Efeitos da reprodução assistida nos direitos da personalidade

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Resumo: Os avanços da biotecnologia têm elevado o conhecimento científico. As novas técnicas de reprodução assistida trouxeram esperança para casais que não poderiam ser pais pelos meios naturais. Entretanto, as conseqüências desta evolução não podem ficar desprotegidas pela ordem jurídica. As violações aos direitos fundamentais e aos diretos de personalidade devem ser impedidas.  Demonstrar-se-á a necessidade de identidade genética, os danos e as responsabilidades desses participantes.


Palavras-chave: Reprodução Assistida; Direitos de Personalidade e Identidade Genética; Efeitos Jurídicos Civis e Constitucionais.


Resumen: Los avances de la biotecnología han levantado el conocimiento científico. Las nuevas técnicas de la reproducción atendida habían traído la esperanza de los pares que no podrían ser padres para las maneras naturales. Sin embargo, las consecuencias de esta evolución no se pueden abandonar para la jurisprudencia. Los breakings a los derechos fundamentales y al derecho-handers de la personalidad deben ser obstaculizados.  La necesidad de la identidad genética será demostrada a ella, a los daños y a las responsabilidades de estos participantes.


Palabra-clave: Reproducción atendida; Las derechas de la personalidad y de la identidad genética; Efecto legal y constitucional civiles.


Abstract: The advances of the biotechnology have raised the scientific knowledge. The new techniques of attended reproduction had brought hope for couples that could not be parents for the natural ways. However, the consequences of this evolution cannot be forsaken for the jurisprudence. The breakings to the basic rights and the right-handers of personality must be hindered.  Necessity of genetic identity will be demonstrated to it, the damages and the responsibilities of these participants.


Keyword: Attended reproduction; Rights of Personality and Genetic Identity; Civil Legal effect and Constitutional.


Sumário: Introdução. 1.Direitos de personalidade e identidade genética. 2. Técnicas de reprodução assistida. 3. A figura do doador de sêmen. 4. Dignidade humana e o princípio da autonomia. 5. A questão da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais na esfera privada. 6. Dano moral e as responsabilidades civis.  7. Análise da jurisprudência brasileira no tocante ao direito do ser humano de conhecer suas origens. Conclusão. Referências.


Introdução


A família brasileira tem especial proteção do Estado. O planejamento familiar, segundo nossa atual Carta Constitucional, deve ser fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e na paternidade responsável. O planejamento familiar é de livre decisão do casal, somente competindo ao Estado à obrigação de propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte das instituições oficiais ou privadas (art. 226 §7º da CF/88).


 Em função da sua importância para todo ser humano, por ser o primeiro grupo de relacionamento que o indivíduo participa e se desenvolve como pessoa, a família recebeu do texto constitucional um patamar de valor especialmente garantido pelo Estado e pela sociedade.


A liberdade na família é garantida, mas encontra seu limite na responsabilidade. Ao Estado cabe a obrigação de propiciar os meios de assistência necessária a cada membro ou pessoa da família. A intervenção estatal poderá ocorrer quando houver desrespeito aos princípios da dignidade humana e paternidade responsável, além dos casos de falta do cumprimento de deveres familiares e violência em suas relações. Essa intervenção justifica-se na garantia dos direitos fundamentais. È o que se depreende por meio da análise sistemática do texto constitucional (arts. 226 a 230 da CF/88).


O ordenamento jurídico brasileiro tutelou a família não somente pela união de laços genéticos e sua descendência, ou seja, relações de sangue entre seus membros, mas também e da mesma forma, assegura a proteção da família formada pelo afeto, traduzido pela comunhão espiritual e de vida de seus integrantes comprovadas pela colaboração, solidariedade e respeito recíproco.


A pluralidade de modelos familiares e suas formas de organização não podem ser ignoradas pela ciência jurídica. A Constituição de 1988 reconheceu a união estável como entidade familiar, assim também como a entidade familiar formada por um dos pais e deus descendentes.


As novas formas de reprodução humana, fruto de novas técnicas, permitem o acesso planejado de formação de uma entidade familiar merece especial exame de suas particularidades. Dessa autonomia decorre uma série de situações jurídicas que devem ser devidamente analisadas e esclarecidas a fim de não se atingir a dignidade da pessoa humana nem a liberdade de cada um dos integrantes do corpo familiar.


O planejamento familiar deve orientar-se por ações preventivas e educativas onde se assegure a todo cidadão as instruções, informações e conseqüências jurídicas dessa decisão. Para o exercício desse direito devem ser oferecidos todos os métodos de concepção cientificamente aceitos, desde que não coloquem em risco à vida e à saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção. A promoção dessas ações preventivas inclui o aconselhamento genético, acompanhamento da gravidez, do parto e do puerpério, a nutrição da mulher e da criança, a identificação da gestante e do feto de alto risco, dentre tantas outras (Lei 9.263/96).


O aconselhamento genético, segundo a Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos “é o procedimento que consiste em explicar as conseqüências possíveis dos resultados de um teste ou de um rastreio genético, suas vantagens e seus riscos e, se for caso disso, ajudar o indivíduo a assumir essas conseqüências a longo prazo. O aconselhamento genético tem lugar antes e depois do teste ou do rastreio genético”.


Dessa decisão decorre uma série de implicações tanto para a vida pessoal do indivíduo como pra sua vida familiar. Segundo a Declaração Internacional Sobre Dados Genéticos Humanos (DISDGH) a identificação genética pode indicar predisposições genéticas dos indivíduos; podem trazer à família, compreendida a descendência, e todo o grupo social a que pertence à pessoa sérias conseqüências que se perpetuam durante gerações; podem conter informações cuja relevância não se conheça necessariamente no momento de extrair as mostras biológicas.


A identidade pessoal possui dupla dimensão. A primeira é individual, expressão de caráter único, indivisível e irrepetível de cada ser humano; a segunda é relacional, definida em função de sua memória familiar.


“Em seu art. 3º a DISDGH dispõe que: “cada indivíduo tem uma constituição genética característica. No entanto, não se pode reduzir a identidade de uma pessoa a características genéticas, uma vez que ela é constituída pela intervenção de complexos factores educativos, ambientais e pessoais, bem como de relações afectivas, sociais, espirituais e culturais com outros indivíduos, e implica um elemento de liberdade”.


O objetivo do presente trabalho é, à luz da aprovação da lei que permite as pesquisas com células-tronco e a partir daí suas mais diversas manipulações genéticas, mostrar que os frutos destas manipulações que originarem seres humanos conferem a estes os mesmos direitos de personalidade comum a todos os outros seres gerados pelas vias naturais de reprodução humana. Para tanto, primeiramente se mostrará quais os direitos de personalidade conferidos aos homens em geral e o direito a sua identidade genética. Revelará as atuais técnicas de reprodução assistida. Analisará como fica a posição jurídica do doador de sêmen, para se examinar a dignidade humana e o princípio da autonomia. Verificará a questão da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais na esfera privada. Enfocará o possível dano moral e as responsabilidades civis dos participantes desta relação. Far-se-á posteriormente uma análise da jurisprudência brasileira no tocante ao direito do ser humano de conhecer suas origens e finalmente uma breve conclusão.


1. Direitos de personalidade e intimidade genética


Segundo Daniel Sarmento (2008, p.97) os direitos da personalidade surgiram como categoria autônoma na dogmática civilista da segunda metade do século XIX, e encontraram forte resistência por parte da doutrina que negava a sua existência, afirmando que a personalidade não poderia ser objeto de direito, já que ela identificava-se com a titularidade de direitos. Entretanto, o autor sustenta não proceder tal argumento já que a personalidade possui dupla perspectiva: como centro de imputação e pressuposto para a aquisição de direitos e como objeto de direitos de personalidade e como tal merecedora de tutela jurídica. A partir de então esses direitos foram sendo incorporados nas diversas ordens jurídicas, sendo concebidos como projeções dos direitos humanos na esfera privada.


