O documento eletrônico para alcançar a verdade

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Resumo: Não se têm dúvidas a respeito dos benefícios oferecidos pela INTERNET, o que indiscutivelmente facilitou a vida de todos. Contudo, não se pode negar que as desvantagens proporcionadas pela rede mundial são inimagináveis, tanto ou até mais que as suas próprias fronteiras. Os fatos jurídicos ocorridos na rede podem ser demonstrados através de documentos eletrônicos, em razão de técnicas criadas para garantir que as informações transmitidas na rede mundial sejam seguras e confiáveis. São exemplos de mecanismos que garantem a segurança das informações enviadas e recebidas na web, a criptografia simétrica e assimétrica, assinatura digital. Através das técnicas mencionadas, a interceptação das mensagens, ou mesmo a alteração de qualquer dado de um determinado documento poderá ser reconhecido, bem como em razão dessas técnicas é que se concebe o documento eletrônico capaz de ser utilizada de forma tranqüila no sistema processual e desse modo efetivar a busca pela verdade.


Palavras-chave: Direito. Documento eletrônico. Segurança. Processo. Verdade.


Sumário: 1. Introdução. 2. A prova documental 3. O documento eletrônico. 4. A segurança do documento eletrônico. 5. A eficácia probante do documento eletrônico. 6. A verdade. 7. O documento eletrônico e a verdade. 8. Considerações finais. Referências bibliográficas.


1 INTRODUÇÃO


O objetivo do presente artigo é demonstrar a efetividade probante do documento eletrônico comparando suas características com as dos documentos tradicionais bem como demonstrar que uma vez comprovada a eficácia do referido documento, o mesmo deve ser utilizado no sistema processual brasileiro para o alcance da verdade.


O direito é dinâmico, ou seja, o ordenamento jurídico está em constante mutação. Certamente, determinado fato ocorrido em épocas passadas, já não terá o mesmo significado uma vez realizado na sociedade atual, haja vista que esta evoluiu, e necessita de novos recursos para solucionar novos problemas.


A INTERNET surge como um instrumento facilitador, a qual opera sem garantir segurança àqueles que se utilizam da mesma, celebrando contratos, realizando compras, e outras comodidades oferecidas pela rede. Para tanto, surge a figura do documento eletrônico no sentido de assegurar, dentre outras coisas, o cumprimento dos negócios jurídicos havidas no mundo virtual.


Embora o documento eletrônico não tenha um suporto físico permanente como os demais documentos tradicionais, é possível identificar naquele os mesmo requisitos encontrados neste. Portanto, serão analisados os elementos que compõe o documento tradicional com o escopo de compará-lo com o documento eletrônico. Em seguida, serão observadas as técnicas disponíveis que tornam o documento eletrônico seguro, bem como as características que garantem a eficácia do mesmo.


Por fim, pretende-se ressaltar a importância do alcance da verdade no processo com a utilização do documento eletrônico.


2 A PROVA DOCUMENTAL


Dentre os meios de provas admitidos no ordenamento jurídico brasileiro, a prova documental é considerada o meio mais importante e efetivo. A justificativa da primazia da prova documental no direito brasileiro se deve exatamente ao sistema jurídico adotado pelo Brasil, qual seja, o civil law – que trata-se de um sistema carregado de princípios e valores extraídos do Direito romano-germânico.


No sistema civil law o costume é valorizar as provas escritas, como a documental e a pericial, haja vista o entendimento de que os referidos meios de prova retratam toda a vida do cidadão, em contrapartida a prova testemunhal, ou seja, que se vale da palavra da pessoa, é considerada um simulacro de prova.


Acerca da prova, cabe esclarecer que o Código de Processo Civil de 1973 não limitou os meios de provas, pelo contrário, no artigo 332 permitiu a utilização de todos os meios de provas legais, bem como os moralmente legítimos, além daqueles então especificados. Contudo, diante da primazia da prova documental dada pelo ordenamento jurídico brasileiro, oportuno se faz uma análise pormenorizada do referido meio de prova.


