Da necessidade de estabelecer a união estável como impedimento para o casamento

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Resumo: A união estável é uma das formas de constituir família prevista no ordenamento jurídico brasileiro. Observa os dispositivos do casamento, inclusive os mesmos impedimentos para se aderir ao casamento, regime de bens, preservação de todos os direitos inerentes ao poder familiar, e diversas outras questões de direito provenientes desse contrato familiar. Analisa-se que na realidade, a união estável deveria estar como uma das causas impeditivas para o casamento, sendo, portanto, de suma importância reformar a legislação. A justificativa está no fato de que uma pessoa pode vir a casar tendo uma união estável com outra pessoa, deixando, portanto, uma relação familiar prejudicada. Com essa mudança legal, poder-se-á exigir que no momento da realização do processo de habilitação para o casamento, apresentem-se os nubentes, juntamente com as testemunhas, onde os nubentes irão declarar que não estão sob vigência da união estável, e as testemunhas irão confirmar. [1]


Palavras-chave: união estável. Família. Casamento. Impedimento.


Abstract: stable marriage unit is one of the ways a family under Brazilian law. Notes the provisions of the marriage, including the same impediments to join the marriage property regime, the preservation of all rights pertaining to family power, and several other points of law from that household contract. It is analyzed that in reality, the stable marriage should be as one of the reasons that for the wedding, it is therefore extremely important reform legislation. The justification lies in the fact that a person can come to get married with a stable marriage with another person, thus leaving a family relationship impaired. With this legal change, it may be required at the time of completion of the qualification process for the wedding present to the newlyweds, along with the witnesses, where the newlyweds will state that they are under existing law marriage, and witnesses will confirm.


Keywords: stable marriage. Family. Marriage. Impediment.


Sumário. 1. Os impedimentos. 1.1 Contrato de casamento. 1.2 Impedimentos: denominação e características. 1.3 Classificação dos impedimentos. 1.3.1 Impedimento de parentesco. 1.3.1.1 Impedimento de origem consangüínea. 1.3.1.2 Impedimentos de afinidade.1.3.1.3 Impedimento de origem civil. 1.3.1.4 Impedimentos de vínculo. 1.3.1.5 Impedimentos de crime. 2. A união estável e a proteção da família monogâmica. 2.1 Conceito e características da união estável. 2.2 A união estável e a dissolução. 2.3 A união estável e o casamento. 3. Visão jurisprudencial. 3.1 Decisões do Supremo Tribunal Federal. 3.2 Decisões do Superior Tribunal de Justiça. 3.3 Decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Conclusão. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO


A legislação brasileira traz diversos motivos de impedimentos para se celebrar o contrato de casamento, visando à proteção e preservação da relação familiar. No entanto, entre os motivos expostos, elencados nos incisos do artigo 1521 do Código Civil, não está a união estável.


Ela deveria ser portanto reconhecida no nosso ordenamento jurídico de acordo com o valor que possui, ou seja, há sob seu regimento um grande número de indivíduos segundo se observa analisando a sociedade. Entretanto, há um descaso legal com a mesma, haja visto que as pessoas casam com terceiros que não são da relação de união estável justamente por ausência de norma impeditiva.


Entende-se que havendo forma de impedir essa dualidade de relações, conseguir-se-á preservar a família, que precisa de estrutura e valores, estes que com certeza são violados frente essa situação que surge. Com isso, objetiva-se a partir dessa pesquisa, demonstrar a necessidade de inserir a união estável como causa de impedimento para o casamento.


A legislação expressa que para os efeitos legais, há de se entender que para a união estável, aplicam-se para as relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens, salvo casos de contrato escrito entre os companheiros. Essa previsão legal, está exposta no artigo 1725 do Código Civil de 2002. Contudo, em nada se propõe como causa impeditiva do art. 1521 do respectivo código.


Se a legislação diz que aquele que estiver casado, não pode casar novamente, como que aquele que estiver sob união estável pode casar? Há uma afronta a preservação da família, a qual deve ser evitada pois causa ameaça a estabilidade jurídica e social.


Com a criação dessa nova forma de impedimento, conseguir-se-á resolver em parte os problemas provenientes dessa situação de união de fato, visto que tem sua compreensão sustentada em grande parte, em análises análogas ao contrato de casamento.


Entendendo que seja possível essa mudança legal, trará com certeza melhorias. Ainda faz-se importante ressaltar que os Tribunais vem reconhecendo a união estável de pessoas do mesmo sexo, o que mostra novamente que deve o legislador encontrar meios de garantir à sociedade, segurança jurídica e respostas a estas questões, como por exemplo, o casamento homoafetivo, reconhecimento da poligamia (duas relações familiares concomitantes).


1 OS IMPEDIMENTOS


O impedimento ocorre quando se subordina o matrimônio a certos requisitos, por isso pode-se dizer que


“o impedimento matrimonial é a ausência de requisitos para o casamento. Impede, portanto, a realização de casamento válido. Se alguém, que careça de alguma das condições exigidas por lei contrair matrimônio proibido, a norma fulminará de nulidade tal união.” (DINIZ, 2005, p. 68).


Fazendo menção ao conceito, Carlo Tributatti afirma que


“constituem impedimentos àquelas condições positivas ou negativas, de fato ou de direito, físicas ou jurídicas, expressamente especificadas pela lei, as quais, permanente ou temporariamente, proíbem o casamento ou um novo casamento ou um determinado assunto.” (TRIBUTATTI apud DINIZ, 2005, p. 68).


Afirma Venosa (2003, p. 77) que “os impedimentos matrimoniais, dessa forma, operam como um obstáculo para a realização do casamento, e, se desobedecidos, o ordenamento, no novo Código, reage com sanção de nulidade (art. 1548, II)”. Demonstrando com isso que é nulo de pleno direito o casamento que violar os dispositivos legais.


Acerca dos impedimentos matrimoniais, Rodrigues (2002, p. 37) afirma que “constituem uma barreira imposta pela lei à realização de um casamento e que, desprezada pelos nubentes, provoca, do ordenamento jurídico, uma sanção de maior ou menos eficácia”. O mesmo autor faz menção ao conceito citando Pontes de Miranda o qual afirma que “impedimento matrimonial é a ausência de requisito ou a existência de qualidade que a lei articulou entre as condições que invalidam ou apenas proíbem a união civil” (PONTES DE MIRANDA apud RODRIGUES, 2002, p. 38).


Os impedimentos matrimoniais, fazendo menção à época romana, haviam restrições e diversos motivos para proibição na realização do casamento. Giravam em torno de dois eixos básicos, ou seja, o parentesco e a afinidade; e a condição social. O primeiro determinava a capacidade tanto na linha reta quanto na colateral. O direito romano leva em consideração o parentesco cognático, ou seja, o determinado pelo sangue. O cuidado com o parentesco, calculado minuciosamente pelo direito romano, nada mais é que a reprodução normativa dos costumes que refletiam uma atitude moral (LEITE, 1991, p. 70). 

Sobre a influência da igreja católica na questão dos impedimentos matrimoniais, Pontes de Miranda (1971, p. 214) afirmou que a divisão entre impedimentos impedientes e dirimentes está vinculada ao direito canônico, no qual era o casamento nulo, inválido, se realizado com infração dos impedimentos dirimentes. Ligavam os canonistas, o princípio da indissolubilidade do vínculo conjugal e a competência exclusiva das jurisdições eclesiásticas no tocante às cláusulas matrimoniais. 

A evolução dos valores da sociedade, nos demonstra que muitos dos preconceitos foram superados, alguns com certa tranqüilidade, outros nem tanto, também não seria para menos a confrontação valorativa ocorrente em nosso mundo atual, cujos valores se modificam constantemente e trazem uma necessidade adaptativa quase que diária, o que determina uma certa dificuldade para os mais idosos em nossa sociedade.


O motivo em especial a fazer referência aos idosos, está no fato de que os cargos de poder máximo do judiciário, estão sob orientação jurisprudencial destes, que ainda pertencem à formação, cuja estrutura está baseada em ciclo valorativo anterior à geração atual.


1.1 Conceito de casamento


 O casamento pode ser considerado segundo Diniz, como a mais importante e “poderosa de todas as instituições de direito privado, por ser uma das bases da família, que é a pedra angular da sociedade”. E ainda, quanto ao sistema matrimonial afirma “logo, o matrimônio é a peça-chave de todo o sistema social, constituindo o pilar do esquema moral, social e cultural do país” (DINIZ, 2005, p. 41). 

O casamento é, portanto, negócio jurídico bilateral, sendo que em face dessa expressão, faz-se menção que no Brasil, a palavra contrato tem de regra, aplicação restrita aos negócios patrimoniais e, dentre eles, aos negócios jurídicos bilaterais de Direito das Obrigações (OLIVEIRA & MUNIZ, 2003, p. 129). Contudo a doutrina afirma praticamente unanimemente que o casamento é contrato. 

