A dialética “direito natural-positivismo jurídico” e sua superação. A “positividade” do direito natural

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Resumo: Na história e na evolução da humanidade, o Direito Natural e o Direito Positivo geralmente foram antagonizados e imaginados como espécies de direito distintas e, às vezes, até mesmo incompatíveis. Enquanto, apesar das divergências teóricas, o Direito Natural representaria um direito não-escrito oriundo dos deuses, da razão humana ou de sua própria natureza, tendo aplicabilidade geral, o Direito Positivo representaria uma espécie de direito “artificial”, criado pela sociedade e personificado, de regra, na norma, com aplicação restrita. Apesar do histórico antagonismo vivenciado pelas referidas espécies de direito, é inegável que se estipulou, através dos tempos, uma importante dialética entre eles, bem como uma relação razoável que resultou na positivação gradativa dos direitos naturais. A superação da dialética “Direito Natural – Positivismo Jurídico” envolve questões cruciais, entre as quais constam a “Naturalidade do Direito Positivo” e a “Positividade do Direito Natural”, como propõe o ilustre jurista argentino Eduardo Luis Tinant. Este trabalho buscará desenvolver esses aspectos.


Palavras-Chaves: Direito Natural, Direito positivo, dialética, superação, “Positividade do Direito Natural”.   


Resumen: En la Historia y evolución de la humanidad, el derecho natural y derecho positivo en general, se enemistó y concebido como especies distintas de derecho y, a veces, incluso, incompatibles. Si bien, a pesar de las divergencias en la teoría, el derecho natural son un derecho no escrito, vienen de los dioses, de la razón humana o de su propia naturaleza, y tengan aplicabilidad general, el derecho positivo representan una especie de derecho “artificialmente” creado por la sociedad y visto, de la regla, en la norma, con una aplicación limitada. A pesar del antagonismo histórico experimentado por las especies de derecho, es innegable que se estipuló, a través del tiempo, una importante dialéctica entre ellos y una relación razonable que resultó en la positivación gradual de los derechos naturales. La superación de la dialéctica “Derecho Natural – El positivismo jurídico” implica cuestiones cruciales, entre las que incluyó el “Naturalidad del Derecho Positivo” y “La Positividad del Derecho Natural”, según lo propuesto por el distinguido jurista argentino Luis Eduardo Tinant. Este estudio desarrollará estes aspectos.


Palabras-clave: Derecho Natural, Derecho Positivo, Superación, Dialéctica, “Positividad del Derecho Natural.”


Sumário: Resumo; 1. Introdução; 2. Aspectos Relevantes do Direito Natural; 3. Aspectos Relevantes do Direito Positivo; 4. A Dialética entre o Direito Natural e o Direito Positivo e a sua Superação. Houve e Há uma tendência de Positivação do Direito Natural?; 5. A “Positividade do Direito Natural” e a “Naturalidade de Direito positivo”. 6. Conclusão. 7. Referências Bibliográficas.


1.Introdução


A discussão sobre a essência e o significado de Direito Positivo e de Direito Natural remonta à antiguidade, avançando os séculos, até a contemporaneidade. Da mesma forma, dá-se a discussão sobre o suposto e pulsante antagonismo entre as referidas espécies de Direito.


A dialética “Direito Natural – positivismo jurídico” envolve importantes considerações que extrapolam, vão além, de uma mera ideia de incompatibilidade entre os ditos direitos. Passam, necessariamente, pela consideração de suas dimensões ou características mais básicas: o conteúdo valorativo, do Direito Natural, e a forma, do Direito Positivo. Consideração que será efetuada, paulatinamente, nos capítulos seguintes.


Além desse aspecto, este trabalho, certamente, propõe-se a discutir a histórica dialética existente entre os Direitos Natural e Positivo, evidenciando a compatibilidade existente entre eles, não só pelas já referidas características básicas, mas, também, panoramicamente, por produtos normativos da evolução humana, a exemplo das Declarações de Direitos Humanos e das Constituições Nacionais.


Reconhecer e demonstrar a superação dessa dialética é outro dos objetivos deste artigo. Para isso, entretanto, tratar-se-á da “Positividade do Direito Natural” e, necessariamente, da “Naturalidade do Direito Positivo”, na ótica do ilustre jurista argentino Eduardo Luis Tinant.


2. Aspectos Relevantes do Direito Natural


Antes de quaisquer outros pontos, faz-se importante traçar, em breves linhas, alguns aspectos relevantes da corrente jusnaturalista, sem os quais tornar-se-ia impossível desenvolver esse tema.


Primeiramente, deve-se evidenciar a pertinente colocação de VICTOR CATHREIN (1958, p. 196/204), haja vista vislumbrar o Derecho Natural em duas óticas ou dimensões distintas: a objetiva e a subjetiva. Nesse sentido, afirma o referido autor:


“Llamamos Derecho en sentido objetivo a las normas obligatorias que establecen en una comunidad pública como reglas de conducta. Derecho natural en sentido objetivo no puede, por consiguiente, significar sino una suma de semejantes normas obligatorias, que por la naturaleza misma y no en virtud de una declaración positiva, ya sea de parte de Dios o de los hombres, valen para toda la Humanidad.


Entiéndese por Derecho natural en sentido subjetivo la totalidad de las facultades jurídicas que a uno pertenecen inmediatamente por razón del Derecho natural objetivo y de relaciones dadas por la Naturaleza misma; por ejemplo, el derecho del hombre a su vida, a su inviolabilidad, libertad, adquisición de propriedad, etcétera.”


É possível, portanto, ter-se em mente, que os Direitos Naturais podem manifestar-se de formas diferenciadas (subjetiva ou objetiva), fato que revela, de certo, a complexidade comum à temática.


Por outro lado, faz-se importante salientar que esta complexidade é, igualmente, advinda da própria evolução histórica dos Direitos Naturais, de maneira que foram eles compreendidos, estudados e considerados distintamente, a depender do momento histórico vivenciado, bem como a depender da ótica da pessoa/estudioso ou do grupo de pessoas/estudiosos que o avaliava.


Na Grécia Antiga, por exemplo, os Direitos Naturais eram encarados, pelos filósofos, como um direito acima do direito artificialmente criado pelos homens; essencialmente inerente à natureza humana, como reflexo de um fundo de humanidade, comum a todos os seres.


