meios e por várias
razões (desafogo da Justiça…). Em não se podendo evitar a demanda executiva,
mal menor será reduzir-lhe a duração, até porque a cognição que se impunha já é
matéria passada, isto é tanto mais verdade (e longamente depurada) em sede de
execução de sentença. Se houver meios e modos de se incentivar judicialmente a
vontade do obrigado para conduzi-lo a adimplência voluntária (ainda que
compelida) isto será muito mais coerente com a liberdade volitiva e respectiva
responsabilidade que deve imperar nos sistemas de direito contemporâneos. Disto
são bons exemplos: a astreinte do Direito
francês (cujo amplo espectro foi quase anulado entre nós) e as severas sanções
do Direito inglês (contempt of court), tudo visando
poupar ao credor (e ao Judiciário) as delongas e os desgastes com eventual ação
executiva do que já foi julgado.

Vale dizer, já que a execução forçada
tem mais atrativos (com ela ganha-se tempo e dinheiro
e isto até às vésperas da longínqua expropriação de bens) que a espontânea
(isto porque esquecemos dos nossos objetivos primordiais), deve-se, ao menos,
evitar a todo custo a situação limite e pouco nobre para a humanidade da
substituição da vontade individual pela estatal culminando com a invasão, manu militari, do
patrimônio do devedor; tal agravo não deveria extrapolar sua necessária
natureza de exceção (só admissível dada a virtual imperfeição do homem) à regra
do cumprimento voluntário, espontâneo (o melhor dos ideais) ou induzido (o
ideal possível
), das obrigações e, a fortiori,
as judiciais.

Toda sentença, aliás, deveria conter
dispositivo mais eficaz (que a mera boa vontade) de desencorajamento
de atos atentatórios à sua própria dignidade, que precisa ser preservada, a
qualquer preço, eis que é ponto central do travejamento político-social do
Estado de Direito. Ora, se o particular, mediante sua autonomia privada, pode
impor cláusulas penais, amiúde excessivamente onerosas, para pressionar a
vontade do obrigado, por que o Estado-juiz também e com maior prudência não
poderia impor contra-incentivos (para prevenir a violência da
expropriação de bens, que deveria ser o último estágio da execução)
àqueles atos atentatórios a tudo e a todos. Tal dispositivo desencorajador
da perversão executiva seria aplicado de logo pela sentença, após o longo
processo legal, repleto de garantias e seguranças que muitas vezes são
habilmente manejadas por advogados (parciais que são) e se transformam, sob às vistas de boa parte dos magistrados (imparciais que são),
em vantajosos duelos que só protelam a obrigação (e a exação judicial)
sobretudo as pecuniárias.

A desconsideração da personalidade
jurídica de empresas (direito-instrumento de progresso do homem, jamais de
abuso e fraude) carece também de melhor acolhida nos espíritos de nossos
legisladores e julgadores, tudo segundo um critério de salvaguarda da justa
composição dos conflitos (máxime os entre hiper
x hipossuficientes) e prestigiamento
do papel social do Judiciário.

É  urgente, pois, que se dote as sentenças de contra-incentivos a toda esta vexatória
situação processual, em que o obrigado-sucumbente
tripudia sobre a sentença e conseqüentemente sobre o favorecido por ela. São
recursos, embargos, inviabilidade prática de alcançar e/ou se pracear bens do
devedor e para agravar deturpações de preceitos legais. São, enfim,
publicações, petições, termo de conclusão e decisões que demandam meses e tudo
movido por razões inconfessáveis (só
formalmente, mas de todos conhecidas) transvestidas
de razões “técnicas” (se tanto) quase sempre já reiteradamente vencidas em
todas as instâncias.

