Tipologia dos defeitos na responsabilidade do fornecedor por fato do produto

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Resumo: Atualmente, vive-se em uma sociedade de produção e de consumo em massa, onde a probabilidade de um produto causar um acidente e provocar danos nos consumidores aumenta-se progressivamente, não obstante a tecnologia avançada neles inserida. Diante disso, a responsabilidade civil objetiva do fornecedor surge como corolário do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, constituindo-se, portanto, como direito básico à reparação por danos causados pelos produtos. Assim, é necessário distinguir vício de defeito, tendo em vista que ambos apresentam conseqüências diversas, bem como perceber quais são os sujeitos envolvidos na relação consumerista suscetíveis a causar e a sofrer o dano ocasionado por várias modalidades de defeito do produto. 


Palavras-chave: Defeito do produto; Responsabilidade civil; Fornecedor; Consumidor; Código de Defesa do Consumidor.


Sumário: Introdução – 1. Noções preliminares de responsabilidade civil – 2. Da responsabilidade objetiva do fornecedor – 3. Da responsabilidade do fornecedor por fato do produto – 3.1 Responsáveis pelo fato do produto – 3.2 Vítimas do dano – 4. Da tipologia dos defeitos – 4.1 Defeito de informação – 4.2 Defeito de concepção ou construção – 4.3 Defeito de fabricação – 4.4 Demais casos – Considerações finais – Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO


O Código de Defesa do Consumidor[1] (CDC) foi publicado em 11 de setembro de 1990. Instrumento de fundamental importância nas relações de consumo, apresenta-se hoje como um sistema autônomo em relação às demais normas do ordenamento jurídico e, em quase 20 anos de história, inaugurou uma nova fase de protecionismo na relação consumerista, tão presente no dia-a-dia de toda a população.


Desta feita, foi aplicado durante quase todo o século XX o Código Civil de 1916, lei que preza pela igualdade das partes e que estava muito aquém das necessidades de uma sociedade capitalista, na qual a produção caracteriza-se pela homogeneização dos produtos. Com o crescimento da sociedade de consumo e das técnicas de marketing, não seria adequado continuar o CC/1916 sendo aplicável a consumidores que se encontram como o pólo vulnerável da relação, tanto no aspecto econômico como técnico.


Assim, não poderia ser diferente o intervencionismo estatal nesse setor, tendo em vista a desigualdade visível entre as partes de uma relação de consumo – fornecedor e consumidor. Daí o caráter essencial do CDC que é a proteção do consumidor em face ao desenvolvimento descontrolado do capitalismo.  Nesse sentido, o art. 1º do CDC preconiza ainda o caráter de ordem pública, com o fim de proteger e defender o consumidor, podendo ser então suas regras serem aplicadas ex officio pelo juiz, conforme alega Rizzatto Nunes (2009, p. 94).


O CDC, como já foi bem assegurado, apresenta uma importância imensurável em nosso ordenamento jurídico, na tentativa de igualar o consumidor, parte reconhecidamente frágil da relação consumerista[2]. Podemos dizer até que existe um antes e um depois da publicação do CDC, tendo em vista a sua abrangência quanto à sua aplicação nas relações consumeristas que ocorrem a todo o momento no meio social.


Assim, muito difere a aplicação do direito civil para o direito do consumidor, pois a relação entre fornecedor e consumidor, este sendo muito menos informado e estando do lado mais frágil da relação, encontra-se inserida em aspectos distintos, apesar de ambos fazerem parte do direito privado. Logo, características contratuais e princípios clássicos como pact sunt servanda, em sua aplicação num contrato de consumo, é muito abrandada. E, podemos dizer também, que o CDC influenciou bastante na criação do Código Civil de 2002 (CC/2002), como por exemplo, a relativização da força do principio supra. Segundo Venosa (2007, p.10), o Código de Defesa do Consumidor foi um divisor de águas no direito contratual, pois a interpretação dos contratos sofreu uma verdadeira revolução no direito brasileiro.


Nesse sentido se encontra a responsabilidade civil objetiva do fornecedor como conseqüência do próprio caráter protetor que o CDC possui. Assim, encontra-se inserido como direito básico do consumidor a “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais e difusos”, conforme o art. 6º, VI. É necessário também ressaltar que a responsabilidade no caso é objetiva, não precisando então provar culpa do fornecedor. Esse tipo de responsabilidade se apóia na teoria do risco, que será detalhada adiante.


Com isso, a responsabilidade civil do fornecedor por acidentes do produto apresenta-se tão somente como uma necessidade de proteger o consumidor em todas as instâncias. Não precisa nem existir relação jurídica consumerista para ser equiparado como consumidor nesses casos (art. 17). Percebe-se, claramente, a tentativa de o CDC não deixar desamparado diversas situações que sempre podem ocorrer, tendo em vista a configuração da sociedade de produção em massa e a sua suscetibilidade de causar prejuízos nas pessoas fazem parte dela.


E é justamente esse o tema do presente trabalho: analisar o fato do produto, isto é, os acidentes de consumo e perceber os diferentes tipos de defeitos que possam existir, sempre que possível fazendo referência à jurisprudência e doutrina pátrias.


Não podemos também deixar de analisar a base da teoria da responsabilidade civil, que se encontra inserida no Código Civil, bem como o conceito de fornecedor e consumidor, não se esquecendo de focar o tema em questão.


1 NOÇÕES PRELIMINARES DE RESPONSABILIDADE CIVIL


Por mais que o presente trabalho se funde na responsabilidade civil do fornecedor, que, por sua vez, se encontra inserida no CDC, é importante prestar alguns esclarecimentos a respeito desse tema no CC/2002, tendo em vista que este detem caráter eminentemente civilista.