Assim, defende João Baptista Herkenhoff (p. 39, 2006), que, ainda, completa:


A esse direito, invariável, constante e aplicável a todos os povos, Aristóteles chamou de justo por natureza, em oposição ao justo legal, criado pelos homens.


O filósofo grego Sócrates adotou uma concepção teológica do direito natural. Distinguiu as leis escritas, ou direito humano, das leis não-escritas ou imutáveis, estabelecidas pela divindade.


Platão afirmou que a lei natural não era só um antecedente apriorístico da lei positiva. Era também um critério ideal para corrigir suas falhas e insuficiências.


Outra grande contribuição do pensamento grego para a reflexão em torno do direito natural adveio dos sofistas. Estabeleceram a oposição entre o “direito natural” e a “lei positiva”.  


Diante das colocações do autor, percebe-se nitidamente que os gregos efetivaram diversas considerações a respeito dos Direitos Naturais, que, ainda hoje, elevam a discussão sobre a dialética entre o Direito Natural e o Positivo. Essa dialética, dessa forma, possui, inquestionavelmente, raízes fincadas na sociedade antiga da Grécia.


É inquestionável, também, a influência dos Romanos em relação aos Direitos Naturais, sendo, por eles, acrescentado um novo ingrediente: a codificação das normas, a sua compilação, em especial pela atuação de Justiniano.


É certo que a complexificação e rápida evolução da sociedade romana refletiram-se no Direito que elaboravam. Em decorrência disso, o Direito passou a ser classificado, organizando-se em grupos, em uma perspectiva tricotômica: Direito Civil (jus civile), privativo dos cidadãos romanos; Direito das Gentes (jus gentium), aplicável aos estrangeiros; e o Direito Natural (jus naturale), que cuidava das manifestações gerais e fundamentais da vida gregária, abrangendo homens e animais.


Segundo Herkenhoff (2006, p. 41):


O Direito Natural, na sua mais antiga formulação romana, era assim um direito da natureza animada em geral.


Na divisão tripartida do direito romano, o ramo que vem a assumir a condição de Direito Natural especificamente humano é o jus gentium. (…)


A concepção romana de “Direito Natural” alcança a sua maturação sob a influência da filosofia grega, especialmente dos estóicos.


A ética do estoicismo ensinava que o homem devia viver na conformidade de sua natureza racional, manifestação da lei universal. A submissão à lei eterna do mundo, segundo os princípios da reta razão, era norma fundamental da filosofia estóica.


Com base nesses princípios, o “direito natural” assume, em Roma, a dignidade de um direito superior racional, próprio do homem.


Além das manifestações claras do Direito Natural na Grécia Antiga e em Roma, é importante ressaltar que várias foram as formas de compreensão de seu significado na história, de maneira que diversas teorias acadêmicas explicativas surgiram, cada uma delas colaborando para a compreensão do tema e, ao mesmo tempo, para reforçar o antagonismo entre o Direito Natural e o Direito Positivo.


São algumas dessas teorias: a) a Teoria Jusnaturalista do Teologismo ou Jusnaturalismo Escolástico (de Santo Tomás de Aquino e Suarez – para a qual os princípios integrantes do Direito Natural decorrem da inteligência e vontade de Deus); b) a Teoria Jusnaturalista do Racionalismo (Thomas Hobbes, Rousseau e Spinoza – para a qual os fundamentos do Direito Natural decorrem da razão humana e não da natureza das coisas ou de Deus); e, c) a Teoria do Direito Natural de Conteúdo Variável (de Rudolf Stammler – para a qual o Direito Natural deve ser considerado eterno e imutável na ideia, porém variável no conteúdo).


Todas essas teorias, entre outras existentes, compõem o chamado jusnaturalismo, que nada mais é do que a corrente de pensamento que reúne todas as teorias surgidas através do tempo, defensoras, nas mais diversas óticas, do Direito Natural.


3. Aspectos Relevantes do Direito Positivo


Conforme já demonstrado no tópico anterior, diversas foram as visões desenvolvidas no decorrer da história que enfatizaram ou, ao menos, buscaram enfatizar a distinção entre o Direito Natural e o Positivo.


Diante disso, não seria estranho concluir que a compreensão da noção de Direito Positivo, deve-se, de certa forma, à negação do Direito Natural.


Além desse fator, é inegável ter que admitir que a consolidação do Direito Positivo, além de suas influências históricas, em especial de Roma – grande incentivadora do processo de codificação e, portanto, de positivação do Direito –, foi alimentado, em boa parte, pela busca voraz do seu reconhecimento científico.


É sabido que a instituição “Ciência” criou as suas principais bases e extraiu os seus principais fundamentos das observações compreensíveis, palpáveis, calculáveis, objetivas e solucionáveis do mundo concreto. Este empirismo viabilizou, de maneira intensa, uma relevante compreensão do mundo material, de seus fenômenos, de suas características e suas alterações. Foi dessa realidade, que a “Ciência”, em si, em seus primórdios, estabeleceu-se e desenvolveu-se, em especial, nos campos da física, química e matemática, entre outros.


Essa realidade científica, futuramente denominada de “Ciências Clássicas”, com forte influência de Newton e Descartes, foi durante muito tempo – e ainda é para muitos – compreendida como modelo único e inescapável de “Ciência”.


Nessa conjectura mecanicista e cartesiana de Ciência, onde a clareza, a objetividade, a precisão, a razão, a universalidade das leis eram características primordiais, o Direito era considerado incabível, por apresentar qualidades supostamente incompatíveis com essa dimensão científica.


Um dos pensadores, que se opunham severamente ao reconhecimento do Direito como Ciência, é Kirchmann, que entendia que por ter o Direito como objeto o contingente (o incerto), também seria contingente.


Destaca Herkenhoff (2006, p. 60), a respeito do pensamento de Kirchmann:


A instabilidade do Direito (três palavras retificadoras do legislador tornam inútil toda uma biblioteca jurídica) representava, para Kirchmann, a mais flagrante impossibilidade de sua aceitação como Ciência.


Fenômeno histórico, mutável, o Direito não admite generalização. E a formulação de generalizações é imprescindível ao processo científico.