Embora a prova documental seja mencionada em diversos códigos e leis, nenhum deles define o termo documento, para tanto, a doutrina se encarregou dessa tarefa, o que resultou em vários conceitos a respeito do referido termo. Dentre autores renomados e àqueles não tão conhecidos é possível citar algumas das definições sobre o documento.


José Marques (1967, p. 307) define documento como sendo a “[…] prova histórica real, visto que representa fatos e acontecimentos pretéritos em um objeto físico, servindo assim de instrumento de convicção.” Verifica-se que o autor estabelece em sua definição, uma necessidade de materialização dos fatos e acontecimentos passados, o que deixa transparecer que se o fato não estiver representado em determinado objeto físico, tal não seria capaz de ser utilizado para a convicção.


Entretanto, José Marques não aponta qual deveria ser o objeto físico para materializar os fatos. No mesmo sentido, Chiovenda define documento de forma tão abrangente como aquela definição dada pelo autor já citado, afirmando que documento é “[…] toda representação material destinada a reproduzir determinada manifestação do pensamento […].”(1965, p. 127) Mais uma vez, encontra-se como característica primeira à materialização da representação como condição do documento. Todavia, o autor também não especifica qual deveria ser o objeto físico no qual o fato deveria ser representado.


Por último é necessário transcrever a definição de documento dada por Santos, uma vez que o autor restringe a representação do fato ao determinar o objeto físico donde aquele deve ser materializado: “Documento, sabe-se, é declaração escrita e assinada de caráter informativo destinada a servir de prova das assertivas encontradas em seu conteúdo.” (1994, p. 3). Percebe-se que, de acordo com o entendimento do autor, o documento liga-se a idéia de papel escrito. De outro modo, não pairam dúvidas a respeito da materialização, logo para ser considerado documento, necessário se faz a representação do fato por meio de determinado objeto físico. Quanto ao objeto, que até então não era definido, segundo Santos este deveria ser o papel, pois onde mais se podem descrever fatos e assinar? A base é o papel.


Outros autores seguem o mesmo entendimento retro esposado, atrelando a idéia de documento ao papel escrito. Contudo, converter o documento a uma idéia tal simplista, reduzindo-o a uma folha de papel, é o mesmo que limitar a busca pela verdade. Portanto, não se devem deixar de lado as características enumeradas por Carraro, pois o autor aponta elementos indispensáveis à configuração do documento. Carraro (1941, p. 6-8) ensina que para a caracterização do documento, é mister a sua existência material corpórea, bem como tal representação deve ser permanente, ou seja, destinada a durar no tempo, não podendo se esvair no momento em que é oferecida. Contudo, a referida representação deve resultar do trabalho humano sobre uma coisa, o que significa que aquela não existirá em estado natural. Quanto ao conteúdo a ser registrado sobre uma coisa, este deverá ser relevante ao Direito.


É certo que o autor não dispõe de entendimento diverso dos demais quanto ao papel escrito, no entanto ao elaborar os elementos ora citados, Carraro clarifica o exame a respeito do termo documento, ao mesmo tempo em que demonstra tratar-se de algo mais complexo do que se apresenta. Pois, a utilização da idéia de que documento é papel escrito, conforme dito acima, restringiria por demais o documento, e teria pouca valia para o processo. Porém, não é possível afirmar que qualquer objeto físico seja considerado documento. Uma pedra não é documento, mesmo quando esta é utilizada para ferir alguém. Contudo, se for encontrado escritos em uma pedra, esta então será considerada como documento, porque os escritos nada mais são que a realização do trabalho humano sobre a pedra.


Portanto, qualquer definição a respeito do termo documento deve ser elaborada com base nos elementos lançados por Carraro, haja vista que compõem com bastante propriedade a conceituação do documento para a utilização deste no processo judicial, enobrecendo tal meio de prova.


