Amazônia Azul: Na iminência de expansão do território marítimo brasileiro

O território marítimo brasileiro abrange as zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional, nomeadamente, as águas interiores, o mar territorial (MT), a zona contígua (ZC), a zona econômica exclusiva (ZEE) e a plataforma continental (PC).


A área compreendida pela extensão do Mar Territorial brasileiro (12 milhas), somada à ZEE (188 milhas) e à extensão da Plataforma Continental, em decorrência de sua evidente riqueza e vastidão, essa área é chamada de “Amazônia Azul”.


O Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM III), promulgada pelo Decreto 1530/95.


Em 4 de janeiro de 1993, foi sancionada a Lei n. 8.617/93, enquadrando a normativa interna brasileira e os limites marítimos brasileiros aos preceitos preconizados pela CNUDM III, inclusive com a revogação de normas que lhe fossem contrárias.


Conceitualmente, mar territorial (“Territorial Sea”) é a faixa de mar que se estende desde a linha de base, até uma distância de 12 milhas marítimas. A jurisdição do Brasil no mar territorial é soberana, exceto no que tange a jurisdição civil e penal em navio mercante estrangeiro em passagem inocente, cuja jurisdição é do Estado de bandeira (princípio da jurisdição do Estado de bandeira).


A Zona Contígua (“Contiguous Zone”) consiste em uma segunda faixa de mar de 12 milhas, adjacente ao mar territorial. Na ZC, o Estado Costeiro é destituído de soberania, mas tem jurisdição legal específica para os fins de fiscalização no que tange à alfândega, saúde, imigração, portos e trânsito por águas territoriais.


A Zona Econômica Exclusiva (“Exclusive Economic Zone”) consiste em uma faixa adjacente ao Mar Territorial, que se sobrepõe à ZC. O limite máximo da ZEE é de 188 milhas marítimas a contar do limite exterior do Mar Territorial, ou 200 milhas, a contar da linha de base deste.


Nas ZEES, qualquer Estado goza do direito de navegação e sobrevôo, cabendo-lhe, ainda, a liberdade de instalação de cabos e dutos submarinos.


A plataforma continental (“Continental Shelf”) é constituída por áreas submersas adjacentes à zona do Mar Territorial e compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.


A disciplina jurídica sobre a PC objetiva a soberania sobre o aproveitamento dos recursos situados nas suas águas, no seu solo e subsolo, notadamente recursos minerais e combustíveis fósseis como o petróleo e o gás natural. Os recursos naturais da PC compreendem os recursos minerais e outros recursos não vivos do leito do mar e subsolo, bem como os organismos vivos pertencentes a espécies sedentárias, isto é, aquelas que, no período de captura, estão imóveis no leito do mar ou no seu subsolo ou só podem mover-se em constante contato físico com esse leito ou subsolo.


Sob a égide da CNUDM III, art. 77, o Estado costeiro exerce direitos de soberania sobre a PC para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais.


Em regra, o limite exterior da PC é de 200 milhas, todavia a CNUDM III estipula que os países interessados em ter uma PC maior que 200 milhas marítimas deveriam apresentar à Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU sua proposição, após 10 anos da ratificação da mesma, respaldada por informações científicas e técnicas, justificando tal pretensão (art. 76, 9).


O Brasil instituiu, pelo Decreto n. 95.787/88, posteriormente atualizado pelo Decreto n. 98.145/89, o Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (leplac), programa que tem por objetivo determinar o limite exterior da Plataforma Continental além das 200 milhas, consoante art. 76 da CNUDM III.


Solidamente amparado nos estudos realizados pelo LEPLAC, o Brasil apresentou, em 2004, pedido de extensão da PC à Comissão para os Limites da Plataforma Continental da ONU (CLPC) em consonância ao art. 76 da CNUDM III e seguindo os preceitos das “Scientific and Techinical Guidelines” – SGT, documento da ONU que regulamenta o artigo em questão.


O Brasil foi o segundo país a apresentar sua proposta a ONU. O primeiro país foi a Rússia que teve seu pedido negado.


A proposição solicitava novo limite exterior da PC na extensão de 350 milhas e a inclusão em sua plataforma de cinco áreas: cone do Amazonas; cadeia Norte brasileiro; cadeia Vitória e Trindade, platô de São Paulo e margem continental Sul.


Em decorrência da nova propositura, a “Amazônia Azul” seria integrada pelo mar patrimonial de 200 milhas marítimas (370 km) e pela plataforma continental de até 350 milhas marítimas (648 km) de largura, a partir de linha de base. Esta área representaria um total de quase 4,5 milhões de km2, aumentando em mais de 50% a área do território nacional.


Em abril de 2007, a CLPC emitiu um Relatório de Recomendações, sugerindo que o Brasil apresente nova proposta com novos limites. O Relatório recomenda certo “recuo” na propositura brasileira em cerca de 20 a 35% da área originalmente pleiteada.


O Relatório da CLPC está sendo analisado pelo LEPLAC que deverá propor linhas de ação ao Governo Brasileiro.