O duplo grau de jurisdição, virtual
imposição dada a falibilidade do gênero humano, é um
direito do jurisdicionado, porém jamais uma obrigatoriedade (é, por assim
dizer, um recurso voluntário e não necessário); todavia, entre nós, é como se
fosse uma regra obrigatória (quase sempre estimulada pelo sistema) ainda que
improvável o êxito, ou mesmo certo o insucesso da apelação (do agravo no
recurso especial…). É preciso se repensar a cultura do recurso assumidamente
protelatório ou por “dever (?!) de ofício” (aqueles tolos recursos do poder
público). E isto ainda ocorre porque há incentivos econômicos (gratuidade ou
insignificância das custas, pelo menos p/os mais abonados) e nenhum desestimulo
ao que pretenda desvirtuar o duplo grau de jurisdição convertendo-o em mera
dilação de justas, devidas e sentenciadas obrigações. Por que não percentuais
crescentes tendo por referencial básico a maior taxa de remuneração do mercado
financeiro ou algo análogo? Acréscimo financeiro este que reverter-se-ia
ao credor-vitorioso e se porventura bem sucedido o recurso tornar-se-ia
ineficaz eis que desestimulo à dilação infundada. Algo, enfim, precisa ser
feito para acabar ou reduzir com os despropósitos e pior, com a perversão
social da execução judicial, que aliada ao fato de um juiz
apático ou encharcado de “teorias” viabilizadoras
de todo este quadro patético, é o quanto basta para o descredito
da Justiça e para ultrajar o jurisdicionado “vencedor” (?!) da demanda.

É comum nas execuções de sentenças (por
quantia certa e pior se for incerta) contra empresas não se acharem bens disponíveis/viáveis para penhora (até a sede da executada é
da propriedade de outra empresa do grupo ou não e os meio para se superar tais
complicações procedimentais são, ilogicamente, sempre mais demorados e
tortuosos para o exeqüente).Quando se lograr penhorar um bem a praça é
impiedosa contra o credor (carro p.ex.: pagará multas, impostos etc. e não raro
após anos esta garantia nada garantir ou só parte do crédito). Para assegurar o
juízo, as empresas executadas amiúde costumam ter um mesmo bem para todas estas
ocasiões (há um caso emblemático: um caminhão só existente no documento e
sempre oferecido como ‘segurança’ (?!) do juízo em embargo protelatório da
devolução ao consumidor de seus salários poupado para aplicar em imóvel
residencial). Nomeiam-se bens cuja titularidade provoque discussões, ou bens de
difícil conversão em dinheiro, tudo com o fito de protelação. Aliás, a tal
‘segurança do juízo’ (art.737, CPC) é norma cujo peso é irrelevante para o hipersuficiente da relação processual, contudo altamente
limitativa para muitos hipossuficientes e faz-nos
lembrar de lei tão criticada por Anatole France: “Fica proibido dormir sob as pontes de Paris”.
Tratar desiguais como iguais é a suma injustiça in
concreto! Quem conhece a realidade das defensorias e dos NPJs bem sabe como são freqüentes as injustiças
decorrentes do rigor na aplicação das leis e, quem convive com a advocacia
envolvendo empresas ou  ricos, não desconhece  a  flexibilização
desse  mesmo rigor; essa dupla militância é enriquecedora…

Por que será que raramente se vê,
nestes casos, nomeação de bens conforme a ordem legal (art.655, CPC) imposta ao
devedor (porém sem qualquer sanção eficaz, eis que a comutação no ‘direito’ de
nomear mais protela/onera o credor)? Prefere-se nomear bens imóveis cuja
conversão em dinheiro gera delongas. Nestes casos sempre às vésperas da praça
vem o depósito da condenação (que para sua atualização ensejará novas demandas
“calculatórias”, como almeja o devedor) se isto for
do planejamento econômico do executado. Se houver necessidade de conversão de
arresto em penhora ainda  pior  será, eis que da ida ao oficial de
justiça, o ato em si e até o retorno dos autos para publicação respectiva,
leva-se na melhor das hipóteses meses, tudo só favorecendo ao devedor-perdedor
na Justiça (perdedor?!), como é regra conquanto não concebida muito praticada
no dia-a-dia das execuções. E se o executado transita bem pelos meandros do
Fórum, tudo poderá se prolongará ad eternum. Ora, tal conversão deveria ser automática e
por ato do juiz: se ele pode expropriar por que não poderia, ele mesmo,
praticar o ato formal daquela conversão. Há, por assim dizer, uma estranha e
enrustida sensação de que o pobre devedor merece mais a severidade da lei e o
rigor de sua interpretação que o devedor mais poderoso.

