A evolução do Processo Penal e os meios de prova

O Processo Penal vem evoluindo e com isso novas teorias para relativizar a ilicitude das provas estão surgindo, trazidas muitas delas do modelo americano. Dentre elas podemos citar a Teoria ou Exceção da Fonte Independente, originada nos Estados Unidos, na década dos anos 60, no caso Bynum.


Esta teoria entende que, na espécie, se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve legitimamente novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova, que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita.


Isto significa que a prova manterá vínculo causal e que tais dados probatórios são admissíveis, pois não contaminados pelo vício da ilicitude originária.


A doutrina brasileira, entretanto, diz que o conceito de fonte independente do parágrafo 2º do art. 157 está equivocado, em verdade, conceitua teoria distinta da fonte independente.


Outra Teoria que vem ganhando força é a da Limitação da Descoberta Inevitável, também americana, precedente do caso Nix contra Williams-Williams II (1984). Nesse caso o cidadão era suspeito de matar alguém, mas o cadáver não era localizado. Este cidadão foi constrangido e indicou o local onde estava o cadáver e da confissão resultou a localização do cadáver. Contudo, 200 moradores da região já estavam fazendo uma varredura na loca para localizar o cadáver. Na situação concreta, como estes 200 moradores estavam na região, o cadáver seria localizado inevitavelmente.


Aplicável essa teoria se demonstrado que a prova seria produzida de qualquer maneira, independentemente da prova ilícita originária. Para a aplicação dessa teoria não é possível se valer de dados meramente especulativos, sendo indispensável a existência de dados concretos confirmando que a descoberta seria inevitável.


Não há julgados do STF e STJ adotando esta teoria. Contudo, para muitos doutrinadores esta teoria teria sido colocada no art. 157, parágrafo 2º, CPP:


Apesar de fazer menção à teoria da fonte independente, parece ter havido um equívoco por parte do legislador, pois o conceito aí fornecido é o da teoria da limitação da descoberta inevitável. Frisa-se que alguns doutrinadores, em especial promotores (Feitosa e Andrei Borges), entendem que tal limitação é adequada, mas para outros (Ada Pelegrini e Antônio Magalhães Gomes Filho) a adoção desta teria seria inconstitucional.


A Teoria do Nexo Causal atenuado, também originada do direito norte-americano com o nome de PURGED TAINT DOCTRINE (TEORIA DA TINTA DILUÍDA ou MANCHA PURGADA).  


Seu precedente foi o caso de Wonh Sun contra USA (1963): cidadão A é preso ilegalmente (não havia causa provável para sua prisão). A confessa e delata B. A prisão de B é prova lícita ou ilícita? É prova ilícita por derivação causal. O detalhe no caso concreto é que B compareceu perante a autoridade competente e confessou a prática do delito. A Suprema Corte Americana entendeu que, num primeiro momento, a prisão de B seria ilícita, mas depois com a sua confissão, circunstância superveniente, a prova torna-se lícita.


Não se aplica tal teoria se o nexo causal entre a prova primária e secundária for atenuado em virtude do decurso do tempo de circunstâncias supervenientes na cadeia probatória ou da vontade de um dos envolvidos em colabora com a persecução criminal. Não há julgados do STF e STJ adotando esta teoria. Contudo, para muitos doutrinadores que entendem que esta teoria teria sido colocada no art. 157, § 1º.


Então vejamos: O artigo 157, parágrafo 1º diz que “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras (Teoria do Nexo Causal Atenuado), ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”.


Além disto, a doutrina brasileira vem estudando a Teoria do Encontro Fortuito entre provas, a qual parece ser a mais utilizada no Brasil. Teria sua aplicação realizada aos casos que se demonstre que no cumprimento de uma diligência relativa a um delito, a autoridade policial casualmente encontre provas pertinentes a outra infração penal que não estava na linha de desdobramento normal da investigação. Caso o encontro seja casual a prova será lícita; se houver desvio de finalidade, a prova será considerada ilícita. Tal teoria não é “importada”.


A doutrina traz um exemplo interessante que é o de  alguém imaginar que uma pessoa esteja mantendo em sua casa um tamanduá bandeira (crime ambiental). Assim, pede-se um mandado de busca e apreensão para buscar o tamanduá. Cumprindo o mandado, a autoridade policial abre gavetas, destrói paredes e encontra provas da prática de um crime tributário. Este documento pode ser utilizado para dar início a uma investigação tributária?


Ao destruir paredes e abrir gavetas, a autoridade policial estaria agindo com um desvio de finalidade, logo, a prova seria ilícita. Contudo, pense ao contrário, se a autoridade chegasse para apreender documentos e encontrasse por acaso um tamanduá bandeira. Neste caso, a prova poderia ser utilizada. Essa teoria tem sido utilizada, sobretudo, para a interceptação telefônica e utilização dos elementos obtidos relacionados a outros delitos e/ou outros indivíduos que não são os diretamente ligados àquele mandado autorizativo (STF, HC 83.515).


Em relação à prova ilícita, há preclusa, conforme o artigo 157 do Código de Processo Penal, com redação nova dada pela Lei 11.690/2008.


A doutrina também fala da descontaminação do julgado. Estava prevista no art. 157, par. 4º, do CPP: “O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão”. Isso é a descontaminação do julgado. Contudo, tal parágrafo foi vetado, pois isso poderia dar ensejo a manipulação do juiz, às vezes a pessoa sabendo que o juiz é do tipo linha dura, aí a pessoa plantaria uma prova ilícita para realizar a retirada de tal juiz do processo. Tal parágrafo não passou e não existe esta possibilidade.


Outro ponto interessante é a terminologia adotada por alguns doutrinadores. Eles fazem distinção entre fonte de prova, meios de prova e meios de obtenção de prova.


A fonte de prova refere-se às pessoas ou coisas das quais se consegue a prova, derivam do fato delituoso em si, independentemente da existência do processo, sendo certo que sua introdução no processo ocorre através dos meios de prova. Podemos citar aqui o cadáver na rua, pessoas que podem falar sobre o que viram (não são testemunhas). Enquanto que os meios de prova são os instrumentos através dos quais as fontes de provas são levadas ao processo.


E Meios de obtenção de prova seriam certos procedimentos regulados pela lei, em regra, extraprocessuais, com o objetivo de conseguir provas materiais, e que podem ser realizados por outros funcionários que não o juiz. Como exemplo teríamos a busca e apreensão, a interceptação telefônica. Tem como elemento essencial a surpresa.


 


Bibliografia:

 CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. O processo penal em face da Constituição: princípios constitucionais do processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 1996.

GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1996.

HAMILTON, Sérgio Demoro. Processo penal – reflexões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

MENDES, Maria Gilmaise de Oliveira. Direito à intimidade e interceptações telefônicas. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo penal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1994.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

MOREIRA, José Carlos Barbosa Moreira. A constituição e as provas ilicitamente obtidas. Temas de direito processual. Sexta série. São Paulo: Saraiva, 1997.


Informações Sobre o Autor

Lara Cíntia de Oliveira Santos

Analista Judiciário do STJ. Graduada em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília 1996e em Jornalismo pela Universidade de Brasília 1998. Mestre e Doutora em Direito Eclesiástico 2008. Mestranda em Direito Constitucional pelo IDP – Brasília/DF.


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