Acordo Trips: Os direitos de propriedade intelectual, o comércio e o quadro normativo brasileiro

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Os regulamentos sobre propriedade industrial, marcas e patentes no Brasil estão em conformidade com o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio – TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) no âmbito da OMC, Anexo 1C do Tratado de Marrakesh, ratificado pelo Brasil através do Decreto nº 1.355 de 30 de dezembro de 1994 incorporou a Ata final da Rodada Uruguai das Negociações Comerciais Multilaterais do GATT.


Inobstante constatada conformidade, possível descumprimento e a efetividade da normativa e da política brasileira é questão comumente discutida na agenda internacional.


Em sua condição de país em desenvolvimento, o Brasil se beneficiou de um período de transição para aplicar alguns dos compromissos previstos nos diversos Acordos da OMC. Sendo assim inobstante ratificação ocorrida em 1994, o Brasil efetivamente se obrigou ao Acordo TRIPS a partir de 1º de janeiro de 2000, data em que expirou o prazo de adequação aos países em desenvolvimento.


Desde 1996 a proteção dos direitos de propriedade intelectual se fomenta mediante a promulgação de novas leis e a intensificação das medidas destinadas a garantir sua observância. Em 14 de maio de 1996, o Brasil promulgou uma legislação específica sobre a matéria, a Lei nº 9.279/96. Posteriormente, o Decreto nº 3.201/99 veio normatizar sobre a concessão, de ofício, de licença compulsória nos casos de emergência nacional e de interesse público de que trata o art. 71 da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996.[1] (1)


Em 14 de fevereiro de 2001 foi convertida em Lei nº 10.196 – a polêmica Medida Provisória nº 2.105-15 – altera e acresce dispositivos à Lei de Propriedade Industrial. Desde a promulgação da Lei 10.196/01, acirram-se os debates em torno da temática, suscitando inúmeras discussões por parte dos EUA e da União Européia.


Dentre as casuísticas no âmbito da OMC, destaca-se o acordo entre Brasil e EUA a respeito da discussão da lei de patentes sobre a produção e comercialização de medicamentos, que obteve repercussão internacional.


Em dezembro de 2000 os EUA obtiveram junto à OMC uma rodada de consultas, que culminou, em 8 de janeiro de 2001, em um pedido de panel à OMC para discutir a questão do licenciamento compulsório, previsto nos artigos 68 e 71 Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 (Lei de Propriedade Industrial) – regulamentada pelo Decreto n. 3.201, de 6 de outubro de 1999, que dispõe sobre a concessão, de ofício, de licença compulsória nos casos de emergência nacional e de interesse público de que trata o art. 71 da Lei no 9.279, de 14 de maio de 1996. Nos termos do artigo 68 da lei brasileira, a licença compulsoria pode ser concedida sempre que a empresa dona da patente aplicar preços abusivos. A exegese que emana das normativas retro-mencionadas, permite que, em casos de emergência nacional e interesse publico (v.g, o tratamento da Aids com coqueteis antivirais), faculta-se a concessão de licença compulsória. Dessa forma, o laboratório farmacêutico receberia a título de royalties um quantum considerado justo pelo Brasil, o que vem sendo denominado de “quebra de patente”, pelos laboratorios internacionais.


Para os EUA, o dispositivo em questão feria frontalmente regras internacionais e não garantia que uma patente seria respeitada.


No primeiro semestre de 2000 foram realizadas consultas entre os dois países. Os reclamantes embasavam suas consultas nos artigos 27 e 28 do TRIPS, que dizem respeito, respectivamente, à matéria patenteável e aos direitos conferidos. Em síntese preconiza o art. 27 do TRIPS que qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial. As patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou produzidos localmente; e no impedimento de que terceiros usassem o processo ou produto sem o consentimento do titular (art. 27§1 TRIPS).Uma patente conferirá a seu titular os seguintes direitos exclusivos (art. 28, §1 TRIPS): quando o objeto da patente for um produto, o de evitar que terceiros sem seu consentimento produzam, usem, coloquem a venda, vendam, ou importem com esses propósitos aqueles bens, e, quando o objeto da patente for um processo, o de evitar que terceiros sem seu consentimento usem o processo e usem, coloquem a venda, vendam, ou importem com esses propósitos pelo menos o produto obtido diretamente por aquele processo.Por força dos parágrafos segundo e terceiro do art. 27 do TRIPS, é facultado aos Membros considerar como não patenteáveis : (a) invenções cuja exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a ordem pública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas por que a exploração é proibida por sua legislação; (b) métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de seres humanos ou de animais; (c) plantas e animais, exceto microorganismos e processos essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais, excetuando-se os processos não-biológicos e microbiológicos.