Dos atos ilícitos causadores de prejuízo, cabe indenização. Essa é a regra geral vigente em nosso ordenamento jurídico, pois a pessoa lesada não pode ficar sem ser ressarcida, sob risco de não se ter mais, entre as partes, um equilíbrio patrimonial e moral, que, por sua vez, foi violado. Nesse contexto, quem pratica um ato ou incorre em omissão, que tenha por conseqüência um dano a outrem, deverá suportá-lo.


Os elementos intrínsecos à responsabilidade civil são:


a) conduta – omissiva ou comissiva;


b) nexo causal;


c) culpa ou dolo do agente;


d) prejuízo (dano).


Assim, sua regra clássica encontra-se inserida no art. 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Depreende-se da leitura do texto o elemento dolo (“ação ou omissão voluntária”) e culpa (negligência ou imprudência). No entanto, o próprio Código Civil prevê em outras partes diversos casos em que a responsabilidade civil objetiva é que deverá ser aplicada, sob pena de a vítima não ser reparada, haja vista a dificuldade em diversos casos de ser provar a culpa ou o dolo do agente.


Desta feita, a responsabilidade civil se divide em subjetiva e objetiva. A primeira se baseia na teoria clássica de responsabilidade e, para a sua aplicação, é necessária a comprovação do elemento dolo ou culpa. Se não houvesse essa comprovação, a pessoa lesada deveria arcar com o prejuízo, o que muitas vezes não se fazia compatível com o caso concreto, dada a precariedade da situação.


A segunda, a objetiva, que veio justamente para abranger situações como essa, tem como principal característica o fato de prescindir de culpa para a existência do dever de reparação pelo agente à vítima. Assim, conforme assegura Venosa (2007, p. 6), “o sujeito [é] responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque toda diligência para evitar o dano”. Esse preceito se encontra em consonância com o fato de que o agente obtém vantagens econômicas mediante a prática de atividades que podem ocasionar danos a outrem e que é difícil de provar a culpa nessas situações complexas. Logo, a responsabilidade objetiva tem fundamento na atividade criadora de um risco proporcionado pelo agente e que, ao mesmo tempo, lhe propicia um benefício. Assim, em razão dessa atividade, e provocando prejuízo a alguém, o agente não poderá se eximir de arcar com este.


A culpa também pode ser presumida, na hipótese, por exemplo, trazida pelo art. 936, CC/2002. Assim sendo, o ônus da prova é invertido e somente se o réu provar que não teve culpa é que ele se eximirá da responsabilidade de indenizar a vítima. Nesses casos, a responsabilidade é dita subjetiva, pois se funda na culpa, ainda que presumida, conforme assinala Gonçalves (2007, p. 23).


Assim, a culpa deixa de ser elemento fundamental da responsabilidade civil[3], dada a potencialidade de se ocasionar danos pelo autor em atividades de risco ou perigosas. “Quem aufere os cômodos de uma situação deve também suportar os incômodos”, conforme aduz Venosa (2007, p. 13). No entanto, a regra geral apontada pelo art. 186 do CC/2002 ainda é a comprovação da culpa.


É interessante observar que a responsabilidade objetiva não substituiu a responsabilidade subjetiva, sendo apenas um modo de não deixar vítimas sem a devida reparação quando da ocorrência de situações de difícil comprovação da culpa do agente. Nesse sentido, o art. 927, parágrafo único, CC realmente inovou quando preconiza a possibilidade de aplicação da teoria da responsabilidade objetiva nos casos previstos em lei.


2 DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR


Antes do advento do CDC, a relação de consumo era regida pelo Código Civil, e, com isso, havia muitas dificuldades para o consumidor em havendo responsabilização do fornecedor por vício ou defeito, como bem observa Venosa (2007, p.225) – prazo de 15 dias em vício rebiditório; ação contra o réu movida em seu domicílio; dificuldade na identificação do responsável, se o importador ou fabricante estrangeiro, etc.


O CDC veio justamente para dirimir essas discussões, daí a extrema importância desse microssistema jurídico.


Desta feita, a responsabilidade civil do fornecedor está prevista logo no art. 6º do CDC, e se encontra como direito básico do consumidor. O art. 51, I preconiza a nulidade de pleno direito de cláusula contratual que exonerem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza.


Nesses termos, a responsabilidade do fornecedor pode chegar ao extremo em situações raríssimas em que não seja possível perceber uma relação jurídica formada entre ele e o consumidor, considerada até como excludente de responsabilidade, conforme o art. 12, § 3º, I, como assim ocorreu no “caso das pílulas de farinha”, julgado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça apreciando Recurso Especial, senão vejamos:


Ementa: Civil e processo civil. Recurso especial. Ação civil pública proposta pelo PROCON e pelo Estado de São Paulo. Anticoncepcional Microvlar. Acontecimentos que se notabilizaram como o ‘caso das pílulas de farinha’. Cartelas de comprimidos sem princípio ativo, utilizadas para teste de maquinário, que acabaram atingindo consumidoras e não impediram a gravidez indesejada. Pedido de condenação genérica, permitindo futura liquidação individual por parte das consumidoras lesadas. Discussão vinculada à necessidade de respeito à segurança do consumidor, ao direito de informação e à compensação pelos danos morais sofridos. […]– Em nada socorre a empresa, assim, a alegação de que, até hoje, não foi possível verificar exatamente de que forma as pílulas-teste chegaram às mãos das consumidoras. […]– A responsabilidade da fornecedora não está condicionada à introdução consciente e voluntária do produto lesivo no mercado consumidor. Tal idéia fomentaria uma terrível discrepância entre o nível dos riscos assumidos pela empresa em sua atividade comercial e o padrão de cuidados que a fornecedora deve ser obrigada a manter. Na hipótese, o objeto da lide é delimitar a responsabilidade da empresa quanto à falta de cuidados eficazes para garantir que, uma vez tendo produzido manufatura perigosa, tal produto fosse afastado das consumidoras. […] Recurso especial não conhecido.” (REsp 866636/SP. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Órgão julgador: T3 – TERCEIRA TURMA. Data do julgamento: 29/11/2007).