3 O DOCUMENTO ELETRÔNICO


Realizada a análise de algumas definições a respeito do documento, verificou-se que alguns autores confundem a representação de um fato com o próprio suporte onde este fato deverá ser materializado, e consequentemente atribui ao papel escrito à condição de documento. Contudo, também foram apresentadas definições mais amplas sobre o termo documento, as quais se preocuparam em esclarecer que o documento é a representação do fato, indiferentemente da onde este esteja materializado.


Assim, para uma melhor compreensão do termo documento antes mesmo de adentrar ao tema documento eletrônico, faz-se necessário transcrever as espécies de documentos conforme distinção realizada por Amaral Santos:


“[…] os escritos são os em que os fatos são representados literalmente (escrita); gráficos, os em que são por outros meios gráficos, diversos da escrita (desenho, pintura, carta topografia); plásticos, os em que a coisa é representada por meios plásticos (modelos de gesso ou madeira, miniaturas); estampados são os documentos diretos (fotografias, fonografia, cinemagrafia).” (1994, p. 392).


Desse modo, unindo o entendimento de Carraro, acerca dos elementos do documento, às distinções dos documentos feitas por Amaral Santos, a idéia retrograda do papel escrito como única forma de documento fica no passado. O documento é mais do que papel escrito, é toda representação do fato não importando onde este tenha sido materializado, desde que a materialização tenha sido realizada pelo trabalho humano.


O fato é que a sociedade está em constante evolução, a tecnologia gerada resulta em mais tecnologia; a caneta e a antiga máquina de escrever, consideradas utensílios indispensáveis para externar determinado pensamento já não mais são usadas, ou pouco usadas, pois o computador faz tudo isso de forma fácil e cômoda. A correspondência utilizada para transmitir o pensamento escrito em folha de papel, agora é substituída pelo e-mail. Ou seja, se o papel está sendo substituído, como manter a idéia de documento ligada ao papel? Se assim fosse, logo esta modalidade de prova pouco seria utilizada, ou mesmo extinta. Porém, parte da doutrina já está convencida de que os avanços da tecnologia também devem ser recepcionados pelo ordenamento jurídico, e para tanto é imprescindível à mudança de alguns conceitos.


A busca pela pacificação do uso do documento eletrônico nos processos judiciais já começou e, conforme mencionado acima, alguns operadores do Direito já apresentam definições a respeito dessa espécie de documento, justificando a necessidade de renovar o conceito da citada modalidade, haja vista a introdução na sociedade de novas técnicas de registro de fatos e acontecimentos. Nesse sentido, é o entendimento de Marcacini:


“[…] a característica marcante do documento, é lícito dizer que, na medida em que a técnica evoluiu permitindo registro permanente dos fatos sem fixá-lo de modo inseparável em alguma coisa corpórea, tal registro também pode ser considerado documento. A tradicional definição de documento enquanto coisa é justificável pela impossibilidade, até então, de registrar fatos de outro modo, que não apegado de modo inseparável a algo tangível.


Assim, renovando o conceito de documento – e até retornando à origem do vocábulo – documento é o registro de um fato. Se a técnica atual, mediante o uso da criptografia assimétrica, permitir registro inalterável de um fato meio eletrônico, a isto também podemos chamar de documento.” (1999, p. 5).


Desse modo, devem ser retomadas aquelas definições amplas sobre o documento, onde o entendimento se resumia ao registro do fato. Ou seja, o documento eletrônico é o registro do fato, que diferentemente do documento tradicional, não está permanentemente ligado a um determinado objeto físico, uma vez que aquele se trata de uma seqüência de bits que, sendo traduzida por um programa de computador específico, representará um fato. (MARQUES, A., 2006, p. 126-127).


Faz-se oportuno trazer a colação o conceito de documento eletrônico dado por Ângela Bittencourt Brasil para reforçar o que já foi tratado a respeito da modalidade em exame. A autora define o documento eletrônico como sendo: “[…] a representação de um fato concretizado por meio de um computador e armazenado em programa específico capaz de traduzir uma seqüência da unidade internacional conhecida como bits.” (2000, p.93).


