O princípio da precaução no contrato de trabalho: o direito à informação como forma de proteção ao trabalhador exposto à nanotecnologia

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Resumo: O presente trabalho apresenta o princípio da precaução como forma de proteger o trabalhador exposto à nanotecnologia, através do direito à informação. [1]


Palavras-chave: Princípio da precaução – direito à informação – nanotecnologia – relações de trabalho.


Abstract: This paper presents the precautionary principle as a way to protect workers exposed to nanotechnology through the right to information.


Keywords: precautionary principle – right to information – nanotechnology – work relationships.


O trabalho acompanha o ser humano desde o início dos tempos. A história da humanidade confunde-se com a própria história da evolução dos modos de produção e, por consequência, do modo como o trabalho é prestado. Ainda que se evolua, novos riscos e problemas vão surgindo com o aparecimento das novas formas de produzir e trabalhar.


A superação da escravidão e da servidão trouxe o abuso da exploração do trabalho operário de massa, cujo limite resultou em ambientes de trabalho inadequados, intensa utilização de mão de obra infantil, jornadas extensas, e parcos salários. A revolução industrial causou severas transformações no mundo do trabalho, modificando a forma de produzir e fazendo surgir o direito do trabalho, com o objetivo de coordenar as relações entre capital e trabalho.


A revolução tecnológica, que colocou o computador no centro do controle dos processos produtivos, atingiu profundamente o mundo do trabalho, exigindo um trabalhador mais qualificado, ao tempo em que desmaterializou o trabalho. Hoje o trabalho pode ser feito à distância, fazendo com que as plantas industriais se desloquem em busca de melhores ofertas de mão de obra e facilidades tributárias e operacionais.


Estas profundas transformações atingem também a sociedade. Alguns autores identificam este conjunto de transformações como a passagem da primeira modernidade para a segunda modernidade, onde surgiria uma sociedade de risco.


Pois uma nova revolução está em curso, com a adoção da nanotecnologia no processo produtivo, abrindo campos de pesquisa na física, química e biologia. A utilização da técnica que trabalha próxima da escala atômica cria perspectivas de aperfeiçoamento de produtos, preparação de novos fármacos, diagnóstico e tratamento de doenças, desenvolvimento de cosméticos mais eficazes, etc., atingindo vários ramos da indústria agrícola, automotiva, biomédica, aeroespacial, dentre outras.


Novamente o mundo do trabalho será diretamente atingido. Em primeiro lugar porque a pesquisa desta área é pesquisa de ponta, que vem sendo explorada pelos países desenvolvidos que, ao dominarem esta tecnologia, farão com que os países do terceiro mundo tornem-se dependentes dos produtos realizados com mais eficiência e mais eficazes. Tal fato tende a extinguir empregos de qualidade nos países que não saírem à frente no processo de domínio das novas tecnologias. Por outro lado, vai se exigir um trabalhador ainda mais qualificado para intervir no processo produtivo, em uma perspectiva de restrição do mercado de trabalho.


A nanotecnologia é uma realidade no mundo científico. Novos materiais, novas experiências, no campo físico, químico e biológico, são desenvolvidos a partir da utilização de nanopartículas. Porém, no país, pouco ou nada se escreveu sobre os impactos da nanotecnologia no mundo do trabalho, mesmo que as pesquisas e a inserção de nanotecnologias nos processos produtivos já sejam uma realidade.


Nano significa uma escala, uma medida, e não um objeto. Um nanômetro, cuja representação é “nm”, equivale a um bilionésimo do metro. “Um fio de cabelo humano tem aproximadamente 80 mil nanômetros de espessura. […] Uma molécula de DNA tem aproximadamente 2,5 nm de largura. […] Tudo em nanoescala é invisível a olho nu e até mesmo a todo o resto, exceto a microscópios muito poderosos.”[2]. Outro dado interessante, para se compreender este novo mundo, é que trabalhando em nanoescala, ao se reduzir o tamanho dos materiais, mesmo sem mudar sua substância, suas propriedades podem ser modificadas, o que gera novos riscos àqueles que manipulam as matérias primas e produtos agora em nanoescala[3].


Se até hoje a preocupação quanto à saúde dos trabalhadores não foi eficaz a ponto de evitar os acidentes do trabalho e doenças profissionais, a situação pode ser piorada com o contato com estruturas tão diminutas que nenhum equipamento de proteção individual será capaz de evitar a intoxicação do homem. Apenas como exemplo, “As nanofibras de carbono têm sido comparadas a fibras de asbesto, por terem formas similares. Estudos iniciais de toxicidade sobre algumas nanofibras de carbono demonstraram inflamação em células. Um estudo feito pela NASA encontrou que a inflamação dos pulmões é mais grave do que em casos de silicose […]”[4].“A exposição a produtos de Nanotecnologia pode também apresentar riscos para a saúde e segurança dos trabalhadores”[5]. A União Européia trabalha sob esta perspectiva, reconhecendo a necessidade de pesquisas para identificação dos riscos a que estão submetidos trabalhadores, pesquisadores e consumidores de produtos nanoestruturados[6].