A personalidade confere à pessoa um direito subjetivo de defender àquilo que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física como vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, partes separadas do corpo; sua integridade intelectual, como a liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária e sua integridade moral, como a honra, segredo pessoal, profissional, doméstico, imagem, identidade pessoal, social e familiar.


Segundo nosso Código Civil de 2002, art. 2º: “A personalidade civil começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a sua concepção, os direitos do nascituro”. Na medida em que a personalidade é concebida com a vida, se esta se extinguir, aquela também se exaure. Os direitos da personalidade nascem com a pessoa e a acompanham durante toda sua existência. São inerentes à pessoa, intransmissíveis, inseparáveis do titular e por isso chama-se personalíssimos, também são indisponíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis (DALVI, 2008, p. 56).


Biologicamente, o início da vida marca sua individualidade. A biologia destaca o início da vida no momento da formação do zigoto ou célula-ovo. A partir desse momento o concebido adquire carga genética própria e individual, que não se confunde com a de seu pai ou de sua mãe, sendo o corpo da mãe apenas o meio hábil para se desenvolver normalmente até o nascimento.


Nosso código civil adotou a teoria natalista pela qual a personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida. Seus defensores entendem que o nascituro não tem personalidade jurídica nem capacidade de direito, mas a lei protege seus possíveis direitos se ele vier a nascer com vida (DALVI, 2008, p. 68).


Ao adquirir personalidade o ser humano adquire os direitos ao nome, a integridade física, a intimidade e vida privada, incluindo-se direitos a identidade genética (pessoal, social e familiar), a alimentos, de receber doações e os direitos sucessórios. Em que pese o entendimento de um direito geral de personalidade, que enseja uma ampla proteção à personalidade (teoria monista), ainda que, não expressamente indicados pelo legislador, a verdade é que ela está longe de dar conta das necessidades de tutela da dignidade da pessoa humana no direito privado. Com grande freqüência as situações concretas da vida ameaçam a dignidade humana e não cabem na moldura do direito subjetivo. Logo, concebido o direito à personalidade como direito subjetivo este será insuficiente para atender às possíveis situações em que a personalidade mereça tutela (SARMENTO, 2008, p. 100).


Com o advento do Estado Social, os direitos fundamentais, dentre eles os direitos da personalidade, novos direitos foram positivados a partir de uma perspectiva objetiva e não mais somente subjetiva no sentido de identificar pretensões do indivíduo em face do estado. A dimensão objetiva liga-se ao reconhecimento de que esses direitos além de imporem obrigações estatais consagram também valores sociais e fins diretivos que a comunidade deseja alcançar. Esses valores não são perseguidos somente pelo Estado, mas por ele e pela sociedade como um todo. Esses valores penetram por todo ordenamento jurídico modelando suas normas e impondo ao Estado deveres de proteção, não bastando apenas sua abstenção de violar direitos fundamentais.


Um dos primeiros diretos reconhecidos ao homem foi a sua liberdade. Essa liberdade deve ser entendida sob a dupla dimensão subjetiva e objetiva. Um dos contornos essenciais da liberdade é a autonomia privada ligada a escolhas existenciais que fazemos ao longo de nossas vidas. Essas escolhas refletem ao modo de ser da pessoa humana e, portanto diz respeito à sua personalidade.


Para Selma Petterle (2008, p.237) dentre essas escolhas pode-se decidir por aquelas que irão desaguar na intimidade genética. Refere que os testes genéticos para análise do DNA constituem a mais importante aplicação prática do conhecimento sobre o genoma humano nos permitirão conhecer os detalhes da nossa constituição genética. Após conhecer o genoma humano por meio dos testes genéticos, há a necessidade da construção de uma proteção jurídico-constitucional do genoma humano individual como um direito a identidade genética da pessoa humana.


A autora (2008, p.240) entende que tal problemática, advinda dessas novas técnicas de conhecimento e suas conseqüências sobre o individuo tem dividido a sociedade e a comunidade científica. A comunidade internacional compartilhando as preocupações com os avanços decorrentes da genética busca definir regras para proteção jurídica do genoma humano. Como referências internacionais pode-se citar a Declaração Universal sobre o Genoma Humano (UNESCO/97), a Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos (UNESCO/2003), a Declaração Universal da Bioética e Direitos Humanos (UNESCO/2005) a Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina (1997), a Carta de Direitos Fundamentais da União Européia (2000).


Exemplos isolados do direito constitucional comparado é a Constituição suíça, pioneira em estabelecer limites aos avanços da genética no ano de 1992 e a Constituição portuguesa após a revisão constitucional de 1997 que consagrou expressamente a garantia da dignidade pessoal e da identidade genética do ser humano. A Constituição suíça em seu art. 119 admite a investigação genética de uma pessoa com o consentimento desta ou em virtude de lei, declarando que toda pessoa terá acesso aos dados genéticos relativos aos seus ascendentes. A constituição portuguesa no art. 26 estabelece que:


“A todos são reconhecidos os direitos a identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, a capacidade civil, a cidadania, ao bom nome e reputação, a imagem, a palavra, a reserva da intimidade da vida privada e familiar e a proteção legal contra qualquer forma de discriminação.”


Como lembra Selma Petterle (2008, p. 241) em que pese o direito fundamental a identidade genética não estar expressamente consagrado na CF/88 brasileira, seu reconhecimento e proteção podem ser deduzidos do sistema constitucional. A ordem constitucional brasileira a partir do §2º, art. 5º, inseriu uma autêntica norma geral inclusiva de direitos fundamentais. Com amparo na doutrina, é possível afirmar que para além dos já reconhecidos direitos fundamentais, há outros, quais sejam, aqueles não escritos, não positivados, que em virtude de seu conteúdo material significativo são também merecedores de proteção constitucional. Pode-se então afirmar que o sistema de direitos fundamentais está aberto e o papel do hermeneuta na identificação dos direitos fundamentais será de extrema importância, verificando os critérios identificadores da condição de fundamentais.


É preciso desde logo identificar qual o elo existente entre, de um lado, a dignidade humana e o direito a vida, e de outro lado, o direito que se supõe, seja fundamental. Não há como negar que as possibilidades disponíveis hoje em matéria de manipulação genética podem configurar violação dos direitos fundamentais de primeira dimensão. Os novos problemas que daí se originam necessitam urgentemente de nova regulamentação que trace os contornos destas novas descobertas, sendo a identidade genética da pessoa humana, uma delas. A identidade genética da pessoa humana, base biológica da identidade pessoal é uma dessas manifestações essenciais da complexa personalidade humana (PETTERLE, 2008, p.246).


Segundo José Afonso da Silva (2002, p.196) o sentido biológico da vida é de difícil aferição. Sua riqueza significativa é dinâmica e se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade, até que muda de qualidade. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida.


O direito a identidade genética é um direito de personalidade que busca salvaguardar o bem jurídico-fundamental “identidade genética”, uma das manifestações essenciais da personalidade humana, ao lado do já consagrado viés do direito a privacidade e do direito a intimidade (PETTERLE, 2008, p. 259).


Ocorre que os notáveis avanços da medicina e as novas técnicas de reprodução assistida que viabilizam o desejo de casais que não podem, por outro meio, realizarem seu desejo de se tornarem pais, trouxeram consigo uma série de conseqüências fático-jurídicas que não podem deixar de serem reguladas pelo direito pelo fato de atingirem uma série de direitos fundamentais consagrados em nosso texto constitucional.


