Hermenêutica: ferramenta de linguagem

Resumo: A pesquisa em questão tem por foco demonstrar a vertente da linguagem humana que é a hermenêutica, enfatizando o quão essencial é a comunicação entre os indivíduos de uma sociedade, especialmente para aqueles cujo ofício se dá no capo do Direito. Este estudo propõe ainda estabelecer diferenças entre os significados da hermenêutica e da interpretação, os quais costumam ser freqüentemente utilizadas como sinônimos pelas pessoas. O trabalho, feito através de pesquisas em autores dos campos da língua portuguesa, psicologia e direito, traz como resultado a possibilidade de uma maior explanação sobre a hermenêutica tanto para os estudantes do curso de direito, quanto para os profissionais já em exercício da carreira.


Palavras-chave: comunicação, Direito, interpretação, hermenêutica, linguagem.


Sumário: 1. Da linguagem à comunicação; 2. Diferenciação entre a Interpretação e a Hermenêutica; 3. Relação da Hermenêutica com o Direito; 4. Considerações finais; 5. Bibliografia.


1. Da linguagem à comunicação


Desde que os seres humanos habitam o planeta, é necessária uma constante comunicação entre eles. Com o tempo a linguagem se aprimora tornando assim mais fácil esta interação entre os indivíduos. Hoje em dia não é diferente, e a comunicação, bem como a linguagem, são essenciais nas relações interpessoais, especialmente em certos campos profissionais, como é o caso daqueles que se dedicam às áreas do Direito. Para estes, uma boa oratória, capacidade de percepção e ainda a facilidade para a interpretação são de suma importância. Por esta razão criou-se a hermenêutica, ciência que estuda a interpretação das leis.


Segundo Ratner e Gleason (apud Wayne Weiten, 1993, p.226), “a linguagem consiste em símbolos que contém significados, mais regras para combinar aqueles símbolos, que podem ser usados para gerar uma infinita variedade de mensagens”. Esta, que é primeiramente simbólica, onde os sons são falados e as palavras escritas para representações, para depois vir a ser semântica, quando não existe relação implícita entre aparência dos objetos representados e suas palavras, e finalmente passa a ser estruturada, onde realmente acontece o entendimento, é aprimorada pelas crianças quando começam a receber aulas treinando a linguagem escrita, desenvolvendo então a consciência metalingüística. Para Steven Pinker, citado por Weiten (2002, p.230), o talento especial que os seres humanos têm para a linguagem é produto da seleção natural.


Existe ainda a idéia de que a língua, ou o idioma, determina a natureza do pensamento das pessoas, fazendo-as verem o mundo de maneiras diferentes (WHORF, B.L. e BLOOM, A.H. apud Weiten, 2002, p.236).


O processo comunicativo é uma necessidade essencial à natureza humana. Gestos, atos e palavras povoam permanentemente a existência. Por meio da comunicação, as pessoas imprimem sua marca, sua raiz, e estabelecem o seu lugar no mundo. Através da comunicação ainda projeta-se a personalidade e o caráter de cada indivíduo, pois esta está presente todo o tempo, mesmo através do silêncio. Ela é o um instrumento de exploração do mundo sendo também, ao mesmo tempo, o instrumento com o qual o mundo explora as pessoas. É através desta que formam-se, gradualmente, as opiniões, conceitos e juízos que nortearão as vidas, sem os quais seria impossível a convivência. E não basta falar bem, utilizando corretamente as regras gramaticais, há necessidade de muito mais. É preciso mobilizar recursos internos e externos para facilitar a arte do diálogo, que não é um simples despejar de palavras, é ir ao encontro, é abster-se de julgamentos precipitados, dando chances para a troca democrática de idéias, propiciando um clima de confiança e bem estar, utilizando a empatia na busca do processo de sinergia.