Diante de situações como essas, percebe-se até onde pode ir a tutela ao consumidor, diante do princípio da vulnerabilidade deste e da responsabilidade objetiva do fornecedor.


Assim, a responsabilidade objetiva do fornecedor pode decorrer pelo fato do produto ou do serviço (art. 12 a 17 CDC) de vício do produto ou do serviço (art. 18 a 25 CDC). O primeiro deve ser analisado como o art. 12 supramencionado propõe, isto é, com a nomenclatura de “defeito” do produto ou do serviço, chamado também de acidente de consumo.


É necessário ressaltar, então, a diferença que existe entre vício e defeito do produto, conforme propõe a maioria da doutrina. Vício tem ligação com as características de qualidade ou quantidade do produto que o tornem impróprio ou inadequado para o consumo, consistindo na desvalorização do próprio bem viciado. Rizzatto Nunes (2009, p. 183) elucida o caso em questão trazendo os principais exemplos de vícios nos produtos[4].


Assim sendo, percebe-se claramente que o vício comporta características do próprio produto, não importando em mais conseqüências ao consumidor, a não ser pelo desapontamento e frustração. Em relação ao defeito, objeto do presente estudo, podemos relacionar diversas diferenças entre ele e o vício do produto, como por exemplo:


a) O defeito pressupõe o vício, mas o vício não pressupõe o defeito;


b) O vício não atinge a pessoa, pois nunca ultrapassa o produto;


c) O vício é intrínseco ao produto enquanto o defeito é extrínseco;


d) Há um dano, material ou moral, à pessoa que se utiliza do produto viciado;


e) A insegurança de um produto ameaça a totalidade de pessoas, e não somente os consumidores, como ocorre nos vícios do produto; daí a equiparação de consumidor como toda vítima do evento, ocorrida pelo art. 17.


Restringiremos essa análise e estudo à responsabilidade civil do fornecedor por defeito do produto. É de extrema importância esse ponto no dia-a-dia das relações consumeristas, assim como a freqüência com a qual esse tipo de dano pode ocorrer, ocasionando muitas vezes danos inimagináveis àquele que possuía expectativas ao comprar e em utilizar um produto. Ademais, esse dano poderá ser sofrido por um grande número de pessoas. Aqui estaremos adentrando na hipótese dos direitos difusos ou individuais homogêneos, não sendo possível se aprofundar nesse aspecto no momento, dada a sua complexidade.


3 DA RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR POR FATO DO PRODUTO


A responsabilidade do fornecedor por fato do produto pode ser definida como “a responsabilidade do fornecedor por danos causados à vida, à saúde física ou psíquica e ao patrimônio de terceiros por produtos com defeitos de segurança por ele oferecidos no mercado”, segundo aduz Flávia Püschel (2006, p.16).  


Já Fábio Coelho (2007, p.249) ressalta as características técnicas de um produto, que, por sua vez, seguem normas-padrão de segurança e criam expectativas legítimas em quem o utiliza, conceituando defeito como “a impropriedade no produto ou serviço de que resulta dano à saúde, integridade física ou interesse patrimonial do consumido, definindo-se aquela a partir de elementos técnicos capazes de apontar no fornecimento a frustração de expectativa legitimamente esperada” pelo consumidor.


Para ilustrar o tema em questão, trazemos aqui Jurisprudência retirada do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, senão vejamos:


“EMENTA: AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS – FATO DO SERVIÇO – ERRO NA PUBLICAÇÃO DE TELEFONE COMERCIAL – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – DECADÊNCIA – APLICAÇÃO DO PRAZO QUINQUENAL DE PRESCRIÇÃO – RECURSO PROVIDO. O fato do produto, estrito senso, é a repercussão externa do defeito do produto, ocasionando dano na esfera de interesse juridicamente protegido do consumidor, ou seja, é a causa objetiva do dano causado ao consumidor em virtude de defeito do produto, também denominado de acidente de consumo. Somente configura-se fato do produto, quando do defeito decorrem prejuízos, danos, que não a mera desvalorização ou a impossibilidade de uso.(TAPR AI n. 1278277000) A ação de indenização por fato do produto prescreve em cinco anos (arts. 12 e 27 do CDC), não se aplicando à hipótese as disposições sob vício do produto (arts. 18,20 e 26 do CDC).”  (TJSC – Apelacao Civel: AC 191825 SC 2000.019182-5. Relator(a): José Volpato de SouzaJulgamento: 09/04/2002. Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Civil) Grifos nossos.


Nesse sentido, só nos resta concluir que “os produtos e serviços ofertados no mercado destinam-se a satisfazer as necessidades dos consumidores, nos aspectos de indispensabilidade, utilidade e comodidade sendo co-natural a expectativa de que funcionem conveniente e adequadamente ou se prestem a finalidade de deles legitimamente se espera […]”, conforme João de Almeida apud Eliseu Cofferri (2009).


Assim, o art. 12 do CDC preconiza a existência de responsabilidade do fabricante, do produtor, do construtor ou do importador, independentemente de culpa, pela indenização material ou moral decorrente de defeitos decorrentes do projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação ou acondicionamento de seus produtos, ou mesmo por trazer informações insuficientes sobre a utilização de um produto. Isso decorre da característica mais marcante de nossa sociedade: a produção em massa e o conseqüente consumo exacerbado.


3.1 RESPONSÁVEIS PELO FATO DO PRODUTO


Percebe-se, pela leitura do art. 12, que somente alguns, tais como o fabricante (aquele que fabrica e coloca no mercado produtos industrializados bem como o mero montador), o produtor (quem produz produtos não industrializados), o construtor (aquele que introduz no mercado, imóvel com defeitos técnicos) ou o importador (chamado pela doutrina de fornecedor presumido, dado a distância real entre o fabricante/produtor estrangeiro e o consumidor), é que serão responsabilizados pelos danos ocorridos devido a fato do produto.