Os filhos nascidos da fertilização in vitro têm direito a sua identidade genética como qualquer outro ser humano ou a eles devem ser restringido esse direito? Deve-se nestes casos ser respeitado o direito de igualdade consagrado pelo art. 5º da CF/88? Tendo em vista o direito à privacidade do doador, direito fundamental a privacidade, qual deles deve prevalecer (o direito a identidade genética do seu sucessor ou o direito a privacidade de seu ascendente)?


O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 26 admite o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento, no próprio termo do nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação. O parágrafo único do mesmo artigo admite o reconhecimento do filho antes de seu nascimento ou depois de sua morte, se deixar descendentes.


Às provas da paternidade ou maternidade serão feitas por todos os meios admitidos em direito, inclusive por exame de DNA, que em caso de nascituros será feita por coleta de material do feto em uma amostra da placenta a partir da 9ª semana de gestação.


Segundo Luciano Dalvi (2008, p.248) sendo o caso de reconhecimento de paternidade, a sentença é declaratória, onde o juiz apenas declara uma relação jurídica que já existia. Mas em caso de reprodução assistida heteróloga como se solucionaria as questões de paternidade e filiação? Como se protegeria o direito a intimidade do pai? Como se respeitaria o direito de identidade genética do filho? Como o direito resolveria a questão do doador de sêmen? Qual desses direitos deve prevalecer em casos concretos?


2. Técnicas de reprodução assistida


Segundo Luciano Dalvi (2008, p. 171-189) são técnicas de reprodução assistida:


1. Fertilização in vitro


Este tipo de reprodução humana é uma biotecnologia onde os processos fisiológicos de maturação folicular, fertilização e desenvolvimento embrionário são obtidos em laboratório (in vitro), fora do útero materno, procurando obter embriões de qualidade a transferir posteriormente para a cavidade uterina. A técnica consiste numa inseminação artificial pela manipulação do óvulo da mulher com o esperma do homem em um tubo de ensaio a fim de dar início à fecundação do óvulo com a formação do embrião. A duração desta etapa é de aproximadamente 48 horas, segundo o instituto Mater dei Saúde. Após este período, o embrião formado deve ser transferido para a cavidade uterina através de um cateter especial durante um exame ginecológico normal.


2. Indução com Datação de Coito


 Esta forma de reprodução assistida consiste em acompanhar o ciclo menstrual da mulher e verificar o ciclo da ovulação, para determinar o momento exato para ter relações sexuais. Esta técnica é também chamada de tabelinha.


3. A Técnica de Reprodução GIFT


 É a técnica que transfere os gametas para dentro das trompas. Nesse procedimento, o óvulo e os espermatozóides selecionados após a coleta são reunidos em um mesmo cateter e imediatamente transferidos para a trompa.


4. A Técnica de Reprodução ZIFT


A técnica tem como procedimento a divisão do zigoto, que dará origem ao embrião, já dentro da trompa, onde ocorrerá à multiplicação celular e o embrião irá para o útero.


5. A Técnica de Reprodução ICSI


O método de injeção intracitoplasmática de espermatozóide ou micro-manipulação do óvulo é um processo que consiste na aplicação de um espermatozóide por agulha no óvulo. A agulha perfura o óvulo e injeta o espermatozóide.


6. A Inseminação Artificial


È um método utilizado para tratamento de algumas alterações da fertilidade do casal, onde se coloca os espermatozóides o mais próximo do óvulo, no momento mais adequado, suplantando os obstáculos masculinos e femininos.


Segundo L. Dalvi (2008, p.190-198) são formas de reprodução assistida:


Homóloga – É a mais comum e se dá com a utilização de gametas do próprio casal. Na fertilização in vitro ocorrerá uma acepção genética. Esta técnica produz um grande número de embriões, mas somente uma parte deles será implantado no útero materno, os demais serão congelados para serem utilizados posteriormente ou não.


Heteróloga – É aquela que utiliza gametas obtidos de terceiros. Pode ser parcial, quando um dos gametas é doado por terceiro e o outro por um dos cônjuges ou total, quando os dois gametas são obtidos de doação de terceiros.


Nesse tipo de reprodução é que consiste a maior parte das polêmicas geradas na área jurídica e social. O filho gerado carregará o material genético e a aparência física de seu pai biológico, mas será criado por seu pai afetivo. A partir desta ótica nos perguntamos: quem é o pai desta criança? De qual deles terá direitos sucessórios? O doador de sêmen deve assisti-lo? Caso o filho necessite de algum tipo de transplante de órgãos para sobreviver de doença incurável, poderia recorrer ao pai biológico, tendo em vista que o direito à vida deve ser respeitado acima de qualquer outro direito e somente em ocasiões especialíssimas ele deve ser preterido, como o caso de guerra, conforme nossa constituição (art. 5º, inc. XLVI, a) consagra? Se o pai biológico necessitasse do transplante e soubesse que somente um filho poderia lhe salvar a vida, teria direito de saber se seu sêmen foi utilizado em alguma técnica de reprodução assistida bem sucedida?


Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) dispõe em seu art. 4º: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária.”


Como o legislador conferiu este dever não só a família, mas a toda sociedade; temos um caso de interesse coletivo de proteção à criança a ao adolescente. Porque então se deferir prioridade a intimidade genética do doador de sêmen (interesse individual) em detrimento da vida e do desenvolvimento da criança ou do adolescente nos casos de necessidade para salvar-lhe à vida?


A doutrina mais moderna[1] tem entendido que somente na análise dos casos concretos é que se poderá estabelecer qual o interesse deve ser prevalente, mas nunca se poderá a priori estabelecer qual deles deve prevalecer.


O pensamento de Ivan de Oliveira Silva (2008, p. 43) é no sentido de que a manipulação genética e sua alteração não dizem respeito somente aos interesses públicos e particulares, pois por meio de todo e qualquer material genético, sempre de possível alcance de um número indeterminado de pessoas, deverá seguir a orientação dos direitos difusos. Segue esclarecendo que sua repercussão estará na esfera de interesses de todos os seres vivos tanto desta geração quanto das futuras.


3. A figura do doador de sêmen


Quando existe alguma falha relacionada com a infertilidade masculina, geralmente os médicos aconselham a utilização do sêmen de terceiros para que seja resolvido o problema. Segundo a Resolução 1358/92 do Conselho Federal de Medicina – que não tem juridicidade reconhecida pela ordem jurídica nacional (grifo nosso) – as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida baseiam-se nos seguintes princípios dentre outros:


1 – As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade.


2 – As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente.


Em relação aos doadores estabelece a resolução acima referida:


1 – A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial.


2 – Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.


3 – Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.


4 – As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.


5 – Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um doador tenha produzido mais que 2(duas) gestações, de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes.


6 – A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.


7 – Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços, participarem como doadores nos programas de RA.


Luciano Dalvi (2008, p. 236) entende que a paternidade biológica é a relação paterno-filial derivado de um vínculo genético que insere as características do pai no respectivo filho.  A paternidade afetiva pode dar-se em face de adoção e dos processos de fertilização in vitro que descaracterizam a filiação originária. Este último tipo de paternidade pode levar a casos de mais de uma paternidade. Para explicitar o pensamento, imaginemos o caso de uma criança ser fruto de uma RA e no momento de seu nascimento tão desejado pelos pais afetivos (1) que decidiram pela reprodução, a criança seja seqüestrada por alguém (mãe afetiva nº2) que também tinha um enorme desejo de ser mãe e criou esta criança como sua filha, dando-lhe todo afeto e carinho. Muitos anos depois a polícia descobre o paradeiro da criança e a subtrai das mãos de sua mãe afetiva (2). Na família atual, o afeto é a razão de sua própria existência, o elemento responsável e indispensável para a sua formação, viabilidade e continuidade. A paternidade afetiva expressa um espaço em que cada membro busca a realização de si mesmo por meio do outro. Assim, temos aí um caso aonde há mais de uma paternidade afetiva, pois sem dúvida essa situação faria com que a criança sentisse afeto pela mãe que a criou, embora não tivesse nenhum direito legal pelo fato de ter cometido um crime, não podemos negar que a realidade revela uma situação de vínculo afetivo entre eles.