 Kirchman observou, também, que o jurista sempre se mostra incapaz de aprender a realidade jurídica: quando se habilitava para conceituá-la, essa realidade já estava desfigurada pelas transformações históricas. Em outras palavras, via Kirchmann o Direito como incapaz de acompanhar o progresso e apontava um atraso considerável do saber jurídico, em comparação ao desenvolvimento das demais ciências.”  


Assim como Kirchmann, diversos outros pensadores se opunham à cientificidade do Direito, a exemplo de Félix Dahn, André Wilhelm Lundstedt, Theodor Jaehner, Paul Koschacker e Pedro Lessa.


Na busca, contudo, pela condição de cientificidade do Dirieto, visou-se torná-lo gradativamente racionalizado, sitematizado, objetivado e compreensível. E essa busca, de certa maneira, entre outros aspectos, infiltrou-se e associou-se ao positivismo jurídico que ganhava força.


Essa visão e iniciativa, por exemplo, refletiu-se nos trabalhos do austríaco Hans Kelsen, como comenta Eduardo Bittar e Guilherme Almeida (2010, p. 389-390):


Hans Kelsen, como pensador do Direito (…) qualifica-se dentro do diversificado movimento a que se costuma chamar de positivismo jurídico. (…)


Reflexo do positivismo científico do século XIX, o positivismo jurídico, como movimento de pensamento antagônico a qualquer teoria naturalista, metafísica, sociológica, histórica, antropológica, adentrou de tal forma nos meandros jurídicos, que suas concepções se tornaram estudo indispensável e obrigatório para a melhor compreensão lógico-sistemática do Direito. Sua contribuição é notória no sentido de que fornece uma dimensão integrada e científica do Direito, porém, a metodologia do positivismo jurídico identifica, que o que não pode ser provado racionalmente não pode ser conhecido, ao estilo da exatidão matemática da influência juvenil Kelseniana; sem dúvida nenhuma, retira os fundamentos e as finalidades, contentando-se com o que ictu oculi satisfaz às exigências da observação e da experimentação, daí restringir-se ao posto (positum – jus positivum).”


Para manifestar o seu pensamento, Hans kelsen elaborou a chamada “Teoria Pura do Direito” que se propôs a analisar a estrutura de seu objeto (a norma), excluindo de sua intimidade, para tanto, aspectos considerados distintos da norma em si, como o universo da justiça, moral, ética, antropologia, sociologia, origens históricas, ordens sociais determinadas, entre outras.


Diferentemente de Hans Kelsen, o astuto jurista argentino Carlos Cóssio, igualmente positivista, na sua obra “La Teoria Egológica del Derecho”, analisa o Direito, destinando-o como objeto científico a conduta humana intersubjetiva, mas preservando para ele a importância cientifica da norma, todavia, não como objeto, mas como método de seu conhecimento.


Na citada obra, Carlos Cóssio (1963, p. 19) afirma:


Pero la única plena necesidad que hay para que el Derecho esté en la conducta, es que él mismo sea esa conducta. La necesidad de que hablamos es, pues, la necesidad ontológica. (…)


En la medida en que con el Derecho tenemos una experiencia de realidades y en que estarealidad es, sin un tercer término, o bien la mecánica de la Naturaleza o bien la libre del hombre, ya se jutifica, con necesidad lógica, decir que el Derecho está en la conducta en cuanto que no se lo encontrare en la Naturaleza.”


Complementarmente, cabe enfatizar que a visão científica do Direito, adotada pelos positivistas, teve como idealizador o matemático e filósofo francês Auguste Comte que, em seus estudos, desenvolveu uma teoria peculiar, na qual delimitava de maneira bastante fechada o universo do positivo. Segundo Edgar Bodenheimer (1942, p. 303), em sua obra “Teoria del Derecho”:


“El MATEMÁTICO y filósofo francés Auguste Comte, al que se puede considerar como fundador del positivismo moderno, distinguia tres grandes etapas o “estados” en la evolución de la humanidad. Hay un primer estado teológico, en cual todos los fenómenos son explicados por referencia a causa sobrenaturales y a la internención de seres divinos. El segundo es el estado metafísico, en cual el pensamiento recurre a princípios e ideas que son concebidos como existentes más allá de la superfície de las cosas y como constitutivos de las fuerzas reales que actúan en la evolución de la humanidad. El tercero y último es el positivo, que rechaza todas las construcciones hipotéticas en filosofia, historia y ciencia y se limita a la observación empírica y la conexión de los hechos, siguiendo los métodos utilizados en las ciencias naturales.”


Nota-se, desse modo, que Comte faz uma leitura autêntica daquilo que vem a ser considerado “positivo”, de maneira que se escusaria ele, em sua visão, de alcançar campos filosóficos e históricos, entre outros, limitando-se, única e exclusivamente, à observação empírica e ligação com os fatos, desde que em harmonia com métodos utilizados pelas Ciências Naturais, as já referidas Ciências Clássicas.


Nesse contexto, expressa-se Mônica Beatriz Bornia (2004, p.51):


El positivismo como tendencia surge como expresé anteriormente, en el siglo XIX, producto de las conquistas que habrían logrado de las Ciencias experimentales, se generalizó el concepto de que el tipo ideal de conocimiento era el que ellas producían. Hubo una equiparación de todo método científico al método naturalista, la Filosofía era sospechada, al alejar sus estudios de lo considerado científico. El positivismo jurídico postula la aceptación dogmática de la fuerza obligatoria del derecho positivo, el conocimiento científico, entonces se desarrolla a partir de ciertas exigencias para aceptar la verdad de una proposición, las cuales varían según progresan las ciencias.


La Ciencia Jurídica tienen por objeto el conocimiento del conjunto de normas que constituyen el derecho puesto y creado por el hombre o sea el vigente o positivo. El jurista para su estudio ha de usar y desarrollar un sistema de conceptos y una ordenación sistemática de los datos que encuentre en la ley. El análisis debe ser del derecho tal y como es y deben abstenerse de valoraciones éticas. A esta actitud es a la que se reconoce como positivista.”  