Desse modo, analisando todas as definições colecionadas no presente texto, é possível afirmar que, tanto o documento tradicional quanto o documento eletrônico não se restringem simplesmente em escritos gravados de forma permanente em determinado suporte material, mas também podem ser um desenho, uma fotografia digitalizada, sons, vídeos, enfim, tudo que puder representar um fato e que esteja armazenado em um arquivo digital. (MARCACINI, 1999, p. 5).


Assim, como o documento eletrônico é uma seqüência de bits que necessita de um determinado programa de computador para traduzi-lo, para então se conhecer o conteúdo do mesmo, diz-se que se trata de um documento indireto, exatamente porque sem o programa de computador não será possível decifrá-lo através da percepção comum a todos. Ou seja, para conhecer o conteúdo descrito em papel, basta que o indivíduo saiba ler. Já, para conhecer o conteúdo contido em um disquete, além da leitura o indivíduo necessitará de um computador, pois sem tal ferramenta, o disquete representa apenas um material de plástico.


Além dessa característica própria do documento eletrônico, de não se manter ligado de forma permanente a um suporte material, podendo ser gravado em qualquer suporte, haja vista a autonomia do mesmo, outras características também devem pertencer ao documento eletrônico para que assim seja denominado. São características do documento eletrônico, a possibilidade de registrar dados ou fatos; a identificação da autoria dos registros de forma inequívoca, a partir de sinais particulares; e, no caso de ocorrer qualquer adulteração do registro, deve existir a possibilidade de identifica-los, ao menos por intermédio de procedimentos técnicos. (SANTOLIN, 1995, p. 35-36).


Portanto, uma vez que é possível tomar conhecimento de determinados fatos, mesmo com a utilização de uma ferramenta específica como o computador ou um programa de computador, bem como identificar a autoria dos referidos fatos, de forma segura e garantida por técnicas que confirmem a originalidade destes, não há razão para não considerar dados, ou bits, como documento eletrônico somente em razão daqueles não estarem registrados de forma permanente em um suporte material. A verdade é que o reconhecimento dos bits como a representação de um fato, é apenas um conseqüência da evolução da sociedade. Não é mais possível ignorar os atos ilícitos comedidos na rede mundial (Internet), como se não houvesse formas de punir os responsáveis. Atualmente, através de perícias consegue-se apurar e identificar a autoria e materialidade dos delitos virtuais, assegurando a integridade dos dados – fatos.


4 A SEGURANÇA DO DOCUMENTO ELETRÔNICO


A principal questão envolvendo os documentos eletrônicos, nem tanto está relacionada a sua definição, mas sim a sua autenticidade e integridade. Ou seja, como garantir que determinado documento eletrônico não foi adulterado? E como é possível imputar a alguém a autoria de determinada conduta praticada no mundo virtual, como por exemplo, a compra de produtos na web? São questões que afligem a sociedade que, por não conhecer as respostas, ou por não confiar nas mesmas, reluta em aceitar o documento eletrônico como meio de prova num processo judicial.


Conforme visto acima, o documento eletrônico é uma realidade e deve ser utilizado na busca da verdade em processos judiciais, para tanto, o referido documento deve apresentar as características inerentes a quaisquer documentos, até mesmo aos documentos tradicionais, como autenticidade e integridade. E para garantir as referidas características, foram elaboradas técnicas através da criptografia que permitem averiguar a autenticidade e integralidade de um arquivo digital.


Arquivos digitais são programas de computadores que se utilizam de bits para o armazenamento de informações. Já o bit, trata-se de um dígito binário, considerado a menor unidade de informação usada na computação, que consiste em apenas dois valores, representados numericamente por 0 ou 1. Ou seja, de forma mais clara, Diniz explica que:


“[…]. Através da atribuição de uma correspondência entre as combinações de dígitos e os sinais – gráficos ou pictóricos – os computadores podem representar o conteúdo destes arquivos nos mais diversos modos, convertendo os dígitos em imagens, letras ou outros sinais, e apresentando o resultado desta conversão através de dispositivos de saída (output devices) como monitores ou impressoras.” (1999, p. 20).