Neste caso, é necessária a aplicação do princípio da precaução, para evitar as conseqüências que podem ser nefastas aos trabalhadores, enquanto não se esclarece o alcance dos danos que a nova tecnologia pode gerar. A precaução foi reconhecida no princípio 15 da Declaração do Rio, de 1992, firmada por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), sediada no Rio de Janeiro em 2002[7]: “[…] o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”.


Duas são as premissas caracterizadoras da precaução: 1) existência de ameaça de danos sérios e irreversíveis (não é necessária a certeza desses danos); 2) a ausência de certeza científica dos danos não pode servir de escusa para a não adoção de medidas eficazes para evitar a degradação ambiental. A precaução não exige a certeza do dano, significando que “[…] as pessoas e o seu ambiente devem ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza sobre se uma dada acção [sic] os vai prejudicar.”[8]. Para a autora, o princípio funciona como uma espécie de “in dubio pro ambiente”, o que, em relação ao meio ambiente de trabalho, cuja proteção reflete-se na qualidade de vida e segurança dos trabalhadores, desvela o princípio da proteção, alicerçado no “in dúbio pro operário”.


Como se vê, o sentido do princípio da precaução está em não realizar determinada atividade se a ciência ainda não identificou os riscos degradantes do ambiente, decorrente desta atividade. Este sentido exclui a idéia de que ainda não provado qualquer risco, é permitido que a atividade potencialmente degradadora possa ser exercida.


O princípio da precaução exige o uso da melhor tecnologia e das melhores práticas disponíveis[9], de modo a evitar a degradação ambiental por meio de processos superados. Isto força o próprio desenvolvimento da tecnologia, mas com o objetivo de obter tecnologia limpa, não poluidora, e não de simples redução de custos e maximização de eficiência, paradigma da modernidade.


Apesar do caráter interdisciplinar da abordagem da nanotecnologia, as ciências humanas têm ficado de fora da discussão sobre o tema[10]. Os financiamentos, em regra, não contemplam o aspecto do controle social sobre as pesquisas. Martins[11]afirma que: “[…] os atores e agentes que contribuem e decidem os rumos do desenvolvimento da nanociência e da nanotecnologia no Brasil não abarcam os atores e agentes sociais tais como entidades de defesa do interesse difuso da sociedade (meio ambiente, saúde e consumidor), entidades representativas dos trabalhadores (como centrais sindicais, sindicatos e seus órgãos de assessoria), entidades de defesa dos direitos humanos, entidades relativas ao direito à saúde, entidades de defesa da participação popular, entidades religiosas, etc.” [grifo nosso].


Não é possível que simplesmente se deixe de realizar pesquisas ou que se suprima toda e qualquer produção sob escala nanométrica nos locais de trabalho, até porque o uso da nanotecnologia pode ser um divisor de águas no desenvolvimento industrial dos países. A proibição das pesquisas ou do desenvolvimento de produtos nanoestruturados irá apenas acentuar a profunda desigualdade e exclusão.


Porém, é necessário identificar as questões éticas envolvidas, assegurando o direito à informação de trabalhadores e pesquisadores, identificando os riscos a que estão submetidos e criando controles para identificação prematura das conseqüências danosas à saúde[12]. Nesse sentido, Schulte e Salamanca-Buentello[13] afirmam, ainda, a necessidade de os trabalhadores conhecerem os riscos e aceitarem a exposição a eles, embora reconheçam não ser esta escolha absolutamente livre, em razão das condições econômicas e sociais a que estão submetidos, o que reforça a necessidade de um marco regulatório mínimo que identifique a extensão dos riscos e proteja trabalhadores e pesquisadores vulneráveis aos efeitos deletérios do trabalho com produtos em escala nanométrica.


O direito à informação está garantido na Constituição em seu art. 5º, XIV: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”. Embora genérico, este direito à informação é operacionalizado por uma série de normas infraconstitucionais, inclusive no âmbito das relações de trabalho.


O local de trabalho é parte integrante do meio ambiente (meio ambiente do trabalho). Pode-se buscar na Política Nacional do Meio Ambiente fundamento de garantia à informação, já que é seu instrumento a garantia da prestação de informações relativas ao meio ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando inexistentes (art. 9º, XI, da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981). O art. 19, § 3º, da Lei 8.213/91 dispõe que “é dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.”. Da mesma forma, a CLT, em seus artigos 182, III, e 197, não desconhece o direito à informação.


No âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT) o direito à informação também é prestigiado. A convenção 161 (Dec. 127/1991) prescreve que “Todos os trabalhadores devem ser informados dos riscos para a saúde inerentes a seu trabalho.” (art. 13). A Convenção nº. 148 (Dec. 93.413/1986) dispõe que “Os trabalhadores ou seus representantes terão direito a apresentar propostas, receber informações e orientação, e a recorrer a instâncias apropriadas, a fim de assegurar a proteção contra riscos profissionais devidos à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho.” (artigo 7.2), e, ainda, que: “Todas as pessoas interessadas: a) deverão ser apropriada e suficientemente informadas sobre os riscos profissionais que possam originar-se no local de trabalho devido à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações; b) deverão receber instruções suficientes e apropriadas quanto aos meios disponíveis para prevenir e limitar tais riscos, e proteger-se dos mesmos.” (art. 13).


