A defesa do consumidor como meio de tutela da concorrência

Resumo: Dentre os escopos da defesa da concorrência, identifica-se a proteção do consumidor aquele que mais facilmente pode ser aferido pelo cidadão. Promover a concorrência entre as empresas é garantir ao consumidor preços mais baixos, maior variedade e qualidade de produtos, mais inovação e maior poder de escolha. Assim, o consumidor é o grande destinatário da defesa da concorrência.


Palavras-chaves: Concorrência. Consumidor. Cidadania.


Abstract: Among the scope of protection of competition, it identifies the protection os the consumer whi can more easily be gauged by the citizen. Promoting competition between companies is to guarantee cosumers lower prices, greater choice and quality os products, more innovation and more choice. Thus, the consumer is the major recipient os defense of competition.


Keywords: Competition. Consumer. Citizenship.


Sumário: Introdução. 1. Fundamento histórico da defesa da concorrência. 2. A defesa da concorrencia no Brasil. 3. A defesa do consumidor como meio de tutela da concorrência. Considerações finais. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO


O tema está inserido na expansão do mercado por meio do livre comércio e da livre concorrência, que deveria desenvolver-se sem obstáculos artificiais ao crescimento econômico e ao bem-estar social. Por este fundamento, a defesa da concorrência ganha espaço nos vários ordenamentos jurídicos mundiais como uma das formas de garantir, ao lado de outros princípios basilares da economia de livre mercado, como instrumento extraordinário na concretização da cidadania e no desenvolvimento da própria justiça social.


1 FUNDAMENTO HISTÓRICO DA DEFESA DA CONCORRÊNCIA


O poder econômico privado se corporifica na capacidade que têm as empresas de influir nas condições e nos resultados econômicos no mercado, de tal forma a dele retirar vantagens que as coloque em posição de superioridade perante as demais e em posição de domínio sobre os trabalhadores e consumidores.


Daí a seriedade da atuação do Estado intervencionista, vislumbrada pela atuação da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda (MF), a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça (MJ) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgãos responsáveis pela implementação da Defesa da Concorrência.


Segundo Paula A. Forgioni[1], o início da disciplina, entendida como um estudo do comportamento de agentes econômicos em seu sentido técnico, não pode ser relacionado ao surgimento do mercado liberal, como parte do sistema econômico capitalista.


O próprio filósofo grego Aristóteles[2], século IV a.C, já havia feito menção ao evento da troca e dos monopólios em sua obra “Política”, fazendo referência à oferta e a procura que já influenciavam a determinação do preço. Nesta obra, Aristóteles cria conceitos novos no que diz respeito às atividades econômicas a distância, estas seriam chamadas de crematícia, ao passo que as atividades econômicas ligadas à cidade e a agricultura seria a chamada de economia.


Ademais, destaca Cláudio Monteiro Considera[3], Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, ao citar o professor grego Lambros E. Kotsiris, que no período compreendido entre 388-386 a.C, comerciantes de milho e trigo de Atenas foram partes no primeiro caso antitruste relatado na história da antiguidade.


Segundo o relato do dito professor, na pequena região da Ática, em Atenas, o solo era pobre e a oferta de grãos estava condicionada às importações. Assim, para proteger a população do comportamento abusivo dos comerciantes, o governo editou uma série de leis e regulamentos que, na medida em que incentivavam a importação de grãos, limitavam seus estoques de forma a prefixar o lucro máximo que o comerciante poderia adquirir[4].


Conta-nos, ainda, Cláudio Monteiro Considera[5] que durante o inverno de 388-387 a. C., o comércio internacional de grãos foi dificultado pela ocorrência de guerras nas regiões em que a mercadoria passava, ocasionando o aumento de preços do milho, trigo e seus derivados.


Diante disto, os comerciantes, seguindo orientações do comissário do governo chamado Anytys, organizaram-se para por fim à competição formando uma espécie de associação, comprando e estocando o produto e, desta forma, mantendo os preços em níveis razoáveis.


Tais fatos repetiram-se no inverno seguinte, entre os anos de 387-386 a. C., os comerciantes inventavam boatos de guerras, perdas de navios, bloqueio de portos para aumentarem seus lucros acima do limite legal. Entretanto, os importadores, sentindo-se lesados, acusaram os comerciantes no comitê executivo do Senado (Prytanes). Ao passo que estes admitiam a conduta abusiva, argumentavam que seguiram ordens dos comissários do próprio governo para estocar os produtos.