Contudo, o conteúdo dos arquivos digitais pode ser modificado facilmente, bem como, da mesma forma, podem ser apagados. O que se quer demonstrar é a plasticidade do arquivo digital, o que resulta na fragilidade dos requisitos imprescindíveis aos documentos, como a autoria e a integridade. Para tanto, foi necessário criar sinais de identificação que garantissem as características básicas dos documentos aos documentos eletrônicos.


A criptografia é o método utilizado para conferir segurança aos documentos eletrônicos. Pode ser definida como uma técnica que transforma determinado texto legível em incompreensível para aqueles que não conhecem a referida técnica. Logo, uma vez aplicada a criptografia, ou seja, uma vez cifrado determinado texto, de modo a torná-lo incompreensível aos demais, é necessário que o receptor de tal texto conheça a técnica utilizada que o cifrou para ter acesso ao conteúdo do mesmo. Ou nas palavras de Diniz:


“Podemos aplicar o […] método em dado arquivo digital e, a partir de um critério de conversão que elegermos, criar um segundo arquivo, criptografado. O seu conteúdo representará um criptograma, assim, um texto redigido em linguagem cifrada.” (1999, p. 29).


Desse modo, é necessário conhecer o método que cifrou o texto para conhecê-lo, sem o qual é impossível. Assim, esse obstáculo oportunizado pela criptografia impede que as pessoas que não dispõem do método de cifragem tenham acesso ao conteúdo dos documentos, o que as impedem, também, de modificá-lo. Entretanto, se for utilizado apenas um conjunto de bits – denominado de chave – para cifrar e decifrar determinada mensagem, a facilidade em alterar o conteúdo do texto continua existindo, pois uma vez que a chave que encriptou a mensagem é a mesma para desencriptá-la, e esta é inserida no mesmo arquivo, qualquer pessoa que tiver acesso à mensagem, também terá acesso à chave e então poderá decifrá-la sem dificuldade alguma.


O método ora referida é chamado de chave simétrica, onde o autor elabora o arquivo ou texto e através de uma chave privada cifra o texto com a finalidade de codificá-lo. Ao enviar o arquivo ao seu destinatário, este receberá a mensagem codificada e a chave privada para decifrar a mensagem. Todavia, a chave utilizada para efetuar a decodificação da mensagem é a mesma que a cifrou, por isso denominada simétrica. No entanto, conforme já mencionado, uma vez que tal mensagem é interceptada por pessoa que não deveria tê-la acessado, fatalmente terá a sua disposição a chave, e assim poderá conhecer o conteúdo do texto, bem como poderá alterá-lo, pois para isso basta usar a chave privada que está inserida no arquivo.


Contudo, através da criptografia foi encontrada uma segunda alternativa para impedir a adulteração do conteúdo do arquivo, qual seja a divisão da chave em duas. Ou seja, cada chave realizará uma função diferente nos processos envolvendo a criptografia dos arquivos digitais, para tanto a referida técnica é denominada de chaves assimétricas. Embora diferentes, é importante ressaltar que as chaves se completam. (DINIZ, 1999, p. 30).


Para esclarecer o funcionamento das chaves assimétricas Antônio Marques (2006, p. 161) explica que as duas chaves diferentes são geradas através de um método matemático irreversível chamado de one-way functions (função unidirecional), sendo que uma das chaves, ou melhor, a chave privada ficará com o proprietário do sistema, a qual deve ser mantida em total sigilo, e a chave pública será enviada a todos aqueles com quem se pretenda manter a comunicação segura ou identificável.


