O valor probatório do documento eletrônico

I – INTRODUÇÃO


A evolução tecnológica criou um ponto de convergência entre o Direito e a tecnologia, constituindo uma zona cinzenta para a sociedade e, especialmente, para os juristas, acerca das obrigações e direitos inerentes, merecendo o aprofundamento dos estudos jurídicos nessa área.  


Nesse novo contexto, os reflexos jurídicos dos atos praticados em âmbito virtual recaem sobre diferentes esferas do Direito, dentre elas, o Direito Processual Civil, sendo suas regras aplicáveis às questões de produção e preservação da prova em formato eletrônico.


Assim, o presente artigo visa esclarecer os pontos relevantes para a atribuição de valor probatório ao documento eletrônico, sob o enfoque da sistemática do Direito Processual Civil Brasileiro.


II – DO DOCUMENTO ELETRÔNICO


De modo geral, o conceito de documento é amplo e podemos incluir aquele armazenado em suporte eletrônico, todavia, por questões culturais, atrelamos imediatamente a idéia de documento apenas ao papel escrito, porém tal premissa não é verdadeira, como veremos a seguir:


A doutrina moderna já considera o documento independentemente do suporte em que esteja armazenado, como bem assevera Vicente Greco Filho, in verbis:


“Não apenas os papéis escritos são documentos. Documento é todo objeto do qual se extraem fatos em virtude da existência de símbolos ou sinais gráficos, mecânicos, eletromagnéticos, etc. É documento portanto, uma pedra sobre a qual estejam impressos caracteres, símbolos ou letras; é documento a fita magnética para reprodução por meio do aparelho próprio, ou filme fotográfico, etc.”.[1]


Márcia Benedicto Ottoni esclarece a confusão entre o próprio conceito de documento e o suporte em papel, senão vejamos: “decorre em parte, do fato de que no mundo físico a existência de documento escrito depende do suporte em papel. O documento em papel está preso ao seu suporte original. A destruição do suporte significa a destruição do documento”.[2]


Nessa esteira de raciocínio, podemos concluir que o documento eletrônico nada mais é do que um documento armazenado em um suporte digital, e em razão da peculiaridade técnica deste suporte, o armazenamento é feito em bits[3], que pode ser suportado em disquetes, pen drives, DVDs, memória de computador ou qualquer outra nova tecnologia que venha a ser desenvolvida.


III – DA EFICÁCIA PROBATÓRIA DO DOCUMENTO ELETRÔNICO


Vigora no processo civil brasileiro a regra da atipicidade dos meios de prova, isto significa que os fatos podem ser provados por qualquer meio, desde que lícitos e moralmente legítimos, ainda que não os típicos.


Desse modo, em razão do sistema processual civil permitir provas não especificadas em lei, é possível admitir o documento eletrônico como prova documental de atos e fatos jurídicos, sendo recomendável que este seja possuidor de algumas características peculiares, como a autoria (autenticidade) e a veracidade (integridade).                   


Atualmente, a assinatura que firmamos em documentos físicos já tem sua equivalência eletrônica, permitindo que documentos digitais também possam guardar uma identificação positiva de autoria.


Conforme é cediço, em se tratando de documentos físicos, a segurança pode ser atestada por autenticações, selos, carimbos, perícias nas assinaturas etc. Já para os documentos eletrônicos existem outras maneiras de preservação do conteúdo, com a assinatura dentro do próprio ambiente digital.


Marlon Marcelo Volpi assim define a assinatura digital: “conceitua-se a assinatura digital como sendo um mecanismo digital utilizado para fornecer confiabilidade, tanto sobre a autenticidade de um determinado documento como sobre o remetente de mesmo”.[4]


Dentre as autenticações digitais a mais segura e confiável sob o aspecto técnico é a criptografia assimétrica, utilizada pelos certificados digitais emitidos em âmbito da ICP-Brasil (Infra Estrutura de Chaves Públicas Brasileira) e também utilizada por diversos outros países.


A criptografia assimétrica consiste na utilização de uma senha privada (chave privada) para encriptrar, ou seja, embaralhar um resumo do documento original chamado hash e de uma senha distinta (chave pública) para desencriptrar o mesmo resumo, que após decifrado é comparado ao documento original, permitindo a confirmação da origem e a integridade do documento[5].


Diante da complexidade técnica da assinatura digital criptografada assimetricamente, oportuno resumir suas características essenciais: autentica o documento, ou seja, não permite que uma pessoa se passe por outra em ambiente digital; impede que o documento seja alterado, tornando o conteúdo do documento imutável, quer seja na forma, quer seja no conteúdo; não pode ser falsificada, pois somente o subscritor tem a chave privada que lhe permite assinar o documento (esta presunção depende do autor manter sua chave em sigilo e de acordo com os ditames que lhe forem impostos pela autoridade certificadora).


Após tais esclarecimentos técnicos, importante abordar a Medida Provisória 2.200, de 28 de junho de 2001, que instituiu a Infra Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP Brasil e disciplina a questão da integridade, autenticidade e validade dos documentos eletrônicos assinados digitalmente com a tecnologia de criptografia assimétrica (art. 1º).