O caso gerou tamanha exaltação na população, que, mesmo sem julgamento, tentaram executar os acusados, momento em que o Senado viu-se obrigado a pronunciar-se a respeito e levaram o caso à Corte Heliástica de Julgamento, órgão com competência para impor penas de morte[6].


Este episódio, apesar de não haver indicativos do resultado do julgamento, revela que a defesa da concorrência, mesmo antes da época moderna, já encontrava fundamento no interesse público. Tal atitude também foi verificada durante o período da Roma antiga, onde o monopólio do sal garantia boa parte das receitas do governo da época[7].


Já no final do Império Romano, no ano de 483, a fim de aumentar seus recursos, o Estado Romano regulamentou com o Édito de Zenão[8] a concessão de inúmeros monopólios aos particulares, no setor alimentício, chegando a compreender toda a distribuição de alimentos.


Na Idade Média, a dinâmica comercial criou um novo conceito de monopólio, pois o termo ligava-se, agora, aos privilégios e regalias que o Estado concedia aos agentes econômicos privados, como forma de estimular a expansão comercial e colonial, sempre respeitando, contudo, o direito de preferência e exclusividade deste na aquisição de mercadorias.


Com o escopo de neutralizar a concorrência entre os comerciantes venezianos nos mercados da Síria, em 1358, banqueiros e mercadores aderiram a um histórico consórcio visando monopolizar a exportação cipriota de vários produtos provenientes da Síria, como o algodão, o açúcar e o sal.


Muitos autores identificam este período da Idade Média como sendo a origem de muitas regras antitrustes, a partir das quais foram positivados muitos princípios inspiradores dos atuais sistemas legais da concorrência[9].


Em 4 de outubro de 1540, Carlos V promulga uma lei determinando a vedação aos acordos sabidamente realizados com o propósito de açambarcar mercadorias e, além disso, legalizava os monopólios realizados com o propósito do bem comum. O espírito inovador do mercantilismo ajudou a desenvolver, nas cidades italianas, um sentimento de condenação dos monopólios, visando minimizar os efeitos indesejáveis do abuso do poder econômico.


Na primeira metade do século XVI[10], a política mercantilista das grandes metrópoles era baseada no monopólio de compra, venda e transporte de produtos de suas colônias, estruturando um sistema das históricas “companhias privilegiadas”, as quais detinham exclusividade no comércio com as colônias.


A eficiência do pacto colonial, realizado entre as metrópoles e as colônias, possibilitou o acúmulo de riquezas nas nações européias, desenvolvendo uma balança de pagamentos favorável a estas. Este sistema garantia a entrada de recursos ao monarca mediante o pagamento de impostos das colônias e o pagamento das taxas de monopólio concedidos às companhias privilegiadas.


Em contrapartida, no final do século XVI[11], na Inglaterra, iniciou-se um movimento de reação a esse poder soberano sobre os monopólios, que gradualmente foi dando início a história do antitruste.


Relata Paula A. Forgioni[12] que, em 1598, a rainha Elizabeth concedeu a Edward Darcy o monopólio da importação e fabricação de cartas de jogo em seu reino, sob o argumento de que eram permitidas as diversões de seus súditos, desde que razoáveis e adequadas.


Entretanto, em 1603, a licitude do monopólio foi discutida na Common Law e restou, finalmente, condenado por três razões: (i) prática potencial de preços de monopólio; (ii) diminuição potencial da qualidade do produto; e (iii) estabelecimento de barreiras à entrada de novos agentes econômicos no mercado.


Este episódio ficou conhecido como “O Caso dos Monopólios”, inaugurando grandes decisões dos tribunais ingleses a cerca do assunto. A contenda foi tão grande que no ano de 1624, o Parlamento Inglês aprovou o Statute of Monopolies, de maneira a limitar o consentimento real de monopólios que limitasse o poder do soberano.


Este cenário teve grandes mudanças com a Revolução Industrial, pois o sistema de produção evoluiu com os grandes investimentos em maquinários, mão-de-obra e organização industrial. A classe empresária formada pela burguesia cobiçava maior liberdade de atuação no mercado para ampliar suas vendas, obtendo mais lucros com a imposição de preços convenientes.


A Revolução Industrial possibilitou a sedimentação do sentimento pela busca da libertação dos agentes econômicos: “a liberdade de comércio e de indústria consagrava o princípio da não-intervenção do Estado no funcionamento normal do comércio, propiciando a implantação da ordem econômica almejada pela burguesia”.[13]


Em 1791, na França, apesar de ainda haverem restrições do Estado, tendo em vista o interesse público, a lei Le Chapelier foi promulgada consagrando a nova ordem econômica que se instalava. Esta lei retomou a liberdade de comércio e indústria, proibindo as corporações de ofício e permitindo o livre exercício das profissões.


