A possibilidade de contratação de advogado no exterior para defesa de cidadão brasileiro

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Resumo: O presente trabalho visa fazer uma analise sobre a possibilidade de contratação de advogado no exterior por parte da União, visando garantir o acesso à justiça ao cidadão brasileiro fora do território nacional. Não há unanimidade da doutrina quanto ao tema, de modo que analisaremos as correntes doutrinárias existentes à luz do nosso ordenamento jurídico.


Sumário: Introdução. 1. O acesso à justiça – a 1ª onda renovatória. 1.1. Judicare. 1.2. Pro bono. 1.3. Staff model. 1.4. O modelo adotado pelo Brasil. 2. Os direitos fundamentais da crfb88 aplicados no exterior. 2.1. O caput do artigo 5º e sua aplicação aos estrangeiros. 2.2. O caput do artigo 5º e sua aplicação aos nacionais. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO


São dois os argumentos da corrente contrária à contratação de advogado no exterior por parte da União. O primeiro deles é de que o modelo de assistência jurídica adotado pela República Federativa do Brasil é o Staff Model (mais na frente explicaremos os principais modelos), de modo que a defesa de pessoa no exterior deve ser realizada por um Membro da Defensoria Pública da União custeado pela mesma e recebendo, inclusive, diárias internacionais.


O outro argumento é o da impossibilidade da Defensoria Pública da União atuar no feito, de modo que caberia ao governo estrangeiro prestar a assistência jurídica devida e não ao Governo Brasileiro, uma vez que os direitos fundamentais brasileiros se aplicam aos brasileiros residentes no Brasil e não aos brasileiros residentes no exterior.


Conforme demonstraremos no de correr do presente estudo, os entendimentos mencionados não estão em consonância com o nosso ordenamento jurídico.


1. O ACESSO À JUSTIÇA – A 1ª ONDA RENOVATÓRIA


Ao estudar a problemática do acesso à justiça, Cappelletti e Bryant trouxeram 3(três) ondas renovatórias: a assistência judiciária, a instrumentalidade do controle difuso e o novo enfoque ao acesso à justiça. (CAPPELLETTI E GARTH, 2002, p.31).


A onda mais importante para o presente artigo é a 1ª, existindo 3(três) grandes modelos de assistência judiciária. (ALVES, 2008, p.1).


Vamos estudar rapidamente cada um deles. Antes, contudo, frisamos que preferimos usar o termo assistência jurídica ao invés do termo assistência judiciária, uma vez ser aquele mais amplo, haja vista abranger o acesso à justiça por outras vias que não apenas por intermédio do Poder Judiciário. (MOREIRA, 1991, p.130).


1.1. JUDICARE


No modelo Judicare o Estado não tem um quadro próprio de profissionais do Direito para atenderem os mais necessitados, porém paga aos Advogados escolhidos para os mesmos defenderem os interesses dos menos abastados e, em seguida, serem remunerados pelos cofres públicos.


O modelo em questão é repleto de falhas. Uma delas é justamente o fato dos advogados particulares não trabalharem com exclusividade e não terem estabilidade, de modo que, como regra, só se inscrevem para exercer a referida atividade aqueles que estão em inicio de carreira, ou não obtiveram sucesso na advocacia militante ou, ainda, não conseguiram aprovação em concurso público. Por isso, não foi o modelo adotado pelo Brasil.


1.2. PRO BONO


O modelo Caritativo ou Pro Brono, ao que parece, ainda menos eficaz do que o Judicare quando escolhido pelo Estado como regra para a assistência jurídica do país, uma vez que se trata de advogados particulares não remunerados pelo pelos cofres públicos e que realizam a defesa dos hipossuficientes apenas por caridade.


Frise-se que não temos qualquer crítica aos advogados que fazem a opção de assistirem algumas pessoas de forma gratuita, consideramos até mesmo louvável referida atitude. Porém, o Estado não pode contar com essa caridade, deixando de cumprir a sua obrigação constitucional de prestar assistência jurídica integral aos desprovidos de recursos e aos demais necessitados  (SILVA, 2007, p15).


É fato que dificilmente algum advogado dará às causas caritativas a mesma importância dispensada aos casos de onde tira o seu sustento e o de sua família.


Dessa feita, o poder público deve, as suas custas, garantir o efetivo acesso à justiça. Assim, o modelo em questão também não foi o adotado pelo Brasil.


1.3. STAFF MODEL


 O último grande modelo de assistência jurídica é o Staff Model, que consiste na contratação de causídicos para, recebendo remuneração dos cofres públicos, defenderem, de forma exclusiva, os interesses das pessoas necessitadas.