 Por tudo já evidenciado, ficam demonstradas as influências científicas clássicas e cartesianas incidentes na corrente do positivismo jurídico. Essas influências, de certa maneira, importaram ao estudo jurídico das normas uma visão reducionista e compartimentada, ensejadora de um processo de “purificação” do Direito, de forma a libertá-lo de todo e qualquer conteúdo e valor que não fosse eminentemente normativo ou a ele vinculado. Essa forma de pensar, notadamente, intensificou ainda mais a exclusão de valores sociais, morais, religiosos, de justiça, entre outros, da compreensão do Direito, e, por conseguinte, acentuou, para boa parte dos estudiosos, a distância entre o Direito Natural e o Direito Positivo. Felizmente, contudo, não foi cessada a dialética entre essas duas espécies de direito, como será demonstrado a seguir.


4. A Dialética entre o Direito Natural e o Direito Positivo e a sua Superação. Houve e Há uma tendência de Positivação do Direito Natural?


Diante de tudo já referido, é possível delinearmos uma realidade na qual a corrente jusnaturalista e a corrente positivista essencialmente apresentam naturezas distintas.


Na corrente jusnaturalista, o Direito Natural revela-se como um direito universal, sem fronteiras, destinado a todo e qualquer ser humano, independentemente de regulamentação estatal, de sua codificação e de sua formalização, sendo oriundo da própria condição humana, de sua razão ou da inteligência divina.


Por outro lado, na corrente positivista, o Direito Positivo dar-se-ia como um direito concreto, formalizado e palpável, criado e personalizado pela conduta humana, através da estrutura estatal e em sintonia com o ordenamento jurídico, como forma de torná-lo legítimo, seguro, eficiente e um instrumento de exercício da imperatividade do Estado, que agiria em prol de seu cumprimento para a estabilização e segurança social, aplicando, se necessário, sanções.  


O Direito Natural, portanto, retiraria a sua legitimidade de si mesmo, de sua própria essência e condição, o que dispensaria a sua formalização pelas estruturas e poderes de cada Estado Nacional e a sua consequente positivação.


O Direito Positivo, por sua vez, extrairia a sua legitimidade a partir de seu reconhecimento estatal e de sua sintonia com o ordenamento jurídico, devendo ser criado e aprovado dentro das formalidades requeridas para o seu surgimento em cada país – respeitando o quorum de sua aprovação, a autoria dos verdadeiros legitimados para a sua confecção, o trâmite adequado no Legislativo, a sua sintonia com a redação constitucional, a sanção pelo líder do Executivo, entre outros aspectos.


O certo é que, desde a antiguidade, devido às diferenças das fundamentações dos teóricos jusnaturalistas e positivistas, vem se estabelecendo uma interessante dialética entre as duas correntes jurídicas.


Em primeiro lugar, a oposição existente entre o Direito Natural e o Direito Positivo remontaria a um antagonismo entre o divino e o profano, entre Deus ou Deuses e os homens. Essa realidade daria uma maior legitimidade de conteúdo ao Direito Natural do que ao Direito Positivo, haja vista aquele ser essencialmente mais nobre, por abarcar princípios e valores “divinos”, oriundos de uma época anterior ao próprio direito positivado. Essa condição, por exemplo, ficou evidenciada na literatura histórica grega, em especial na obra “Antígona”, de Sófocles, como diria Herkenhoff (2006, p. 40) ao afirmar:


Numa grande obra da literatura grega aparece, dramaticamente, o choque entre a lei positiva e o Direito Natural. É na Antígona, de Sófocles. O tirano Creonte havia determinado que Polinice, morto em combate, não fosse sepultado. Antígona, irmã de Polinice, rebelou-se contra o decreto do déspota, dizendo-lhe:


‘Eu não creio que os teus editos valham mais do que as leis não-escritas e imutáveis dos deuses, que não são de hoje e nem de ontem e ninguém sabe quando nasceram’”.


Em um segundo lugar, o antagonismo entre as referidas espécies de Direitos, dar-se-ia em relação à forma de expressão de cada uma delas. Enquanto o Direito Natural seria um direito não-escrito, o Direito Positivo seria um direito escrito. Aliás, essa ideia fica bem exposta no trecho acima citado.


Contudo, certamente, o antagonismo histórico existente entre o Direito Positivo e o Direito Natural não se resume aos mencionados aspectos. Entretanto, é possível dizer que as diferenças que lhes assistem não são, de fato, provocadoras de incompatibilidade insuperável entre eles.


Na verdade, se se observar bem, é possível se constatar que enquanto o Direito Natural melhor se caracteriza pela sua essência, pelo seu conteúdo, o Direito Positivo, por sua vez, melhor se caracterizaria pela sua forma. Isto porque o que faz o Direito Natural de fato Natural é a substancialidade dos direitos que o compõem (pelos seus valores, pelos seus significados e pela sua ampla aplicação a todos os seres humanos, a exemplo do direito à vida e o direito à liberdade), enquanto que o que faz o Direito Positivo de fato Positivo é a sua forma, as formalidades de sua criação e a sua condição de positivado (a exemplo das Constituições Nacionais e dos Códigos e Leis).


Respaldado nesse entendimento, não seria absurdo afirmar a possibilidade clara de compatibilização entre o Direito Natural e o Direito Positivo; afinal, os fatores caracterizadores de cada um deles são distintos, respectivamente, conteúdo e forma.


O que haveria, portanto, de ilógico em uma fusão, ainda que limitada, entre o conteúdo vigoroso do Direito Natural e a forma necessária do Direito Positivo?


É certo que às complexidades humanas e sociais contemporâneas não bastaria o Direito Natural por si só, independente da nobreza de seus valores, dos direitos que tutela e de sua aplicabilidade geral. O seu cunho abstrato seria, de certo, uma limitação constante para a sua aplicação. Da mesma forma, a sua natureza intangível e não-escrita representaria, de logo, um importante empecilho para a atuação Estatal em favor de sua materialização, dificultando o exercício de sua imperatividade e da aplicação de sanções jurídicas aos seus descumpridores.


Por via inversa, não bastaria, igualmente, o Direito Positivo por si só às complexidades humanas e sociais do presente. O seu cunho meramente formal o torna vulnerável às investidas ideológicas daqueles que estão à frente dos Poderes de cada Estado Nacional, que poderiam positivar regras e valores abomináveis e incompatíveis com o exigido espírito de humanidade, formalizando-os dentro da técnica exigível e da mera legalidade, com o fim de atender a objetivos e interesses obscuros, potencialmente contrários ao bem-comum e à dignidade da pessoa humana.