O casamento católico ingressa na categoria dos contratos indissolúveis. A permanência do contrato é um dos pontos essenciais da diferença entre o direito romano e o direito cristão. A duração do casamento, que em Roma era mantido por manifestação puramente espontânea, calcada na afeição, na intenção de viverem como marido e mulher, será substituída, no direito cristão, pela imposição de um contrato divino. A concepção de livre arbítrio dos indivíduos, desaparece no casamento cristão (LEITE, 1991, p. 207-208). 

Comentando sobre Gangi, Diniz afirma que “o casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família” (DINIZ, 2005, p. 41). Ainda quanto ao matrimônio afirma que, 

“depreende-se que o matrimônio não é apenas a formalização ou legalização da união sexual, como pretendem Jemolo e Kant, mas a conjunção de matéria e espírito de dois seres de sexo diferente para atingirem a plenitude do desenvolvimento de sua personalidade, através do companheirismo e do amor. Afigura-se como uma relação dinâmica e progressiva entre marido e mulher, onde cada cônjuge reconhece e pratica a necessidade de vida em comum, para, como diz Portalis, ajudar se, socorrer-se mutuamente, suportar o peso da vida, compartilhar o mesmo destino e perpetuar sua espécie.” (DINIZ, 2005, p. 40). 

A celebração do casamento está ligada primeiramente à idéia de constituir família, analisando o período romano antigo, afirma Kaser (1999, p. 95) quanto à família, que


“quanto se remonta à história arcaica, pode conceber-se o povo constituído por GRANDES FAMÍLIAS, cada uma abrangendo todas as pessoas que sentem ligadas pelo vinculo do parentesco agnatício incluindo os parentes colaterais de cada paterfamílias (irmãos, tios, primos, etc.) e os seus descendentes. Estas amplas associações podem ter sido bastante independentes nas relações externas e entendidas como precursoras do Estado. Delas terão derivado os clãs (gentes). Com o tempo, talvez depois da sedentarização dos Itálicos, as associações agnatícias decompõem-se em PEQUENAS FAMÍLIAS, que nas épocas seguintes dominam o quadro do direito romano das pessoas e da família.”


O casamento está inserido dentro do livro IV denominado Do Direito de Família. Esse livro, tem previsão legal, do artigo 1511 ao 1783. No artigo 1521 estão dispostas as causas de impedimentos que visam restringir os nubentes. Até pouco tempo atrás era polêmica a discussão acerca da natureza jurídica do casamento, não se sabia ao certo, se era contrato ou instituição, sendo passível o entendimento atualmente como contrato.


Em relação ao contractum matrimonialem inter baptizatos[2], Diniz (2005, p. 42) afirma que


“a concepção contratualista originária do direito canônico, que colocava em primeiro plano o consentimento dos nubentes, deixando a intervenção do sacerdote, na formação do vínculo em posição secundária foi aceita pelo racionalismo jusnaturalista do século XVIII e penetrou, com o advento da revolução francesa, no código francês de 1804, influenciando a escola exegética do século XIX e sobrevivendo até nossos dias na doutrina civilista.”


O artigo 1521 e seus respectivos incisos, prevêem que


“não devem casar: os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; os afins em linha reta; o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; o adotado com o filho do adotante; as pessoas casadas; o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.”


O Código atual selecionou os impedimentos existentes no Código de 1916. No antigo código, haviam mais impedimentos, que eram chamados de relativos e absolutos. Os absolutos foram mantidos, com uma modificação, a qual foi à retirada de um inciso do artigo 1521. Oliveira explica que,


“o novo Código reduz os impedimentos matrimoniais a sete situações, conforme enumeração do artigo 1.521. Correspondem aos impedimentos absolutos do Código de 1916, descritos em seu artigo 183, incisos I a VIII, com exceção do inciso VII, que proíbe o casamento do cônjuge adúltero com o seu co-réu por tal condenado. Bem agiu o legislador em afastar o impedimento decorrente de adultério, seja por cuidar-se de figura que se acha esmaecida e em fase de extinção como ilícito penal, como também por contrapor-se, aquele impedimento, à solução naturalmente romântica de uma nova união com a pessoa amada, desde que dissolvido o casamento por divórcio ou viuvez.”


Ainda faz referência Oliveira, a uma possível alteração legal que veio ocorrer posteriormente em relação aos impedimentos entre colaterais conforme demonstra,


“observa-se que o novo Código não contempla a ressalva de autorização judicial para o casamento entre os colaterais de terceiro grau (tio e sobrinha), que no atual sistema jurídico tem lugar por força de disposição do Decreto-Lei 3.200/41. Resta questionável se estaria revogada essa norma excepcional, diante da norma genérica do novo ordenamento civil, ou se mantida como regra especial prevalecente.”


A legislação brasileira, traz diversos motivos de impedimentos para se aderir o contrato de casamento, visando à constituição de relação familiar. Porém, não está elencada a união estável como um destes motivos. Essa constatação demonstra um abandono normativo, pois um dos companheiros pode casar com pessoa de fora da relação, justamente por ausência de norma impeditiva.


Em relação aos impedimentos matrimoniais, relevando-se o desejo de contrair matrimônio “trata-se, por evidência, de limitação à liberdade de contratar, cerceamento à autonomia da vontade, que se consubstancia em nome do interesse público, interesse esse que muitas vezes possui caráter moral” (BARBOSA, 2006, p. 74).


1.2 Impedimentos: denominação e características


A legislação brasileira traz, inserido no Direito de Família, o reconhecimento de impedimentos para o casamento. Para a união estável, por ordem da própria lei que regulamenta o casamento, faz referência à existência dos mesmos impedimentos legais.


No Código de 1916 abarcavam-se os impedimentos como sendo causas suspensivas de anulação, estas que a partir de agora, são causa de nulidade. Esse rol foi ampliado com a inserção de outras causas suspensivas que abarcam o direito privado, como por exemplo os interesses de incapazes.


Em relação aos impedimentos estabelece que é uma proibição que atinge uma pessoa em relação à outra ou a outras. A pessoa é capaz para a prática do ato jurídico, apenas não pode escolher certas pessoas para constituir vínculo matrimonial . Mas é livre de fazê-lo com todas as outras que não se achem compreendidas na proibição, ou seja, é impedida de casar com determinada pessoa mas não é incapaz para o casamento (GOMES, 1963).


À teoria dos impedimentos, teve origem no Direito Canônico. Havia o entendimento de que qualquer pessoa teria o direito natural de casar-se. Portanto, o lógico é, estabelecer quais os casos em que o casamento não pode ser realizado. A lei canônica sempre foi muito minuciosa no campo dos impedimentos, tendo influenciado todas legislações ocidentais (VENOSA, 2003).


O que se pressupõe ao impedir de haver a construção de nova família legalmente reconhecida, nada mais é do que preservar, proteger, garantir os direitos inerentes à relação em vigência. Caso haja impedimento na relação de união estável, frisa-se que não são de menor importância frente ao casamento. Isso mostra que esse instituto é tão relevante e presente quanto o casamento, sendo exigido da mesma forma sua devida dissolução.


Os casos de impedimentos para o casamento, estão previstos no artigo 1521 do CC/2002, estendem-se à união estável pois, a lei faz referência no §1º do artigo 1723 do Código Civil determinando que “a união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente”.


Analisa-se portanto, uma forma extrema de violência contra a pessoa, pela ausência de previsão e por não admitir a união estável como causa de impedimento para o casamento, confirmado pela omissão da lei.


O fato de infringência de impedimento, previsto no inciso III do artigo 1548 do Código Civil, acarreta a invalidade do casamento tornando-o nulo. O mesmo deve ser aplicado à união estável, assim como se faz em relação às questões patrimoniais. Esta necessita, portanto seguir a lógica matrimonial, uma vez que os impedimentos, segundo Diniz, são:


“condições positivas ou negativas, de fato ou de direito, físicas ou jurídicas, expressamente especificadas pela lei, que, permanente ou temporariamente, proíbem o casamento ou um novo casamento ou um determinado casamento.” (TRIBUTATTI apud DINIZ, 2005, p. 89).


A oportunidade para a oposição dos impedimentos é até a celebração do casamento, sendo possível desde que respeite as exigências do artigo 1522 da Lei 10.406/2002. Esse artigo afirma que “os impedimentos podem ser opostos, até o momento da celebração do casamento, por qualquer pessoa capaz. Parágrafo único. Se o juiz, ou o oficial de registro, tiver conhecimento da existência de algum impedimento, será obrigado a declará-lo”.


A união estável possui características próprias. Pode ser elencadas diversas, sendo que três são de grande importância: visam o interesse público (protegem o interesse público e a saúde pública como um todo, inclusive a moralidade), causam nulidade (são nulas de pleno direito, possuem um vício mortal, não convalescendo portanto), devem ser opostas de oficio (o oficial registrador deve de ofício declarar a existência de quaisquer impedimentos).


1.3 Classificação dos impedimentos


Os impedimentos resultantes de parentesco, podem ser agrupados basicamente em quatro grupos, quais sejam: impedimento de consangüinidade; impedimento civil; impedimento de afinidade; derivados de crime.