Sustentavam os reclamantes que os dispositivos em questão do Acordo Multilateral estariam em desacordo com a legislação brasileira, principalmente no tocante ao art. 68.1.I da Lei de Propriedade Intelectual, que dispõe sobre licença compulsória, em especial a respeito da possibilidade de licenciamento compulsório quando o objeto de matéria das patentes não for produzido em território brasileiro. Ademais, concomitantemente, fundamentava-se a reclamação no art. 3 do GATT 94, que dispõe sobre o princípio do tratamento nacional.


Os EUA exigiam supressão da regra que permite o licenciamento obrigatório de produtos em casos de ‘emergência nacional’ ou de ‘interesse público’na temeridade de que o Brasil proceda aplicabilidade desta norma no caso de preços abusivos de remédios (por considerar caso de interesse público), por considerar abusivas as exigências de venda da patente para outras empresas em caso de emergência nacional, e a obrigação de produzir os medicamentos no país para garantir a patente.


A preocupação dos reclamantes centravam em especial à obrigatoriedade dos titulares das patentes a transmitir as informações necessárias e suficientes à efetiva reprodução do objeto protegido, supervisão de montagem e os demais aspectos técnicos e comerciais aplicável ao caso em espécie. Atacando a forma genérica da redação legal, pretendiam que a legislação brasileira restringisse o conceito de emergência nacional, para que a indústria farmacêutica soubesse exatamente quando o governo poderá exigir a venda dos segredos de fabricação de medicamentos. Em contrapartida, o Brasil alegava que os Estados Unidos estariam assumindo atitude excessivamente protecionista, no intuito de proteger os lucros de sua indústria farmacêutica, postura que prejudicaria os esforços do governo brasileiro – em especial na sua campanha contra a AIDS, que se baseia na produção de remédios genéricos mais baratos; a legislação atendia aos interesse do país, ao evitar que haja desabastecimento de remédios ou prática de preços abusivos no setor, considerando que a Lei de Patentes está em conformidade as regras da OMC.


O art. 31 do Acordo TRIPS, permite o licenciamento compulsório, mediante o preenchimento de certas condições inobstante reiteradas críticas em torno das expressões genéricas que abrem margem a variadas interpretações pelas partes, como por exemplo ‘condições comerciais razoáveis’, ‘emergência nacional’, ‘adequadamente remunerado’. O dispositivo em questão visa garantir o fornecimento ao mercado de produtos essenciais em casos extremos, nos quais as companhias donas das patentes não conseguem suprir o mercado, não fabriquem o produto ou se neguem a licenciá-lo.


Em relação ao Art. 68, §1, I da Lei brasileira, o Brasil sustentava que os Estados Unidos estariam interpretando de forma errônea visto estarem procedendo a leitura do inciso deslocado do caput do artigo. A leitura combinada dos dois dispositivos demonstraria não existe incompatibilidade com o acordo de TRIPS.


Em junho de 2001, foi anunciado, em Genebra um acordo entre Brasil e EUA a respeito da discussão da lei de patentes sobre a produção e comercialização de medicamentos. Os Estados Unidos decidiram retirar as queixas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) desistindo do pedido de investigação contra o artigo 68 da Lei de Propriedade Industrial do Brasil. Em contrapartida, o Brasil se compromete a comunicar com antecedência qualquer intenção de ‘quebra de patente’, de concessão de licença compulsória.


 


Referências bibliográficas

BARRAL, Welber. O Brasil e a OMC: os interesses brasileiros e as futuras negociações multilaterais. Florianópolis: Diploma Legal, 2000

LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

PIMENTEL, Luiz Otávio. Propriedade Intelectual. BARRAL, Welber. O Brasil e a OMC – os interesses brasileiros e as futuras negociações multilaterais. Florianópolis: Diploma Legal, 2000.

 

Nota:

[1] Fundamentalmente, nesse contexto, outras legislações anteriores a 1999 merecem destaque: a Lei de Programa de Computador nº 9.609/98; da Lei de Direitos Autorais nº 9.610/98; da Lei de Cultivares nº 9.456/97; a Lei de Biossegurança nº 8.974/95, além de iniciativas de regulamentação dos recursos genéticos no país. A respeito de patentes e desenho industrial há vários atos normativos; quanto a Patentes, conforme já mencionado, tem-se o Decreto nº 3.201/99 e o Decreto nº 2.553/98; em Marcas e Indicação Geográfica também há vários atos normativos; Leis sobre Transferência de Tecnologia, além dos variados projetos que tramitam no Congresso.


Informações Sobre o Autor

Eliane M. Octaviano Martins

Autora do Curso de Direito Marítimo, vol I e II (Editora Manole). Mestre pela UNESP e Doutora pela USP. Professora do Curso de Mestrado em Direito e Coordenadora do curso de pós graduação em Direito Marítimo e Portuário da Universidade Catolica de Santos – UNISANTOS


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