De qualquer sorte, são inquestionáveis os perigos de se adotar um modelo jurídico tão-somente positivista, no qual valores humanos, éticos e morais não seriam basilares ao ordenamento jurídico do país.


O exemplo histórico mais visível seria justamente a realidade vivenciada pela sociedade alemã nos anos anteriores e naqueles correntes à 2ª Guerra Mundial. O Estado Alemão, nesse tempo, radicalizando o pensamento positivista e moldando-o aos interesses dos Nazistas, em especial de Adolf Hitler, apropriou-se do Direito Alemão Positivado, para normatizar as mais diversas atrocidades, os mais variados abusos e desumanidades.


Diante da lógica (ultra)positivista nazista, por mais absurdas que pudessem parecer, as ações do Estado Alemão, naquele tempo, eram elas, por eles, consideradas legítimas; afinal, encontravam respaldo nas leis vigentes, que teriam sido aprovadas dentro da formalidade exigida, levando em consideração quorum, competência e procedimentos necessários.


 Nunca é demais lembrar que, em vários outros momentos da história, o Direito Positivo foi utilizado para legitimar Governos Autoritários e Estados de Exceção. As diversas Ditaduras, por décadas, vivenciadas pelas nações latino-americanas, durante o Século XX, em especial pelas sul-americanas, como aquelas existentes no Brasil, Argentina e Chile, por exemplo, também se apropriaram das diretrizes exclusivas do positivismo jurídico, para se legitimarem e, ao mesmo tempo, legitimarem as suas ações, ainda que injustas, nocivas, imorais e desumanas.


Desse modo, é coerente dizer que as diretrizes teóricas do positivismo jurídico não seriam suficientes para a adequada legitimação do Direito Positivo e, muito menos, para a garantia do bem-estar social das nações e de toda a humanidade.


Essa realidade, de fato, fez com que ressurgisse, com força e vitalidade, após a 2ª Guerra Mundial, a necessidade de se ligar as normas positivadas com princípios outros e bens de natureza imaterial que, certamente, estariam vinculados a valores morais exigíveis e, de certa forma, aos Direitos Naturais. Assim sendo, questionou-se vigorosamente a legitimação do Direito Positivo apenas por critérios formais.


Ficou evidente, sem embargo, que o Direito Positivo, por si só, mostrou-se insuficiente, da mesma forma que o Direito Natural.


Levando em consideração, contudo, que, por tudo já afirmado, o Direito Natural e o Direito Positivo não seriam, por completo, incompatíveis, seria, desta feita, inevitável a associação gradativa de valores positivistas com os jusnaturalistas, visando claramente a alcançar uma verdadeira legitimação das normas positivadas, diante de valores como a moral, a ética, a justiça, a humanidade, a fraternidade e a igualdade. Uma associação ideal entre a forma positivada e o conteúdo ou essência jusnaturalista.


É certo que parte da doutrina entende que, após a sua consequente positivação, o Direito Natural deixaria simplesmente de ser Natural, para ser, a partir de então, claramente Direito Positivo. Esse pensamento pode até resguardar certa lógica, todavia, não se pode negar que o espírito incomparável dessa nova norma positivada é e sempre será Direito Natural.


Por outro lado, alguns estudiosos defendem a idéia de que a persistência na defesa do Direito Natural é nociva, extraindo de uma análise histórica a certeza de que pode ele ser manipulado e servir como instrumento de manipulação ideológica e econômica do homem.


Esse, por exemplo, é o posicionamento de C. H. Porto Carreiro ao afirmar:


“Hoje o Direito Natural morreu e sua ressurreição só interessa àqueles que, opondo-se à lição da História, pretendem manter o homem submetido ao poder de grupos e classes que o exploram ideológica e economicamente” (CARREIRO apud HERKENHOFF, 1976).


Ainda assim, há quem conceba, de pronto, o refortalecimento contemporâneo do Direito Natural em contraste com o Positivo. É o caso de A. Machado Paupério, ao afirmar:


“Depois de longo tempo de império de sociologismo positivista, volta o direito natural, de novo, a polarizar as inteligências e as Universidades, num movimento de autêntica floração renascentista” (PAUPÉRIO apud HERKENHOFF, 1981).   


Os posicionamentos dos dois autores supracitados evidenciam uma tendência comum entre os juristas de polarização entre as duas espécies de Direito (o Direito Positivo e o Natural), mas que, por tudo já exposto, não inibe a possibilidade de diálogo entre elas.


Aliás, a existência de um acirrado antagonismo histórico e, ainda, de certa forma, atual entre o Direito Positivo e o Direito Natural, viabilizou um verdadeiro processo dialético entre os defensores de ambas as correntes e, através desse processo, viabilizou-se a discussão sobre os pontos positivos e negativos e, por reflexo, sobre as incompatibilidades ou compatibilidades entre elas.


Certamente, essa dialética viabilizou, gradativamente na história humana, a positivação de diversos dos direitos naturais, a exemplo da vida e da liberdade, internacionalmente e nas mais diversas nações.


A criação de Declarações de Direitos Humanos, por exemplo, não seriam nitidamente uma tentativa de se positivar, resguardadas as devidas proporções, direitos naturais? Da mesma forma, essa mesma tendência não seria observada na iniciativa de constitucionalização de diversos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, nos mais diversos Estados Nacionais, e, inclusive, em alguns casos, como o brasileiro e o argentino, do reconhecimento e destinação de peso constitucional a tratados internacionais de direitos humanos, quando signatários e após devido trâmite nas Casas do Legislativo?


Além disso, por consequência da constitucionalização de diversos direitos naturais, em cada país, em especial naqueles de maior influência jurídica romana, diversas outras leis acabaram internalizando, por intermédio de um processo de positivação, valores e princípios jusnaturalistas, como reconhecimento claro de suas importâncias e da necessidade inconteste de normatizá-los, com o objetivo de viabilizar uma maior eficiência estatal nas suas proteções e aplicações.


Essa realidade demonstra a integração entre características de “conteúdo” jusnaturalistas e características positivistas de “forma”, visando à materialização de um sistema aprimorado de tutela dos direitos e à incorporação de uma participação ativa estatal, que utiliza de sua imperatividade para tanto, e, por conseguinte, o alcance de um aperfeiçoamento humano e social das realidades nacionais.