1.3.1 Impedimento de parentesco


A relação de parentesco, é aquela que inviabiliza a união matrimonial entre pessoas que tenham entre si por laços, seja por consangüinidade, adoção ou a afinidade. Trata-se de reconhecimento legislativo a repulsa social de relações incestuosas ou praticadas entre parentes próximos, uma vez que são potencialmente turbadoras do milenar modelo familiar adotado nas civilizações cristãs (BARBOSA, 2006).


1.3.1.1 impedimento de origem consangüínea


O impedimento de origem consangüínea ocorre, quando há vínculo em que se “…abrange os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e os demais colaterais até o 3º grau, inclusive (CC, art. 1521, IV)” (DINIZ, 2005, p. 71). Há que se perceber que todos descendem de um tronco em comum.


A grande preocupação, desde os romanos, sempre foi evitar o incesto, sendo portanto proibido qualquer relação em parentes consangüíneos. Na atualidade a realidade é outra, sendo caso de parentesco em 3º grau na linha colateral, havendo exames de sangue que comprovem não haver riscos de incompatibilidade genética, pode ocorrer à permissão judicial para a efetivação do contrato de casamento.


1.4.1.2 Impedimentos de afinidade


A afinidade só “é impedimento matrimonial quando em linha reta, logo não podem convolar núpcias sogra e genro, sogro e nora, padrasto e enteada, madrasta e enteado ou qualquer outro descendente do marido (neto, bisneto) nascido de outra união” (DINIZ, 2005, p. 74).


Esse impedimento está ligado diretamente as questões morais, não cabendo a inserção da linha colateral como impedida. Pois não é permitido o casamento de um homem com a filha ou mãe de sua concubina ou com a própria de seu pai ou de seu filho (GOMES, 1978).


1.4.1.3 Impedimento de origem civil


O parentesco civil “é decorrente da adoção. O casamento de pessoas ligadas pela adoção desnaturaria completamente esse vínculo que equivale à família consangüínea. O parentesco natural, por outro lado, é o derivado da união sem casamento” (VENOSA, 2003, p. 81). Nessa situação, eleva o parentesco civil ao por consangüinidade, pois cabe impedir, preservando a família, a impossibilidade de relação decorrente da adoção, tendo em vista que deve haver confiança e respeito. A base legal é a disposta no artigo 1521, III, do Código Civil brasileiro.


A adoção “atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos impedimentos para o casamento” (DINIZ, 2005, p. 75). Demonstra portanto que a relação sanguínea originária do adotado desaparece, vindo a existir apenas a da nova família na qual foi o adotado inserido, salvo o caso supra.


A lei “procura preservar o sentido ético e moral da família, independentemente da natureza do vínculo” (VENOSA, 2003, p. 82). Traz implicitamente a questão da preservação da entidade familiar, devendo os limites ser respeitados, vez que, seria uma afronta aos costumes preservados na sociedade, permitir a existência de relação entre os familiares.


1.4.1.4 Impedimento de vínculo


Há em lei impedimentos previstos visando preservar novamente a família, no entanto, nesse momento se pretende proteger aquela que foi constituída anteriormente, tendo em vista que deriva a proibição da bigamia, pois as famílias no Brasil são monogâmicas.


Enquanto for válido o “casamento anterior, persiste o impedimento. Trata-se do princípio do casamento monogâmico que domina a civilização cristã. O Código Penal pune a bigamia conforme disposto no art. 235. Desaparecido o vínculo por morte, anulação ou divórcio, desaparece a proibição” (VENOSA, 2003, p. 83).


Quanto aos meios de dissolução desse vínculo, cabe individualmente às previsões e adequações previstas na legislação. Segundo Diniz (2005, p. 77), referindo-se a necessidade da dissolução do casamento anterior para a fixação de um novo, afirma que


“os separados judicialmente, antes de obterem o divórcio, não poderão convolar novas núpcias. Outrora, igualmente, o cônjuge do ausente não podia consorciar-se novamente, uma vez que a presunção de óbito, no caso de ausência, autorizada em matéria sucessória era inoperante para fins matrimoniais.”


1.4.1.5 Impedimentos de crime


O crime, é causa proibitiva pelo inciso VII do artigo 1521 do Código Civil brasileiro, o qual prevê que “não pode casar o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte”, de acordo com Diniz (2005, p. 78) “tal impedimento só diz respeito ao homicídio doloso, já que no culposo não há a intenção alguma de matar um consorte para casar com outro.”


O conteúdo moral “da norma é claríssimo e dispensa maiores digressões. Presume-se que ao homicida de seu cônjuge o consorte reaja com repugnância e não com afeto” (VENOSA, 2003, p. 84). Nesse caso não basta ter estado sob processo, mas sim a existência de uma condenação criminal, por crime doloso contra a vida.


A lógica implícita nesse impedimento é simples, preocupa-se em evitar a ocorrência de certo estímulo a pratica de condutas previstas na legislação como criminosas.


2 A UNIÃO ESTÁVEL E A PROTEÇÃO DA FAMÍLIA MONOGÂMICA


Acolhe-se de forma passível quanto à aceitação desse instituto, tal que a Constituição Federal, expressa em seu artigo 226 § 3º que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. A família brasileira pode ser denominada como sendo nuclear, biparental e monogâmica, percebendo que pela segurança jurídica do contrato de casamento, eis de facilitar seu acesso através da conversão.


O que se tratava como sociedade concubinária, passa ao patamar da união estável, reconhecida constitucionalmente como entidade familiar. Como tal, gozando da proteção do Estado, está legitimada para os efeitos da incidência das regras do direito de família, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento (RODRIGUES, 2002).


2.1 Conceito e características da união estável


A união estável pode ser conceituada conforme previsão legal expressa no artigo 1723 e parágrafos do Código Civil de 2002, sendo afirmado que,


é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.


§1º. A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.


§2º. As causas suspensivas do art. 1523 não impedirão a caracterização da união estável.


A união estável, “denominada pela doutrina como concubinato puro, passa a ter perfeita compreensão como aquela união entre o homem e a mulher que pode converter-se em casamento” (VENOSA, 2003, p. 453). A prova disso está na redação do artigo 1726 o qual dispõe que “a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no registro civil”.


É de grande valor doutrinário a percepção dessa relação familiar, conforme expõe Rodrigues (2002, p. 299)


“o fato importante que ressalta do texto constitucional é o reconhecimento de que a ligação, mais ou menos duradoura, entre pessoas de sexo diverso, com o propósito de fazerem vida em comum, adquiriu o status de entidade familiar. Ou seja, o legislador de 1988 tirou a máscara hipócrita de seu colega de 1916, a qual a família ilegítima envergonhava, para proclamar não só a existência da família nascida fora do casamento, sua condição de entidade familiar, como também para dizer que ela se encontra sob a proteção do Estado.”


Os elementos caracterizadores da união estável são diversos: convivência, notoriedade e afinidade, diversidade de sexos, contrato de fato, continuidade, afeição e publicidade. A doutrina as divide em: objetivo de constituição de família, estabilidade, unicidade de vínculo, notoriedade, continuidade e ausência de formalismo.


A união extramatrimonial entre um homem e uma mulher precisa visar à constituição de uma família, para que possa ser caracterizada como companheirismo, caso contrário o vínculo não estaria sujeito às regras de Direito de Família e por isso não seria abrangido pela Constituição Federal (GAMA, 2001). Atualmente, essa restrição de relação entre pessoas de sexos opostos está superada, conforme se observa através das pesquisas jurisprudenciais, em especial do Tribunal do RS.


A relação entre o casal, tenderá a se prolongar no tempo, exige respeito mútuo e fidelidade recíproca, envolvendo-se os parceiros numa intima e estreita comunhão de interesses e afetos. (LIA PALAZZO RODRIGUES apud GAMA, 2001, p. 159). Deve-se levar em conta quanto à solidez e durabilidade, a “consideração do lapso temporal de convivência entre os partícipes da relação, mas não como critério único na aferição da presença da característica da estabilidade” (GAMA, 2001, p. 159).


A união entre o homem e a mulher, deve ser “caracterizada como o único vínculo existente para ambos os companheiros, ou em termos sintéticos, deve se tratar de uma união monogâmica” (GAMA, 2001, p. 162). O nosso ordenamento jurídico adota o princípio da monogamia e portanto uma segunda pessoa não pode vir a contratar e manter simultaneamente dois ou mais vínculos matrimoniais ou extramatrimoniais. As uniões adulterinas e incestuosas não devem receber tratamento como espécies familiares, vez que afrontam a moral social (GAMA, 2001).


A união extramatrimonial deve ser notória, sendo reconhecida socialmente, mesmo que por um grupo restrito, como se casados fossem, através de uma união entre homem e mulher. Caberia na atualidade, como já mencionado, superar a restrição dessa diferença de sexos, compreendendo a existência de relação homoafetiva.


A união formada entre o casal, com o objetivo de constituir família, deve ser contínua, ou seja, ininterrupta, protraindo-se no tempo sem lapsos. Em síntese deve ser permanente, no sentido de verificação da solidez do vínculo não sujeitos portanto a deslizes decorrentes da vida conflitiva a dois (GAMA, 2001). Adotando a continuidade como característica do companheirismo, deve-se compreender que a eventual caracterização de ruptura da união, a marcar término da relação mantida, provoca a dissolução da sociedade entre os companheiros e, caso ocorra à reconciliação, deve ser novamente conquistada a continuidade, ao lado de outras características, para o fim de novamente se reconhecer o companheirismo (GAMA, 2001).