Por intermédio dessa técnica é possível utilizar as chaves de modos diversos. No primeiro método a chave pública é utilizada para cifrar a mensagem, e embora o texto seja cifrado por uma chave pública, disponível a todos, estes não poderão alterar o conteúdo da mensagem sem a chave privada, pois somente através desta é possível decifrá-la. Logo, somente aquele que possui a chave privada correspondente poderá conhecer o conteúdo do texto. O primeiro sistema garante a integridade dos dados. Para melhor ilustrar: “A” gera as duas chaves, a chave pública é a de ciframento e a chave privada é a de deciframento. “A” então divulga a chave pública para todos, e mantém a chave privada em segredo. Quando “B” quer lhe enviar uma mensagem, cifra-a com a chave pública de “A”, após codificada, nenhum intruso, ou mesmo “B” poderá alterá-la. “A” que manteve a chave privada correspondente a utilizará para decifrar a mensagem.


No segundo método as chaves são utilizadas de forma inversa, ou seja, primeiro é utilizada a chave privada para cifrar a mensagem, a qual somente será decifrada com a utilização da chave pública correspondente, que todos conhecem, e dessa forma, resta garantida a autoria da mensagem. Trata-se do método denominado de assinatura digital, onde é assegurada a autoria do texto, bem como a integridade do conteúdo, porém não há confidencialidade na mensagem enviada. Conforme exemplo: “A” se utiliza da chave privada para fazer o ciframento da mensagem, e a envia para “B”, o qual necessita da chave de deciframento para conhecer o conteúdo da mensagem, no entanto tal chave é público, consequentemente todos podem utilizá-la para decifrar e ter acesso a mensagem. Porém, caso ocorra qualquer modificação no conteúdo do texto o sistema não reconhecerá como válida a assinatura de “A”.


Contudo, para utilizar a assinatura digital, não basta utilizar as chaves assimétricas, é necessário utilizar outro mecanismo considerado indispensável para o emprego da assinatura digital, qual seja, a função Hashing a qual:


“[…] funciona como uma impressão digital de uma mensagem gerando, a partir de uma entrada de tamanho variável, um valor fixo pequeno: o digest ou valor hash. […] Serve, portanto, para garantir a integridade do conteúdo da mensagem que representa. Assim, após o valor hash de uma mensagem ter sido calculado através do emprego de uma função hashing, qualquer modificação em seu conteúdo -mesmo em apenas um bit da mensagem – será detectada, pois um novo cálculo do valor hash sobre o conteúdo modificado resultará em um valor hash bastante distinto.” (MAIA; PAGLIUSI, 2006, p. 15).


Ainda, para garantir também a confidencialidade, é possível utilizar juntamente com a função Hashing os dois métodos. Assim, “A” cifra a mensagem utilizando a sua chave privado, após realiza a cifragem novamente, junto com a sua assinatura, utilizando a chave pública do destinatário, no caso “B”. Ao receber a mensagem, “B” deverá decifrar a mensagem usando a sua chave privada, e em seguida decifrar mais uma vez a mensagem, agora, utilizando da chave pública de “A”.


5 A EFICÁCIA PROBANTE DO DOCUMENTO ELETRÔNICO


Se antes havia dúvidas a respeito da eficácia probante do documento eletrônico, agora não há mais dúvida alguma, e tal afirmação é possível em razão das técnicas criadas que atribuíram aos arquivos digitais os mesmo requisitos que dão eficácia aos documentos tradicionais, como a autenticidade e a integridade.


Antônio Marques (2006, p. 133) explica de forma muito clara a respeito da autenticidade afirmando que esta implica na autoria identificável, de outra forma é correto dizer que uma vez assegurada a autenticidade, é possível identificar com certeza a autoria da manifestação de vontade representada pelo documento eletrônico. Ainda, segue o autor esclarecendo que da mesma forma que se reconhece a autenticidade de um documento tradicional pela assinatura, atualmente é fato atribuir a autoria de determinado documento eletrônico em virtude da assinatura digital.


Pois, conforme verificado no item anterior, a assinatura digital também é um sinal identificável, sendo ele único e exclusivo de determinada pessoa, logo uma vez que certo documento eletrônico receba a assinatura digital, com facilidade poderá se conhecer o autor daquele.


