Ressurreição da tortura

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Há alguns dias, um eminente médico
brasileiro foi homenageado num importante congresso. Deram-lhe de presente um
bisturi de ouro, peça admirada por todos.

A leitura dos jornais de quinta-feira, 1.º de novembro, dá ao cronista habituado à tragicomédia
idéias assemelhadas em homenagem àqueles que defendem, no Brasil e no mundo, a
ressurreição da tortura. Poderiam ser fabricados e depois distribuídos aos
homenageados alicates e tenazes dourados, todos eles aptos ao beliscamento das carnes dos torturados. Seria marcada uma
data importante (aqui, o 7 de Setembro, talvez). Nos Estados Unidos, o dia de
Ação de Graças ficaria bem para a honrosa cerimônia. Explique-se, voltando aos
jornais: os americanos do norte estão sugerindo, em moções assinadas por um tal de “Jonathan Alter”, da
Revista Newsweek, o retorno da arte de torturar.
Escreve aquele condutor de opinião: “- É um mundo
novo, e a sobrevivência pode muito bem requerer velhas técnicas que estavam
fora de questão”. Depois, referindo-se a terroristas: “Nós não poderíamos pelo
menos submetê-los a tortura psicológica, como mostrar fitas com coelhinhos
morrendo ou mesmo rap tocado em alto volume (o Exército Americano usou essa
Técnica no Panamá)?”. O articulista tem o apoio de um advogado que, segundo
consta, leciona em Harvard.

Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, dos
maiores processualistas penais que o Brasil tem e já teve, foi o primeiro a
buscar, no país, a tipificação da tortura. No vai-e-vem dos projetos, há aqui,
hoje, a repressão teórica do crime abominável. Minha biblioteca traz,
inclusive, uma brochura contendo o manual dos inquisidores. Naquele tempo, na
vetusta Itália, na Espanha e em Portugal, havia técnicas variadíssimas
e sanções sérias contra o inquisidor que levasse o torturado à morte, sinônimo
certo de imprudência, negligência ou imperícia na arte. Os tormentos, ali,
sangravam bastante, exceção feita à ingestão de água pelas extremidades do
corpo. De lá a esta data, aperfeiçoaram-se bastante os métodos. O jornalista
americano parece conhecê-los bem. Refere-se, por exemplo, ao encarceramento em
recintos plenos de som ensurdecedor. A idéia, no Brasil, é coisa de criança.
Nossos policiais do antigo DOPS eram especialistas em coisas muito mais
sofisticadas. Temos maneiras de torturar que ferem só a alma. O corpo passa
incólume por qualquer instituto médico-legal. Portanto, não se surpreendam os
cidadãos brasileiros com as sugestões advindas do “Tio Sam”.
Temos em nossos arquivos alguns casos de jurisprudência a admitir prova
produzida sob tortura, desde que, além desta última, subsista um outro indício
qualquer não tisnado pela violência praticada contra o confitente.
Assim, uns poucos juízes já repudiam a denominada “teoria dos frutos da árvore
envenenada”. Note-se, além disso, que não se conhece, nesta nação, um só caso
de torturador condenado. Ao contrário, todos os possíveis torturadores
brasileiros foram beneficiados pela anistia, o que os torna  absolutamente
fantasmagóricos, pois, na hermenêutica  universal, é a única hipótese de
se ter anistiado quem sequer foi processado, absurdo este creditável
à alma boa do nosso Parlamento e a um presidente ungido.

Voltando aos Estados Unidos da América
do Norte, aquela nação pode aprender conosco. Temos sido imitadores contínuos.
Invertamos o papel. Aliás, nossa capacidade nos leva até mesmo a usar a Justiça
a título de entremeio de tortura. Exemplos adequados são os cárceres fedorentos
em que mantemos nossos presos. Isso é tortura típica. Há outras formas
assemelhadas: manipular a liberdade de um preso provisório, pondo-o na cadeia
durante dias, tirando-o da mesma na semana seguinte e o colocando outra vez na
cela, abusando da fraqueza do velho, é conduta que se inseria, no manual
referido, como meio hábil à redução da  resistência do detento, levando-o
ao desespero. Dir-se-á que o bandido merece tortura. Não! O delinqüente merece
a lei. Assim, se e quando aceita a sugestão, vamos à feérica
homenagem: o dia do alicate dourado. Há os merecedores “hors
concours”. São os remanescentes – poucos mas diabolicamente resistentes – do golpe de 1964. Os outros, mais jovens e consentâneos com a idade moderna,
serão escolhidos por votação aberta. Quem se habilita?

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Paulo Sérgio Leite Fernandes

 

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.

 


 

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