A relação por fim, caracteriza-se pela “informalidade, ou seja, inexiste qualquer obrigatoriedade aos partícipes da relação de observarem normas relativas ao casamento ou a qualquer outro ato solene para a formação do companheirismo” (GAMA, 2001, p. 169). Importante ressaltar que essa característica é própria e de exclusividade das uniões extramatrimoniais quando postas em confronto com aquelas pertinentes ao matrimônio. O companheirismo é revestido de informalidade visto a ausência de solenidade (GAMA, 2001).


Importante ressalvar a existência do concubinato, e não da união estável na época romana. Sabe-se que o concubinato está ligado com a relação impedida, na qual se não houvesse tal impedimento, seria possível o matrimônio, concubinatus, conceituado como,


“uma COMUNIDADE PERMANENTE DE VIDA E DE SEXO entre homem e mulher, não reconhecida como matrimónio. É tolerada dentro de certos limites e adquire significado prático na época do Principado nos casos em que o matrimónio não é possível” (Cfr.D.25,7;C.5,26). (KASSER, 1999, p. 330).


A semelhança com o concubinato cria muitas dificuldades interpretativas, pois a Lei nº 8.971/94, no que tange a entidade familiar sem casamento, não se refere especificamente à união estável ou entidade familiar, faz a utilização dos termos companheiro e companheira, sob o prisma dos alimentos e da sucessão. Essa lei ao mencionar o direito do companheiro à totalidade da herança, havendo ausência de ascendentes e descendentes, trazia o convivente em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, em conjunto com o cônjuge. Sendo assim, somente seriam chamados à sucessão, os colaterais, se o convivente não deixasse companheira de união estável ou não fosse casado. (VENOSA, 2003, p. 445).


É de suma importância realizar uma distinção entre União Estável de Concubinato, não sendo possível à utilização dos termos como sinônimos, o que acontecia anteriormente ao Código Civil de 2002. “O termo concubinato fica reservado, na forma do artigo 1727, às relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, (…)” (VENOSA, 2003, p. 451).


2.2 A união estável e a Dissolução


Pode-se entender quanto à dissolução da união estável, como sendo um fenômeno muito comum pelo que se percebe pela realidade fática, através das pessoas no dia a dia e justamente por não possuir um procedimento específico, ocorrendo sob duas formas distintas. Ocorre a partir da relação intervivos, verificando apenas a divisão do patrimônio, divisão de bens e alimentos e; através da causa mortis, onde se problematiza saber sobre direitos previdenciários, direitos sucessórios e divisão do patrimônio.


Ocorre que na Lei 9.278/96 estabelece a hipótese de rescisão da união estável com a redação que dizia: “dissolvida à união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos”. Quanto ao termo rescisão, reconhece-se como uma imprecisão da lei. No direito contratual, em geral quando ocorre menção à rescisão, se dá com a culpa de um dos contratantes (VENOSA, 2003, p. 457).


Na união estável, nem sempre se discute a culpa, nem o instituto deve ser tratado como um contrato. Independentemente da forma como se dá o desfazimento dessa sociedade conjugal, o quadro é semelhante ao casamento na separação consensual ou litigiosa. Se não houver contrato de convivência, haverá, na maioria das vezes, necessidade de ação de reconhecimento de sociedade de fato, o que geralmente ocorre. Se falecidos ambos os conviventes, a iniciativa terá que ser dos herdeiros (VENOSA, 2003, p. 457).


A Lei 9.278/96 no seu art. 5º expõe que:


“os bens adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação em contrário por escrito”


Em face do artigo supra descrito, a compreensão do novo Código, propõe entendimento divergente pois conforme expressa o artigo 1725 do Código Civil, se não houver previsão contratual entre os companheiros, aplicar-se-á o regime da comunhão parcial de bens (VENOSA, 2003, p. 458).


Deve-se analisar em cada caso a inexistência de vício de vontade ou exclusão por escrito. De regra, os bens adquiridos a título gratuito, por doação deverão ser excluídos (art. 1659, I). Não se comunicam ao patrimônio comum quando adquiridos com produtos de bens com causa anterior ao início da união. Dever-se-ia estar presente esse entendimento expressamente no novo Código, aplicando-se no silêncio dos interessados, a comunhão parcial de bens, observando o artigo 1658 e seguintes (VENOSA, 2003, p. 458).


É importante ressaltar, que o acerto patrimonial feito por escrito entre os conviventes não afetam as relações destes com terceiros, “estes ao contratar com aqueles, não estão obrigados a averiguar sua situação se os contratantes se declinam como solteiros ou divorciados e não alertam que existe pacto negocial” (VENOSA, 2003, p. 459). Justamente por esse entendimento é que, caso um companheiro em razão de negócio com terceiro, prejudica o patrimônio comum, a questão será resolvida sem afetar o terceiro de boa-fé (VENOSA, 2003, p. 459).


2.3 A união estável e o casamento


O casamento na concepção romana é completamente diferente da moderna e torna-se interessante compreender as mudanças até chegar à união estável, que é com certeza, bem diferente do casamento atual. Afirma-se isso devido à superação de diversos preconceitos, que discriminavam a mulher e a colocavam em posição de inferioridade. A concepção de matrimônio romana é inspirada em motivos cristãos sendo que,


“o direito matrimonial canônico, desenvolvido sobretudo na Idade Média, e os subseqüentes ordenamentos dos Estados ocidentais submetem, segundo os preceitos da doutrina cristã, os REQUISITOS do matrimónio, a sua CELEBRAÇÃO e DISSOLUÇÃO a uma fiscalização rigorosa. A SUBSISTÊNCIA do matrimónio validamente celebrado e a sua dissolução, sobretudo por divórcio, admitido apenas por motivos claramente delimitados, são examinados num PROCESSO JUDICIAL que tem de velar pela conservação dos matrimônios válidos. Pela sua estrutura, o matrimónio é uma relação jurídica com determinado conteúdo que – por efeito do crescente individualismo – atribui aos cônjuges reciprocamente e perante terceiros faculdades claramente delimitadas, tanto em assuntos pessoais como patrimoniais. O princípio da IGUALDADE DE DIREITOS entre homem e mulher foi em grande medida realizado em muitas ordens jurídicas.” (KASER, 1999, p. 317).


Como é possível perceber, estamos atualmente vivendo um período de grandes e constantes modificações legislativas, em decorrência das grandes transformações sociais, vez que a lei acompanha os costumes para a correta adequação da lei ao caso concreto.


O casamento é um instituto de grande relevância, como já percebido pelos romanos e, portanto, dotado de grande importância social, tendo em vista sua dissolução em casos restritos, diferente do que ocorre hoje, havendo inclusive a separação consensual, a qual dispensa a necessidade das vias judiciais para tanto.


A sociedade ao longo dos tempos foi alcançando maior igualdade entre os cônjuges, diminuindo o poder paterfamílias existente desde a época dos romanos, esse poder “engloba o direito de vida e de morte (ius vitae necisque), e o direito de castigar e repudiar a mulher” (KASER, 1999, p. 319). Inclusive no “matrimónio LIVRE, o paterfamílias da mulher, sob cuja pátria potestas permanecia mesmo estando casada, podia ir buscá-la e reconduzi-la a sua casa (…)” (KASER, 1999, p. 327).


Com a nova Constituição de 1988, conseguiu-se valorizar diversos princípios, sendo um dos mais importantes, o da igualdade, retirando esse poder que o marido exercia sobre a mulher.


Evoluindo a concepção da importância da família, fez-se necessário compreender outros institutos, como a união estável, sendo necessário o legislador manifestar-se acerca desta. Nos órgãos superiores, encontrou-se uma solução adequada para esse novo modelo familiar que havia surgido.


Quanto à comparação entre os dois institutos, não é o fato de a Constituição ter declarado a união estável como entidade familiar, que significa a necessidade de ter que se aplicar todos os efeitos que se aplica ao casamento (RODRIGUES, 2002).


O Código Civil traz expresso às questões patrimoniais, no artigo 1725 que “na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. Para que se compreenda essa extensão, cabe ressalvar que na comunhão de bens, o artigo 1658 do Código Civil faz menção que “no regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento”, relevando exceção aos artigos 1659 a 1666 do referido código em que expõe as particularidades.


A doutrina e a jurisprudência, relevam (mudar o termo) que quanto aos alimentos, guarda, herança, entre outros valores assegurados no casamento, aplica-se com algumas diferenças, os mesmos direitos que são garantidos no contrato de casamento. O entendimento que sempre entra em questão, relaciona-se ao fato de facilitar a adequação do instituto da união estável ao casamento, e não de valorizá-lo propriamente dito como algo de valor equivalente a ser regido por normas próprias, o que implicitamente sugere diminuição valorativa.