Quanto a integridade do documento eletrônico, a utilização das chaves assimétricas garante que o conteúdo não será alterado, porém, mesmo que ocorra a adulteração do conteúdo do documento eletrônico, existem técnicas que auxiliam no sentido de demonstrar se houve alteração no documento; a própria assinatura digital indicará caso o documento tenha sido corrompido.


Oportuno lembrar que, da mesma forma que serão necessárias outras artes para verificar a autenticidade e a integridade dos documentos tradicionais, como exame grafotécnico ou grafologia, também serão necessários o uso de outras técnicas para assegurar os referidos requisitos, e nem por isso o documento eletrônico deve ser marginalizado pelo sistema processual brasileiro.


6 A VERDADE


Outra discussão que deve ser enfrentada é a respeito da busca pela verdade, a final o objetivo do processo é alcançar a verdade. Porém, deve ser feito o seguinte questionamento: Existem mais de uma espécie de verdade? E se existir, qual das espécies deve ser perseguida?


Acerca da primeira indagação, faz-se oportuno mencionar que a idéia da existência de duas espécies de verdade ainda resiste de forma fragilizada. São poucos os autores que insistem em afirmar a existência da verdade formal e da verdade real. Tais autores, ao diferenciarem as espécies de verdade, esclarecem que a verdade formal é aquela que:


“[…] resulta do processo, embora possa não encontrar exata correspondência com os fatos, como aconteceram historicamente (ex. art. 319, do CPC) e a verdade material aquela a que chega o julgador, reveladora dos fatos tal como ocorreram historicamente e não como querem as partes que apareçam realizados.” (ALVIM, 1998, p. 246).


A distinção entre a verdade formal e a verdade real ocorre, ou ocorria, em razão da limitação das provas no sistema processual brasileiro. Pois como é sabido, uma das características do sistema processual brasileiro é o excessivo respeito à liberdade e a privacidade, o que resulta na obstaculização da apuração da verdade. Ou seja, uma vez limitado os meios de provas em razão da excessiva proteção ao princípio da dignidade da pessoa humana, o juiz terá que realizar o livre convencimento apenas com o que está formalizado no processo. Desse modo, a verdade buscada estará balizada às limitações do processo. Outra característica do sistema processual brasileiro é a preferência pelas provas escritas (documental e pericial), fator que também impede que a verdade seja alcançada. A idéia de que toda a vida do indivíduo está registrada no papel deve ser superada.


Para tanto, é valido mencionar o entendimento de Greco a respeito da busca pela verdade. De acordo com o autor “seria necessário examinar a conveniência de eliminar do sistema probatório todas as restrições à apuração da verdade, sejam as que priorizam determinadas provas em detrimento de outras, sejam as impostas pela marcha do processo […].” (2004, p. 78).


Contudo, essa idéia de verdade formal e verdade real vêm sendo suprimidas pelos operadores do Direito, haja vista a fragilidade do conceito de verdade formal. Afirmar a existência de uma verdade que não seja aquela que corresponda aos fatos, mas sim um simulacro de verdade, é o mesmo que admitir que o processo não cumpre com os objetivos que se propõe. “[…]. A idéia de verdade formal é, portanto, absolutamente inconsistente e, por esta mesma razão, foi (e tende a ser cada vez mais), paulatinamente, perdendo seu prestígio no seio do processo civil. […].” (MARINONI; ARENHART, 2000, p. 37).


Portanto, a resposta do primeiro questionamento deve ser “não”, haja vista que a verdade é única. Silva clarifica a resposta ora citada afirmando que “[…], não há meia verdade ou verdade aparente, só pode existir uma verdade e esta deve ser perseguida pelo juiz, pois só assim poderá se aproximar de um ideal de justiça por todos perseguido.” (2002, p. 18).


Assim, diante da não concordância da existência de duas verdades para o mesmo fato, a segunda questão resta prejudicada, ou melhor, deve-se perseguir a verdade, que é uma só, no sentido de cumprir com o objetivo do processo, e consequentemente realizar a efetividade do mesmo.