A concorrência passou a ser tratada como um antídoto natural para a grande questão de equilibrar a liberdade econômica individual e o interesse público visto na competição justa entre os agentes econômicos, tendo como beneficiários toda a coletividade, sem a necessidade de intervenção estatal.


Explica Leonardo Arquimimo de Carvalho[14]:


“O fenômeno da concorrência evoluiu, assim como as relações comerciais, e chegou ao ponto em que se regula o comportamento dos agentes econômicos no mercado. Tal regulamentação é vista, atualmente, não apenas como essencial para a manutenção do sistema, como também um instrumento de implementação de políticas públicas, intrinsecamente ligada ao Direito Econômico, que visa tanto à manutenção do sistema capitalista e à correção dos efeitos inadequados do mercado desregrado quanto à condução do sistema.”


Nos Estados Unidos da América, a disciplina antitruste surgiu entre os anos de 1831 e 1890, com a edição do Sherman Antitrust Act em 2 de julho de 1890. Não obstante, a common law inglesa tenha contribuído sobremaneira para a construção dos seus fundamentos, o primeiro estatuto legal da defesa da concorrência era um instrumento que informava as decisões das cortes federais que influenciaram muitas legislações internacionais, a exemplo do Brasil[15].


Lembra Calixto Salomão Filho[16] que, na segunda metade do século XIX, três fatores influenciavam a vida econômico-social norte-americana:


“A primeira delas era conseqüência direta da guerra civil norte-americana, que ocasionou grande fortalecimento e concentração do parque industrial, sobretudo no nordeste dos EUA. Os esforços bélicos autorizavam o governo a implementar um sistema fazendário expropriador. As altas taxas de impostos estimulavam os industriais a concentrar suas atividades, sendo esta uma fórmula que permitia a continuidade das atividades.”


Aponta ainda como o segundo fator, a motivação econômica do setor agrário, decorrente do controle de parte das manufaturas e das estradas de ferro por grandes empresas privadas, e acrescenta:


“Contudo, a gestão inadequada destes empreendimentos resultava no aumento de impostos, com objetivo de refinanciar os empreendimentos. Os agricultores verificavam que os monopólios ferroviários, por eles direta ou indiretamente financiados, não protegiam seus interesses, de modo contrário, ainda os prejudicavam.”[17]


O último elemento destacado pelo mesmo autor resulta da rápida e profunda transformação sofrida pela economia norte-americana:


“Baseada na pequena empresa e no espírito empresarial individual, transformou-se numa economia em que a concentração de capitais era cada vez mais necessária, requerendo, portanto, investimentos fixos muito elevados, o que produzia uma limitação no número de novos empreendimentos no mercado.”


Estes três fatores conduziram a promulgação do Sherman Antitrust Act, uma norma cuja preocupação era evitar o poder dos monopolistas exercido sobre os consumidores, criando um ambiente institucional de defesa da competição.


A palavra “truste”, de origem anglo-saxônica, que deu nome à legislação em foco neste trabalho acadêmico, remete-se a este período histórico vivido pelos Estados Unidos, um conceito econômico de natureza capitalista, que consiste numa concentração de sociedades empresárias visando a dominação do mercado através da eliminação da concorrência e conseqüente imposição de preços arbitrários[18].


Em um momento de desenvolvimento econômico, possibilitado pela expansão das estradas de ferro, o país norte-americano testemunhou o início de uma competição predatória entre as sociedades empresárias responsáveis pela construção destas estradas. A disputa pelos clientes ocasionou na concessão de descontos que se tornaram constantes, provocando séria diminuição dos seus lucros[19].


Assim, para resolver o problema, essas sociedades empresárias celebraram acordos para tentar neutralizar a concorrência. Com sucesso, este modelo de comportamento foi seguido em vários setores da economia norte-americana, a qual se quedou cada vez mais cartelizada. Contudo, sem o respaldo legal, estes acordos eram constantemente desrespeitados pelos agentes econômicos vinculados.


Diante desta instabilidade e incerteza da vinculação dos agentes econômicos ao cartel, os agentes econômicos norte-americanos passaram a utilizar outro instrumento de atuação no mercado, o trust (do inglês confiar). Através deste tradicional instituto do direito anglo-saxão, os acionistas de uma determinada sociedade empresária confiavam a uma terceira pessoa, em geral, uma pessoa jurídica (o trustee), para tratar de assuntos relativos às ações de sua propriedade, sem que esta adquira poderes para interferir na gestão da sociedade[20].