Quanto à contraposição entre o casamento e a união estável, a segunda “consiste numa união livre e estável de pessoas livres de sexo diferentes, que não estão ligadas entre si por casamento civil” (DINIZ, 2009, p. 373) E referindo-se a diversidade sexual afirma que “(…) entre pessoas do mesmo sexo haverá tão-somente uma sociedade de fato (RSTJ, 110:313). Exigindo-se, além disso, convivência duradoura e continuidade das relações sexuais, que a distingue de simples união transitória” (DINIZ, 2009, p. 375). Esta opinião contudo não encontra respaldo na jurisprudência atual pois é compreendida como união estável.


Comparando os dois institutos, o casamento e a união estável, percebe-se que o casamento é diferente da união estável, gerando efeitos a partir da cerimônia nupcial, e vindo a se extinguir pela invalidação, divórcio ou morte. A união estável se estabelece com o tempo, motivo pelo qual Fernando Malheiros a denomina “usucapião do direito de família”. Importante ressalvar que, rompe-se com a morte de um deles, abandono ou simples ruptura do convívio. Por mais que ocorram repetidas relações sexuais acidentais e precárias, durante muito tempo, não revelam companheirismo, que requer estabilidade, ligação permanente entre homem e mulher, para fins essenciais à vida social, isto é, aparência de “casamento” perante terceiros, estar como se fossem casados (DINIZ, 2009, p. 375).


A união estável, pode ser obtida, a partir da conversão em casamento. O procedimento da conversão é de jurisdição voluntária, ocorrendo através do regimento expresso na Consolidação Normativa Notarial e Registral.


Analisando sobre o homossexualismo percebe-se que como a jurisprudência tem aceitado a união estável entre pessoas de sexos iguais, deverá autorizar a conversão em casamento. Poderiam se habilitar pois não haveria impedimento, visto que ausente é de previsão legal, o que traz o sentimento da ausência de segurança jurídica.


A lacuna deixada pela lei, é uma grande oportunidade a ser utilizada pelos homossexuais na busca pelos seus direitos, com igualdade e dignidade.


3 VISÃO JURISPRUDENCIAL


Sabe-se que a jurisprudência tem papel muito importante na prática jurídica, pois serve de orientação para os juristas, sendo inclusive o resultado da evolução dos valores sociais, nos quais os juízes, desembargadores e ministros, precisam adequar o ordenamento jurídico ao caso concreto. Mesmo quando não existe previsão expressa da lei, devendo-se fazer uso dos meios interpretativos disponíveis e trazer a resolução dos casos, a serem julgados.


Os julgados servem para orientar os novos julgamentos, motivo pelo qual, estão presentes dentro dos fundamentos jurídicos das ações movidas na busca dos direitos dos cidadãos por meio de seus procuradores, sendo de suma importância analisados constantemente pois grandes mudanças ocorrem todos os dias.


A união estável, por ser reconhecida recentemente, e por não possuir uma lei que determine toda a sua aplicação, baseia-se no casamento, valores e princípios gerais do direito para sua garantia e proteção.


Ao mesmo tempo que está presente este instituto, abre-se um leque de possibilidades de uma novação jurídica, vez que tange também a relação entre os homossexuais, visto que inexiste possibilidade de alcançar-se o casamento.


3.1 Decisões do Supremo Tribunal Federal


“EMENTA: PREVIDÊNCIA – DEPENDENTE – COMPANHEIRA – DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE DE FATO – ACORDO JUDICIAL – ALIMENTOS E CONTINUIDADE DA CONDIÇÃO DE DEPENDENTE. Preceito de lei ordinária, no caso, o inciso II do artigo 9º da Lei nº 7.672/82, do Rio Grande do Sul, há de merecer interpretação norteada pela Constituição Federal. Dispondo esta sobre o reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, a gerar a proteção do Estado, a norma legal que enquadra a companheira como dependente do segurado alcança situação na qual, mediante acordo, previu-se a continuidade do sustento e a reinclusão desta como beneficiária no Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul.” (BRASIL, 2001).


O caso julgado em 2001 reconhece o direito da mulher que está sob união estável, permitindo o enquadramento da companheira como dependente do segurado por interpretação da Lei nº 7.672/82. Presenciou-se a existência de violação do artigo 226§3º da Constituição Federal de 1988 por haver distinção dos direitos entre a ex-esposa e a ex-companheira.