Outra  inversão da  lógica
social, é o fato da força atrativa dos concursos de
credores. Por que o concurso de credores falencial ou
não (art.762, CPC e art.24, Lei de Quebras) terá o condão de prejudicar,
retardando, protelando como convém aos devedores empedernidos, a satisfação do
direito do credor (cuja ‘culpa’ de estar em juízo é menor que a do devedor)
pelo fato da “conveniência” genérica da vis atractiva do juízo do concurso creditício
? Sem  embargo daquela conveniência, há outras de
mor valor social que a do comerciante falido ou do insolvente civil a
excepcionar tal força atrativa concursal. Como esta
“conveniência” não convém, senão ao devedor, o Estado tratou de livrar-se dela
e assim a execução fiscal (até por razões de ordem) não se submete ao delongado
concurso. E por que o socialmente mais vulnerável, o hipossuficiente
(o consumidor, o assalariado…) deve ter seu crédito arrastado em disputa
desigual (c/bancos, fornecedores e credores outros melhor aquinhoados pela lei)?
As mesmas razões que justificam a exceção para a fazenda pública  devem
servir para excluir, por justiça, os créditos (de natureza alimentícia, eis que
parcelas de salários) de consumidores e trabalhadores, assim definidos,
enquanto tais, pela lei.

Na mesma linha de raciocínio, é de se
questionar o privilégio do Estado-fisco em detrimento de hipossuficientes
(vulneráveis econômica, social, técnica e juridicamente) lesados em seus
direitos de trabalhador e consumidor por empresas e atividades
autorizadas/fiscalizadas deficientemente pelo poder público? Lembremos
apenas como referência, o caso da Encol e seu cápo, ambos tratados a “pão-de-ló” até às vésperas
da quebra monumental da empresa, e só agora o Estado, que tudo podia prevenir,
vem de ser acordado para tomar seu lugar na fila dos credores à frente de quem
foi lesado e nada podia contra tal desfecho se não planejado, pelo menos
esperado e consentido a partir de omissões de bancos credores (maus analistas
de empréstimos) e do poder público, que não fiscaliza bem nem mesmo seu próprio
interesse. São pois conflitos de interesses e
direitos que pelo princípio da proporcionalidade carecem de revisão ponderada reequilibrando-se interesses em jogo, máxime em prol
dos desprotegidos e menos ligados à causa do mal.

No tocante à execução judicial em geral
e mais sensivelmente a da obrigação de cunho pecuniário o grande avanço seria a
aplicação daquele sistema gaulês da astreinte,
não com a restrição que, entre nós, se lhe impôs: só cabível às obrigações de
fazer e de não fazer. Restrição esta muito alegada para não cominá-la e pouco
explicada para esclarecer a impossibilidade de extensão (só o
fato da lei é pouco para magistrados despertos para as necessidades diuturnas,
também não há boa explicação para aquela restrição, antes ao contrário, senão
vejamos.

A aplicação da multa diária (astreinte) às espécies como a presente, em que há
condenação de devolver parcelas pagas em função de contrato de compra e venda
rescindido/resolvido judicialmente, é uma garantia da efetividade do processo
(celeridade, não-protelação e efetividade), eis que é meio de
coerção do devedor (art.645, 644 e 287, do CPC) mais eficiente do que a
atividade manu militari do Estado (expropriar bens do devedor) que
serve mais a propósitos procrastinatórios que para aviar o crédito (que
em face desta delonga procedimental costuma até se inviabilizar: é o “ganha,
mas não leva
!”). Ora se as astreintes
substituem, como ensina Alcides Mendonça Lima (‘Com. CPC’, Forense, 1987, 5ª ed. p.740), a atividade manu
militari
, a violência do Estado-juiz que seriam
inoperantes diante das obrigações de querer prestar ou de querer não-prestar
(de fazer ou de não fazer), por que não haver a mesma substituição (violência
por não-violência) nas demais obrigações? Afinal, a violência patrimonial
atinge também à pessoa, não em seu corpo físico, mas por certo em corpo
psíquico.