Nestas condições, os grupos de trustee poderiam controlar as políticas comerciais adotadas pelas sociedades empresárias que representavam com intenção de diminuir ou neutralizar a concorrência, visando, inclusive, o domínio do poder econômico em determinado setor.


O que ocorreu em países como Estados Unidos e Inglaterra foi a generalização do trust, ocasionando a intervenção estatal com a inauguração de uma legislação específica para controlar a atuação dos trust, não apenas reprimindo os seus abusos, mas também monitorando suas operações lícitas.


Assim sendo a expressão truste tem sido usada, extensivamente, para relacionar a todos os atos que resultem ou pretendem resultar na limitação ou eliminação da concorrência.


No Brasil, o antitruste apresenta-se como um instrumento moderno de intervenção na economia, baseado em normas que visam o desenvolvimento e o incremento do mercado, de uma forma transparente e salutar, combatendo distorções e buscando o aprimoramento da eficiência do mercado, com evidentes reflexos ao bem-estar social.


O fator de destaque das experiências norte-americana e inglesa, no tocante às restrições ao comércio, era a política pública e o interesse público. O interesse público requeria a expansão da produção e do comércio sob a garantia da liberdade de contratos privados e da propriedade privada.


Então, se as restrições não prejudicassem a produção de bens e serviços ou aumentassem seus preços, não prejudicando o bem-estar comum, eram consideradas razoáveis e não seriam contestadas pela Corte[21].


Deste modo, o direito antitruste ganhou o cenário mundial ao final do século XX e início do XXI, marcados pela disseminação de legislações de defesa da concorrência em diferentes jurisdições, especialmente em países em desenvolvimento. Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD)[22], no final dos anos 90, mais de 80 países tinham legislações de defesa da concorrência em vigor contra cerca de 40 países nos anos de 1980.


O principal objetivo da UNCTAD é aumentar as oportunidades de comércio, investimento e progresso dos países em desenvolvimento, ajudando a enfrentar os desafios da globalização e a integração eqüitativa da economia mundial, mediante a investigação e análise de políticas econômicas e de desenvolvimento, a cooperação técnica e a interação com a sociedade civil e o mundo da economia[23].


A repercussão que o Direito Antitruste refletiu a conjectura do fenômeno da globalização dos mercados.[24] Atualmente, esse crescimento tem ocorrido principalmente em países do Leste Europeu, América Latina e Ásia.[25]


No Brasil, a revalorização do desempenho da defesa da concorrência, a partir da promulgação da Lei 8.884/94, é resultado não apenas do fenômeno da globalização, mas também da redefinição do papel do Estado na economia ao longo da década de 90, da privatização de parcela considerável dos serviços de infra-estrutura e, principalmente, da abertura comercial.


Muito embora o Brasil ainda não possua a mesma experiência de países como os Estados Unidos da América no âmbito da defesa da concorrência, a evolução do volume de operações econômicas no país tem provocado uma atuação mais técnica e efetiva dos órgãos competentes do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), e, para tanto, é imperioso que estes órgãos estejam alheios a influência de interesses políticos e cada vez mais próximos do interesse da coletividade.


2 A DEFESA DA CONCORRENCIA NO BRASIL


A tutela da livre concorrência e a repressão ao abuso do poder econômico assumiu no Brasil um caráter típico, em razão da atuação do Estado na economia buscando o desenvolvimento ou o atendimento das necessidades da população, sendo identificada desde o tempo do colonialismo.


Assim, no período colonial, não se podia falar na expressão “defesa da livre concorrência”, pois o estabelecimento de monopólios estatais não permitiu a existência da concorrência em si mesmo. A atuação do Estado na economia foi marcada pela aplicação de uma política pública eminentemente fiscalista[26].


Os monopólios do período colonial eram constituídos visando não o desenvolvimento, mas apenas a exploração da colônia. Os ciclos econômicos do pau-brasil, da cana-de-açúcar, do ouro e das pedras preciosas testemunharam a imposição de impostos aos comerciantes, como forma de financiar os cofres da Coroa Portuguesa a partir da exploração.


Para tanto, qualquer tentativa de desenvolvimento local era contida, como ocorreu com a edição da Carta Régia de 1766, proibindo as atividades de fabricação ou venda de prata e ouro, de mel de vinho ou cultura de uvas. No mesmo sentido, teve importância o Alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibia as fábricas e manufaturas, e a concessão do privilégio da exploração do estanco à Companhia do Comércio do Brasil[27].