EMENTA: UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS. PRETENDIDA QUALIFICAÇÃO DE TAIS UNIÕES COMO ENTIDADES FAMILIARES. DOUTRINA. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI Nº 9.278/96. NORMA LEGAL DERROGADA PELA SUPERVENIÊNCIA DO ART. 1.723 DO NOVO CÓDIGO CIVIL (2002), QUE NÃO FOI OBJETO DE IMPUGNAÇÃO NESTA SEDE DE CONTROLE ABSTRATO. INVIABILIDADE, POR TAL RAZÃO, DA AÇÃO DIRETA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA, DE OUTRO LADO, DE SE PROCEDER À FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA DE NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS (CF, ART. 226, § 3º, NO CASO). DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA (STF). NECESSIDADE, CONTUDO, DE SE DISCUTIR O TEMA DAS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS, INCLUSIVE PARA EFEITO DE SUA SUBSUNÇÃO AO CONCEITO DE ENTIDADE FAMILIAR: MATÉRIA A SER VEICULADA EM SEDE DE ADPF? DECISÃO: A Associação da Parada do Orgulho dos Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros de São Paulo e a Associação de Incentivo à Educação e Saúde de São Paulo – que sustentam, de um lado, o caráter fundamental do direito personalíssimo à orientação sexual e que defendem, de outro, a qualificação jurídica, como entidade familiar, das uniões homoafetivas – buscam a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.278/96, que, ao regular o § 3º do art. 226 da Constituição, reconheceu, unicamente, como entidade familiar, “a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (grifei). As entidades autoras da presente ação direta apóiam a sua pretensão de inconstitucionalidade na alegação de que a norma ora questionada (Lei nº 9.278/96, art. 1º), em cláusula impregnada de conteúdo discriminatório, excluiu, injustamente, do âmbito de especial proteção que a Lei Fundamental dispensa às comunidades familiares, as uniões entre pessoas do mesmo sexo pautadas por relações homoafetivas. Impõe-se examinar, preliminarmente, se revela cabível, ou não, no caso, a instauração do processo objetivo de fiscalização normativa abstrata. É que ocorre, na espécie, circunstância juridicamente relevante que não pode deixar de ser considerada, desde logo, pelo Relator da causa. Refiro-me ao fato de que a norma legal em questão, tal como positivada, resultou derrogada em face da superveniência do novo Código Civil, cujo art. 1.723, ao disciplinar o tema da união estável, reproduziu, em seus aspectos essenciais, o mesmo conteúdo normativo inscrito no ora impugnado art. 1º da Lei nº 9.278/96. Uma simples análise comparativa dos dispositivos ora mencionados, considerada a identidade de seu conteúdo material, evidencia que o art. 1.723 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002) efetivamente derrogou o art. 1º da Lei nº 9.278/96: Código Civil (2002) “Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar à união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” Lei nº 9.278/96 “Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar à convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.” Extremamente significativa, a tal respeito, a observação de CARLOS ROBERTO GONÇALVES (“Direito Civil Brasileiro – Direito de Família”, vol. VI/536, item n. 3, 2005, Saraiva): “Restaram revogadas as mencionadas Leis n. 8.971/94 e n. 9.278/96 em face da inclusão da matéria no âmbito do Código Civil de 2002, que fez significativa mudança, inserindo o título referente à união estável no Livro de Família e incorporando, em cinco artigos (1.723 a 1.727), os princípios básicos das aludidas leis, bem como introduzindo disposições esparsas em outros capítulos quanto a certos efeitos, como nos casos de obrigação alimentar (art. 1.694).” (grifei) A ocorrência da derrogação do art. 1º da Lei nº 9.278/96 – também reconhecida por diversos autores (HELDER MARTINEZ DAL COL, “A União Estável perante o Novo Código Civil”, “in” RT 818/11-35, 33, item n. 8; RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, “Comentários ao Novo Código Civil”, vol. XX/3-5, 2004, Forense) – torna inviável, na espécie, porque destituído de objeto, o próprio controle abstrato concernente ao preceito normativo em questão. É que a regra legal ora impugnada na presente ação direta já não mais vigorava quando da instauração deste processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. O reconhecimento da inadmissibilidade do processo de fiscalização normativa abstrata, nos casos em que o ajuizamento da ação direta tenha sido precedido – como sucede na espécie – da própria revogação do ato estatal que se pretende impugnar, tem o beneplácito da jurisprudência desta Corte Suprema (RTJ 105/477, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – RTJ 111/546, Rel. Min. SOARES MUÑOZ – ADI 784/SC, Rel. Min. MOREIRA ALVES): “Constitucional. Representação de inconstitucionalidade. Não tem objeto, se, antes do ajuizamento da argüição, revogada a norma inquinada de inconstitucional.” (RTJ 107/928, Rel. Min. DECIO MIRANDA – grifei) “(…) também não pode ser a presente ação conhecida (…), tendo em vista que a jurisprudência desta Corte já firmou o princípio (…) de que não é admissível a apreciação, em juízo abstrato, da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade de norma jurídica revogada antes da instauração do processo de controle (…).” (RTJ 145/136, Rel. Min. MOREIRA ALVES – grifei) Cabe indagar, neste ponto, embora esse pleito não tenha sido deduzido pelas entidades autoras, se mostraria possível, na espécie, o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta com o objetivo de questionar a validade jurídica do próprio § 3º do art. 226 da Constituição da República. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de não admitir, em sede de fiscalização normativa abstrata, o exame de constitucionalidade de uma norma constitucional originária, como o é aquela inscrita no § 3º do art. 226 da Constituição: “- A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras é incompossível com o sistema de Constituição rígida. – Na atual Carta Magna, ‘compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição’ (artigo 102, ‘caput’), o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição. – Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação às outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida, por impossibilidade jurídica do pedido.” (RTJ 163/872-873, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno – grifei) Vale assinalar, ainda, a propósito do tema, que esse entendimento – impossibilidade jurídica de controle abstrato de constitucionalidade de normas constitucionais originárias – reflete-se, por igual, no magistério da doutrina (GILMAR FERREIRA MENDES, “Jurisdição Constitucional”, p. 178, item n. 2, 4ª ed., 2004, Saraiva; ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada”, p. 2.333/2.334, item n. 1.8, 2ª ed., 2003, Atlas; OLAVO ALVES FERREIRA, “Controle de Constitucionalidade e seus Efeitos”, p. 42, item n. 1.3.2.1, 2003, Editora Método; GUILHERME PEÑA DE MORAES, “Direito Constitucional – Teoria da Constituição”, p. 192, item n. 3.1, 2003, Lumen Juris; PAULO BONAVIDES, “Inconstitucionalidade de Preceito Constitucional”, “in” “Revista Trimestral de Direito Público”, vol. 7/58-81, Malheiros; JORGE MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional”, tomo II/287-288 e 290-291, item n. 72, 2ª ed., 1988, Coimbra Editora). Não obstante as razões de ordem estritamente formal, que tornam insuscetível de conhecimento a presente ação direta, mas considerando a extrema importância jurídico-social da matéria – cuja apreciação talvez pudesse viabilizar-se em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental -, cumpre registrar, quanto à tese sustentada pelas entidades autoras, que o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto à proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e na esfera das relações sociais. Essa visão do tema, que tem a virtude de superar, neste início de terceiro milênio, incompreensíveis resistências sociais e institucionais fundadas em fórmulas preconceituosas inadmissíveis, vem sendo externada, como anteriormente enfatizado, por eminentes autores, cuja análise de tão significativas questões tem colocado em evidência, com absoluta correção, a necessidade de se atribuir verdadeiro estatuto de cidadania às uniões estáveis homoafetivas (LUIZ EDSON FACHIN, “Direito de Família – Elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro”, p. 119/127, item n. 4, 2003, Renovar; LUIZ SALEM VARELLA/IRENE INNWINKL SALEM VARELLA, “Homoerotismo no Direito Brasileiro e Universal – Parceria Civil entre Pessoas do mesmo Sexo”, 2000, Agá Juris Editora, ROGER RAUPP RIOS, “A Homossexualidade no Direito”, p. 97/128, item n. 4, 2001, Livraria do Advogado Editora – ESMAFE/RS; ANA CARLA HARMATIUK MATOS, “União entre Pessoas do mesmo Sexo: aspectos jurídicos e sociais”, p. 161/162, Del Rey, 2004; VIVIANE GIRARDI, “Famílias Contemporâneas, Filiação e Afeto: a possibilidade jurídica da Adoção por Homossexuais”, Livraria do Advogado Editora, 2005; TAÍSA RIBEIRO FERNANDES, “Uniões Homossexuais: efeitos jurídicos”, Editora Método, São Paulo; JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, “A Natureza Jurídica da Relação Homoerótica”, “in” “Revista da AJURIS” nº 88, tomo I, p. 224/252, dez/2002, v.g.). Cumpre referir, neste ponto, a notável lição ministrada pela eminente Desembargadora MARIA BERENICE DIAS (“União Homossexual: O Preconceito & a Justiça”, p. 71/83 e p. 85/99, 97, 3ª ed., 2006, Livraria do Advogado Editora), cujas reflexões sobre o tema merecem especial destaque: “A Constituição outorgou especial proteção à família, independentemente da celebração do casamento, bem como às famílias monoparentais. Mas a família não se define exclusivamente em razão do vínculo entre um homem e uma mulher ou da convivência dos ascendentes com seus descendentes. Também o convívio de pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual, cabe ser reconhecido como entidade familiar. A prole ou a capacidade procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, descabendo deixar fora do conceito de família as relações homoafetivas. Presentes os requisitos de vida em comum, coabitação, mútua assistência, é de se concederem os mesmos direitos e se imporem iguais obrigações a todos os vínculos de afeto que tenham idênticas características. Enquanto a lei não acompanha a evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os juízes, pode fechar os olhos a essas novas realidades. Posturas preconceituosas ou discriminatórias geram grandes injustiças. Descabe confundir questões jurídicas com questões de caráter moral ou de conteúdo meramente religioso. Essa responsabilidade de ver o novo assumiu a Justiça ao emprestar juridicidade às uniões extraconjugais. Deve, agora, mostrar igual independência e coragem quanto às uniões de pessoas do mesmo sexo. Ambas são relações afetivas, vínculos em que há comprometimento amoroso. Assim, impositivo reconhecer a existência de um gênero de união estável que comporta mais de uma espécie: união estável heteroafetiva e união estável homoafetiva. Ambas merecem ser reconhecidas como entidade familiar. Havendo convivência duradoura, pública e contínua entre duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituição de família, mister reconhecer a existência de uma união estável. Independente do sexo dos parceiros, fazem jus à mesma proteção. Ao menos até que o legislador regulamente as uniões homoafetiva – como já fez a maioria dos países do mundo civilizado -, incumbe ao Judiciário emprestar-lhes visibilidade e assegurar-lhes os mesmos direitos que merecem as demais relações afetivas. Essa é a missão fundamental da jurisprudência, que necessita desempenhar seu papel de agente transformador dos estagnados conceitos da sociedade. (…).” (grifei) Vale rememorar, finalmente, ante o caráter seminal de que se acham impregnados, notáveis julgamentos, que, emanados do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, acham-se consubstanciados em acórdãos assim ementados: “Relação homoerótica – União estável – Aplicação dos princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade – Analogia – Princípios gerais do direito – Visão abrangente das entidades familiares – Regras de inclusão (…) – Inteligência dos arts. 1.723, 1.725 e 1.658 do Código Civil de 2002 – Precedentes jurisprudenciais. Constitui união estável a relação fática entre duas mulheres, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir verdadeira família, observados os deveres de lealdade, respeito e mútua assistência. Superados os preconceitos que afetam ditas realidades, aplicam-se, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa, da igualdade, além da analogia e dos princípios gerais do direito, além da contemporânea modelagem das entidades familiares em sistema aberto argamassado em regras de inclusão. Assim, definida a natureza do convívio, opera-se a partilha dos bens segundo o regime da comunhão parcial. Apelações desprovidas.” (Apelação Cível 70005488812, Rel. Des. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, 7ª Câmara Civil – grifei) “(…) 6. A exclusão dos benefícios previdenciários, em razão da orientação sexual, além de discriminatória, retira da proteção estatal pessoas que, por imperativo constitucional, deveriam encontrar-se por ela abrangidas. 7. Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a alguém, em função de sua orientação sexual, seria dispensar tratamento indigno ao ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo, legitimamente constitutiva de sua identidade pessoal (na qual, sem sombra de dúvida, se inclui a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana. 8. As noções de casamento e amor vêm mudando ao longo da história ocidental, assumindo contornos e formas de manifestação e institucionalização plurívocos e multifacetados, que num movimento de transformação permanente colocam homens e mulheres em face de distintas possibilidades de materialização das trocas afetivas e sexuais. 9. A aceitação das uniões homossexuais é um fenômeno mundial – em alguns países de forma mais implícita – com o alargamento da compreensão do conceito de família dentro das regras já existentes; em outros de maneira explícita, com a modificação do ordenamento jurídico feita de modo a abarcar legalmente a união afetiva entre pessoas do mesmo sexo. 10. O Poder Judiciário não pode se fechar às transformações sociais, que, pela sua própria dinâmica, muitas vezes se antecipam às modificações legislativas. 11. Uma vez reconhecida, numa interpretação dos princípios norteadores da constituição pátria, a união entre homossexuais como possível de ser abarcada dentro do conceito de entidade familiar e afastados quaisquer impedimentos de natureza atuarial, deve a relação da Previdência para com os casais de mesmo sexo dar-se nos mesmos moldes das uniões estáveis entre heterossexuais, devendo ser exigido dos primeiros o mesmo que se exige dos segundos para fins de comprovação do vínculo afetivo e dependência econômica presumida entre os casais (…), quando do processamento dos pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão.” (Revista do TRF/4ª Região, vol. 57/309-348, 310, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira – grifei) Concluo a minha decisão. E, ao fazê-lo, não posso deixar de considerar que a ocorrência de insuperável razão de ordem formal (esta ADIN impugna norma legal já revogada) torna inviável a presente ação direta, o que me leva a declarar extinto este processo (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175), ainda que se trate, como na espécie, de processo de fiscalização normativa abstrata (RTJ 139/67), sem prejuízo, no entanto, da utilização de meio processual adequado à discussão, “in abstracto” – considerado o que dispõe o art. 1.723 do Código Civil -, da relevantíssima tese pertinente ao reconhecimento, como entidade familiar, das uniões estáveis homoafetivas. Arquivem-se os presentes autos. Publique-se. Brasília, 03 de fevereiro de 2006. Relator: Ministro CELSO DE MELLO.” (BRASIL, 2006a).