Referida Medida Provisória prevê que os documentos em formato eletrônico, assinados digitalmente no âmbito da ICP-Brasil, são autênticos, íntegros e possuem validade jurídica, ou seja, acaba por admitir a eficácia probatória do mesmo perante nosso sistema processual civil.


Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery concordam:


“Documento eletrônico produzido de acordo com as regras da MedProv 2200-2/01, cuja autenticidade possa ser certificada por órgão competente (ICP-Brasil), pelo sistema de chave pública e chave privada, tem caráter de documento público ou particular, presumindo-se verdadeiro quanto ao seu signatário”[6]


Posto isso, resta clara a eficácia probatória do documento em formato eletrônico assinado digitalmente em âmbito da Infra Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP Brasil, com fulcro na premissa jurídica inserta no art. 1ª da Medida Provisória 2.200/01.  


Por fim, vale frisar que o certificado digital oferece um elevado nível de segurança, proporcionando presunção de que o documento em que se encontra foi criado pela pessoa que o assinou, satisfazendo o objetivo do legislador na exigência de assinatura digital para atribuição de valor probatório ao documento eletrônico.


IV – CONCLUSÃO


Como abordado no presente trabalho, a tecnologia está constantemente presente no nosso cotidiano pessoal e profissional e, certamente, estará presente em níveis ainda mais elevados em um futuro bastante próximo. Nessa seara, os meios eletrônicos acabam por criar um ponto de convergência entre o Direito e a tecnologia, o qual não pode ser ignorado pelos juristas, vez que refletem esta nova realidade social.


No que tange ao valor probatório do documento em formato eletrônico, entendemos que este pode ser amplamente aceito pelo Poder Judiciário, pois se amolda perfeitamente à sistemática processual civil brasileira.


A autoria e integridade do documento eletrônico podem ser reforçadas pela assinatura digital, já regulamentada no Brasil através da Medida Provisória 2.200/01, a qual emprega a tecnologia da criptografia assimétrica, uma das mais seguras atualmente sob o aspecto técnico, sendo este tipo de tecnologia também adotada por diversos outros países que regulamentaram a assinatura digital.


  


Bibliografia

BLUM, Renato M. S. Opice. O Processo Eletrônico: Assinaturas, Provas, Documentos e Instrumentos Digitais in Direito Eletrônico – A Internet e os Tribunais, 1ª ed., São Paulo, Ed. Edipro, 2001.

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 14ª ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 2000.

NERY JÚNIOR, Nelson, NERY; Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2006.

OTONI, Marcia Benedicto. Certificação Digital, in Manual de Direito Eletrônico e Internet. Coordenadores BLUM, Renato M. S. Opice; BRUNO, Marcos Gomes da Silva; ABRUSIO, Juliana Canha. 1ª ed,  São Paulo, Ed. Lex, 2006.

ROVER, Aires José. Do Analógico do Digital: Construindo Tecnologias Emancipadoras in Manual de Direito Eletrônico e Internet. Coordenadores BLUM, Renato M. S. Opice; BRUNO, Marcos Gomes da Silva; ABRUSIO, Juliana Canha. 1ª ed,  São Paulo, Ed. Lex, 2006.

VOLPI, Marlon Marcelo. Assinatura Digital – Aspectos Técnicos, Práticos e Legais. 1ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Axcel Books, 2001.

 

Notas:

[1] GRECO FILHO, Direito Processual Civil Brasileiro. 14ª ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 2000, p. 208.

[2] OTONI, Márcia Benedicto. Certificação Digital, in Manual de Direito Eletrônico e Internet. Coordenadores BLUM, Renato M. S. Opice; BRUNO, Marcos Gomes da Silva; ABRUSIO, Juliana Canha. 1ª ed,  São Paulo, Ed. Lex, 2006, p. 245.

[3]Em um sistema digital, o processamento de sinais discretos, normalmente é feito binariamente. A unidade de informação é o bit e os sinais podem assumir apenas dois valores discretos, 0 e 1. Em outros termos, o tratamento digital da informação implica numa fragmentação da informação, processada em elementos binários de forma presente/ausente.” ROVER, Aires José. Do Analógico do Digital: Construindo Tecnologias Emancipadoras in Manual de Direito Eletrônico e Internet. Coordenadores BLUM, Renato M. S. Opice; BRUNO, Marcos Gomes da Silva, ABRUSIO; Juliana Canha. 1ª ed,  São Paulo, Ed. Lex, 2006, p. 16.

[4] VOLPI, Marlon Marcelo. Assinatura Digital – Aspectos Técnicos, Práticos e Legais. 1ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Axcel Books, 2001, p. 17.

[5] BLUM, Renato M. S. Opice. O Processo Eletrônico: Assinaturas, Provas, Documentos e Instrumentos Digitais in Direito Eletrônico – A Internet e os Tribunais, 1ª ed., São Paulo, Ed. Edipro, 2001, p. 48/49.

[6] NERY JÚNIOR, Nelson, NERY; Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p. 528.


Informações Sobre os Autores

Renato Opice Blum

Advogado e Economista, sócio do Opice Blum Advogados Associados/SP
Professor de Direito na Florida Christian University, FGV, UNINOVE, PUC, Centro Técnico Aeroespacial e outras

Camilla do Vale Jimene

Advogada e Professora de Direito Eletrônico


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