Segundo Rizzatto Nunes (2009, p. 185), o artigo supramencionado assim foi posto pela necessidade de se responsabilizar o efetivo responsável por quem produziu ou construiu o produto ou prestou o serviço. Há, aqui, uma limitação para o consumidor em relação ao responsável pelo defeito, que necessariamente é quem o produziu – fabricante, produtor, construtor ou importador, bem diferentemente do que ocorre por vício do produto ou do serviço, em que o responsável é o fornecedor, abarcando então todas as situações previstas no artigo mencionado. Não há que se falar aqui em responsabilidade do comerciante ou do distribuidor (quem tão somente vendeu ou distribuiu o produto). Entendemos que o art. 12 assim enuncia com o objetivo de se responsabilizar devidamente a quem produziu o produto defeituoso, por ter causado um dano ao consumidor, ressalvado a hipótese trazida pelo art. 13[5].


Nesse sentido, a doutrina costuma dividir os fornecedores que poderão ser responsáveis por acidentes de consumo em três categorias, a saber:


a) Fornecedor Real: o fabricante, produtor e construtor, pois participam de fato do processo de produção do produto, desde a sua criação até a sua confecção;


b) Fornecedor Presumido: o importador, já que mesmo não participando da produção do produto (daí o nome “presumido”), é o primeiro da cadeia de distribuição deste conhecido em nosso país, e, se situando no mesmo território que o consumidor, torna-se mais fácil ajuizar ação de reparação civil, não tendo o consumidor que se sujeitar a leis estrangeiras ou a execução de sentença estrangeira;


c) Fornecedor aparente: aquele que põe seu nome ou marca no produto final, isto é, pelo contrato de franquia ou franchising, que é o sistema pelo qual o franqueador cede ao franqueado o direito de uso da marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços; se o sujeito comporta-se como produtor, deverá se responsabilizar pelos acidentes de consumo causados pela comercialização de seus produtos, não se excluindo a responsabilidade do franqueador, segundo o art. 13, parágrafo único.


Não se exime, dessa forma, o importador, que, apesar de não ter produzido o produto, sendo tão somente consumidor, responde da mesma forma que os demais, conforme preceitua o artigo 12. Isso decorre por ele ser o primeiro a receber os produtos fabricados no exterior, sendo, portanto, responsável pelo produto que está importando. Rizzatto Nunes (2009, p. 190) prenuncia bem a necessidade de o importador conhecer devidamente o produto que está importando, desde a sua qualidade até as informações sobre sua utilização e riscos trazidas em sua embalagem, pois se for insuficiente ou inadequada, poderá ser responsabilizado, tal como preceitua a parte final do art. 12.


3.2 VÍTIMAS DO DANO


Várias são as definições trazidas pelo CDC de consumidor. No entanto, para a responsabilização por fato do produto, não é somente consumidor, isto é, aquela pessoa que comprou o produto e possui relação jurídica com o fornecedor, que é considerado como vítima. Todas as vítimas serão equiparadas a consumidores, e a relação que existia inicialmente será alargada no pólo ativo, tendo em vista a abrangência também daqueles que sofreram dano em decorrência de acidente de consumo.


A responsabilidade pelo fato do produto é extracontratual, não estando relacionada ao correto adimplemento do contratado, conforme Marcelo Chamone (2006).  Daí ser possível encontrar amparo legal, na leitura do art. 12, onde é possível perceber que será poderá ajuizar ação “pela reparação dos danos causados aos consumidores”, e não somente ao consumidor. Em consonância com esse artigo, temos o art. 17: “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”, abarcando, de vez, todas as situações em que alguém sofre dano, mas não poderia ser caracterizado como consumidor.


Desta forma, esclarece Flávia Püschel (2006, p.30) que:


“Para efeitos de responsabilidade pelo fato do produto, consideram-se consumidores não apenas os consumidores stricto sensu [art. 2º, CDC], mas também sujeitos que adquirem ou utilizam produtos sem serem destinatários finais (trata-se dos profissionais consumidores) e até mesmo sujeitos sem nenhuma relação com o produto, isto é, pessoas que, não tendo adquirido nem utilizado o produto defeituoso, sofreram danos apenas por estarem nas proximidades do bem quando da ocorrência do acidente de consumo (trata-se dos chamados bystanders).”


Nesse sentido, não é necessário ser consumidor para que haja o dever de responsabilidade pelo “fornecedor”, tendo em vista o esvaziamento do conceito de “consumidor” nessa ocasião, a fim de aqueles que, mesmo não sendo consumidores, sofram um eventual dano ocasionado por produto, possam ser indenizados. A relação aqui existente será entre fornecedor – pessoa.


Para finalizar, não podemos deixar de mencionar sobre os bystanders, que, como podemos perceber, alarga ainda mais a abrangência das relações consumeristas, aspecto totalmente necessário na proteção das pessoas sofrem acidentes de consumo, senão vejamos, conforme Luís Fabiano de Oliveira (2003):


“A corrente majoritária é pacífica quanto à adoção da defesa de que todos os envolvidos na cadeia de consumo, suportando danos provenientes de defeito e conseqüentes acidentes de consumo possam ser equiparados a consumidor, mesmo estando desprovidos do requisito que aponta o artigo 2º, CPDC, no entanto a intenção que enseja a lógica, não é, em regra, ampliar o sentido de consumidor, mas sim reforçar a obrigação do fornecedor em oferecer produtos realmente seguros.”


4 DA TIPOLOGIA DOS DEFEITOS


Depois de breve explanação a respeito da importância do CDC, das teorias de responsabilidade civil, adentremos agora no tópico que é o nosso objetivo no presente trabalho: apresentar os diversos tipos de defeitos – acidentes de consumo.  De início, podemos dizer que a doutrina divide os defeitos do produto, basicamente, em três categorias:


a) defeito de informação ou de comercialização.


b) defeitos de concepção ou de construção;


c) defeitos de produção ou de fabricação;


O art. 12, § 1º assim preconiza quando um produto é defeituoso:


Art. 12. Omissis.


