A “imprensa” e os juízes de rua


“De juiz e louco, todos temos um pouco”. Desculpem-me os médicos, mas assim deveria ser o ditado popular, dando mais “prestígio” aos magistrados. Ou, melhor, ao menos assim deveria ser o novo ditado popular em tempos de enxurrada de informações sensacionalistas. Não há hoje quem não meta a colher em briga dos outros, seja por preocupações sociais, seja pela falta do que fazer. Mas esta consequência tem causas e, dentre elas, uma em especial: imprensa irresponsável.




Não falo, portanto, da boa (seja como número, seja como adjetivo) imprensa brasileira. Dizer que é ela fundamental para qualquer sociedade seria repetir o que já é dito há tempos. Então que fique, apenas para constar, a minha concordância com essa última ideia.


Concordando-se com sua essencialidade para o desenvolvimento da democracia, então, para que atacá-la? Por que não deixá-la trabalhar livremente com sua liberdade “absoluta” de se exprimir? Simplesmente porque se não formos nós, os detentores do poder, para atacá-la, não será ela mesma que estampará na primeira página dos jornais: “a imprensa é leiga e persuade, muitas vezes, de forma unilateral”. O que isso quer dizer?


Quer dizer que ela, a parcela irresponsável da imprensa, emite opiniões que não deveriam ser divulgadas da forma como faz. Que trata de assuntos que precisam de conhecimento técnico que ela não tem (“especialistas em generalidades” – Zuenir Ventura) e que, por isso, precisam do debate. Que, em muitos casos, se preocupa tanto com a audiência e a concorrência econômica, que ignora os males sociais decorrentes de suas divulgações. Enfim, que nesses casos, sua “informação” é muito pior que aquelas de um regime ditatorial, pois nesse, ao menos, tem-se a hombridade de se assumir a posição ideológica. A imprensa que manipula é como o vírus não diagnosticável: indolor e covarde.


O que defendo não é a censura, não é o calar. Defenda-se a tortura, a pena de morte, os maus tratos, o estupro de presos, o que for. O que não podemos admitir é a omissão da posição contrária, da posição divergente. Socialmente irresponsável é aquela imprensa que prega ideologias sem o devido conhecimento do assunto, como no caso dos berros de “prisão nele”, “vagabundo” ou “bandido tem que apodrecer na cadeia”. Há tantas questões complexas que envolvem a criminalidade que sequer pode ela imaginar o mal que está fazendo. Mas então não seria o caso de estar a nossa fonte de informação “mal informada”? Também, penso eu. Soma-se a isso a concorrência e os interesses econômicos com aquela significante dose de antiética e compromisso social. Resultado: o que aqui chamo “imprensa irresponsável”.


E trará uma grande influência na mentalidade de nossos “magistrados”. Não os togados aprovados em concursos públicos (em tese), mas sim aqueles leigos – também mal informados – que têm um pouco de loucura e magistratura em seus currículos. Verão eles diversos réus sendo soltos antes do trânsito em julgado de um processo e exclamarão: “absurdo”, “tem que prender”, “justiça vergonhosa”, “nunca vou entender a justiça desse país”. Claro que não. A não ser que seja informado sobre o seu funcionamento, sua história e fundamentos, nunca se irá entender.


Critiquei em outro texto (“Imprensa sem lei”) o projeto que visa proibir a candidatura de pessoas com processo penal em andamento, e isso, por óbvio, é opinião. Estaria me contradizendo a todo tempo se defendesse a proibição do falar. O que critiquei ali, e continuo aqui criticando, é o fato de os nossos meios de comunicação tomarem partido e posição sem se mostrar o “outro lado”. Esse caso do projeto ficha limpa é exemplo de agora e que já posso chamar de clássico. Os meios gratuitos de comunicação televisiva deram ênfase notória ao termo “ficha suja”, como se aquelas pessoas fossem efetivamente ruins, “de outro tipo”, como disse uma jornalista. Enquanto isso, o perigo de se atropelar a presunção de inocência era tratado como irrisório perto do monstruoso receio de se ter candidatos com a “ficha suja”. Por que não enfatizar também a questão do estado de inocência? Por que não debater, mesmo que rapidamente (tempo é dinheiro), as posições “A” e “B”? Por que não, nos programas policiais sensacionalistas, colocar “avisos” de que aquelas pessoas filmadas devem ser respeitadas como inocentes? Feito isso, falem o que quiser! O que critico é a unilateralidade da informação. O que defendo é um tipo de “democratização das opiniões”.


As atitudes, opiniões e expressões devem existir, não querendo este texto impor que se siga uma ideia “A” ou “B”, mas apenas que se mostrem todas as ideias. Num texto como esse, uma crônica que agora escrevo, é notório que esteja eu emitindo a minha posição unilateral. Diferente é, a meu ver, quando se tem canais televisivos abertos que visam informar e acabam, na verdade, vendendo uma opinião. Se há um direito de se expressar e opinar, há também um dever ético (da imprensa) de bem informar. Quando tal dever não é cumprido, ficaremos com os nossos comunicadores formando que tipo de opinião? Certamente não uma “boa” ou uma “ruim” (pois a cada um caberia decidir), mas sim a unilateral.


Estão formando pessoas e informando o que querem e, principalmente, da forma como querem. E, nesse jogo, quem tem mais poder econômico para informar vai triunfar, de novo. Estão formando autênticos “juízes de rua”, uma espécie de magistrados com balanças pendentes para um único lado.



Informações Sobre o Autor

Marcel Figueiredo Gonçalves

Advogado criminalista e Professor de Direito Penal em São Paulo. Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.


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