Esse parece ser o melhor modelo por uma série de razões, quais sejam: os profissionais, como regra, são altamente qualificados, tendo em vista que foram contratados após aprovação em rigoroso concurso público de provas e títulos; os profissionais trabalham com exclusividade, de modo que acabam oferecendo uma dedicação maior às causas, sem que exista a possibilidade de conflitos de interesses; além disso, os profissionais acabam agindo com mais frequência de forma pró-ativa, uma vez que o chamado “defensor dativo”, quando assiste um necessitado, só recebe pelas causas em que atua, ou seja: só há remuneração por ato judicial praticado, de modo a garantir apenas o acesso justiça por intermédio Judiciário, diferentemente do que acontece do modelo Staff Model.


1.4. O MODELO ADOTADO PELO BRASIL


O artigo 5º da Constituição da República de 1988 afirma o seguinte: LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;


Sendo assim, o acesso à justiça está previsto no nosso ordenamento jurídico como um Direito Fundamental.


Como um das garantias desse direito, o próprio artigo 5º em outro inciso afirma : LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;


Assim, o direito fundamental ao acesso à justiça deverá estar garantido também aos que não tiverem condições de contratar um advogado.


Desse modo, só falta mencionar o modelo adotado pelo Brasil para garantir a assistência jurídica e que foi justamente o Staff Model , por meio da Defensoria Pública, conforme podemos verificar analisando o artigo 134 da nossa Constituição, in verbis:


Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.)


§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (Renumerado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)


§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º”. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)


Desse modo, a corrente contrária a contratação de advogado no exterior acerta ao afirmar que o modelo adotado pelo Brasil é o Staff Model, de modo que os desprovidos de recursos devem ser defendidos por meio da Defensoria Pública.


Acontece que, quando diante de um processo de um brasileiro que corre no exterior, devemos analisar as regras processuais previstas no referido país.


Desta feita, trazemos como exemplo o Código de Processo Civil Alemão, uma vez que o mesmo proíbe que um advogado não alemão ou não membro da União Europeia atue em processo oriundo na Justiça Alemã.


Sendo assim, a corrente contrária à contratação de advogado no exterior não analisou o fato de que os Defensores Públicos Federais do Brasil não têm capacidade postulatória para aturarem perante qualquer corte germânica. Desse modo, não há como o acesso à justiça ser garantido no exterior senão por intermédio da contratação de um advogado que preenche os requisitos do Código de Processo Penal Alemão.


É uma verdade que a nossa Constituição trouxe como uma garantia ao acesso à justiça a instituição Defensoria Pública. De fato, quando possível, deve a assistência jurídica aos mais necessitados ser realizada por intermédio do Órgão Defensorial.


Entretanto, nas circunstâncias onde os Defensores Públicos não podem atuar, como no caso em questão, o acesso à justiça deve ser assegurado por outros meios.


Talvez o malfadado princípio da reserva possível ou outros motivos excepcionais poderiam justificar a não contratação de advogado estrangeiro para defender os nossos nacionais no exterior, porém nunca a exclusividade da Defensoria Pública para prestar assistência jurídica.


Entendemos, por motivos que fogem o objetivo do presente estudo, ser a Defensoria Pública detentora do monopólio da prestação estatal da assistência jurídica gratuita no Brasil e aos Brasileiros. Porém, isso só acontece nos casos onde o Defensor Público tem capacidade postulatória e onde existe a possibilidade da atuação defensorial brasileira, o que não é o caso da já mencionada Corte Alemã.


Até mesmo dentro do Brasil, onde a capacidade postulatória do Defensor Público é plena, visualizamos a possibilidade da contratação de advogados não defensores em situações excepcionais, como, por exemplo, em cidades onde ainda não há Defensoria Pública efetivamente instalada. (ALVES, 2004, p.46).


É evidente que a situação acima mencionada evidencia uma omissão inconstitucional flagrante e que deve ser combatida por intermédio da ação abstrata adequada. Porém, o acesso à justiça deve ser garantido na falha, na ausência, ou na impossibilidade, como é o caso do nosso estudo, da sua efetivação por intermédio da Defensoria Pública.


A Defensoria Pública é a principal garantia de acesso à justiça aos mais necessitados, não podendo servir, entretanto, como obstáculo para garantir a contratação de um advogado estrangeiro quando isso for necessário para garantir o direito de um nacional brasileiro no exterior.


2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRFB88 APLICADOS NO EXTERIOR


O segundo argumento contrário à contratação de advogado no exterior é a não aplicação dos Direitos Fundamentais da Carta de 1988 fora do território nacional.


Para analisar a referida situação, iremos fazer um estudo, em duas partes, do caput do artigo 5º da nossa atual Constituição.


2.1 O CAPUT DO ARTIGO 5º E SUA APLICAÇÃO AOS ESTRANGEIROS


Afirma o caput do artigo 5º da Constituição:


“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (G.N.)


Conforme percebemos, o dispositivo constitucional supramencionado só se refere aos estrangeiros residentes, parecendo querer deixar de fora os estrangeiros que aqui não residem, o que, em tese, excluíra os turistas e os que estão aqui apenas de passagem.


Acontece que a interpretação sugerida leva ao absurdo, uma vez que gera o entendimento, por exemplo, da não aplicação do direito à vida aos turistas.


Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal – STF interpretou de forma extensiva o dispositivo constitucional em questão e considerou a sua aplicação a todo e qualquer estrangeiro, desde que o mesmo esteja dentro do território nacional (HC 97147/MT, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 4.8.2009. (HC-97147).


2.2 O CAPUT DO ARTIGO 5º E SUA APLICAÇÃO AOS NACIONAIS


Quanto aos nacionais, diferentemente do que aconteceu quanto aos estrangeiros, não houve qualquer restrição do caput do artigo 5º da nossa Carta Magna atual.


Sendo assim, tendo em vista o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, estes devem ser aplicados a todo e qualquer nacional, independentemente de ser estrangeiro ou não.


Assim, se entendemos que os direitos fundamentais brasileiros se aplicam aos nacionais não residentes, verbis gratia, devemos entender a aplicação dos mesmos fora do nosso território nacional.


Entender de outra forma seria negar o acesso aos direitos fundamentais aos brasileiros que estão no exterior, seria como considerar os mesmos não brasileiros, com a mesma importância dos estrangeiros não residentes e com menos importância que os estrangeiros residentes.  O referido entendimento não pode prevalecer.


O argumento de que caberia ao Governo Estrangeiro, e não ao Governo Brasileiro, a prestação da referida assistência jurídica também é falacioso.


Ora, a depender da legislação alienígena, pode até existir a responsabilidade do país estrangeiros em prestar a referida assistência. Conforme já mencionado, no Brasil o estrangeiro residente, e até mesmo os não residentes, segundo próprio o STF, têm os seus direitos fundamentais assegurados.


Acontece que uma eventual responsabilidade solidária de outro Estado não exclui a responsabilidade do Brasil em aplicar o seu Texto Constitucional fora do seu território para garantir o acesso à justiça aos seus nacionais.


CONCLUSÃO


No decorrer do presente trabalho, fizemos uma análise da possibilidade da União ser obrigada a contratar um advogado estrangeiro para o mesmo defender um cidadão brasileiro em um processo no exterior.


Mostramos que no caso da Alemanha apenas um advogado germânico ou um membro da União Europeia pode atuar em um processo no referido país.


No entanto, existem argumentos contrários a essa possibilidade afirmando caber apenas a Defensoria Pública o patrocínio jurídico dos necessitados brasileiros, bem como afirmando não existir uma aplicação dos direitos fundamentais brasileiros fora do território nacional, o que geraria uma obrigação apenas do governo estrangeiro em prestar a referida assistência jurídica.


O primeiro argumento não persiste por um simples motivo: ausência de capacidade postulatória dos Defensores Públicos Brasileiros perante a corte alemã.


Demonstramos, também, a incorreção do entendimento do segundo argumento. Uma vez que não há qualquer restrição em relação aos brasileiros quanto à aplicação dos direitos fundamentais previstos no Texto Constitucional de 88.


O Direito ao acesso à justiça é um Direito Humano positivado no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 como um Direito Fundamental. Sendo assim, o Brasil deve garantir, preferencialmente por meio da Defensoria Pública, a assistência jurídica aos necessitados.


Quando da impossibilidade de atuação do Órgão Defensorial, cabe ao Governo Brasileiro, por meio da adoção excepcional de outro modelo de assistência jurídica, como o judicare (contratação de um advogado a ser remunerado pelos cofres públicos), garantir o mais amplo contraditório e a mais ampla defesa em um processo judicial onde exista a presença de um nacional brasileiro, independentemente de onde o mesmo se encontre, independentemente da eventual responsabilidade solidária de outro país.


A conclusão aqui proposta sugere, em verdade, um avanço. Precisamos de um Judiciário mais ousado, com mais avanços na aplicação da Constituição dos que os alcançados até a presente data.


O Poder Judiciário não pode, pelo menos em um primeiro momento, interferir nas políticas públicas do Poder Executivo, mas deve, sempre que possível, obrigar o outro poder, em verdadeira aplicação da Teoria dos Freios e Contra-Pesos, a garantir a máxima efetivação da nossa Constituição da República, assegurando efetivo acesso aos direitos fundamentais da pessoa humana.


 


Referências

ALVES, Cleber Francisco. A assistência jurídica gratuita aos pobres nos Estados Unidos . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2007, 29 dez. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12139>. Acesso em: 18 fev. 2010.

_________. Acesso à Justiça em preto e branco: Retratos Institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.

CAPPELETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O direito à assistência jurídica. Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Ano 4, n° 5, 1991.

SILVA, Holden Macedo da. Princípios Institucionais da Defensoria Pública: Breves comentários textuais ao regime constitucional da Defensoria Pública.Brasília: Fortium, 2007.


Informações Sobre o Autor

Ricardo Russell Brandão Cavalcanti

Defensor Público Federal. Professor Universitário. Especilista em Direito Público Pela FMN. Mestrando em Direito Processual pena Unicap


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