§ 1º O produto é considerado defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:


I – sua apresentação;


II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;


III – a época em que foi colocado em circulação.”


Assim, segundo Zelmo Denari (2007, p. 194), a apresentação considera todas as informações que passam um produto, inclusive a sua embalagem e a publicidade utilizada para divulgá-lo. Flávia Püschel (2006, p. 105) aduz que “por apresentação deve-se entender toda a atividade do fornecedor destinada a expor seu produto ao público”.


O segundo ponto, isto é, os riscos que razoavelmente dele se esperam, são aqueles que pela sua natureza é possível acontecer. Dizer que um produto é perigoso não é o mesmo que dizer que ele seja defeituoso. “Um veneno de rato, por exemplo, é eficaz quando satisfaz o fim a que se destina. A ‘periculosidade é da sua essência’ e, por isso, não configura defeito do produto”, conforme aduz Michele Costa (2007), desde que o fornecedor esclareça os riscos de utilização daquele produto de alguma forma, sob pena de responsabilidade.


 Com isso, o fornecedor somente poderá ser responsabilizado caso deixe de fazer, devidamente, as advertências necessárias quanto à periculosidade, utilização, conservação do produto ou efeitos colaterais (no caso dos medicamentos) entre outros; assim, ele não responderá por vícios intrínsecos, mas sim pelos defeitos extrínsecos.


No entanto, esses riscos devem ser socialmente aceitos, não extrapolando a razoabilidade e a previsibilidade, sob pena de responsabilização do fornecedor por qualquer dano causado ao consumidor. Somente sob análise do caso concreto para perceber se deverá haver responsabilização ou não.


O terceiro ponto leva-se em consideração os avanços tecnológicos posteriores à colocação no mercado de um produto. Conforme aduz Flávia Püschel (p. 110, 2006), “a lei determina que a expectativa da sociedade a ser considerada é aquela existente no momento da colocação do produto em circulação e não a expectativa presente no momento da ocorrência do dano”. Logo, um aumento da expectativa não pode transformar o produto em defeituoso, pois, anteriormente, ele preenchia as expectativas da sociedade.


4.1 DEFEITO DE INFORMAÇÃO


É direito do consumidor, como já foi referido, receber informação adequada e clara acerca de um produto, bem como sobre os riscos que apresentam, conforme o art. 6º, III, CDC e decorre da insuficiência de informação trazida no produto, acarretando num dano não suportável ao consumidor. Alega Flávia Püschel (2006, p. 106) que “quanto mais anormal for o risco em face do tipo de produto e quanto mais difícil sua identificação pelo leigo, mais rigoroso será o dever de informar”.


Nesse contexto, a informação apresenta-se como direito fundamental do consumidor, inserido no art. 6º, III, CDC. Em contraposição a isso, o art. 12, que enuncia a responsabilidade civil do fornecedor por fato do produto, estabelece em sua parte final sua responsabilização dano causado ao consumidor por informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua utilização e riscos. Assim, esse direito encontra-se em consonância também com o grau de segurança razoável e esperado que todos os produtos devem ter, sob pena de reparação civil do fornecedor. Nesse sentido é a jurisprudência retirada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, senão vejamos:


“EMENTA: FORNECEDOR – EXPLOSÃO DO VASILHAME – AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. O fornecedor é responsável civilmente, independentemente de culpa, pelos danos causados ao consumidor em decorrência da explosão do vasilhame que contém o seu produto, especialmente se não prestou as necessárias informações sobre os riscos advindos de sua manipulação.” (Número do processo: 1.0701.00.012465-4/001. Relator: Maurílio Gabriel. Data de julgamento: 19/02/2009) Grifos nossos.


Em consonância a essa jurisprudência, encontra-se um julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo em vista que o fornecedor não prestou as informações necessárias ao consumidor, a saber:


“EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RESOLUÇÃO CONTRATUAL. AQUISIÇÃO DE MERCADORIA CONTRA-INDICADA A CARDIOPATIA DE QUE SOFRIA O CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DO DEVER DE INFORMAR. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. RISCO GERADO À SAÚDE DA AUTORA. […] 2. AGIR ILÍCITO. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAR. Em relações de consumo, como esta sub judice, o dever de informar apresenta maior relevância, tendo em vista a posição de hipossuficiência em que se encontra o consumidor. O artigo 6º, inciso III do CDC elenca como direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, como especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentem. In casu, mesmo sabendo da cardiopatia de que sofria a autora, o fornecedor não informou acerca dos riscos que a utilização do equipamento traria à pessoa portadora de tal doença. […]” (Apelação Cível Nº 70022896328, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 02/07/2008). Grifos nossos.


Nesse sentido, conforme constatado pela análise de jurisprudência brasileira, o produto deverá conter informações claras e enunciação dos riscos que ele poderá apresentar, a fim de que seja possível a sua correta utilização, bem como deixar ciente o consumidor de que se não utilizado de forma adequada, o produto poderá ocasionar danos.


Os riscos só podem ocorrer quando socialmente aceitáveis, isto é, quando não extrapolam os riscos considerados normais e esperados pelos consumidores, conforme o previsto no art. 12, §1º, II, supra. Assim o art. 8º preconiza a segurança do produto, podendo apresentar tão somente riscos que são socialmente aceitáveis, previsíveis e normais, em decorrência da sua natureza. Isto, desde que, o fornecedor, em todas as situações, coloque à disposição as informações necessárias e adequadas ao produto.


Se assim não fosse, a maioria dos produtos não poderiam ser nem vendidos, pois todos, de certo modo, acarretam em algum perigo ao consumidor. No entanto, desde que apresentem adequadas informações, poderão apresentar no máximo riscos socialmente aceitáveis. O consumidor também tem o dever de cautela ao se utilizar de um produto que possua, de certo modo, algum risco.