Verifica-se, portanto, que a única forma de enfrentar os riscos de uma nova tecnologia, na intenção de proteger os trabalhadores que têm de a ela se expor, é utilizando-se da prevenção e precaução, investindo-se fortemente na pesquisa para que os riscos possam ser identificados e controlados. Enquanto tais certezas não são alcançadas, os trabalhadores têm o direito de ser informado dos riscos a que estão submetidos no processo produtivo, direito que lhes é fundamental.


 


Bibliografia:

ARAGÃO, Alexandra. Direito constitucional do ambiente da União Européia. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 11-55.

DECLARAÇÃO DO RIO DE JANEIRO SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (1992). In SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento. Direito ambiental internacional: meio ambiente, desenvolvimento sustentável, e os desafios da nova ordem mundial. Rio de Janeiro: Thex Editora, 2002. p. 328-334, p. 331-332.

GRUPO ETC. Nanotecnologia: os riscos da tecnologia do futuro. Tradução de José F. Pedrozo e Flávio Borghetti. Porto Alegre: L&PM, 2005

MARTINS, Paulo Roberto (Org.). Nanotecnologia, sociedade e meio ambiente: trabalhos apresentados no segundo seminário internacional. São Paulo: Editora Xamã, 2006.

MELO, Helena Pereira de. O tamanho é importante? A nanotecnologia e o direito. In De rerum natura: Sobre a natureza das coisas. Disponível em: http://dererummundi.blogspot.com/2007/07/o-tamanho-importante-nanotecnologia-e-o.html: Acesso em 12.09.2008.

SCHULTE, Paul A.; SALAMANCA-BUENTELLO, Fabio. Ethical and Scientific Issues of Nanotechnology in the Workplace. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 12(5): 1319-1332, 2007.

TOMELLINI, Renzo. Nanotecnologia: um ponto de vista da Europa. In MARTINS, Paulo Roberto (Org.). Nanotecnologia, sociedade e meio ambiente: trabalhos apresentados no segundo seminário internacional. São Paulo: Editora Xamã, 2006. p. 42-48.

WOLFRUM, Rüdiger. O princípio da precaução. In VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia Barros (Orgs.). Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey/ESMPU, 2004. p. 13-28.

 

Notas:

[1] Trabalho desenvolvido no âmbito do Projeto de Pesquisa Os impactos da nanotecnologia nas relações de trabalho, financiado pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), de Santa Maria (RS).

[2] GRUPO ETC. Nanotecnologia: os riscos da tecnologia do futuro. Tradução de José F. Pedrozo e Flávio Borghetti. Porto Alegre: L&PM, 2005, p. 13.

[3] GRUPO ETC, op. cit., p. 14.

[4] GRUPO ETC, op. cit., p. 57.

[5] MELO, Helena Pereira de. O tamanho é importante? A nanotecnologia e o direito. In De rerum natura: Sobre a natureza das coisas. Disponível em: http://dererummundi.blogspot.com/2007/07/o-tamanho-importante-nanotecnologia-e-o.html: Acesso em 12.09.2008.

[6] TOMELLINI, Renzo. Nanotecnologia: um ponto de vista da Europa. In MARTINS, Paulo Roberto (Org.). Nanotecnologia, sociedade e meio ambiente: trabalhos apresentados no segundo seminário internacional. São Paulo: Editora Xamã, 2006. p. 42-48.

[7] DECLARAÇÃO DO RIO DE JANEIRO SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (1992). In SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento. Direito ambiental internacional: meio ambiente, desenvolvimento sustentável, e os desafios da nova ordem mundial. Rio de Janeiro: Thex Editora, 2002. p. 328-334, p. 331-332.

[8] ARAGÃO, Alexandra. Direito constitucional do ambiente da União Européia. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 11-55, p. 41.

[9] WOLFRUM, Rüdiger. O princípio da precaução. In VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia Barros (Orgs.). Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey/ESMPU, 2004. p. 13-28, p. 21.

[10] MARTINS, Paulo Roberto (Org.). Nanotecnologia, sociedade e meio ambiente: trabalhos apresentados no segundo seminário internacional. São Paulo: Editora Xamã, 2006, p. 12-13.

[11] Op.cit., p. 14.

[12] SCHULTE, Paul A.; SALAMANCA-BUENTELLO, Fabio. Ethical and Scientific Issues of Nanotechnology in the Workplace. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 12(5): 1319-1332, 2007.

[13] Op. cit., p. 1326.


Informações Sobre o Autor

Marcelo Barroso Kümmel

Mestre em Integração Latino-americana (UFSM) e Especialista em Direito do Trabalho (UNISINOS). Professor de Direito do Trabalho do Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) de Santa Maria. Integrante do Grupo de Pesquisa Teoria Jurídica no Novo Milênio, do Curso de Direito da UNIFRA. Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.


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