Salienta-se, outrossim, que dentro da própria perspectiva de positivação geral dos direitos naturais existe a atuação de um movimento acadêmico pós-positivista, que, de certa maneira, acaba flexibilizando a ideia de extinção do Direito Natural, depois de sua positivação.


Segundo essa corrente, mesmo dentro do sistema jurídico positivo, a norma em si perde importância ante a existência de valores e princípios basilares a todo ordenamento jurídico. Desta feita, não poderia uma norma jurídica contrariar, por exemplo, princípios jurídicos constitucionais, sob pena de contrariar a todo ordenamento.


Acrescenta-se que muitos desses princípios são nitidamente e essencialmente Direito Natural, como no caso dos princípios à vida, à liberdade e à dignidade da pessoa humana. Se as normas internas positivadas de um país devem estar em sintonia com os princípios basilares de todo ordenamento, acabam, cristalinamente, tendo que obedecer, de regra, o espírito principiológico e jusnaturalista inserido no próprio Direito Positivo de determinada nação, como ocorre no Brasil.


Nesse caso, os princípios seria investidos de verdadeira positividade, como fica evidenciado no trabalho de Leonardo Zehuri Tovar (2005, p.1):


A queda do Positivismo coincide com uma época em que o homem passou a se preocupar mais com os direitos sociais, atribuindo uma dimensão superior à necessidade de se solucionar conflitos independentemente das leis, viu-se que não é sempre que a lei é legítima, ou seja, que a norma corresponde à vontade social. A estimação exasperada à lei fria, conseqüentemente, passou a granjear justas críticas, encontrando no Brasil defensores da irrestrita relação entre diferentes elementos: o fato social, o valor, e, é óbvio, a norma jurídica (Miguel Reale e outros).


No remanescente do mundo, outros pensadores, como Ronald Dworkin e F. Muller, passaram a sustentar, apesar de algumas adjacências, as mesmas idéias-base. Era o início do pós-positivismo jurídico. A nova fase passou a atribuir maior importância não somente às leis, mas aos princípios do direito. E os princípios, analisados como espécies de normas, tinham, ao contrário das regras, ou leis, um campo maior de abrangência, pois se tratavam de preceitos que deveriam intervir nas demais normas, inferiores, para obter delas o real sentido e alcance. Tudo se ressalte, para garantir os direitos sociais do homem.


No pós-positivismo, os princípios jurídicos deixam de possuir apenas a função integratória do direito, conquistando o status de normas jurídicas vinculantes.”


Esse posicionamento ainda é reforçado pelo jurista Ricardo Maurício Freire Soares (20??, p.06):


Decerto, o reexame do modelo positivista tem ocupado cada vez mais espaço nas formulações da ciência do direito. A constatação de que o direito não se resume a um sistema fechado de regras legais abriu margem para que fossem oferecidos novos tratamentos cognitivos ao fenômeno jurídico. Buscou-se, então, conceber-se a ordem jurídica como um sistema plural, dinâmico e aberto aos fatos e valores sociais. Deste modo, foi se erguendo um novo paradigma jurídico, denominado por muitos autores como “pós-positivismo”.


Podem ser elencados, no campo teórico pós-positivista, dois pilares básicos: a proposta de uma nova grade de compreensão das relações entre direito, moral e política; e o desenvolvimento de uma crítica contundente à concepção formalista do positivismo jurídico. Em relação a este segundo aspecto, interessa frisar a emergência de um modelo de compreensão principiológica do direito, que confere aos princípios jurídicos uma condição central na estruturação do raciocínio do jurista, com reflexos diretos na interpretação e aplicação da ordem jurídica.”


Nesse sentido, fica patente que a dialética histórica entre Direito Positivo e Direito Natural e entre os seus defensores, não se deu decisivamente no sentido de inviabilizar, ainda que relativamente, a integração entre as duas espécies de direito. Contrariamente, houve uma superação desse processo dialético, resultante na absorção dos valores e princípios jusnaturalistas pelos mais diversos tratados internacionais e ordenamentos jurídicos – o que pode ser chamado de fenômeno de positivação dos direitos naturais -, que se intensificou, em especial após o fim da 2ª. Guerra Mundial. Essa internalização do Direito Natural pelo Direito Positivo, alimentada, inclusive, por uma nova tendência pós-positivista, acabou por valorizar os princípios ante as normas jurídicas e, com eles, valores jusnaturalistas relevantes, como a vida e a liberdade – o que deixa clara a ideia de que há vida jusnaturalista, mesmo após a sua inconteste positivação.  


5. A “Naturalidade do Direito Positivo” e a “Positividade do Direito Natural”


Não obstante as significativas diferenças entre o Direito Natural e o Direito Positivo e a coexistência das mais diversas correntes defensoras de ambas as espécies de direitos, faz-se relevante evidenciar uma reflexão a respeito da “naturalidade do Direito Positivo” e, por via reflexa, da “positividade do Direito Natural”.


Tal reflexão vê-se, de maneira peculiar, tecida pelo ilustre jurista argentino Eduardo Luís Tinant, em artigo intitulado “La Positividad del Derecho Natural”.


Nesse trabalho, o referido autor, chama a atenção, em outras palavras, para o fato de que, durante toda a sua história, o homem sempre ter se utilizado do contexto normativo para regular os seus atos, ações e vida. Seguindo esse raciocínio, Tinant salienta a existência de uma magnitude jurídica no homem, de maneira que alcançaria ele a sua essencialidade e existencialidade no Direito Positivo. A esta realidade chama de “Naturalidade do Direito Positivo”, que vem evidenciar certa condição ou predisposição natural do homem a buscar no Direito Positivo sua própria condição essencial e existencial.  


A respeito do assunto, escreve Tinant (1984, p.03):


“Es dable advertir cómo El hombre, a través de toda su historia, ha encauzado su múltiple quehacer según um plexo normativo jurídico: ya para crearlo, aplicarlo, o siplesmente aceptarlo; ya para modificarlo, transgredilo, o rechazarlo, generando otro. El derecho positivo es, sin duda, proprio de la esencia humana en su manifestación social. Y así como Del Vechio ha sabido apreciar la naturaleza humana como fundamento del derecho, cabe señalar a la inversa magnitud jurídica en el hombre, alcazando tal esencialidad su existencialidad en el derecho positivo. Bien podemos llamar a esto la “naturalidad del derecho positivo”.”


