Defensoria Pública como porta de entrada e de saída para a violência contra a mulher


Antecedendo a própria edição da Lei Maria da Penha – nº 11.340/2006 – , sem nenhuma dúvida, pode ser considerado o marco inicial da luta contra a violência de gênero em nosso País a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de Dezembro de 2004, que, além de promover profunda reforma na estrutura judiciária brasileira, assegurou às Defensorias Públicas Estaduais autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária.


A partir daí, o legislador infraconstitucional sem tardar, alterando a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, através da LC nº 132/2009, estabeleceu expressamente dentre as funções desta Instituição exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado (Art. 4º, XI).


Mas, não sem antes dizer que cabe à Defensoria Pública promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos. Prestando, destarte, atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos e de servidores de suas Carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições, como psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, oficiais, entre outros.


Disseminou-se então pelo Brasil a criação dos chamados NUDEM’s, os Núcleos Especializados de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, das Defensorias Públicas Estaduais, a começar por aqueles Estados onde verdadeiramente já alforriadas as Defensorias, no que diz respeito à sua independência orçamentária e administrativa.


Muitas Defensorias Públicas Estaduais, antes mesmo da Lei Maria da Penha (2006), já contavam com seu NUDEM, para proteção e defesa da mulher vítima de todo o tipo de violência, principalmente a doméstica e familiar. O pioneirismo vem do Rio de Janeiro, aonde há mais de uma década Arlanza Maria Rodrigues Rebello, coordenando o NUDEM fluminense, desenvolve trabalho orientado no sentido de legitimar os instrumentos de defesa e de fortalecer o atendimento integral à mulher vítima de violência.


Bem se vê, a partir da independência orçamentária da Instituição e da criação de Núcleo defensorial especializado, aparelhado com uma equipe profissional multidisciplinar, por meio de servidores de carreira e de Defensores vocacionados para o atendimento específico e humanizado da mulher em situação de violência, a Defensoria Pública de hoje chama para si o desafio de aplacar o conflito familiar, muitas vezes, seguramente, sem tangenciar ao Poder Judiciário, senão quando inevitável a concessão de algumas medidas protetivas de urgência, para conter a fúria do agressor num primeiro e determinado momento.


O êxito dos NUDEM’s em muitos Estados vem dissolvendo a idéia das Delegacias de Atendimento à Mulher – as DEAM’s – como única e primeira porta de entrada da mulher em situação de violência. É que a divulgação da Lei Maria da Penha e de seu propósito, o encorajamento da mulher e sua emancipação profissional e familiar, acabam por, felizmente, revogar o seu prolongamento do cotidiano sofrimento doméstico. Na primeira vias de fato, no primeiro xingamento, a mulher dos dias atuais vai descobrindo que precisa de ajuda do Estado, seja para desfazer seu enlace afetivo, seja para costurá-lo submetendo o companheiro agressor e pai de seus filhos a tratamento psicossocial.


Os próprios órgãos de assistência social, cidadania e de direitos humanos dos Municípios sabem que a Defensoria Pública da Mulher mais se amolda e se aproximam todos de um mesmo objetivo, qual seja, o restabelecimento da paz familiar, do que resumir a atividade institucional da Defensoria Pública ao patrocínio do litígio nos Juizados de Violência Doméstica.


O conhecimento aprofundado das causas da violência doméstica demonstra ao acostumado nessa área que o Direito Penal aí é tão utilíssimo como arrancar um cisco do olho com uma marreta. Os conhecidos problemas da cachaça, do crack, do ciúmes, dos puxadinhos, do gigolô etc, dificilmente são solvidos por uma profilaxia penal. O Operador do Direito nestes casos deve se render ao entendimento, intervenção e solução proposta por outros ramos da ciência que o coadjuvam, que muitas vezes dispensam uma posologia meramente jurídica, ou, definitivamente, não a recomendam para determinado caso.


Agora, se as atividades de órgãos de assistência social, cidadania e direitos humanos dos Municípios, compostas por psicólogos, assistentes sociais e pedagogos, por força do Art. 4º, Inciso IV, da LC nº 80/94 e do Art. 35, Inciso III, da Lei Maria da Penha, podem e devem, sim, ser legitimamente desenvolvidas pelos NUDEM’s, no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a conclusão que se pode extrair é a de que, em breve, terá a Defensoria Pública a missão de fazer reduzir drasticamente os dados estatísticos de violência doméstica no País, desde que, advirta-se, efetiva e definitivamente alforriadas as Defensorias do jugo orçamentário das Governadorias dos Estados.


Em conclusão, a autonomia funcional, administrativa e orçamentária das Defensorias Públicas Estaduais, condicionando a estruturação e êxito dos NUDEM’s, em última análise, é a melhor política pública, sublime e salvífica, que visa a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher no País.



Informações Sobre o Autor

Carlos Eduardo Rios do Amaral

Defensor Público do Estado do Espírito Santo


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