Assim sempre que coubesse seria infinitamente
melhor para todos (rapidez, efetividade, querer adimplir) o
querer cumprir as obrigações, ainda que induzido pela pena econômica; só mesmo
para os casos de resistência para além desta pressão psicológico-econômica
restaria o procedimento da invasão patrimonial. Não haveria tanta conveniência
em se aguardar e protelar o desfecho violento da expropriação de bens, neste
contexto, no mais das vezes, a sucumbência judicial se inverte (ganha o
perdedor e perde o ganhador).

Ainda poderíamos sustentar, para
coadjuvar a tese da extensibilidade de nossa  astreinte, que a objeção se tem aludido para impedir
tal conveniência, ou seja, a de que a obrigação de devolver dinheiro não é de
fazer. Tal tese conquanto muito repetida, não resiste ao mais leve crivo da
lógica  jurídica. Em verdade, a obrigação (que já existia desde a fase
pré-processual) que tem o executado, nestes casos, desde o trânsito em julgado
da sentença que lhe determina devolver dinheiro ao exeqüente, não é outra senão
a de fazer (não um facere manufatura, obra) a
restituição da verba. As obrigações são sempre classificadas em sistema
tripartite: a de fazer, a de dar (obrigações positivas) e a de não fazer
(obrigação negativa). Indubitavelmente a obrigação de pagar ou devolver
dinheiro não é de outra natureza senão variação da obrigação de fazer o
pagamento, a devolução. De tal sorte não sendo, a determinação judicial de
devolver dinheiro, uma obrigação de não fazer, só forçadamente poderá ser de
dar, eis que a entrega (núcleo, suporte fático do dar) não absorve o pagar
(núcleo da condenação pecuniária) da devolução de dinheiro (antes pago ao
executado).

Para  Pontes de Miranda o  facere envolve: escrever, inventar, residir,
esculpir, pagar… (cf. Tratado Dir. Privado, Ed.RT,
3ªed., SP, 1984, vol 23, p. 45, § 2778). (Noutra
passagem o mestre dos mestre, leciona que : “Dar é
fazer. Fazer é todo ato positivo.” (op. cit. p.50, § 2779). Fácil é perceber-se que não há consenso
doutrinário na distinção de obrigação de fazer e de dar, até porque ontologicamente
não há, ali, o que estremar.

Ensina a propósito, o mestre Sílvio
Rodrigues que a obrigação de fazer consiste na prática de um ato, até mesmo de
ato jurídico, verbis:

“Na obrigação de fazer o devedor se
vincula a um determinado comportamento, consistente em praticar um ato,
ou realizar uma tarefa, donde decorre uma vantagem para o credor. Pode a mesma
constar de trabalho físico ou intelectual, como também da prática de um ato
jurídico.
” (Direito Civil, Parte Geral das Obrigações, Vol
2, Saraiva, 21ª ed., 1993, cap. III, Das Obrigações
de Fazer ou de não faze
r, p.33, grifamos).

E  linhas
adiante, continua  o  mestre:

“De um certo
modo se poderia dizer que dentro da idéia de fazer, encontra-se a de dar”.
(grifos do doutrinador).

Também o insuperável  Serpa Lopes
confirma:

“A distinção entre obrigação de fazer e
obrigação de dar, reputada inútil por alguns autores, entretanto, tem
grande alcance prático no sistema onde a obrigação não é elemento translativo do domínio. Entretanto, difícil é encontrar-se
o critério revelador dessa distinção, atento a que, no fundo, como observa M.I.Carvalho Mendonça, toda obrigação representa um  facere. (Curso D. Civil, Vol. II, 3ªed., 1961, F. Bastos,
p.75,  grifamos).

Como se pode
depreender, no que diferem (se há diferenças) as obrigações de fazer e de dar
(só na pratica e não no jurídico) nada há de relevante que possa impedir a
previsão já no título executivo judicial, já no despacho de recepção da inicial
da execução, da multa diária. Antes ao contrário, a atual Carta Magna vem de
garantir, como direito fundamental, a promoção, pelo Estado, da defesa do
consumidor, inclusive como princípio norteador da atividade empresarial
(art.5º, XXXII e 170,V) e por outro lado o Código do
Consumidor prevê a facilitação da defesa dos direito deste polo
mais vulnerável da relação jurídica de consumo (art.6º, VIII e 4º, I, CDC).
Afinal toda norma jurídica deve ser reconduzida aos valores
constitucionais vigentes. Uma coisa é ler um código, uma lei sob a ótica da
velha ordem constitucional; outra coisa bem diferente é relê-los à luz da nova
opção ideológico-jurídica inaugurada pela Lei suprema e o juiz não pode ser
mero imitador servil da norma, de modelos decisórios incompatíveis com aqueles
valores constitucionais.