O Egrégio Supremo Tribunal Federal manifestou-se acerca do homossexualismo em processo, cuja ação movida foi de inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei 9.278/96, buscando com isso provocar a discussão sobre a união homoafetiva. Mesmo que tenha sido derrogada a citada lei, pelo artigo 1723 do Código Civil de 2002, o excelentíssimo Ministro Celso de Mello, comentou sobre a importância dessa temática e o silêncio da lei.


3.2 Decisões do Superior Tribunal de Justiça


“EMENTA: RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL. CASAMENTO POSTERIOR. REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS. PATRIMÔNIO ADQUIRIDO DURANTE A SOCIEDADE DE FATO. PARTILHA. EXISTÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR.1. Existe interesse jurídico na declaração de união estável vivenciada pela parte autora e pelo de cujus em momento anterior a casamento celebrado sob o regime da separação de bens, bem como na partilha de bens eventualmente adquiridos pelo esforço comum durante a sociedade de fato. 2. Recurso especial provido.” (BRASIL, 2009a).


No presente caso, julgado em 2009, determinou-se a existência de interesse das partes, sendo reconhecido à relação e o dever de partilhar os bens, ou seja, dividir o que foi adquirido onerosamente pelo esforço comum durante a sociedade familiar.


“EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. COMPARTILHAMENTO DA PENSÃO ENTRE A VIÚVA E CONCUBINA. IMPOSSIBILIDADE. CONCOMITÂNCIA ENTRE CASAMENTO E CONCUBINATO ADULTERINO IMPEDE A CONSTITUIÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Para fins previdenciários, há união estável na hipótese em que a relação seja constituída entre pessoas solteiras, ou separadas de fato ou judicialmente, ou viúvas, e que convivam como entidade familiar, ainda que não sob o mesmo teto. 2. As situações de concomitância, isto é, em que há simultânea relação matrimonial e de concubinato, por não se amoldarem ao modelo estabelecido pela legislação previdenciária, não são capazes de ensejar união estável, razão pela qual apenas a viúva tem direito à pensão por morte. 3. Recurso especial provido.” (BRASIL, 2009b).


Visualiza-se que no presente caso, o STJ entendeu que não se pode confundir união estável e concubinato, decisão prolatada no ano de 2009, sendo ainda presente a confusão entre ambos os institutos, afirmou dentre seus argumentos que o direito a pensão por morte, não ocorre pois existe concubinato, devendo apenas ficar com a viúva a pensão mencionada, visto que não se encaixa ao modelo requerido pela legislação previdenciária.


“EMENTA: PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA  DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96  E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. 1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto à possibilidade jurídica do pedido, corresponde à inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico  para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de  união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada.6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 5. Recurso especial conhecido e provido.” (BRASIL, 2008).


O Superior Tribunal de Justiça utilizou-se de entendimento lógico e analógico para poder julgar o caso supra. Utiliza-se da analogia pois a lei traz expresso sexos opostos, no entanto, usa a lógica de que se fosse o caso de querer impedir, teria o legislador vinculado à existência de vedação explícita, como condição da ação, ou seja, de forma restritiva, caso que não ocorreu, garantindo os direitos do cidadão.


“EMENTA: PLANO DE SAÚDE. COMPANHEIRO. “A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica” (REsp nº 238.715, RS, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 02.10.06). Agravo regimental não provido.” (BRASIL, 2006b).


Expressa de forma clara a extensão dos direitos da união estável, analogicamente aos que sob ela estão em relação homoafetiva, demonstrou-se à existência de dependência.


“EMENTA: PROCESSO CIVIL E CIVIL – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA – SÚMULA 282/STF – UNIÃO HOMOAFETIVA – INSCRIÇÃO DE PARCEIRO EM PLANO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA – POSSIBILIDADE – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO-CONFIGURADA. – Se o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na formação do acórdão, não se conhece do recurso especial, à míngua de prequestionamento. – A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica.  – O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana. – Para configuração da divergência jurisprudencial é necessário confronto analítico, para evidenciar semelhança e simetria entre os arestos confrontados. Simples transcrição de ementas não basta.” (BRASIL, 2006c).


Manifesta-se novamente o STJ garantindo por analogia que o companheiro possa ser dependente em plano de assistência médica. O Ministro ao afirmar que o homossexual não é cidadão de segunda categoria, deixa claro que a dignidade da pessoa humana deve sempre prevalecer.


EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.  MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA. 1 – A teor do disposto no art. 127 da Constituição Federal, ” O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” In casu, ocorre reivindicação de pessoa, em prol de tratamento igualitário quanto a direitos fundamentais, o que  induz à legitimidade do Ministério Público, para  intervir no processo, como o fez.  2 – No tocante à violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, uma vez admitida a intervenção ministerial, quadra assinalar que o acórdão embargado não possui vício algum a ser sanado por meio de embargos de declaração; os embargos interpostos, em verdade, sutilmente se aprestam a rediscutir questões apreciadas no v. acórdão; não cabendo, todavia, redecidir, nessa trilha, quando é da índole do recurso apenas reexprimir, no dizer peculiar de PONTES DE MIRANDA, que a jurisprudência consagra, arredando, sistematicamente, embargos declaratórios, com feição, mesmo dissimulada, de infringentes.  3 – A pensão por morte é : “o benefício previdenciário devido ao conjunto dos dependentes do segurado falecido – a chamada família previdenciária – no exercício de sua atividade ou não ( neste caso, desde que mantida a qualidade de segurado), ou, ainda, quando ele já se encontrava em percepção de aposentadoria. O benefício é uma prestação previdenciária continuada, de caráter substitutivo, destinado a suprir, ou pelo menos,  a minimizar a falta daqueles que proviam as necessidades econômicas dos dependentes. ” (Rocha, Daniel Machado da, Comentários à lei de benefícios da previdência social/Daniel Machado da Rocha, José Paulo Baltazar Júnior. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2004. p.251). 4 – Em que pesem as alegações do recorrente quanto à violação do art. 226, §3º, da Constituição Federal, convém mencionar que a ofensa a  artigo da Constituição Federal não pode ser analisada por este Sodalício, na medida em que tal mister é atribuição exclusiva do Pretório Excelso. Somente por amor ao debate, porém, de tal preceito não  depende, obrigatoriamente,  o desate da lide, eis que não diz respeito ao âmbito previdenciário, inserindo-se no capítulo ‘Da Família’. Face a essa visualização, a aplicação do direito à espécie se fará à luz de diversos preceitos constitucionais, não apenas do art. 226, §3º da Constituição Federal, levando a que, em seguida, se possa aplicar o direito ao caso em análise.  5 –  Diante do § 3º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar,  a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém,  da relação homoafetiva. 6- Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988 que, assim estabeleceu, em comando específico: ” Art. 201- Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: […] V – pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no §2 º. ” 7 – Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida  a partir de outras fontes do direito. 8 – Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, através da Instrução Normativa n. 25 de 07/06/2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual,  para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento. 9 – Recurso Especial não provido.” (Brasil, 2005).


No presente caso, entende o Superior Tribunal que cabe a pensão por morte para o companheiro em relação homoafetiva. A pensão é um benefício previdenciário, que visa suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, sem discriminação.


3.3 Decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul


“EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ALIMENTOS. QUANTUM. A obrigação alimentar entre cônjuges funda-se no disposto do art. 1.566, III, do Código Civil, dispondo sobre o dever de ambos à mútua assistência, que permanece mesmo após a separação (art. 1.694, CC), quando provada a carência de recursos por parte de um deles. Manutenção da pensão alimentícia fixada em 20% sobre os rendimentos do alimentante, eis que o percentual é adequado ao binômio necessidade-possibilidade.” (RIO GRANDE DO SUL, 2009a).


Na presente decisão, entendeu o Tribunal, como sendo o dever de ambos a assistência alimentar, mesmo após a separação. Como foi no caso julgado, demonstrou-se a necessidade alimentar de um lado e o dever de fazê-lo de outro.


“EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ALIMENTOS PARA EX-COMPANHEIRA E FILHO. REDUÇÃO. CABIMENTO. A sentença reconhece que a instrução voltou-se somente em relação à partilha de bens do casal. A rigor, nada foi esclarecido sobre a capacidade econômica das partes. Caso em que é temerário fixar alimentos somente com base no rendimento do apelante informado na inicial. Hipótese em que se reduz os alimentos, fixados na sentença, para o mesmo valor dos alimentos provisórios, os quais foram recebidos pelos alimentados por quase dois anos sem qualquer insurgência de sua parte. Caso de viabilidade de ação revisional autônoma de alimentos, onde se pode aprofundar a investigação do binômio alimentar. DERAM PROVIMENTO.” (RIO GRANDE DO SUL, 2009b).


O acórdão proferido, reforma a decisão de primeiro grau, incompleta por não fixar os alimentos, demonstrando que é devido entre os companheiros o auxílio mútuo, sendo que quem deveria ter feito, não o fez, resultando na necessidade da propositura da ação rescisória (prevê a possibilidade de re-discutir o valor alimentar), sendo uma das exceções previstas no Código de Processo Civil, quanto à coisa julgada.


“EMENTA:  UNIÃO ESTÁVEL. PRESSUPOSTOS. AFFECTIO MARITALIS. COABITAÇÃO. PUBLICIDADE DA RELAÇÃO. PROVA. 1. A união estável assemelha-se a um casamento de fato e indica uma comunhão de vida e de interesses, reclamando não apenas publicidade e estabilidade, mas, sobretudo, um nítido caráter familiar, evidenciado pela affectio maritalis. 2. Comprovada a relação de companheirismo, com as peculiaridades de quem já tem idade avançada, fica configurada a intenção de constituir família, e a procedência da ação se impõe. Recurso provido” (SEGREDO DE JUSTIÇA). (RIO GRANDE SO SUL, 2009c).


O caso julgado, provido no recurso de apelação, determina que há na união estável, comunhão de vida tal qual ocorre no casamento, devendo ser reconhecido a existência do instituto, pois tem-se presente a affectio maritalis, necessária para que se determine a existência.


“EMENTA: APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. COMPETÊNCIA. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. A competência para processar e julgar as ações relativas aos relacionamentos afetivos homossexuais. A união homossexual merece proteção jurídica, porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos com o intuito relacional. Uma vez presentes os pressupostos constitutivos, é de rigor o reconhecimento da união estável homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual. NEGARAM PROVIMENTO.” (RIO GRANDE DO SUL, 2008).


Acerca da homossexualidade, o Egrégio Tribunal tem decisões de grande valor, pois reconhecem a existência de união estável em casal homossexual, conforme é demonstrado. Sua posição pioneira, determina maior segurança para os gaúchos, possibilita uma esperança de alcançar a igualdade portanto.


“EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. SEPARAÇÃO DE FATO DO CONVIVENTE CASADO. PARTILHA DE BENS. ALIMENTOS. União homossexual: lacuna do Direito. O ordenamento jurídico brasileiro não disciplina expressamente a respeito da relação afetiva estável entre pessoas do mesmo sexo. Da mesma forma, a lei brasileira não proíbe a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Logo, está-se diante de lacuna do direito. Na colmatação da lacuna , cumpre recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito, em cumprimento ao art. 126 do CPC e art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Na busca da melhor analogia, o instituto jurídico, não é a sociedade de fato. A melhor analogia, no caso, é a com a união estável. O par homossexual não se une por razões econômicas. Tanto nos companheiros heterossexuais como no par homossexual se encontra, como dado fundamental da união, uma relação que se funda no amor, sendo ambas relações de índole emotiva, sentimental e afetiva. Na aplicação dos princípios gerais do direito a uniões homossexuais se vê protegida, pelo primado da dignidade da pessoa humana e do direito de cada um exercer com plenitude aquilo que é próprio de sua condição. Somente dessa forma se cumprirá à risca, o comando constitucional da não discriminação por sexo. A análise dos costumes não pode discrepar do projeto de uma sociedade que se pretende democrática, pluralista e que repudia a intolerância e o preconceito. Pouco importa se a relação é hétero ou homossexual. Importa que a troca ou o compartilhamento de afeto, de sentimento, de carinho e de ternura entre duas pessoas humanas são valores sociais positivos e merecem proteção jurídica. Reconhecimento de que a união de pessoas do mesmo sexo, geram as mesmas conseqüências previstas na união estável. Negar esse direito às pessoas por causa da condição e orientação homossexual é limitar em dignidade a pessoa que são. A união homossexual no caso concreto. Uma vez presentes os pressupostos constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC) e demonstrada a separação de fato do convivente casado, de rigor o reconhecimento da união estável homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, tal como a partilha dos bens, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO” (SEGREDO DE JUSTIÇA). (RIOGRANDE DO SUL, 2007).


O Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul, mostrou-se inovador quando aos seus julgados, reconhecendo a superação do preconceito e preenchimento da lacuna deixada pela lei. Destaca-se garantindo a defesa dos direitos dos indivíduos, determinando a existência de relação de união estável entre pessoas do mesmo sexo.


CONCLUSÃO


O Estado no qual vivemos hoje, é reflexo de uma grande evolução histórica da qual somos portanto resultado. Os direitos cada vez mais presentes, demonstram a conquista da superação das dificuldades e preconceitos. A humanidade está em constante evolução, necessitando de respostas para o estado atual da sociedade, como por exemplo, acerca da união estável homoafetiva, uma lacuna a ser preenchida pois tange os direitos à vida familiar.


O ato de constituir família é muito antigo, o qual mostra a dificuldade do ser humano em viver isoladamente, sem poder compartilhar com outro a sua vida como um todo, gerar prole. Mostra que é necessário constituirmos uma comunidade, sociedade e demais formas de relação entre seres da mesma espécie.


A legislação está avançando, mas ao mesmo tempo, esquece de melhorar o que tem, se detendo somente em inovar. A união estável é um dos casos de existência em que não foi dada a atenção que deveria.


Este trabalho demonstrou os motivos pelo qual deve a união estável, impedir o casamento e prever sua inserção dentro do artigo 1521 do Código Civil, ao mesmo tempo trouxe diversas jurisprudências mas em nenhum caso foi presenciado o que buscava.


Entre os julgados não encontrou-se a existência da união estável como impedimento para o casamento, isso justamente por não haver previsão legal, demonstrando mais uma vez que o juiz pode usar-se da analogia, mas que não pode criar um impedimento inexistente, criar lei é poder/dever dos legisladores.


Propôs-se antes de tudo, uma grande reflexão quanto ao respeito ao ato de coexistir, discutindo por conseqüência o porquê da inferiorização do instituto união estável, demonstrando as razões de se tomar medidas que tragam seu reconhecimento e a real proteção em uma posição de respeito.


A união estável deve ser causa impeditiva ao casamento, visando à preservação de todos os direitos inerentes ao poder familiar, ao regime de bens, a partilha e a todas as demais questões de direito, provenientes desse contrato familiar. Com isso, dar-se-á o devido valor ao instituto, o qual hoje está apresentado como de importância menor do que realmente possui, motivo que sustenta a necessidade de implantação do impedimento.


Será no momento da habilitação para o casamento, que os nubentes deverão assinar um termo declarando que não estão sob união estável, juntamente com duas testemunhas sob pena de todos cometerem crime por falsidade. Presumindo-se a assim uma maior seriedade, um toque de legalidade à questão com sua devida importância.


É importante também lembrar quanto aos registros civis, pois só estão presentes condições de: casado, viúvo, solteiro, divorciado, sendo necessária a inclusão do status de, “em união estável”.


Existem diversos problemas como foram expostos principalmente nos julgados de todas as instâncias, envolvendo a partilha de bens, pensão por morte, causas que trazem inconvenientes na realidade inter vivos ou causa mortis.


Percebe-se que surgirão cada vez maiores quantidades de demandas judiciais, caso não se impeça o casamento, havendo a vigência da união estável. A prova disso está no fato de que, como a lei é omissa, deixa lacunas, acaba por obrigar aos cidadãos a recorrer ao judiciário para que por alguma interpretação analógica, consiga resolver o caso e com isso sanar a lide para os litigantes, visto a existência desse abandono normativo.


A sociedade está em constante mutação e é necessário utilizar meios que possibilitem alcançar a objetividade, visando desafogar o judiciário por questões desnecessárias, como derivadas dessa natureza, que com um simples acréscimo legal, pode-se resolver.


Entende-se que grandes passos foram dados, e que com o reconhecimento da união estável como causa de impedimento para o casamento, alcançar-se-á melhorias em nosso ordenamento jurídico, garantindo maior acesso e justiça para com os cidadãos.


 


Referências bibliográficas

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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2003. v. 6.

 

Notas:

[1] Artigo tendo como base minha Tese de Conclusão de Curso de graduação em Direito, orientado pelo Mrs. Sergio Luis Leal Rodrigues no ano de 2009.

[2] contrato de casamento entre pessoas batizadas (tradução livre).


Informações Sobre o Autor

Pablo Juarez Viera Czyzeski

Pós graduando em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Verbo Jurídico. Juiz Arbitral da 8ª Camara de Mediação, Conciliação e Arbitragem do Tribunal de Arbitragem do Rio de Janeiro.


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