Soma-se a isso, a tendência da época de formação de monopólios internacionais, cujo objetivo era a instalação de um monopólio bilateral entre Brasil e Portugal, mediante a vedação do comércio daquele com outros países. A organização de Companhias de Comércio dos estados do Grão-Pará, do Maranhão, de Pernambuco e da Paraíba, acabou ajudando a consolidar a uniformização dos preços das matérias-primas exportadas[28].


Com a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, em 1808, tudo mudou. A partir da necessidade do governo português de transferir sua sede, em virtude da invasão de Napoleão Bonaparte, inaugurou-se a implementação de uma política de desenvolvimento econômico. Deste modo, neste mesmo ano, houve a abertura dos portos às nações amigas, a fundação do Banco do Brasil e a revogação do Alvará de 1785, instituindo a liberdade de manufatura e industrial.


A adoção conveniente do chamado liberalismo pragmático por D. João VI, fez extrair do princípio da liberdade de comércio e de iniciativa vantagens de acordo com os interesses nacionais, porém sempre limitados pelos interesses diretos da Inglaterra. Exemplo disso foi a edição do Tratado de 1810, quando o Brasil teve que adotar uma política protecionista, reduzindo sua capacidade de exportação[29].


Com a independência, graves crises assolaram os primeiros reinados, em razão das diferenças ideológicas entre a burguesia liberal e o governo conservador. O fenômeno da intervenção do Estado no domínio econômico limitou-se a implementação de tarifas alfandegárias, restando pouca atenção à disciplina da concorrência interna. O mercado brasileiro caracterizava-se pela importação de mercadorias, não sendo possível a manufatura interna concorrer com os produtos estrangeiros, provenientes de indústrias altamente desenvolvidas.


O Brasil experimentou, de fato, até 1930, um mercado auto-regulável e uma organização industrial pouco complexa, o que tornava incomum práticas definíveis como anticoncorrenciais. O fragilizado setor industrial da época questionava a falta de interesse do Estado no estabelecimento de um controle das atividades mercantis ilícitas[30].


O despertar da intervenção do Estado na economia decorre, em parte, do período posterior à crise de 1929 e seus desdobramentos durante a década de 1930. As classes produtoras pressionavam o governo no sentido de cobrar medidas protecionistas, principalmente no setor agrícola, no que dizia respeito ao café, açúcar e cacau.


Embora não houvesse qualquer preocupação com o processo concorrencial, algumas questões relativas ao abuso de preços foram levantadas na Constituição de 1934, a qual trazia em seu texto as primeiras preocupações relacionadas à liberdade econômica: “Art. 115. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses ditames, é garantida a liberdade econômica.”


Contudo, salvo a exceção do Código de Propriedade Industrial, cujos dispositivos destinavam a evitar vantagem competitiva de um agente econômico que não fosse adquirida de forma natural em detrimento de outro, não houve, neste período, promulgação de leis que regulamentasse um processo propriamente antitruste.


A Constituição de 1937, seguida do Decreto-Lei n. 869/38, deu origem ao primeiro conjunto normativo antitruste brasileiro, com o objetivo de proteger o consumidor em nome da segurança nacional[31]. Cabendo destacar seu art. 135 da Carta:


“Na iniciativa individual, no poder de criação de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão direta.”


Por outro lado, o art. 141 do mesmo Texto Constitucional, colocava a proteção da economia popular como princípio constitucional:


“A lei fomentará a economia popular, assegurando-lhe garantias especiais. Os crimes contra a economia popular são equiparados aos crimes contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes penas graves e prescrever-lhes processos e julgamentos adequados à sua pronta e segura punição.”


Portanto, o primeiro diploma brasileiro antitruste nasce como repressão ao abuso do poder econômico e proteção ao consumidor, ao contrário da legislação norte-americana, calcada no princípio da proteção e manutenção da concorrência. Ao passo que o Decreto-lei 869, de 1938, vinha embasado sob o manto da proteção da economia popular, como esclarece o seu art. 1º: “Serão punidos na forma desta lei os crimes contra a economia popular, sua guarda e seu emprego.”.


No mesmo sentido, o art. 2º, I e II, coibia a manipulação da oferta e da procura e o inciso IV, o açambarcamento de mercadorias: “reter ou açambarcar matérias primas, meios de produção ou produtos necessários ao consumo do povo, com o fim de dominar o mercado em qualquer ponto do país e provocar a alta dos preços”.


Deste modo, tal conjunto de normas fez inserir no sistema jurídico brasileiro as primeiras figuras antitrustes que perduram na legislação atual.