Sabe-se então que a coesão da linguagem de diferentes indivíduos nos leva à comunicação, que não é nada mais que a transmissão de sentimentos e idéias. A apalavra comunicação é de extrema vitalidade no mundo atual, onde é visada tanto nas relações humanas como no comportamento individual. “A linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um sem o outro.”[1]


“[…] A vida e o comportamento humano são regidos pela informação, pela persuasão, pela palavra, som, cores, formas, gestos, expressão facial, símbolos. […] Hoje o código verbal está em crise, predominando a imagem e a comunicação gestual.” (MARTINS, D. & ZILBERKNOP, L., 1979, p.28).


Por isso destaca-se a importância da facilidade de atuação do profissional do ramo do Direito perante a comunicação. Além de ter um abrangente conhecimento da linguagem jurídica, uma boa oratória e expressões firmes, a pessoa que trabalha no ramo das ciências jurídicas tem a necessidade de saber interpretar, pois o Direito é regido pelas normas, e, segundo Ronaldo Poletti, “toda norma merece interpretação.” (1996, p.276).


2. Diferenciação entre a Interpretação e a Hermenêutica


O direito é tido por alguns como uma arte, onde os juristas são os artistas que a interpretam.


“[…] Interpretar é determinar o sentido e o alcance das expressões do direito […].” (Carlos Maximiliano apud MONTORO, 2000, p.230).


A interpretação é sempre necessária, pois textos em geral são muito subjetivos, podendo haver simples combinações de palavras com diferentes significados. Cabe ao intérprete determinar o alcance do sentido que será dado.


Toda a leitura de texto é feita dentro de um contexto que desenvolve pressupostos e exigências. A própria interpretação tem com missão superar uma distância, um afastamento cultural, para assim incorporar um sentido à compreensão presente que se pode ter deste.


A interpretação pode ser: autêntica, feita pelo próprio autor a lei, tendo pouco valor, pois outros intérpretes o farão por si; doutrinária, fornecida pelos doutrinadores mais preparados em suas obras; judicial, e suma importância levando em consideração que a sentença dos juízes afeta as partes envolvidas; administrativa, que é realizada pelos órgãos administrativos; e teleológica, cujo objetivo é considerar a finalidade para qual a norma foi criada.


Quanto ao método a interpretação pode ser: gramatical, onde se considera o significado das palavras da lei e sua função gramatical; lógico-sistemática, onde leva-se em conta o sistema em que insere-se o texto e é necessária a comparação com outros métodos; histórica, cujo objetivo é investigar os antecedentes da norma, motivos, discussões, emendas, aprovação e promulgação; e sociológica, quando se adapta o sentido da lei às realidades e necessidades sociais.


E finalmente, quanto ao seu resultado, a interpretação pode ser: declarativa, quando declara o pensamento expresso na lei; extensiva, quando o intérprete conclui que o alcance da norma é mais amplo do que indicam seus termos; e restritiva, onde o intérprete restringe o sentido da lei.


É usual o emprego dos termos de interpretação e hermenêutica como sinônimos, o que é um erro grave, pois estes se distinguem. Hermenêutica vem do grego hermeneuein, e é, na realidade, a teoria científica da interpretação, ou seja, o estudo e a sistematização desta. “O problema hermenêutico encontra-se, assim, situado ao lado da psicologia: compreender é, para um ser finito, transportar-se para outra vida” (Paul Ricoeur, 1978, p.194).


3. Relação da Hermenêutica com o Direito


Direito é o ramo das ciências sociais aplicadas que tem como objeto de estudo o conjunto de todas as normas coercitivas que regulamentam as relações sociais, ou seja, são normas que disciplinam as relações entre os indivíduos, desses para com o Estado e do Estado para com seus cidadãos, por meio de normas que permitam solucionar os conflitos.


O senso ético e o espírito de justiça são fundamentais aos interessados em alguma carreira que deriva do curdo de Direito, que além de estudo e dedicação, precisam ter sensibilidade e talento para trabalhar com a legislação e, principalmente, com as pessoas. Boa memória, autoconfiança, capacidade de análise, de síntese, equilíbrio emocional, organização e responsabilidade também devem ser qualidades do profissional de Direito.