Em via inversa, o citado jurista reconhece como face outra da mesma moeda uma segunda tendência do homem de naturalmente buscar plasmar uma ordem concebida como justa ou, ainda, converter em justa uma ordem considerada injusta. Essa tendência histórica e natural do homem levaria, nas palavras do autor, a uma busca incessante pela superação e reformulação das mais diversas modalidades de ordenamento jurídico, o que chamaria de “Positividade do Direito Natural”.


Diz o autor, nesse contexto:


“Empero, como si fuese la otra cara de la misma moneda, también a lo largo de su historia el hombre ha intentado plasmar un orden estimado como justo, o transformar en justo un orden considerado injusto, llevándole esa búsqueda incesante a la superación y reformulación de la más diversas modalidades de ordenamiento juridico  desde las comunidades primitivas hasta las de nuestro tiempo. Esta perenne aspiración – empleando el término en el más puro sentido bergsoniano – conlleva la “positividad del derecho natural”, es decir, el permanente trasvasiamento de principios e preceptos jusnaturalistas al contexto del derecho positivo” (TINANT, 1984, p.03).


Nesses termos, o ser humano não pode se libertar dessa busca natural pela sintonização do Direito Positivo com um padrão aceitável de justiça, vez que esse intento é uma condição de sua própria essência, enquanto ente social.


Diante disso, ao se deparar com um ordenamento jurídico injusto, o ser humano, inegavelmente, com o tempo, tenderia a estabelecer uma batalha interior e exterior pela sua compatibilização com padrões de justiça, isto é, com relevantes fundamentos do Direito Natural. Isto se daria pela importação de princípios e preceitos jusnaturalistas ao Direito Positivo, assegurando, nas palavras do jurista, a chamada “Positividade do Direito Natural”.


Esse processo de interiorização de valores e fundamentos jusnaturalistas pelo Direito Positivo, já anteriormente tratado, deu-se em diversos momentos da história da humanidade, o que vem a reforçar o entendimento de Tinant.


A criação de Declarações de Direitos Humanos, a assinatura de tratados, acordos e convenções de Direitos Humanos nos mais diversos espaços do globo e a constitucionalização de boa parte deles, em várias realidades nacionais, são exemplos claros da tratada “Positividade do Direito Natural”, o que a torna incontestável nas realidades humana e jurídica contemporâneas.


De certa forma, o Direito Natural, por si só, a menos que pudesse se considerar a sociedade humana perfeita, pura e cumpridora eterna do que é justo e correto, é incapaz de se (auto)materializar e de se tornar efetivo. Em reconhecimento a isso, carece ele, para a sua melhor proteção e cumprimento, de uma associação com a forma positivada, sem, entretanto, renunciar ao seu espírito.


Assim sendo, a ideia de “Positividade do Direito Natural” serve como utilidade de duas funções: a) a de legitimação do Direito positivo, ao compatibilizá-lo aos preceitos e princípios jusnaturalistas; e b) a instrumentalização e a ampliação da proteção do Direito Natural, ao revesti-lo da forma positivada.


Certamente, isolado da forma positiva, o Direito Natural é mais vulnerável, sendo, igualmente, mais difícil a sua efetivação. Isto porque aquele que o descumpre fica a mercê de mera sanção moral, inviabilizando a sua tutela pelo Estado, através da utilização de sua imperatividade e da aplicação de uma sanção definitivamente jurídica.


Por outro lado, ao se incorporar no Direito Positivo, o Direito Natural passa oxigenar todo o ordenamento jurídico, não só pela sua condição de norma, mas, principalmente, pela sua condição de valor e princípio.


Como já trabalhado em capítulo anterior, urge em tendência pós-positivista a elevação do valor dos princípios a um patamar superior ao da própria norma, principalmente quando tem ele sedimento constitucional. Em decorrência disso, assumindo uma postura principiológica o Direito Natural irradia, de forma relevante, a sua luz e vitalidade a todo ordenamento jurídico, potencializando a legitimação do direito positivado, bem como garantindo a sua maior proteção e efetividade, por intermédio, inclusive, da atuação do Estado.  


Faz-se, em caráter complementar, relevante frisar, o posicionamento do ilustre jurista argentino Eduardo Luis Tinant (1984, p.04), em mesmo artigo:


La sanción jurídica – y no solo moral – salva así la inconexidad inicial entre la norma jusnaturalista y la positivista, asegurando la vigencia de tan fundamentales principios en la materia de los derechos humanos. Aquellas pautas vitales –originariamente jusnaturales – se duplican, conformando asimismo una de las franjas más importantes del derecho positivo.


El ideal de justicia que encarna el derecho natural, dirigido en la materia de los derechos humanos a la preservación de las libertades y los derechos individuales, obtiene así satisfacción merced a la posibilidad jurídica de coación cuando arbitrariamente se los restringe. Entonces –parafraseando a Welzel – el derecho alcanza su cenit: es la vez poder protector y valor obligante del ser humano.”


Destarte, fica patente a “Positividade do Direito Natural”, de maneira que fica reafirmada a inexistência de incompatibilidade visceral entre o Direito Positivo (principalmente caracterizado pela sua forma) e o Direito Natural (relevantemente caracterizado pelo seu conteúdo e valor).


Cabe, contudo, tão-somente, afirmar que a positivação do Direito Natural, ao contrário do que alguns juristas possam entender, não pode indicar, de fato, o seu desaparecimento ou, ainda, a sua substituição completa pelo Direito Positivo, que, a partir de então, tornar-se-ia o único existente.


Defende-se esse posicionamento com base na compreensão do fator valorativo de cada uma das espécies de direito referidas – na qual o fator caracterizador do Direito Natural e Positivo seriam, respectivamente, o conteúdo e a forma – e, também, com base na certeza de que a fonte incessante do Direito Natural apenas imprime os seus valores no Direito Positivo, não sendo passível, portanto, de manipulação ou distorção por parte da ação estatal ou de quem quer que seja no ordenamento jurídico.