O índice de eficiência do sistema
processual de um povo, está fixado precipuamente no
grau de versatilidade de seu processo de execução. Com efeito, “a força da lei,
e com ela a autoridade do Estado, está em jogo no processo execução tanto ou
mais que no processo de cognição.” (Micheli, ‘Derecho Procesal, ed.1970, Vol III, p.380). Vale ressaltar, a propósito, que a tutela
jurisdicional executiva é de caráter excepcional, eis que satisfeita a
pretensão confirmada na sentença a ordem jurídica estará restaurada. No entanto
tal verdade já está quase esquecida, porque são insignificantes as estatísticas
de pronta satisfação daquela pretensão e resguardo da autoridade e dignidade da
decisão judicial.

Sucede que nas demandas cujo substrato conflitivo seja expresso pela dialética, perversa por
natureza,  hipersuficiente versus hipossuficiente, tanto faz seja de dar ou de fazer a
obrigação, é ai que mais se exige uma interpretação construtiva e consciente
das aspirações e vicissitudes de nossa época, o que por si só impõe a superação
do reducionismo do direito à legalidade e da resistência em abandonar
envelhecidas e já injustas concepções.

A hora presente requer o pronto
desmentido da proverbial inércia natural do jurista que se contenta na ”rotina
das idéias recebidas” e às vezes mal recebidas. O processo de execução carece,
pois, de profunda reforma, não à luz de meros ideais teóricos, mas na
perspectiva da lógica do dia-a-dia forense e da necessidade social de eficácia
e celeridade judicial. Recepcionemos, não como história,
mas ainda como repto atualíssimo, o ensinamento de Paula Batista que em 1855
concebia o processo nesta síntese admirável: “Brevidade, economia, remoção de
todos os meios maliciosos e supérfluos, tais são as condições que devem
acompanhar o processo em toda a sua marcha.” Vale registrar, a propósito, que
ao tempo do mestre pernambucano vigorava a concepção francesa da passividade e
inércia do juiz no processo.

A multa diária, contra-incentivo à
procrastinação e seus eventuais ganhos econômicos, é certamente a melhor opção
e seria exigível desde o trânsito em julgado daquela sentença
(favorável, é claro, ao exeqüente), mas devida desde o dia de sua
publicação ou 24 horas após isto (quando se configurada o não-cumprimento nem
mesmo da ordem judicial). Reitere-se o duplo grau de jurisdição, enfim o
recurso, não é, máxime nestas hipóteses, imposição ao sucumbente, mas
conveniência que ele há de sopesar melhor antes de reutilizar a máquina
judicial e o tempo de todos.

Como bom exemplo deste reforço à dignidade
em juízo, pode-se citar o § 3º, do art. 213, da Lei nº
8069, de 13/07/90 (Est. da
Criança e do Adolescente), superada também, como se vê, a orientação do STF no
RE-94966/81-RJ, em que se vedava a retroação da astreinte
a data anterior a do trânsito em julgado da sentença que a cominou. Está lei,
no entanto, enclausurou a possibilidade de aplicação da astreinte,
nas obrigações de fazer e de não fazer, tal como fez o “Código do Consumidor”,
até porque ambos são resultante do mesmo estágio de evolução que a legislação
processual experimentou sobretudo logo após a nova
Constituição Federal.

Um novo avanço nesta evolução
processual (desconectando-se das envelhecidas e ocas teorias) e bom referencial
para reforma aqui defendida, é o art. 67, da Lei nº
8.884, de 11/06/94, que dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações
contra a ordem econômica, em seu Título “Da execução judicial das decisões do
CADE (que pelo jeito devem ser executadas de modo mais
eficiente que as da própria Justiça!). Ali já não se limita o campo de
aplicação da multa diária (até porque ilimitadas são as necessidades dela)
senão ao objetivo visado, isto é, a cessação da infração, que pode ser um
entregar, ou um dar, segundo o que for ordenado na decisão do CADE.