As informações não podem ser obscuras, ambíguas nem apresentadas com letra muito pequena, que dificulte a leitura. Sabemos que a realidade brasileira se dá de modo precário quanto o seu nível escolar, e, para se adequar melhor a essa situação, necessária a clareza e a não utilização de termos técnicos, a fim de que o artigo supracitado tenha efetividade.


4.2 DEFEITO DE CONCEPÇÃO OU CONSTRUÇÃO


Defeito de concepção é aquele ocorrido por erro de projeto ou escolha errônea dos materiais utilizados na sua construção (projeto, formulação ou design), de modo que a falta de segurança deriva da sua própria idealização. Podem decorrer também da insuficiente experimentação, por não ter passado por todos os testes de qualificação. Geralmente atingem não somente um produto, mas uma série inteira, tendo em vista a produção em massa.


Zelmo Denari (2007, p.192) aponta que geralmente esse tipo de defeito acarreta o chamado recall, que é o recolhimento dos produtos preventivamente, antes que eles causem algum dano de fato aos consumidores. Apesar de serem considerados como defeito, não concordamos com isso, pois para que assim sejam denominados, os produtos devem ter causados danos aos seus consumidores. No recall, não houve dano ainda, mas tão somente um potencial de que este venha a ocorrer quando da sua utilização. Logo, tecnicamente, no recall, os produtos detêm tão somente vícios, pois ainda não produziram nenhum dano ao consumidor.


Decisão retirada do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios esclarece que o recall não acarreta danos morais, a saber:


“Ementa: AÇÃO COLETIVA. CDC. ALEGAÇÃO DE RISCOS A CONSUMIDORES. EXPOSIÇÃO A PRODUTOS VICIADOS OU DEFEITUOSOS QUE FORAM OBJETO DE RECALL. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. O recolhimento preventivo de brinquedo (recall) em face de defeito na concepção ou de componente nocivo à saúde, não gera, por si só, danos morais.  Precedentes do STJ.” (APC 20070111101694 DF. Relator (a): CARMELITA BRASIL. Julgamento: 05/11/2008. Publicação: DJU 12/11/2008) Grifos nossos.


4.3 DEFEITO DE FABRICAÇÃO


Não decorrem de erro do projeto, mas da fase de fabricação, por falha mecânica ou humana, incidindo somente em alguns exemplares, diferentemente do que ocorre no defeito de concepção. Zelmo Denari (2007, p. 193) afirma que a característica marcante desse tipo de defeito é a sua inevitabilidade, pois escapariam de qualquer controle e surgem como parte do risco do negócio.


A ocorrência desse tipo de defeito teria acarretado a formação da teoria da responsabilidade objetiva do fornecedor, conforme assinala Flávia Püschel (2006, p.117). Nem com a máxima diligência nesses casos seria possível evitar esse tipo de defeito. Claro que com o avanço tecnológico isso já diminuiu muito, mas, em uma produção em série, algum produto poderá, com certeza, sair de lá com algum vício, podendo, dessa forma, ocasionar dano. O defeito de fabricação se inseriria aqui, nesta última hipótese.


Ilustraremos o tema em questão trazendo julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde foi ação de indenização cabível por defeito do produto evidenciado na montagem deste, a saber:


“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER – RELAÇÃO DE CONSUMO – DEFEITO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – DANOS MORAIS CARACTERIZADOS – FIXAÇÃO DOS DANOS MORAIS DE FORMA PROPORCIONAL E RAZOÁVEL – TRANSTORNOS OCASIONADOS PELO FATO DO PRODUTOO defeito no produto se evidenciou desde a montagem, sendo por diversas vezes se buscado a reparação, sem o retorno da empresa, fato que deverá ser cabalmente indenizado, com base na responsabilidade objetiva do fornecedor. No que concerne ao aspecto pedagógico-punitivo da condenação à indenização por danos morais, objetiva, por meio da aplicação de pesadas penalidades pecuniárias, desestimular a prática reiterada de atos danosos aos consumidores, de forma a compelir o fornecedor de produtos a proceder com mais respeito e atenção no seu relacionamento com os clientes. Em sendo assim, a verba concernente à indenização pelos danos morais, estes fixados em R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), suportados pela autora deve ser mantida, pois fixada com proporcionalidade e razoabilidade.” (TJRJ – APELACAO: APL 26944 RJ 2009.001.26944. Relator(a): DES. SIDNEY HARTUNG. Julgamento: 03/06/2009. Órgão Julgador: QUARTA CAMARA CIVEL. Publicação: 05/06/2009) Grifos Nossos.


Possivelmente esse outro julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também se relaciona com acidente de consumo decorrente de defeito de fabricação, tendo em vista os danos causados somente a um consumidor, a saber:


“EMENTA: APELAÇÃO. Responsabilidade civil. Danos materiais e morais. Incêndio no interior da residência do demandante, iniciado no refrigerador. Relação de consumo. Fato do produto. Inversão do ônus probatório. Não tendo sido demonstrado por meios idôneos a inocorrência do defeito no produto, correta é a sentença que o reconhece como existente. Danos patrimoniais a serem aferidos em liquidação da sentença. Quantum indenizatório de danos morais arbitrado segundo a lógica do razoável, não merecendo reparo o decisum atacado. Desprovimento dos recursos. (Apelação cível nº 49172/2005. Relator: Roberto Felinto. 2ª Câmara Cível.)” Grifos nossos.