Assim, se a Constituição de determinado país, no presente, abarca diversos direitos e princípios jusnaturalistas, ainda que, por um golpe militar futuro, venha a ser a dita Carta Magna alterada com a subtração das normas de Direito Natural e, por decisão governamental, de impedimento de utilização de seus valores; ainda assim continuarão esses direitos e princípios jusnaturalistas a existir.  Isso porque a norma, nesse caso, representada pela Constituição do país, não é a fonte do Direito natural, mas, simplesmente, na sua dimensão conteudística, o seu receptáculo. O fechamento do ordenamento jurídico do dito país fictício na escuridão de um recinto, não inibirá, certamente, que os raios de luz e a luminosidade jusnaturalistas continuem a ser, permanentemente, radiada de sua fonte solar originária.


6. Conclusão


Diante do todo já exposto, cabe, pertinentemente, sintetizar o seguinte:


– A compreensão do significado de Direito Natural remonta à antiguidade, alcançando o presente, apresentando-se ele diferentemente a depender do tempo e do espaço em que for analisado;


– São diversas as teorias explicativas do Direito Natural, com os mais notáveis defensores – a exemplo de Santo Tomás de Aquino (Jusnaturalismo Escolástico), Tomas Hobbes (Jusnaturalismo Racionalista) e Rudolf Stammler (Teoria do Direito Natural de Conteúdo Variável) –, sendo o conjunto delas formador da chamada corrente jusnaturalista, que, de regra, entende ser o direito natural fruto da inteligência de Deus, da razão ou da própria natureza humana;


– Igualmente ao Direito Natural, a compreensão do significado do Direito Positivo é diferenciada a depender do tempo e do espaço em que for estudado, sendo diversas as variações de seu entendimento, a exemplo dos notáveis posicionamentos de Hans Kelsen (defensor da “norma” como objeto de estudo do direito) e de Carlos Cóssio (que defende a “conduta humana intersubjetiva” como objeto de estudo do direito e a norma como seu método ou sua metodologia);


– As distinções históricas entre o Direito Natural e o Direito Positivo e as discordâncias de seus defensores estabeleceram um patamar de antagonismo entre essas espécies de Direito;


– Tornou-se, de certo, inevitável o estabelecimento, através dos tempos, de um relevante processo dialético “Direito Natural – positivismo Jurídico”;


– Não haveria, pois, de se afirmar serem incompatíveis o Direito Natural e o Direito Positivo, até mesmo porque os fatores caracterizadores dos mesmos seriam distintos: o “conteúdo” (valor), para o primeiro, e a “forma”, para o segundo;


– A vulnerabilidade histórica do Direito Natural, haja vista a sua condição abstrata, viabilizaria aos transgressores, apenas, uma mera sanção moral, dificultando, em geral, a sua aplicabilidade, bem como a sua tutela por parte do Estado;


– Ao Direito Positivo, por outro lado, pelas negativas experiências do passado – a exemplo dos abusos do Estado Nazista e, igualmente, dos Estados de Exceção instalados por regimes ditatoriais–, não bastaria somente, para a sua legitimação, o atendimento de condições ou requisitos meramente formais e legais;


– Essa realidade fortaleceu a necessidade de integração entre o Direito Natural e o Direito Positivo, de forma a viabilizar, a ambos, mútua compensação pelas suas ditas insuficiências isoladas, possibilitando a gradativa positivação do Direito Natural, o que, por reflexo, forneceu ao “corpo” do Direito Positivo o benefício de uma alma legitimadora jusnaturalista;


– A dialética “Direito Natural – positivismo jurídico” viu-se, assim, paulatinamente superada ante a incontornável e gradativa positivação do Direito Natural, que se deu, por exemplo, em Declarações de Direitos Humanos, tratados, acordos e convenções internacionais para este mesmo fim e, também, nas Constituições Nacionais, ao internalizarem direitos e garantias fundamentais da pessoa humana;


 – Na visão do ilustre jurista argentino Eduardo Luis Tinant, se, por um lado, o ser humano teria uma magnitude jurídica que o levaria a encontrar a sua essencialidade e existencialidade no Direito Positivo (“Naturalidade do Direito Positivo”), por outro o ser humano abrigaria uma importante condição de visar plasmar uma ordem com a justiça e de buscar converter uma ordem injusta em justa (“Positividade do Direito Natural”);


– Enfim, esse processo de busca humana pela compatibilização da ordem com a justiça, poderia se consolidar, justamente, através da internalização de valores e diretrizes jusnaturalistas no ordenamento jurídico (direito positivado), possibilitando a ele uma legitimação espiritualmente superior àquela meramente formal ou legal. Da mesma forma, permitiria, segundo a corrente pós-positivista, que o Direito Natural positivado pudesse oxigenar a todo o ordenamento, com a sua atuação na qualidade de princípio, que se sobreporia, de certo, ao próprio conteúdo normativo vigente;


– Contesta-se, por fim, que a positivação do Direito Natural possa eliminar, definitivamente, o vínculo do conteúdo positivado com o seu universo jusnaturalista originário, em sua conversão definitiva em Direito positivo. Isto porque a “forma” positiva não eliminaria a qualidade do valor da diretriz jusnaturalista positivada, que é e sempre será Direito Natural, ainda que, no futuro, sejam elas eliminadas do ordenamento jurídico que as positivou.


 


Referências bibliográficas

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SOARES, Ricardo Maurício Freire. Reflexões sobre o Positivismo Jurídico. Salvador: Faculdade Baiana de Direito, 20??. Disponível em: <http://www.faculdadebaianadedireito.com.br/…/reflexoes_sobre_o_pos_positivismo.doc>. Acesso em: 22 maio 2010.

TINANT, Eduardo Luis. La Positividad del Derecho Natural. In Boletin de la Asociación Argentina de Filosofia del Derecho. 1984, p. 3-4.

TOVAR, Leonardo Zehuri. O papel dos princípios no ordenamento jurídico. In Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>. Acesso em: 22 maio 2010.

VILLAGRA, Angel Esteban. Elementos para una Introducción al Derecho. Cordoba: Advocatus, 2002.


Informações Sobre o Autor

Fernando de Azevedo Alves Brito

Advogado. Escritor. Professor Substituto da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e Professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidad Nacional de La Plata. Mestrando em Ciências Ambientais pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Membro da APRODAB.


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