No caso de adoção, a paternidade fica bem delineada no art. 41, onde o estatuto da criança e do adolescente estabelece que “a adoção atribui à condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”. Entretanto, nestes casos, houve uma manifestação de vontade dos pais biológicos e afetivos; um, em transferir a filiação a outrem; e outro, em adotar o filho dos primeiros, conforme consagra regra do art. 45 do mesmo estatuto. Será dispensado o consentimento somente quando os pais biológicos do adotado sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio poder, leia-se poder familiar (§ 1º, art.45 do ECA e art. 1630 do CC). Este certamente não é o caso de RA onde já se demonstrou haver possibilidade de identificação da figura biológica por meio de registros de dados dos doadores de sêmen e a absoluta prioridade da criança na efetivação de seus direitos essenciais. A legislação brasileira não reconhece mais a distinção entre filhos legítimos, ilegítimos e adotivos.


A investigação de paternidade pode ser solicitada pelo filho pedindo exame de DNA ou pelo Ministério Público em averiguação oficiosa nos casos previstos em lei. Havendo reconhecimento de paternidade, o juiz desde logo fixará os alimentos, conforme lei 8.560/92 que regula a investigação de paternidade de filhos havidos fora do casamento:


“Art. 7° Sempre que na sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido que deles necessite.”


   A recusa ao teste é pressuposição de paternidade de acordo com a Súmula 301 do STJ[2].


O objetivo desta decisão é dar eficácia e efetividade aos interesses familiares que irão desaguar na dignidade da pessoa humana. A vida familiar tem diversas conseqüências internas e externas. A referência interna ocorre na vivência do ciclo familiar e a externa se dá pelas conseqüências relacionadas à inserção do individuo na sociedade após ser criado na família.


Segundo a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos em seu artigo 9º “Com o objetivo de proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais, as limitações aos princípios do consentimento e do sigilo só poderão ser prescritas por lei, por razões de força maior, dentro dos limites da legislação pública internacional e da lei internacional dos direitos humanos”.


Em seu art. 10º prescreve “Nenhuma pesquisa ou aplicação de pesquisa relativa ao genoma humano, em especial nos campos da biologia, genética e medicina, deve prevalecer sobre o respeito aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana dos indivíduos ou, quando for o caso, de grupos de pessoas”.


Nesta mesma Declaração se estabelece as condições para o exercício da atividade científica no art.14 “Os Estados devem tomar medidas apropriadas para fomentar as condições intelectuais e materiais favoráveis à liberdade na realização de pesquisas sobre o genoma humano e para levar em conta as implicações éticas, legais, sociais e econômicas de tais pesquisas, com base nos princípios expostos nesta Declaração”.


 Segundo o Relatório de Belmont em 1978 existem três princípios identificados para casos de pesquisas biomédicas:


1. Respeito pelas pessoas: que incorpora duas convicções éticas: A – os indivíduos devem ser tratados como seres autônomos, dotados de autodeterminação; e B – as pessoas cuja autonomia esteja atenuada devem ser submetidas à proteção. Dentro deste contexto, pessoa autônoma é aquela capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e de agir consoante tal deliberação.


2. Beneficência: é a qualidade de não causar dano e maximizar os benefícios possíveis e minimizar os prejuízos.


3. Justiça: que se traduz na imparcialidade de distribuição dos riscos e benefícios. Os iguais são tratados igualmente.


Maria Celina considera (2007, p.124) o anonimato de doador de sêmen, na inseminação artificial heteróloga, um exemplo que não se compactua com a ordem constitucional da prevalência das situações existenciais. Argumenta-se que se a providência da proibição do anonimato for tomada, significará o fim da possibilidade de reprodução. A autora admite que possa ser verdade, mas a visão dos que sustentam o anonimato parece estar deformada pelo longo tempo em que o direito civil cuidava unicamente de direitos subjetivos de matriz patrimonial. A deturpação desta idéia deve-se ao fato de se entender que conceber um filho é um direito dos pais e para garantia deste direito, pode-se fazer o que seja necessário, inclusive conceber um filho que não poderá ter acesso a sua origem genética, aspecto que compõe a existência de sua identificação genética.


No que tange ao anonimato do doador de sêmen, há interesses de terceiros, das gerações futuras, que devem ser resguardados; portanto, apesar da atual liberdade para tanto, se entende que não caiba proporcionar à sociedade esta alternativa. (Maria Celina, 2007, p. 125)


Pietro Perlingieri (2007, p.176-177) entende que o menor tem direito de conhecer as próprias origens não somente genéticas, mas culturais e sociais. O patrimônio genético – de acordo com a concepção pela qual a estrutura se adapta a função – não é totalmente insensível no seu futuro às condições da vida nas quais a pessoa opera. Conhecê-lo significa não apenas evitar o incesto, possibilitar a aplicação da proibição de núpcias entre parentes, mas, responsavelmente, estabelecer uma relação entre titular do patrimônio genético e de quem nasce.


Assim, este autor considera que nenhuma objeção que se queira dar a esta possibilidade de identificação genética se coaduna com os valores consagrados em nosso ordenamento jurídico que não mais admite diferenças entre filhos legítimos e ilegítimos. As responsabilidades advindas pela inseminação artificial não devem ser ignoradas pelos juristas. As conseqüências devem ser previstas no ordenamento jurídico a fim de não prejudicar quem não pediu para nascer.


4. Dignidade humana e o princípio da autonomia


O respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento do imperativo categórico kantiano, de ordem moral, tornou-se um comando jurídico no Brasil com o advento da constituição de 1988 que em seu art. 1º, III, consagrou-a como um dos fundamentos da República. Este valor foi estabelecido na constituição como aquele valor supremo que toda a ordem jurídica deve observar. Torna-se desumano assim, toda conduta que possa reduzir a pessoa à condição de objeto. (MORAES, 2007, p.82)


O substrato da dignidade pode ser desdobrado em quatro postulados: 1. O sujeito moral que reconhece a existência dos outros sujeitos iguais a ele; 2. Merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica de que é titular; 3. É dotado de vontade livre, de autodeterminação; 4. É parte do grupo social, em relação ao qual tem a garantia de não vir a ser marginalizado. São corolários ou subprincípios da dignidade humana então, os princípios da igualdade, da integridade psicofísica, direito da liberdade, direito-dever de solidariedade social. (MORAES, 2007, p. 85)


Na esfera civil, a integridade psicofísica serve para garantir os numerosos direitos da personalidade como a vida, o nome, imagem, honra, privacidade, corpo, identidade genética dentre outros, que se poderia denominar direito à saúde, compreendida esta, como completo bem-estar psicofísico e social. No princípio está contido ainda, e principalmente, o direito à existência digna. Atualmente, as maiores dificuldades dizem respeito ao desenvolvimento da biotecnologia e suas conseqüências sobre a esfera psicofísica do indivíduo. Maria Celina entende que na área da biomedicina o interesse do indivíduo deve prevalecer quando se tratar de sua saúde, física ou psíquica. (MORAES, 2007, p.95- 99)


O projeto genoma humano está revolucionando o conhecimento do homem acerca de si mesmo. O mapeamento de nossos genes traz grandes problemáticas no tocante à dignidade humana. Daí surge à necessidade de que sejam estabelecidos determinados limites externos a biomedicina de natureza ética a fim de não transformar o ser humano em objeto.    No que tange a dignidade humana a Declaração consagra que “O genoma humano subjaz à unidade fundamental de todos os membros da família humana e também ao reconhecimento de sua dignidade e diversidade inerentes. Num sentido simbólico, é a herança da humanidade, onde:


a) todos têm o direito por sua dignidade e seus direitos humanos, independentemente de suas características genéticas;


b) Essa dignidade faz com que seja imperativo não reduzir os indivíduos a suas características genéticas e respeitar sua singularidade e diversidade.