Melhor ainda é o descortino (estágio
último daquela evolução) do art. 52, V, da Lei nº
9.099, de 26/995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis; neste
dispositivo legal reza-se que: “nos casos de obrigação de entregar, de fazer, o
juiz, na sentença ou na fase de execução, cominará multa diária…”
(destacamos).  Ora,  é consabido que
entrega é o núcleo da obrigação de dar (não dar que não pressuponha entrega),
contudo para ficar claríssima e indiscutível a abertura (de toda conveniência)
para as virtuais necessidades do dia-a-dia, o mesmo dispositivo arremata que “…incluída a multa de obrigação de dar, quando evidenciada
a malícia do devedor na execução do julgado;…” Como se vê, a Súmula 500 do
STF está superada pela evolução ocorrida posteriormente aos seus precedentes,
todos da década de sessenta. Tratava-se da então ação cominatória manejada para
compelir a entrega de jornais a assinante (RE
61068/67-SP; RE 62942/67-SP; RE63726/68-SP; RE 62942/67-SP). Aliás, a execução
de sentença regulada neste diploma recente, mostra bem alguns dos avanços agilizadores (eliminação de nova citação…) que deveriam,
além de outros, ser ajustados aos objetivos e às necessidades práticas de hoje
no que tange, pelo menos, à conversão da sentença (mero meio) em direito
satisfeito (este sim o fim).

Pode e deve haver, como se vê, cominação de multa diária na hipótese de obrigação de
dar (devolver dinheiro
, eis que é aqui que convém protelar) e também pode e
deve tal multa retroagir para melhor alcançar seu desiderato: satisfação
rápida do exeqüente (mormente o hipossuficiente) e
pronto prestigiamento das decisões judiciais (já
longamente debatidas).

A  solução ou pelo menos a redução
de nossa já proverbial ineficiência (e o excesso de trabalho judicial) da
Justiça pressupõe o estabelecimento de um critério de desestímulo econômico à
protelação em geral, de modo que o tempo seja desvantajoso ao bolso de quem
recorre para adiar o cumprimento das decisões. Também conviria o uso mais
pedagógico do sancionamento do abuso de direito e da
litigância de má-fé, sobretudo no processo de execução (e mais ainda de
sentença), eis que tudo já foi devidamente esquadrinhado e com a tal “paridade
de armas.”

Por fim, é preciso substituirmos,
na medida do possível (invertendo-se a regra) a ação de execução pela ação
sincrética
, (Cândido Dinamarco), assim chamadas
justamente por terem misturadas as duas funções processuais, o conhecimento e a
execução; coisa que, como se sabe, nossa lei processual não admite, não
obstante ainda conserve  –  segundo a doutrina, mais em homenagem à
tradição do que em virtude de fundamentos ou razões “científicas” –
algumas “ações especiais”, que não se conformam aos princípios do chamado
Processo de Conhecimento.

Reformar  e  reforçar o Poder
Judiciário é e deve ser a meta dos brasileiros nessa quadra histórica. A
preocupação não é nova. Em 1975, no Diagnóstico sobre a Reforma do Poder
Judiciário, o Ministro do Supremo Tribunal, Rodrigues Alckmin (relator da
Comissão) destacava que o retardamento dos processos e a ineficácia na execução
dos julgados são velhas e generalizadas queixas.
Ruy  Barbosa também já pregava aos moços que justiça atrasada não passava
de injustiça qualificada e manifesta. E muito antes disto, já 1855, o pioneiro
processualista pernambucano, Paula Batista ensinava: “Brevidade, economia,
remoção de todos os meios maliciosos e supérfluos, tais são as condições que
devem acompanhar o processo em toda sua marcha.”
, lição que merece ser
repetida.

Aqui faz-se
impositivo algumas premissas :

Assim, quando o aproveitamento da
morosidade judicial passa a estratégia processual é porque há algo de muito
ruim no aparato judicial. E se o Estado disto também se prevalece, aí então o
mal é bem mais grave.