E sob esse prisma de proteção do interesse nacional contra o poder estrangeiro que paulatinamente invadia o sentimento nacionalista, característico do Governo Vargas, em 1945, foi promulgado o Decreto-Lei n. 4.407/42, que criava a Comissão de Defesa Econômica (CDE), substituído pelo Decreto-Lei n. 7.666.


Este decreto, conhecido como a Lei Malaia[32], tinha o objetivo de reprimir os atos contrários à moral e ao ordenamento econômico, bem como criar a Comissão Administrativa de Defesa Econômica. O que antes era regulamentado por alguns diplomas legais, a Lei Malaia disciplinou de forma sistemática e específica o abuso do poder econômico.


Sendo possível, inclusive, identificar a delimitação do “mercado relevante”, a partir da referência aos monopólios regionais, encontrado no art. 1º:


“Art. 1º. Consideram-se contrários aos interesses da economia nacional: I – os entendimentos, ajustes ou acordos entre empresas comerciais, industriais ou agrícolas, ou entre pessoas ou grupo de pessoas vinculadas a tais empresas ou interessadas no objeto de seus negócios, que tenham por efeito: c) influenciar no mercado de modo favorável ao estabelecimento de um monopólio, ainda que regional.”


Além disto, restou destacado o significado do termo “empresa” no parágrafo único do mesmo dispositivo: “Para os efeitos deste Decreto-lei a palavra “empresa”, abrange as pessoas físicas ou jurídicas de natureza comercial ou civil que disponham de organização destinada à exploração de qualquer atividade com fins lucrativos.”


Com a destituição do Presidente Getúlio Vargas, este decreto-lei foi revogado, vez que contrariava aparentemente os interesses do período liberalizante do fim do Estado Novo[33].


No entanto, a Constituição Federal de 1946 manteve disposição relativa à repressão contra o abuso econômico, mas sem regulamentação até o ano de 1962, quando foi sancionada a Lei n. 4.137 regulamentando mais solidamente o CADE.


Estes foram os primeiros sinais de preocupação com a defesa da concorrência, a Lei n. 4.137 estabeleceu regras de combate ao abuso do poder econômico, tal como competição desleal, especulação abusiva, conclusão e acordos entre competidores, aumento abusivos dos preços, etc.[34]


Em 1964, o golpe militar instalou uma política econômica de cunho monetarista que restringiu o crédito, as despesas públicas e controlou salários e preços. Diante disto, iniciou-se uma forte intervenção estatal em todas as áreas da economia, várias empresas estatais foram criadas para complementar a estrutura industrial e financeira.


Buscando ampliar o combate à inflação, como aponta Cláudio Monteiro Considera[35], em 1965 foi criada uma Comissão Nacional para a Estabilização de Preços (CONEP). A economia cresceu em média 10% ao ano com a inflação sendo mantida em torno de 25% ao ano.


Neste momento, as firmas e associações empresariais passaram a reunir-se com o Governo para discutir custos e reajustes de preços. A política de controle de preços não apenas serviu para organizar e estabilizar os preços dos oligopólios para reduzir a inflação, mas também para organizar a estrutura de funcionamento de cartéis ao acostumar os empresários a se encontrarem, discutirem os custos e acordarem sobre salários de seus trabalhadores e os preços do mercado em que atuavam.


Até então, o Brasil adotava o modelo de desenvolvimento baseado na importação de produtos e tecnologia. Entretanto, o período entre o final dos anos 1980 e a implementação do Plano Real em 1994 abriu, por sua vez, uma etapa de transição caracterizada por mudanças em direção a um novo modelo de desenvolvimento com maior exposição à economia mundial.


Oportunamente pontifica Lucia Helena Salgado[36] que, até o início dos anos 90, a legislação brasileira não demonstrava uma capacidade mais efetiva para punir e/ou reprimir comportamentos considerados irregulares, já que vigorava há 27 anos e comente haviam ocorrido 16 considerações por infrações contra a ordem econômica, tendo sido instaurados 117 processos dos 337 procedimentos iniciados.


Em 1991, a política antitruste brasileira tomou um novo rumo com a Lei n. 8.158 que instituiu normas para a defesa da concorrência, bem como a criação de uma secretaria ligada à administração central, a Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE), procurando acelerar a apuração das práticas de violação à ordem econômica[37].


Entretanto, segundo Paula A. Forgioni[38], ao invés de corrigir as disfunções do mercado, a aplicação desta lei baseava-se na pura conveniência política, lançada em momentos que o governo e a imprensa acusavam determinados agentes econômicos que auferissem lucros abusivos.