O Brasil poderá ser o primeiro país no mundo a ter sua proposta de ampliação de limites da PC aceita pela ONU.


Evidencia-se, portanto, que o aumento e incorporação da nova área da “Amazônia Azul”, mesmo que reduzida em nova proposta, deverá ocorrer em breve.


A iminência da expansão do território marítimo brasileiro, enseja a análise dos efeitos de tal abrangência sob a égide de três grandes vertentes: i) vertente econômica; ii) científica e iii)  vertente soberania.


Na vertente econômica, a expansão do território brasileiro é evidentemente estratégica.


É fato inconteste a relação de dependência da economia mundial com o mar. 


A par das riquezas estratégicas à sobrevivência das nações, 95% do comércio internacional se realiza através do transporte marítimo. Atente-se, ainda, para o turismo marítimo, a navegação de cabotagem, os esportes náuticos e a exploração de petróleo e gás.


No Brasil, a constatada relação de dependência com o mar é especialmente significativa. Além da constatada dependência do tráfego marítimo e do petróleo, que, per se, já bastariam para mensurar o significado da dependência do Brasil em relação ao mar, se destacam ainda demais potencialidades econômicas como a pesca, que permanece praticamente artesanal, a exploração de gás e demais recursos.


No limiar da sua auto-suficiência, o Brasil prospecta mais de 80% de seu petróleo. Especialistas vem defendendo que a exploração de petróleo na nova área deverá possibilitar o aumento de reservas suficientes para atender a demanda do mercado interno brasileiro e ainda possibilitar exportação de excedentes. Alguns estudos já iniciados destacam a probabilidade de existência de petróleo no subsolo, alem das 200 milhas, existência ainda não comprovada.


Na vertente científica, evidências empíricas vem apontando que o aumento da área marinha será extremamente relevante para a realização de pesquisas, para o gerenciamento de recursos naturais ecologicamente importantes e economicamente relevantes e se evidenciam, neste contexto, a exploração sustentável da pesca e de outros recursos, evitando-se, ademais, a pirataria científica..


Na vertente soberania, em que pese a vastidão da área a explorar e inobstante a importância indescritível da conquista pioneira do Brasil consolidando a extensão da sua área, algumas preocupações, todavia, são suscitadas.


Na PC, o Brasil exerce direitos de soberania para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais.  É evidente que a extensão da área importa não só em incorporação de riquezas e direitos de soberania. Proporcionalmente aos direitos, decorrem as responsabilidades, as obrigações.


A grande preocupação refere-se ao fato de o Brasil estar efetivamente preparado para investir em políticas de efetivo aproveitamento dos recursos, em pesquisas, e, essencialmente, em fiscalização.


Os portos brasileiros são considerados obsoletos e o Brasil, há décadas, é considerado um país “transportado” e não um país “transportador. Lamentavelmente, são gastos com fretes marítimos aproximadamente US$ 7 bilhões, dos quais apenas 3% são transportados em navios de bandeira brasileira.


A Marinha de Guerra deve ser imediatamente dotada de navios de primeira geração, alem de meios flutuantes, aéreos e anfíbios adequados, em quantidade suficiente para garantir uma presença naval permanente na Amazônia Azul, além de representar os interesses nacionais ou projetar o poder e a influência do país no exterior.


O Brasil poderá ser o primeiro país no mundo a ter sua proposta de ampliação de limites da PC aceita pela ONU, sob a égide da CNUDM III.


Resvala-se de vital importância a implementação de políticas não só relativa as vertentes econômicas, mas essencialmente políticas públicas que possibilitem e viabilizem a efetiva exploração sustentável, pesquisa e fiscalização.


Finalmente, ressalta-se e reitera-se, portanto, a importância da incorporação de nova área à “Amazônia Azul”, mas se evidencia a necessidade de que a relação de dependência com o mar deixe de representar uma vulnerabilidade para o Brasil e passe a ser consagrada uma potencialidade em seu uso, exploração e fiscalização que possam ser considerados paradigmas internacionais de excelência.


 


Referências bibliograficas

CARVALHO, R. G.  A amazônia Azul. Defesa Net, 04 Março 2004.

MATTOS, A. M. O novo direito do mar. Rio de Janeiro, Renovar, 1996.

OCTAVIANO MARTINS, E M. Curso de direito marítimo. Barueri: Editora Manole, 2007.

TORRES, L. C. e FERREIRA, H. S. Amazônia Azul: a fronteira brasileira no mar.Revista Passadiço; Centro de adestramento Almirante Marques de Leão – CAAML, 2005, p. 3-5.


Informações Sobre o Autor

Eliane M. Octaviano Martins

Autora do Curso de Direito Marítimo, vol I e II (Editora Manole). Mestre pela UNESP e Doutora pela USP. Professora do Curso de Mestrado em Direito e Coordenadora do curso de pós graduação em Direito Marítimo e Portuário da Universidade Catolica de Santos – UNISANTOS


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