 Ingo Sarlet (2008, p.20) entende que a dignidade da pessoa humana não existe apenas onde é reconhecida pelo direito e na medida em que este a reconhece, já que constitui dado prévio, no sentido de preexistente e anterior a toda experiência especulativa.


Daniel Sarmento (2008, p.7) declara que já no paradigma liberal viu-se a necessidade de proteção do homem tornando-se inadmissível a continuidade da discriminação fundada no nascimento, o que exigia abolição de privilégios estamentais desfrutados pela nobreza e clero. Dotada de caráter universal e impregnada pela teoria jusnaturalista surgiu à declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, consagrando em seu 1 º artigo o princípio da isonomia. Com o passar do tempo foi se consolidando a idéia que para o efetivo desfrute dos direitos individuais, era necessário garantir condições mínimas de existência para cada ser humano.


À luz da Declaração Universal da ONU e do entendimento kantiano o elemento nuclear da noção de dignidade humana parece continuar sendo reconduzido e a doutrina majoritária conforta esta conclusão, de centralização na autonomia e o direito de autodeterminação da pessoa. (SARLET, 2008, p. 23)


Assim, a dignidade tem dupla dimensão, uma que se manifesta enquanto expressão da autonomia da pessoa humana, vinculada à idéia de autodeterminação no que diz com as decisões essenciais a respeito da própria existência e outra que se revela como a necessidade de sua proteção por parte da comunidade e do Estado. Nesta última perspectiva poderá prevalecer em face da dimensão autonômica. Gera para o individuo o direito de decidir de forma autônoma sobre seus projetos existenciais e mesmo onde esta autonomia lhe faltar ou não puder ser atualizada, ainda assim ser considerado e respeitado pela sua condição humana. (SARLET, 2008, p.30-33)


Para Dworkin (2003, p. 335), a teoria segundo a qual a indignidade é condenável por ser demasiado contrária a nossos interesses experienciais, provoca em suas vítimas um sofrimento mental especialmente grave e característico, do qual as pessoas se ressentem e as levam, em conseqüência, a sofrer mais com a indignidade do que com qualquer outra forma de privação, fazendo com que as pessoas nesta situação percam seu amor-próprio, causando-lhe desprezo e aversão por si próprio.


A autonomia confere ao homem sua capacidade de governar a si mesmo e pelo qual ele toma suas próprias decisões. Ronald Dworkin (2003, p. 315-318) revela “que há um consenso geral de que os cidadãos adultos dotados de competência normal têm direito à autonomia, isto é, direito de tomar, por si próprio, decisões importantes para a definição de suas vidas”… Quando, porém, se perde este direito? Entende o autor que em certas ocasiões podem ser extremamente favoráveis aos interesses de uma pessoa obrigá-la a agir de modo diferente do que ela quer, comprometendo até mesmo sua autonomia com uma decisão que vai contra seus interesses. Pode acontecer que, após um exame criterioso dos fatos, esteja entre seus interesses fundamentais, o impedirmos de tomar uma determinada decisão. A autonomia exige que permitamos que uma pessoa detenha o controle de sua própria vida, mesmo quando se comporta de um modo que, para ela própria, não estaria de modo algum de acordo com seus interesses (fraqueza da vontade). Se acreditarmos que respeitar sua autonomia significa permitir que ajam desse modo, não poderemos aceitar que o objetivo da autonomia consista em proteger o bem-estar de uma pessoa. O objetivo da autonomia deve ser até certo ponto, independente da alegação de que uma pessoa sabe quais são seus interesses fundamentais. O valor da autonomia deve pautar-se na integridade, na capacidade de alguém expressar seu caráter por meio de seus valores, compromissos, convicções e interesses. O reconhecimento de um direito individual de autonomia torna possível a autocriação. Permite que cada um de nós seja responsável pela configuração de nossas vidas de acordo com nossa personalidade.


A concepção de autonomia centrada na integridade não pressupõe que as pessoas competentes tenham valores coerentes ou que sempre façam as melhores escolhas ou que sempre levem vidas estruturadas e reflexivas. Reconhece-se que as pessoas fazem escolhas que refletem fraquezas, indecisão, capricho ou simples irracionalidade. Qualquer teoria de autonomia centrada na integridade deve fazer distinção entre o valor da autonomia e suas conseqüências. A autonomia estimula e protege a capacidade geral das pessoas de conduzir suas vidas de acordo com sua percepção individual.


Para Amartya Sen (2007, p. 33), ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo, questões centrais para o processo de desenvolvimento. A liberdade apresenta vínculo com a qualidade de vida que se concentra no modo como as pessoas vivem e suas escolhas. O autor acredita que a afirmação de responsabilidade social que substitua a responsabilidade individual só pode ser contraproducente O argumento do apoio social para expandir a liberdade das pessoas pode ser considerado um argumento em favor da responsabilidade individual e não contra ela. O caminho de liberdade e responsabilidade é de mão dupla. Sem a liberdade substantiva e a capacidade para realizar alguma coisa, a pessoa não pode ser responsável por fazê-la. Mas ter efetivamente a liberdade e a capacidade para fazer alguma coisa impõe à pessoa o dever de refletir sobre fazê-la ou não, e isso envolve responsabilidade individual. Nesse sentido, a liberdade é necessária e suficiente para a responsabilidade (SEN, 2007, p. 321-322).


Para Dworkin, (2003, p.335) assim como a autonomia, o respeito por si mesmo, exige certo grau de competência geral e em especial, um senso de auto-identidade ao longo do tempo. O ódio e a aversão por si mesmo pressupõem um senso de identidade ainda mais agudo.


Pietro Perlingieri (2007, p.17-19) define autonomia como o poder reconhecido ou concedido pelo ordenamento estatal a um indivíduo ou a um grupo de determinar vicissitudes jurídicas como conseqüência de comportamentos- em qualquer medida- livremente assumidos. As vicissitudes são os efeitos jurídicos constitutivos, modificativos ou extintivos da relação para individuar o mesmo conceito de outro ângulo visual. Ao lado destes efeitos devem ser analisados os possíveis efeitos relacionados à concreta fattispecie, ao seu particular regulamento de interesses, de maneira a valorar o ato em uma ótica finalística. Por vezes o ato se exaure na produção de um só efeito, já em outras produz uma multiplicidade de efeitos. Nesta hipótese, é preciso verificar se todos os efeitos contribuem do mesmo modo para a qualificação do fato ou se entre eles devem ser distinguidos aqueles que determinam a função prático-jurídica (efeitos essenciais) daquele fato dos outros que para isso não contribuem (efeitos não-essenciais). Entende o renomado autor que a autonomia é a atuação não somente de direitos subjetivos, mas também de deveres de solidariedade. Solidariedade não somente econômica, mas também social e familiar.