No caso a seguir, temos um julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais no qual responsabiliza o fornecedor justamente por um carro novo deter defeito de fabricação, senão vejamos:


“Ementa: AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO – VEÍCULO NOVO – DEFEITO – NULIDADE DA SENTENÇA – NÃO OCORRÊNCIA – PROVA PERICIAL NÃO REALIZADA – INVERSÃO DO ÔNUS PROBANTE – PROVAS PRODUZIDAS PELO AUTOR – VÍCIO DE FABRICAÇÃO CONSTATADO – NEGLIGÊNCIA DAS CONCESSIONÁRIAS COMPROVADA – DANO MORAL RECONHECIDO – MAJORAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – DANOS MATERIAIS NÃO COMPROVADOS A tormenta, desconforto e risco causados ao consumidor por defeito originário de fábrica afeta-lhe o prazer de uso, minimizando-lhe seu animus e qualidade de vida, cuja contrapartida há de ser compensada com o mínimo de reparação moral, esta aplicada, também, com caráter pedagógico. Estabelece o art. 12, §3º do Código do Consumidor a responsabilidade objetiva do fabricante, construtor, produtor ou importador, pelos defeitos do produto, os quais, para se eximirem da responsabilidade, têm o ônus de comprovar uma das causas excludentes ali referidas”. (Número do processo: 2.0000.00.432167-5/000. Relator: Unias Silva. Data de Julgamento: 04/11/2004). Grifos nossos.


4.4 DEMAIS CASOS


Apesar de a doutrina enumerar os defeitos nos três supra apresentados, é possível constatar claramente que essa enumeração não é taxativa, mas apenas como modo de organizar o estudo da matéria. Um produto defeituoso é aquele que não oferece a segurança legitimamente esperada de um produto, tal como já foi afirmado. Nem todo caso poderá se encaixar em uma das modalidades apresentadas, tendo em vista a diversidade de situações possíveis de acontecer.


Assim, há muitos julgados que ficariam de fora dessa classificação, não deixando, no entanto, de ser importantes para a ideal compreensão da matéria, conforme podemos perceber da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo:


“EMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇAO DE INDENIZAÇAO. APELAÇAO CÍVEL. ALEGAÇAO DE INEXISTÊNCIA DE DANO OU LESAO E AUSÊNCIA PROVA. IMPROCEDÊNCIA. ART. 6º, I e VII, ART. 9º e ART. 12. DA LEI Nº 8.078/90. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O PROCEDIMENTO E DANO APRESENTADO. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇAO. APELAÇAO ADESIVA. MAJORAÇAO DO QUANTUM. RECURSO PROVIDO. 1. As provas documentais se mostram suficientes no sentido de demonstrar a fabricação e a comercialização, pelo Laboratório, de anestésico subcutâneo sem seu principal agente ativo a lidocaína -, substituído pela inclusão de cloreto de sódio, cujo uso pode causar graves danos à saúde dos usuários, como efetivamente causou à apelada. Bem como, resta patente sua aquisição pelo hospital, local da ocorrência do procedimento. 2. São direitos básicos do consumidor, dentre outros: “o direito a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos, bem como à reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados” (art. 6º , incisos I e VII, da Lei nº. 8.078/90). […] 4. Estabelece a lei que o empresário responde objetivamente pelos danos causados pelos defeitos dos produtos postos em circulação. É o defeito do produto como fato gerador da responsabilidade do fornecedor. 5. São os chamados acidentes de consumo, tal como descrito nos autos, que se materializam através da repercussão externa do defeito do produto, atingindo a incolumidade físico-psíquica do consumidor e o seu patrimônio. Por conseguinte, tratando-se de danos decorrentes da circulação de produtos, o fato gerador da responsabilidade do empresário não é mais a conduta culposa, tampouco qualquer relação jurídica contratual, mas sim o defeito do produto. Bastará a relação de causalidade entre o defeito e o dano. 6. O artigo 9º, parágrafo 1º, da Lei nº 8.078/90 inclui no rol dos direitos básicos do consumidor, o direito à comunicação sobre produtos que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, apresentarem periculosidade, mediante anúncios publicitários.7. Conhecimento do risco do Produto, pelo Fabricante, configurando o dano moral.8. Recurso desprovido.” (TJES – Apelação Cível: AC 61040004063 ES 61040004063. Relator(a): Maurílio Almeida de Abreu. Julgamento: 04/03/2008. Órgão julgador: Quarta Câmara Cível). Grifos nossos.


Outro exemplo de caso que não se encaixa na classificação proposta pela doutrina é o julgado a seguir pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a saber:


“EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PÃO COM BARATA INCRUSTADA. ACIDENTE DE CONSUMO. FATO DO PRODUTO. DEVER DE QUALIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. Responde objetivamente o estabelecimento comercial pelos danos morais gerados por acidente de consumo, in casu, a colocação no mercado de consumo de pão com barata incrustada. O produto que não se apresenta com a qualidade e segurança que dele se podia legitimamente esperar mostra-se defeituoso, nos termos da legislação consumeirista. O dano moral, no caso concreto, é in re ipsa, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral. Considerando os parâmetros instituídos por esta Corte, arbitra-se indenização por danos morais no valor equivalente a 20 salários mínimos. Apelo parcialmente provido.” (Apelação Cível Nº 70014651707, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 31/05/2006).


Outro caso, retirado do Tribunal de Justiça do Paraná, onde o fornecedor não conseguiu provar a culpa exclusiva do consumidor (ônus da prova invertido), senão vejamos:


“PROCESSUAL CIVIL – CIVIL – INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS E MORAIS – ACIDENTE PIROTÉCNICO- DEFEITO DO ARTEFATO – LESÕES FÍSICAS GRAVES – LEGISLAÇÃO DO CONSUMIDOR – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FABRICANTE – FATO DO PRODUTO – PROVA – ÔNUS – INVERSÃO – ANÁLISE E VALORAÇÃO – NEXO CAUSAL SATISFATORIAMENTE COMPROVADO – TENTATIVA DE DEVOLUÇÃO DA CULPA AO AUTOR, POR USO INADEQUADO – ESCUSATIVA IMPRÓSPERA – SENTENÇA QUE CONCLUIU PELA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO – MANUTENÇÃO. 1. É objetiva a responsabilidade do fabricante perante o consumidor por fato do produto, devendo cobrir os danos comprovadamente derivados de defeito deste. 2. Se não satisfez o ônus processual de comprovar a escusativa de que o acidente teria decorrido de mau uso, o fabricante de fogos de artifício responde civilmente pelos danos físicos e morais causados ao usuário, vítima de um artefato que explode em suas mãos, por não ter se verificado a ação propelente que deveria, segundo a proposta de fabricação, lançar ao ar o dispositivo de explosão.” (TJPR – Apelação Cível: AC 1297592 PR Apelação Cível – 0129759-2. Relator: Luiz Cezar de Oliveira. Julgamento: 29/04/2003).