7 O DOCUMENTO ELETRÔNICO E A VERDADE


As decisões judiciais são proferidas conforme o livre convencimento motivado do Juiz, sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com o referido sistema, o juiz tem ainda poderes para se utilizar da inspeção judicial, ou da vistoria, tudo isso para apurar a verdade, e assim formar o livre convencimento com o fim de fundamentar sua decisão.


Porém, mesmo com o aumento dos poderes investigativos do juiz, este ainda permanece adstrito ao processo, pois as provas necessárias para fundamentar o seu juízo ou não foram produzidas pelas partes porque estas não são obrigadas a lançar provas em seu prejuízo, ou porque as provas que são necessárias para alcançar a verdade são devem ser produzidas em virtude de determinadas restrições como, respeito a dignidade da pessoa humana e direitos da personalidade.


Ovídio A. Baptista Silva esclarece que a supressão de certas provas num processo faz com que a lide não se apresente com as dimensões que poderia ter, o que fatalmente fará com que o “[…] julgador não disponha de todos os elementos, de fato ou de direito, para formar o convencimento com a plenitude que seria desejável, caso as partes pudessem utilizar, na sustentação de suas alegações, todos os fatos e todas as alegações possíveis de direito, […].” (2005, p. 2005).


Se da mesma forma que acontece no sistema common law, onde as partes ficam encarregadas de buscar todas as provas necessárias para o julgador formar o convencimento, também pudesse ser aplicado no sistema brasileiro, certamente a verdade seria alcança de forma plena, na mais estreita relação com os fatos.


Contudo, em virtude do sistema processual brasileiro respeitar de forma excessiva os direitos da personalidade e o princípio da dignidade da pessoa humana, o meio de prova documento eletrônico, mesmo demonstrado a sua segurança (autenticidade e integralidade) sofre discriminação por parte dos operadores do Direito que alegam que o referido afronta os princípios ora mencionados.


A verdade é que, realmente, em alguns casos, para se produzir o documento eletrônico como prova, será necessária à autorização do juiz para ferir o direito da intimidade e demais direitos da personalidade, sem o que não seria possível apurar a verdade, e consequentemente mais uma vez não haveria a efetividade da justiça.


8 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Todos os dias são realizados na internet fatos com conteúdos jurídicos, os quais podem ser demonstrados através da produção de documento eletrônico. Porém, nenhuma valia terá o documento eletrônico se não for confiado a este o valor de prova, da mesma forma que os documentos tradicionais são considerados.


Se os fatos ocorrem no mundo virtual, somente os documentos eletrônicos poderão representá-los formalmente. No entanto, não é porque trata-se de documentos eletrônicos, que estes não terão as mesmas características que os documentos tradicionais, pelo contrário, os documentos eletrônicos compartilham dos mesmos elementos pertencentes aos documentos tradicionais, quais sejam, a integralidade e a autenticidade, e tais características são possíveis nos documentos eletrônicos em razão das técnicas de criptografia (chaves assimétricas) e a assinatura digital, que permitem a individuação do documento, bem como a garantia da autoria e do não adulteração do mesmo. Ou seja, a eficácia probante do documento eletrônico é patente uma vez que há técnicas que permitem a segurança jurídica do referido meio de prova.


Contudo, mesmo demonstrada a eficácia probante do documento eletrônico, este continua tendo dificuldades de ser recepcionado pelo sistema processual brasileiro, uma vez que a produção do documento eletrônico exige uma amenização quanto ao respeito da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade. Pois, para que determinado meio de prova possa ser aproveitado no processo, é imprescindível que os referidos valores sejam colocados de lado, para a concretização de um bem maior, qual seja, a justiça.


A finalidade do processo precisa ser cumprida, e para isso o juiz necessita ter a mão todas as provas que representam os fatos, com o escopo de buscar a verdade. A limitação do documento eletrônico como meio de prova pelas razões já citadas, impedem que a verdade seja alcançada.


 


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Informações Sobre o Autor

Giorge André Lando

Professor Universitário Mestre em Direito Especialista em Direito Civil e Processual Civil


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