 A dignidade na condição de valor intrínseco do ser humano gera para o indivíduo o direito de decidir de forma autônoma sobre seus projetos existenciais e de felicidade e mesmo onde esta autonomia lhe faltar ou não puder ser atualizada, ainda assim ser considerado e respeitado pela sua condição humana. Assim, a dignidade é limite e tarefa dos poderes estatais, que aponta para a dupla dimensão defensiva e prestacional da dignidade. Como limite, a dignidade implica não apenas que a pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto da ação própria e de terceiros, mas também, o fato de que a dignidade gerar direitos fundamentais (negativos) contra atos que violem ou a exponham às graves ameaças. Como tarefa, a previsão constitucional da dignidade da pessoa humana faz decorrer deveres concretos de tutela no sentido de proteger a dignidade de todos por meio de medidas positivas (prestações). (SARLET, 2008, p. 33)


O princípio da dignidade humana mergulha suas raízes na doutrina cristã do Evangelho, no humanismo renascentista de Pico della Mirandola e acima de tudo, na filosofia iluminista que teve seu ápice em Kant. Para Kant, o homem como ser racional dotado de autonomia moral, constitui um fim em si mesmo e não pode servir simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade, não tendo por isso preço, mas dignidade. Daniel Sarmento vê o princípio da dignidade humana o elemento que costura e unifica todo o sistema pátrio dos direitos fundamentais, representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas atos estatais, mas também toda a miríade de relações que se desenvolvem no seio da sociedade civil e no mercado.  O princípio em pauta desempenha papel essencial na revelação de novos direitos não escritos no catálogo constitucional e poderão ser exigidos quando se verificar que determinada prestação positiva ou negativa viola a vida humana e sua dignidade. Pela autonomia privada o homem determina os rumos de sua vida de acordo com suas preferências subjetivas desde que respeite o direito de seus pares. Os particulares são titulares de uma esfera de liberdade juridicamente protegida que deriva do reconhecimento de sua dignidade (SARMENTO, 2008, p. 87- 143).


Afirma a doutrina que a autonomia significa o poder do sujeito de auto-regulamentar seus próprios interesses, de autogoverno de sua esfera jurídica, que deve ter liberdade para guiar-se de acordo com estas escolhas, desde que elas não perturbem os direitos de terceiros nem violem outros valores relevantes da comunidade. Assim, a autonomia privada encontra seus limites no direito das outras pessoas a uma idêntica quota de liberdade e também com outros valores igualmente relevantes ao Estado Democrático, com a democracia, a igualdade, a solidariedade, a responsabilidade e a segurança. É inevitável que o estado intervenha em certos casos restringindo a autonomia individual, seja para proteger a liberdade dos outros, seja para favorecer o bem comum. Mesmo as liberdades fundamentais não são absolutas. No caso concreto a liberdade de um poderá causar lesão a outro direito fundamental ou princípio constitucional igualmente relevante. Nesta hipótese, poderá ser necessário, diante dos contornos do caso restringir a liberdade em questão visando à otimização dos bens jurídicos em confronto, através de uma ponderação de interesses (SARMENTO, 2008, p. 154-156).


5. A questão da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais na esfera privada


Conforme Daniel Sarmento (2008, p.238-259) a questão da extensão dos direitos fundamentais nas relações privadas é indispensável no contexto adotado pela nossa Carta Constitucional como Estado Social. O debate sobre a questão da eficácia direta ou não, dos direitos fundamentais surgiu na Alemanha, onde se consagrou o entendimento que os direitos fundamentais não se dirigiam aos particulares, mas sim, ao Estado por serem considerados direitos de defesa. Argumenta-se que o texto constitucional alemão somente prevê a vinculação dos poderes públicos quanto à observância dos direitos fundamentais, além do entendimento de que a eficácia direta implicaria na eliminação da autonomia individual, destruindo a identidade do Direito Privado. Este é o entendimento adotado no direito norte-americano.


A doutrina da eficácia horizontal mediata ou indireta foi formulada pelo alemão Günter Durig e hoje é adotada pela maioria dos juristas alemães. É uma construção intermediaria pela qual a proteção constitucional da autonomia privada pressupõe a possibilidade dos indivíduos renunciarem a direitos fundamentais no âmbito de suas relações privadas em favor de outros valores constitucionais. Nestes casos, há a necessidade intervenção legislativa para regular as situações onde a autonomia privada deveria ceder, estabelecendo, desta forma, as condutas que seriam compatíveis com os valores constitucionais.


A teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais na esfera privada também foi defendida primeiramente na Alemanha por Hans Carl Nipperdey. Segundo ele, os direitos previstos na constituição alemã não vinculam apenas o Estado, mas também todas as pessoas que fazem parte daquela sociedade. Não nega a necessidade de uma ponderação entre o direito fundamental e a autonomia privada. Não é uma doutrina radical, pois reconhece que a autonomia privada também é assegurada pela constituição alemã.


Esta teoria é adotada por Portugal, Itália, Espanha e Argentina. No Brasil, esta teoria também foi acolhida. Resta claro que a Carta de 88 é intervencionista e social, consagra um modelo de Estado Social voltado pra a igualdade, não se baseando na rígida separação do Estado e da sociedade. A linguagem adotada pelo constituinte brasileiro na maioria dos direitos fundamentais do art. 5º transmite a idéia de uma vinculação passiva universal. São sendo apenas uma questão de direito, mas de ética e justiça.


Daniel Sarmento entende que a tutela dos direitos individuais nas relações privadas não se esgota na garantia de uma obrigação geral de abstenção, nem de reparação dos danos pelas lesões perpetradas, através da responsabilidade civil. A proteção constitucional é mais ampla, e envolve tanto uma tutela preventiva como obrigações positivas e negativas do particular, dependendo da circunstância de cada caso e da concreta configuração dos interesses em jogo.


A fixação de limites para a incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares envolve um problema de ponderação com a autonomia privada. Daí a necessidade de fixar parâmetros para o caso de colisão entre direitos fundamentais de dois particulares, estreitando a discricionariedade judicial, ampliando a segurança jurídica.


O primeiro critério que tem que se reconhecer é o de que quanto maior for à desigualdade fática entre os envolvidos maior deverá ser o a proteção ao direito fundamental e menor a tutela da autonomia privada. Se houver, no entanto, igualdade material das partes, a autonomia deve receber uma proteção mais intensa. Esse entendimento justifica-se pelo fato de que quando o ordenamento jurídico, deixa livres, o forte e o fraco, esta liberdade só se torna efetiva para o mais forte. O mais fraco acaba se curvando ao arbítrio do mais poderoso, ainda que do ponto de vista puramente formal seu comportamento esteja enquadrado na autônoma privada.


Daniel Sarmento propõe a verificação da autonomia privada em cada caso, em real ou aparente e não apurar a assimetria entre as partes. Entretanto, esta verificação pode na prática não resolver a questão da proteção efetiva, pois muitas vezes, a autonomia da parte mais fraca é mera fachada para legitimação de imposições ditadas pelo mais forte. Além disso, este critério só seria adequado para situações onde o lesado tenha tido a oportunidade de manifestar sua concordância com o ato que importou na lesão de seu direito fundamental. Assim, há uma enorme variedade de situações heterogêneas que não devem e não podem ser equiparadas pelo intérprete. Relações entre pais e filhos é uma delas (SARMENTO, 2008, p. 263-264 apud SILVA).