A lógica social e a legitimação
política do discurso impõem: antes das restrições, diretas ou indiretas, ao
sagrado direito de acesso à justiça, seja discutida a urgência da instalação
das Defensorias Públicas, dos Juizados especiais, do Juizado de instrução, pelo
menos, para os crimes de alta repercussão social. E nisto é de se elogiar a
atual presidência do TJ/DF.

É preciso reconhecer-se que cada juiz
brasileiro é instrumento das promessas do Estado de Direito articulado na
Constituição Federal, este é o dever ético-jurídico e a missão socialmente mais
importante do magistrado, são lições recentes do atual chefe da magistratura
nacional, o Min. Celso Melo, que aduz: o povo brasileiro ainda não tem acesso
pleno ao Poder Judiciário.

É latente a deficiência de
gerenciamento profissional da Justiça, notadamente em recursos humanos,
materiais e financeiros. Conceitos tais como qualidade total, avaliação externa
e interna, preocupação com o alvo do serviço público (o usuário-consumidor),
pesquisa, modernização tecnológicas e adequações de
rotinas permanentes…, parecem distantes ficções científicas em nossas
organizações judiciárias.

A gerência, aliás, sabidamente sempre
foi, culturalmente, o ponto débil de nossas Justiças. A irritação e o
embotamento em face da rotina burocrática, mas importante do serviço judicial,
geram a indolência, a apatia funcional.  Afora a concepção processual
infensa à agilidade e aos objetivos primários do Direito e da Justiça, a
liderança gerencial sempre foi fator de ineficiência de nossa Justiça. Não raro
vemos, ainda, nos balcões da Justiça, aqui e noutros Estados, fortes e
patéticas manifestação de inconsciência quanto ao fim do cargo publico: eu sou
o chefe e ostento tal importância demonstrando mais poder que eficiência, mais servindo-me do cargo ( mais meio de sustento que de servir),
que bem servindo ao público. Primeiro cuido de meus interesses na hora do
expediente, converso as  ‘potocas’ do dia, ponho em dia meus telefonemas
e, só depois então, atendo aos clientes que de pé no balcão ficam a atestar o
quão inútil o chefe, o líder. E se algum cliente, na qualidade cívica de
patrão-contribuinte, reclamar, tudo piora para ele, doutor ou não, eis que
escravo do monopólio deste serviço. Com efeito, sou  o
dono do destino dos que precisam dos meus deveres funcionais! Lustra meu
ego de burocrata fazer-me  esperar, demorar, causa-me prazer
burocrático… É claro que há boas exceções neste quadro, mas o desafio é
exatamente transformá-las em regra.

É raro o chefe dar seu construtivo
exemplo de bom atendimento ao público, liderando o bom desempenho de todos os
seus liderados; aliás, parece que na Justiça o usuário é o últimos dos
objetivos. Fenômeno raro é a decisão inteligente e salutar de:
enquanto houver balcão para atender ninguém faz outra coisa ou serviço).Reverter
a perversa situação do cliente ter de sorrir e agradar em troca do bom
atendimento, é pressuposto de uma nova consciência gerencial na Justiça, já
para os veteranos, mas sobretudo para os novos servidores.

A falta de pessoal (aliás, parece haver
mais seguranças, atividade meio, que atendentes de atividade fim), de material,
a má remuneração e etc, explicam muitas deficiências
no atendimento do publico alvo, mas a falta de liderança eficiente e consciente
da meta primeira do serviço é, por certo, a maior causa da ineficiência do serviço
publico judicial. Uma campanha com cartazes deveria sensibilizar a todos para
esta vocação, espontânea ou cobrada pelo usuário-consumidor. Todavia sequer
placas informativas (só para citar um exemplo dentre muitos) aos usuários nos
elevadores, escadas e corredores foram pensadas, o que atesta a inapetência
administrativa: o público-cliente (representado por advogado ou não) não
é a preocupação básica dos gerentes e diretores destes serviços. Sem uma
gerência (de cima para baixo) profissional e consciente dos alvos, dos
clientes, como na concorrência  empresarial, pouco
adiantará qualquer reforma no Judiciário e nas leis processuais.