Com a aprovação do chamado Plano Real, em 1994, tem início a uma nova fase na economia nacional ao ampliar reformas econômicas, sociais e institucionais. Assim, em junho de 1994 foi promulgada a Lei 8.884 que colocou o Brasil em situação semelhante aos países mais desenvolvidos em termos de legislação antitruste.


Esta nova lei introduziu a prevenção e a repressão contra o abuso de poder econômico, notadamente a repressão a cartéis, trustes, monopólios, dentre outras condutas anticompetitivas não abrangidas pela legislação anterior, atendendo aos princípios constitucionais da ordem econômica contidos no art. 170 da Constituição Federal de 1988.


A Lei Antitruste veio atender à necessidade de regular a concorrência no Brasil, resguardando especificamente o princípio de proteção à livre concorrência, sob uma nova estrutura administrativa para o dever do Estado de reprimir o abuso econômico.


De acordo com lei, a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), um órgão independente, administrativamente ligado ao Ministério da Justiça, passaram a constituir as autoridades brasileiras de defesa da concorrência.


A SEAE, órgão específico e singular do Ministério da Fazenda, criada por meio da Medida Provisória n. 813, de 1 de janeiro de 1995, é o principal órgão do Poder Executivo encarregado de acompanhar os preços da economia, com o objetivo de subsidiar decisões em matéria de reajustes e revisões de tarifas públicas, bem como apreciar atos de concentração entre empresas e reprimir condutas anticoncorrenciais[39].


A SDE[40] é um órgão específico do Ministério da Justiça, cabendo a definição da política de defesa de concorrência, fiscalização de práticas de mercado, fiscalização de setores monopolizados e processar administrativamente as infrações apuradas, além de proceder às averiguações preliminares para instalar, de ofício ou mediante representação, o devido processo administrativo; recorrer caso decida o arquivamento ou simplesmente remeter o processo ao CADE, caso configurada a infração à ordem econômica.


O CADE[41], criado em 1962 e transformado em autarquia vinculada ao Ministério da Justiça em 1994, tem a finalidade de orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico, exercendo papel tutelador da prevenção e repressão do mesmo. Sendo a última instância, na esfera administrativa, responsável pela decisão final sobre a matéria concorrencial, e após receber os pareceres das duas secretarias (SEAE e SDE), o CADE tem a tarefa de julgar os processos, cujas decisões podem ser revistas apenas nas cortes judiciárias.


Alerta Paula A. Forgioni[42] que, diante deste quadro histórico do fenômeno antitruste brasileiro, a autoridade governamental deve cuidar para que os atos e contratos (aquisições, cartéis, fusões e outros) que possam vir a causar danos à concorrência sejam evitados ou seus danos minorados e que condutas anticompetitivas sejam reprimidas e punidas.


O alto grau de concentração no mercado provoca uma elevação das barreiras alfandegárias, prejudicando a entrada de novos concorrentes e dificultando as importações, o que tornam mais fácil a imposição de preços elevados.


Lembra Gesner José de Oliveira Filho[43] que algo semelhante ocorre com a organização de cartéis, que causam dano ao consumidor e têm efeito pernicioso sobre a eficiência econômica do país. Sendo a forma de conduta antitruste mais grave da legislação brasileira e mundial, um cartel bem sucedido eleva seus preços acima do nível de concorrência e reduz a produção, afetando, assim, diretamente a eficiência da economia interna.


Evidentemente, a eficácia de se controlar contratos e condutas anticompetitivas está associada a uma sociedade convencida da importância da livre concorrência para garantir preços justos aos consumidores e o correspondente aparato jurídico institucional que garanta essa vontade social, especialmente dos consumidores.


3 A DEFESA DO CONSUMIDOR COMO MEIO DE TUTELA DA CONCORRÊNCIA


A apuração de práticas abusivas do poder econômico é um dos instrumentos para proteção para a livre iniciativa e da livre concorrência, enquanto princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito Brasileiro, ultimado pela proteção dos consumidores.


Constam no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor direitos abstratos, reconhecidos supra nacionalmente pela ONU e EUA, de ordem pública e de interesse social, que são irrenunciáveis e indisponíveis (sendo estes dois últimos consequência dos dois primeiros).


O referido dispositivo legal é um verdadeiro resumo do Código, e os direitos nele constantes não exaustivos, pois a legislação consumerista admite outros decorrentes da analogia, costumes, princípios gerais do direito, tratados internacionais e regulamentos administrativos expedidos pelas autoridades competentes.