A tutela da autonomia privada no que se refere a situações existenciais é muito mais intensa do que a conferida a situações econômicas. Quanto mais o bem envolvido no conflito diga respeito a um bem essencial para a vida humana, maior deve ser a proteção do direito fundamental em jogo, e menor deverá ser a proteção da autonomia privada. A natureza da questão examinada também é outro critério aferidor de tutela. Assim quando a decisão envolver questões ligadas à dimensão afetiva da personalidade ou quando envolver a privacidade do agente, o peso da restrição a autonomia privada deve ser maior.


Quando o atingido não participa do ato gerador da lesão ao seu direito fundamental, está em jogo apenas autonomia privada da outra parte, sendo atribuído à outra parte, uma autonomia privada menor. Ao contrário, quando a vítima empresta seu consentimento ao ato, tornam-se necessário considerar a autonomia de ambas as partes. Por mais livre que seja o agente a ordem jurídica não pode permitir lesões ao núcleo fundamental da pessoa humana, sendo sua renúncia inaceitável. Maria Celina (2007, p.106) acrescenta que toda situação subjetiva somente recebe tutela do ordenamento jurídico quando estiver em conformidade com o poder de vontade do titular, e em sintonia com o interesse social.


Pietro Perlingieri (2007, p. 100) esclarece sobre os efeitos diretos e reflexos de um ato. Direto não é apenas aquele efeito essencial ou acessório produzido imediatamente, mas também aquele que se produz em forma diferida, desde que encontre sua causa produtiva diretamente no fato valorado. Existem ainda os efeitos relacionados ao acordo somente por via reflexa. O efeito jurídico é um dever-ser. Dado um fato relevante juridicamente nasce uma obrigação determinada pelo direito.


6. O dano moral e as responsabilidades civis


Para Maria Celina com o advento da Constituição de 1988 fixou-se a prioridade da dignidade da pessoa humana e em matéria de responsabilidade civil, tornou-se plenamente justificada a mudança de foco que em lugar da conduta culposa ou dolosa do agente, passou a enfatizar a proteção da vítima de dano injusto (2007, p.28).


Os critérios adotados para a avaliação do dano têm sido reiterados em acórdãos do STJ. O sentimento de dor, causado injustamente a alguém, o vexame, a humilhação que interfere intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflição, angústia e desequilíbrio emocional.


As dificuldades essencialmente teóricas nesta matéria não são menos relevantes. Infelizmente por questões de espaço referente a um artigo não se poderá abordar a questão do dano e da responsabilidade advinda do dano neste trabalho, limitar-se-á a estabelecer noções gerais. As novas técnicas de manipulações genéticas pela reprodução assistida configuram uma situação cujos limites não poderão ser decididos internamente, estabelecidos pelos biólogos, físicos, médicos ou cientistas, mas deverão ser resultantes de escolhas ético-político-jurídicas da sociedade.


Após os avanços científicos as técnicas de manipulação genética proporcionaram a garantia da sobrevivência do ser humano em níveis nunca antes alcançados, entretanto, abandonou-se a busca do conhecimento pelo prazer da produção benéfica para buscar o conhecimento para dominação dos outros seres humanos. Luciano Dalvi (2008, p. 31) declara que toda inovação na ciência deve guarnecer de uma preocupação e responsabilidade social da utilização de informações genéticas na sociedade, pois o direito à intimidade genética é uma das espécies consagradas no elenco dos direitos da personalidade.


As situações existenciais a serem tuteladas se exprimem não somente em termos de direitos subjetivos, mas também em termos de deveres, responsabilidades. Como o dano moral tem como causa a injusta violação da situação jurídica subjetiva extrapatrimonial protegida pelo ordenamento jurídico, por meio da cláusula geral da personalidade, decorrente do princípio fundante da dignidade humana, não há porque se ter dúvidas sobre a responsabilidade dos envolvidos na reprodução assistida. A lesão a qualquer dos aspectos da personalidade gera dano moral, especialmente, em caso de violação dos direitos de acesso a sua identidade genética, deveres de assistência, alimentos, além de danos ao estado de bem-estar psicofísico e outros decorrentes deste tipo de relação.


O exame do DNA revolucionou a ciência e fez repercussão no mundo jurídico. Ele confere 99,99% de certeza sobre a paternidade e isso se deve ao fato de que cada indivíduo possui única unidade biológica sendo metade dela oriunda do pai biológico e a outra metade da mãe biológica. Daí porque nos dias atuais se poder conferir a paternidade biológica a alguém com absoluta certeza de não está realizando nenhuma injustiça no tocante a responsabilidades que daí decorre (BAHENA, 2008, p.62).


Segundo Pietro Perlingieri (2007, p. 177- 178) o menor tem direito de conhecer suas próprias origens não somente genéticas, mas também culturais e sociais. O patrimônio genético não pode ser totalmente insensível no seu futuro às condições de vida nas quais a pessoa opera. Conhecê-lo significa não apenas conhecer o incesto, possibilitar núpcias entre parentes, mas, responsavelmente, estabelecer uma relação entre o titular do patrimônio genético e quem nasce. O autor pensa na possibilidade de um especial tipo de filiação natural para aqueles sujeitos nascidos mediante o emprego da técnica de inseminação artificial. De forma que, as conseqüências deste fato, não podem ser ignoradas pelo jurista de modo a não prejudicar o nascido, principalmente quando houver uma necessidade terapêutica como a limitação física ou psíquica eliminável e que condicione o pleno desenvolvimento da pessoa.


Nosso Código Civil em seu art. 12 assegura àquele que se sentir lesado ou ameaçado em seus direitos de personalidade exija que cesse a lesão ou a ameaça, assim como reclamar indenização pelos danos sofridos. Dentre as responsabilidades dos pais, segundo nossa ordem jurídica, estão à criação e educação dos filhos (art. 1.634 do CC/2002), o dever de sustento, guarda e educação (art. 22 do ECA) além do reconhecimento como filho, que poderá ser feita de qualquer forma admitida pelo direito, antes de seu nascimento ou depois de sua morte se deixar descendentes.


Como a dignidade humana, a igualdade, identidade genética e a cláusula geral de personalidade são direitos reconhecidos a todos, sem nenhuma distinção relativa ao tipo de filiação, entendo que em caso de reprodução assistida poderá haver um dano moral que atinge a personalidade dos filhos nascidos nesta condição. É possível ao juiz, depois de identificado o pai biológico, responsabilizá-lo quando faltar com seus deveres paternos, causando algum tipo de dor ou sofrimento grave na personalidade de seu descendente, especialmente em situações aonde os materiais genéticos sejam imprescindíveis a sua integridade psicofísica e o desenvolvimento de sua personalidade.


Segundo Capelo de Sousa (1995, p. 222) a tutela do bem jurídico da integridade corporal impõe não apenas a deveres negativos de abstenção, mas também, em certas hipóteses resultantes da lei ou de negócio jurídico, deveres positivos de praticar atos de auxilio, cuja omissão origina responsabilidade civil. O direito de autodeterminação, nestes casos, cede face aos interesses sociais preponderantes sujeitando-os a responsabilidade civil.


O referido autor (SOUSA, 1995, p.444-446) ao discorrer sobre fatos com riscos esclarece que os fatos jurídicos extranegociais ofensivos da personalidade imputáveis a uma pessoa pelo fato dela ter posto em ação, para seu benefício, certas forças que são fontes de risco e de potenciais danos para a personalidade de outrem, impõe àquele que suporte os efeitos prejudiciais de seu emprego. Desta forma, baseados no risco, em virtude, simplesmente de danos resultantes de determinadas intervenções lícitas na esfera jurídica de outra pessoa, com sacrifício de um próprio direito de personalidade do sujeito causador do dano, por uma exigência de justiça, permitir-se-ia tal intervenção. Atendendo-se ao interesse predominante de um particular ou da coletividade, autoriza-se o lesado a receber indenização pelos prejuízos sofridos.