Os símbolo desta nova
concepção gerencial devem ser: o banimento da palavra “não” do vocabulário do
serventuário da justiça de qualquer escalão e a troca dos muitos cartazes de
avisos negativos (restrições, negações, complicações…) para os usuário por
avisos positivos que despertem o zelo com o cliente, razão de ser de tudo,
inclusive do poder, do salário de todos.

É  preciso também e antes de tudo
que o Poder Judiciário se faça forte como poder perante aos demais poderes do
Estado e diante do povo. Com efeito, é com constrangimento que vemos e ouvimos
de quando em vez o próprio poder judiciário desinteressado na autoridade de
suas próprias decisões. O desprestigio do Poder Judiciário é, pois, um mal que
corrói todo o travejamento de qualquer Estado de Direito e compromete desde a
cidadania até os altos interesse econômico do país. O
“custo brasil” desta
ineficiência judicial em 1996 foi de  15% do PIB, ou seja, deixamos de
crescer 15% (vide pesq. IDESP/BNDES).

Muitas das propostas, que tem sido apresentadas, mais contornam que resolvem o
problema da eficiência/excesso de trabalho da Justiça. Assim acerca do efeito
normativo, ou vinculante das súmulas, pensamos que
antes das “relações impróprias” com o stare
decisis
anglo-americano, mais convincentes é
o paralelo com as autorictas do Senado
romano, cuja força é mais que recomendação e menos que ordem, sendo portanto só moralmente vinculantes,
conquanto exigência da ética da coerência e do decoro funcional (juízo
monocrático x juízo colegiado). Em princípio só mesmo o poder público deveria
estar jungido a este efeito normativo (questões tributarias,
previdenciárias…), bem assim as interpretações constitucionais da suprema
corte, tudo com ampla possibilidade de revisão.

Uma solução verdadeira pressupõe o
estabelecimento de um critério de desestímulo econômico à protelação em geral,
de modo que o tempo seja desvantajoso ao bolso de quem recorre para adiar o
cumprimento das decisões. Redução no elenco do recursos
e/ou seu desestimulo econômico. Fim do irracional procedimento de
execução de sentença. Talvez o sistema francês da asteinte
(multa diária ampla) seja útil neste equacionamento. Também
conviria o uso mais pedagógico do sancionamento do
abuso de direito e da litigancia de má-fé.

Também não será solução reduzir-se os meios de acesso do povo ao judiciário, ou
mesmo reduzir-se o espectro de nosso sistema recursal, tal seria perverso e
pouco eficaz se antes não se tratasse das causas do mal. Vou mais longe, antes
de se cogitar do redimensionamento do efeito suspensivo dos atuais recursos,
devemos repensar a execução dos julgados, que hoje é onde se ganha
economicamente mesmo com a derrota judicial.

É preciso atinar-se, por outro lado,
que o excesso de trabalho na justiça quiçá esteja, antes de tudo, relacionado à
desproporção entre meios materiais e humanos, em qualidade e quantidade e os
níveis de litigiosidade que caracterizam o nosso tempo, em que o próprio Estado
é o maior responsável por boa parte das querelas: na Justiça Federal 80% delas
provem dos planos econômicos, segundo pesquisa  do IDESP/BNDES de 1997. É
de se notar que temos apenas 01 juiz p/cada grupo de 29 mil habitantes.

Para melhorar a Justiça brasileira, em
conjunto com outras medidas, é de se sugerir: urgente aperfeiçoamento
dos precatórios; reenfatizar a responsabilidade do
Estado pelos danos causados pela atividade judicial; revisão periódica da
relação habitantes/processos versus número de juízes, sobretudo nos
tribunais e por fim, carecemos, todos, despertar para uma nova cultura
processual que não se refugie no abstrato mundos das
normas, mormente as instrumentais; eis que o Direito e acima de tudo o
Processual, existem em função do homem e da sociedade e não o inverso. Todavia,
nada será exitoso se não houver uma forte vontade
política de fortalecer, pela qualidade, pela ética, o que pressupõe melhores
salários e condições de trabalho para a magistratura nacional.

A garantia de que aquela imemorial luta
dos homens em busca dos direitos, não tem sido em vão é função política, mas sobretudo processual.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Luiz O. Amaral

 

advogado militante
ex-professor Direito na UnB e UDF

 


 

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