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Está clara a importância que o Código do Consumidor apresenta para o cidadão consumidor, diante da abrangência de sua aplicação em diversas situações cotidianas. Sabemos que, na sociedade de consumo de massa em que vivemos, está cada vez mais suscetível o aparecimento de vícios, e consequentemente de defeitos ao consumidor, em razão da quantidade de compras e vendas que são realizadas em um dia, especialmente pela internet.


A par disso, houve uma preocupação mundial em reduzir ao máximo os acidentes de consumo e os vícios dos produtos, o que é possível com uma legislação rigorosa, que imponha a toda a classe de fornecedores normas imperativas no processo de produção e a obrigação de reparar eventuais danos decorrentes dos acidentes de consumo, conforme alega Fabrício Lunardi (2006). Por conseqüência, os fornecedores cada vez mais se preocupam com qualidade, favorecendo assim o consumidor e evitando a ocorrência de vícios e danos a ele.


A responsabilidade do fornecedor por fatos do produto tem como corolário a necessidade de se tutelar o consumidor, parte mais fraca da relação consumerista, conforme já mencionado. Segundo Luis Fabiano de Oliveira (2003), “o objetivo da Lei não é a punição, se assim fosse estariam previstos com absoluta certeza multas pecuniárias para cada defeito admitido, mas em sentido oposto, o escopo é o de prevenir os acidentes de consumo e os danos, daí o termo etimológico ‘proteção’”.


Nesse sentido, percebemos que a jurisprudência brasileira ainda tem muito a caminhar nesse assunto, contudo podemos notar que o CDC já foi aplicado corretamente diversas vezes, até mesmo quando o produtor não colocou o produto no mercado do consumo, causando muita polêmica. Percebe-se o grau de seriedade que a teoria do risco e a responsabilidade objetiva podem se sujeitar, sempre tendo em vista o caráter vulnerável em que o consumidor se encontra.


Somente com a tutela devida ao consumidor garantida pelo CDC, os fornecedores são obrigados a pensar em formas de prevenção de danos e, consequentemente, são menos surpreendidos com ações judiciais referentes a indenizações por acidentes de consumo, causados pelos seus próprios produtos, o que resulta numa situação mais favorável ao consumidor.  


 


Referências bibliográficas

ALMEIDA, João Batista de apud COFFERRI, Eliseu Guilherme. A responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto e do serviço no Código de Defesa do Consumidor. Buscalegis. Março/2009. Disponível em: http://buscalegis.ccj.ufsc.br/. Acesso em: 25 de out. 2009.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa. 11 ed. São Paulo, Editora Saraiva: 2007.  

CHAMONE, Marcelo Azevedo. A proteção do consumidor em razão do fato e do vício do produto ou serviço. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1207, 21 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9069>. Acesso em: 25 out. 2009.

COSTA, Michele Romero da. Responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. Novembro/2007. Disponível em: http://www.ufsm.br/revistadireito/eds/v2n3/a17.pdf. Acesso em: 23 out. 2009.

DENARI, Z.; Et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores do anteprojeto. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.

LUNARDI, Fabrício Castagna. A responsabilidade civil do fornecedor por vícios dos produtos no Código de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1045, 12 maio 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8267>. Acesso em: 25 out. 2009.

NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

OLIVEIRA, Luís Fabiano de. A responsabilidade civil objetiva pelo fato do produto e do serviço. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 15, 30/11/2003 [Internet].
Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/. php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4310. Acesso em 26/10/2009.

PÜSCHEL, Flavia Portella. A responsabilidade por fato do produto no CDC. Acidentes de consumo. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2006.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Responsabilidade Civil. 7 ed. São Paulo, Editora Atlas: 2007.

 

Notas:

[1]   A defesa do consumidor se encontra como direito fundamental inserto no art. 5º, XXXII e bem como princípio geral da atividade econômica, no art. 170, V da Constituição Federal de 1988. Percebe-se, claramente, a importância da matéria em questão, por se encontrar fundada na Lei Maior, base de todo o ordenamento jurídico.

[2]  O consumidor é vulnerável, conforme enuncia o art. 4º, I, CDC, senão vejamos:

Art. 4º Omissis.

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

[3] O artigo 927 do Código Civil enuncia a não necessidade de comprovação de culpa nos casos previstos em lei ou em decorrência da atividade desenvolvida pelo autor (teoria do risco), senão vejamos: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

[4] “Os vícios, portanto, são problemas, que, por exemplo:

a) fazem com que o produto não funcione adequadamente, como um liquidificador que não gira;

b) fazem com que o produto funcione mal, como a televisão sem som, o automóvel que “morre” toda hora, etc.;

c) diminuam o valor do produto, como riscos na lataria do automóvel, mancha no terno, etc.;

d) não estejam de acordo com informações, como o vidro de mel de 500ml que só tem 400ml; o saco de 5kg que só tem 4,8kg; o caderno de 200 páginas que só tem 180 etc.;

e) façam os serviços apresentarem características com funcionamento insuficiente ou inadequado, como o serviço de desentupimento que no dia seguinte faz com que o banheiro alague; o carpete que descola rapidamente; a parede mal pintada; o extravio de bagagem no transporte aéreo etc.”.

[5] Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;  II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;  III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis. Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.


Informações Sobre o Autor

Larissa Lins Ferreira

Acadêmica de Direito pela Universidade Federal da Paraíba


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