7. Análise da jurisprudência brasileira no tocante ao direito do ser humano de conhecer suas origens


Segundo a jurisprudência dos nossos tribunais[3] especialmente o STF vem entendendo que a constituição assegura a criança o direito a dignidade, ao respeito e a convivência familiar o que pressupõe reconhecer seu legítimo direito de saber a verdade sobre sua paternidade, decorrência lógica do direito à filiação. O direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana e traduz sua identidade, a origem de sua ancestralidade, o reconhecimento da família, razão pela qual o estado de filiação é direito indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. O direito a intimidade não pode consagrar a irresponsabilidade paterna, de forma a inviabilizar a imposição ao pai biológico dos deveres resultantes de uma conduta volitiva e passível de gerar vínculos familiares. Essa garantia encontra limites no direito da criança e do Estado em ver reconhecida, se for o caso, a paternidade.


Nossos tribunais[4] também têm entendido que não se deve impedir uma pessoa qualquer que seja sua história de vida, o direito de ser reconhecido seu estado de filiação, porque subjaz a necessidade psicológica do conhecimento de sua verdade biológica, que deve ser respeitada. Segundo o julgamento do Recurso especial 813604 do STJ O art. 41 do ECA ao estabelecer que a adoção desliga o adotado de qualquer vínculo com pais ou parentes, por certo que não tem a pretensão de extinguir os laços naturais, de sangue, que perduram por expressa previsão legal no que concerne aos impedimentos matrimoniais demonstrando assim, que algum interesse jurídico subjaz. O art. 27 do ECA não deve alcançar apenas aqueles que não foram adotados, porque jamais a interpretação da lei pode dar ensanchas a decisões discriminatórias, excludentes de direitos, de cunho marcadamente indisponível e de caráter personalíssimo, sobre cujo exercício não pode recair nenhuma restrição, como ocorre com o direito de reconhecimento do estado de filiação.


No julgamento do recurso 833712 o STJ declarou: “Caracteriza violação ao princípio da dignidade humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica.” Mesmo que tenha sido adotado e usufruído de uma relação sócio-afetiva, nada lhe retira o direito de tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso a sua verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento, devendo prevalecer o direito ao reconhecimento do vínculo biológico.     Já no julgamento do recurso especial 878941 o STJ reconheceu que aquele tribunal vem dando prioridade ao critério biológico para reconhecimento da filiação nas circunstâncias em que há dissenso familiar, onde a relação sócio-afetiva desapareceu ou aonde ela nunca existiu.


CONCLUSÃO                                     


O presente trabalho procurou ocupar-se da problemática que deverá surgir, daqui a alguns anos, sobre questões referentes à novas técnicas de reprodução assistida, principalmente utilização de inseminação artificial heteróloga, forma de RA em que os materiais genéticos são manipulados sem o conhecimento prévio de seus titulares, no que diz respeito à forma de como esses materiais serão empregados por terceiros que tenham interesse na reprodução humana.


Tivemos a preocupação de imaginar situações de difícil solução envolvendo de um lado, a autonomia privada do cidadão que doa seu sêmen para os diversos fins admitidos pelo direito, especialmente por meio da biotecnologia e o direito de conhecer a paternidade biológica do outro, além de analisar as relações sócio-afetivas.


A mais recente legislação que trata do assunto – Lei de Biossegurança (11.105/2005) – que permite a manipulação de materiais genéticos para pesquisa científica com células-tronco, é mais um meio de que dispõem os cientistas para praticar os mais diversos manuseios de ditos materiais genéticos. Entretanto, não podemos concordar com a utilização destas técnicas de forma indiscriminada, violando direitos do seres humanos resultantes de tantos anos de luta e sofrimento para serem, um dia reconhecidos, como direitos fundamentais, constitucionais, direitos humanos, internacionais, inerentes a todos os seres humanos, simplesmente pelo fato de pertencerem à raça humana, como são o direito a dignidade humana e o direito de igualdade.


No que toca a filiação, estes axiomas constitucionais se coadunam perfeitamente com a sistemática da interpretação constitucional brasileira. Não se pode admitir que a liberdade humana e sua respectiva autonomia sejam utilizadas de forma irresponsável. Quando a liberdade humana viola um bem maior, como a vida humana, sua tutela deve ser atenuada. Em especial, quando viola um direito de uma pessoa que não teve a oportunidade de consentir com a realização de um ato que produziu efeitos jurídicos em sua vida, direitos esses reconhecidos aos seus semelhantes como o são o direito à vida, ao nome, a integridade psicofísica, identidade genética, o desenvolvimento da personalidade, dentre outros.                                         


A análise dogmática do objeto e seu âmbito de proteção nos mostra claramente uma relação de poder versus sujeição, ou ainda de poder versus subordinação, entre os particulares detentores de direitos fundamentais. Nesses casos, há a necessidade de formar um juízo sobre a qualidade do consentimento do particular cujo direito fundamental foi afetado, demonstrando uma clara desigualdade fática dos envolvidos. Por todo o exposto, entendo que a melhor solução é aquela que considera a situação de desigualdade fática dos particulares detentores de direitos fundamentais ora conflitantes, no sentido de dar precedência ao direito fundamental individual de conteúdo pessoal em face da autonomia privada.                                              


Esse direito deve ser tutelado como o mínimo que a pessoa possui em relação aos seus laços familiares. Considero que nossos tribunais têm decidido acertadamente quando dão prioridade ao critério biológico. Deve-se igualmente responsabilizar aqueles que se negam em reconhecer como seus, os filhos advindos destas técnicas, pois tais crianças não pediram para nascer, ao contrário, são frutos de decisões estranhas a sua própria vontade. Se não se pode fazer descriminações ao estado de filiação em outras circunstâncias, então não se deve permitir tal prática no que diz respeito à reprodução assistida, situação fática que de antemão traduz a desigualdade. O dever dos aplicadores e intérpretes constitucionais é o de, antes de mais nada, assegurar a dignidade humana e a igualdade entre os cidadãos brasileiros.


 


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STEINMETZ, Wilson. Princípio da proporcionalidade e atos de autonomia privada restritivos de direitos fundamentais; In: DA SILVA, Virgílio Afonso. (Org.) Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 11-53.

SUÍÇA. Constituição (1999). Constituição Federal da Confederação Suíça. Disponível em: <http://www.admin.ch/org/polit/00083/index.html.>. Acesso em 04 dez 2008.

 

Notas:

* Professor Orientador: Joyceanne Bezerra

[1] A doutrina que se refere é aquela que tem entendido que não existem direitos superiores a priori, somente na análise dos casos concretos pode-se definir qual interesse ou direito deve prevalecer – entendimento presente na obra cujo organizador é Daniel Sarmento: Interesses Públicos Versus Interesses Privados. 2007.

[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 301. “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.” Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON>. Acesso em: 04 dez 2008.

[3] BRASIL. STF. RE nº 24886, da 2ª Turma do Pleno, Brasília, DF, 07 de março de 2003. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/listarDiarioJustica>.

[4] BRASIL. STJ. REsp  nº 878941 da 3ª Turma do STJ, Brasília, DF, 21 de agosto de 2007; STJ. REsp 813604 da 3ª Turma do STJ, Brasília, DF, 14 de novembro de 2007; STJ.  REsp 833712 da 3ª Turma do STJ, Brasília, DF, 17 de maio de 2007. Disponível em: <http://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica>.


Informações Sobre o Autor

Ana Claudia Saldanha

Advogada, graduada pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Mestranda da Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Colaboradora dos Cursos de Pós-Graduação da Escola Superior do Ministério Público – ESMP.


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