E a hermenêutica nada mais é que a compreensão do conteúdo de uma lei que entra em vigor. Se não houvessem regras específicas para tal interpretação, e é disso que trata a hermenêutica jurídica, cada qual poderia, quer juízes, quer advogados, entender a lei da maneira que melhor lhe conviesse. Logo, a Hermenêutica traz para o mundo jurídico uma maior segurança no que diz respeito à aplicação da lei, e, ao mesmo tempo, assegura ao legislador uma antevisão de como será aplicado o texto legal, antes mesmo que entre em vigor.


A hermenêutica vem então a influenciar diretamente na formação do profissional de direito, pois se este é incapaz de interpretar de modo estudado e sistematizado as leis, acabará por prejudicar-se também em sua argumentação, vindo a produzir discursos vazios e incapazes de persuasão. Um bom hermeneuta então será bem sucedido diante até de abusos que leis mal redigidas acabam por propiciar.


Ligada então à Teoria da Argumentação, a hermenêutica vem a ser uma ferramenta indispensável para a transmissão de idéias e comunicação de algo. Para alcançar-se a eficiência é necessário este trabalho preliminar de descobrir e fixar o sentido verdadeiro da lei de acordo com o seu contexto. Carlos Maximiliano defende a idéia de que não basta conhecer as regras aplicáveis para determinar o sentido e o alcance dos textos. Parece necessário reuni-las e, num todo harmônico, oferecê-las ao estudo em um encadeamento lógico (1978, p.5).


“A hermenêutica incumbe ao intérprete àquela difícil tarefa. Procede à análise e também à reconstrução. […] Examina o texto em si, seu sentido, o significado de cada vocábulo, […] comparando-o então com outros dispositivos da mesma lei, e com os de leis diversas, do país ou de fora. Inquire qual o fim da inclusão da regra no texto, e examina este tendo em vista o objetivo da lei toda e do Direito em geral. Determina por este processo o alcance da norma jurídica, e, assim, realiza, de modo completo, a obra moderna do hermeneuta”. (Carlos Maximiliano, 1978, p.10)


Sem este processo, são postos em dúvida pelo autor os resultados práticos do profissional.


4. Considerações finais


De acordo com as profissões exercidas por pessoas que se formam em Ciências Jurídicas, é extremamente necessária uma linguagem clara, de simples compreensão, exposição de idéias bem definidas e facilidade para comunicar-se, seja por meio escrito, gestual, ou oratório. Sendo assim, tem-se a necessidade de um estudo sobre o contexto das leis e dos fatos em questão, promovendo uma melhor interpretação, cuja função é auxiliar o jurista em suas exposições de idéias e argumentações posteriores. Para tal, seria importante maior ênfase dos cursos de direito no país na teoria científica da interpretação. Além de ser implantada como disciplina nas faculdades, a hermenêutica poderia, em acréscimo, ser explorada em palestras, seminários e conferências, onde as discussões provenientes de interpretações contrastantes e diferentes formas de sistematizações implicariam em uma maior qualidade dos futuros juristas, bem como daqueles que já estão em exercício.


“[…] compreender não é mais, então, um modo de conhecimento, mas um modo de ser, o modo desse ser que existe compreendendo.” (Paul Ricoeur, 1978, p.138)


 


Bibliografia:

MARTINS, Dileta & ZILBERKNOP, Lúbia. Português instrumental. 21ª ed. Porto Alegre: Prodil, 1979.

MAXIMILIANO, C. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1988.

MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 25ª ed. São Paulo: RT, 2000.

NUNES, Rizzatto. Manual de Introduçao ao Estudo do Direito. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

POLETTI, Ronaldo. Introdução ao Direito. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

REALE, M. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

RICOEUR, Paul. O Conflito das Interpretações: Ensaios de Hermenêutica. Rio de Janeiro Imago, 1978.

WEITEN, Wayne. Introdução à Psicologia: Temas e Variações. 4ª ed. São Paulo: Pioneira, 2002.

 

Nota:

[1] SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral, p.16, citado por MARTINS, Dileta & ZILBERKNOP, Lúbia. Português instrumental.


Informações Sobre os Autores

Diogo Dias Ramis

Acadêmico de Faculdade de Direito da FURG

Lia Borges da Fonseca

Acadêmica da Faculdade de Direito da FURG


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