Em princípio, são práticas abusivas, segundo Herman V. Benjamin[44], os comportamentos empresariais que (i) afetam o consumidor diretamente aproveitando-se de sua vulnerabilidade, ou tornando-o mais vulnerável; (ii) E que representam um comportamento do fornecedor incompatível com o mercado transparente e justo.


A expressão “prática abusiva” não chegou a ser conceituada pelo Código de Defesa do Consumidor, apesar de estarem listadas em seu artigo 39:


Art. 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:


I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;


II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;


III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;


IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;


V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;


VI – executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;


VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;


VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes, ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – CONMETRO;


IX – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério;


IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;


X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços;


XI – (dispositivo incorporado pela MP-1.890-67-1999, transformado em inciso XIII, quando da converão na L-009.870-1999)


XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.


XIII – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.


Parágrafo único – Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.”


O Código de Defesa do Consumidor – CDC prevê a participação de diversos órgãos públicos e entidades privadas, bem como o incremento de vários institutos como instrumentos para a realização da Política de Consumo.


Quis o Código que o esforço fosse nacional, integrando os mais diversos segmentos que têm contribuído para a evolução da defesa do consumidor no Brasil. O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC é a conjugação de esforços do Estado, nas diversas unidades da Federação, e da sociedade civil, para a implementação efetiva dos direitos do consumidor e para o respeito da pessoa humana na relação de consumo.


Conforme o CDC, integram o SNDC a Secretaria de Direito Econômico – SDE, do Ministério da Justiça, por meio do seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC, e os demais órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal, municipais e  entidades civis de defesa do consumidor.


O DPDC é o organismo de coordenação da política do SNDC e tem como atribuições principais coordenar a política e ações do SNDC, bem como atuar concretamente naqueles casos de relevância nacional e nos assuntos de maior interesse para a classe consumidora, além de desenvolver ações voltadas ao aperfeiçoamento do sistema, à educação para o consumo e para melhor informação e orientação dos consumidores.


Os Procons são órgãos estaduais e municipais de defesa do consumidor, criados, na forma da lei, especificamente para este fim, com competências, no âmbito de sua jurisdição, para exercitar as atividades contidas no CDC e no Decreto nº 2.181/97, visando garantir os direitos dos consumidores.


Verifica-se, dessa forma, que as competências são concorrentes entre União, Estados e Municípios no que se refere aos direitos dos consumidores, não havendo, portanto, relação hierárquica entre o DPDC e os Procons ou entre Procons. Os Procons são, portanto, os órgãos oficiais locais, que atuam junto a comunidade, prestando atendimento direto aos consumidores, tendo, desta forma, papel fundamental na atuação do  SNDC.


Outro importante aspecto da atuação dos Procons diz respeito ao papel de elaboração, coordenação e execução da política local de defesa do consumidor, concluindo as atribuições de orientar e educar os consumidores, dentre outras.


Em nível estadual tem-se 27 Procons no total, um para cada Unidade da Federação. Conforme mencionado, os Procons estaduais têm, no âmbito de sua jurisdição competência para planejar, coordenar e executar a política estadual de proteção e defesa do consumidor, assim para o melhor funcionamento dos sistema estadual de defesa do  consumidor, faz-se necessário que exista um estreito relacionamento entre os Procons Municipais e o Estadual, bem como entre os próprios órgãos municipais.


Outros dois atores merecem destaque pela sua importante atuação na defesa dos direitos dos consumidores: os Ministérios Públicos e as Entidades Organizadas da Sociedade Civil.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


A tutela da concorrência, nos moldes como disciplinado pela Constituição Federal e pela Lei nº 8.884/94, não possui um fim em si mesmo. É um instrumento de realização da ordem econômica constitucional, que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados princípios como o da liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico (Art. 170, CF e Art. 1º, Lei nº 8.884/94).


Dentre os escopos da defesa da concorrência, é a proteção do consumidor aquele que mais facilmente pode ser aferido pelo cidadão. Promover a concorrência entre as empresas é garantir ao consumidor preços mais baixos, maior variedade e qualidade de produtos, mais inovação e maior poder de escolha. Assim, o consumidor é o grande destinatário da defesa da concorrência.


A defesa do consumidor promovida por meio da tutela da concorrência pode se dar tanto de forma direta quanto indireta. Assim, por exemplo, quando o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência combate cartéis como os da revenda de combustível, está influindo diretamente na redução do preço que o consumidor paga para abastecer seu carro.


Da mesma forma, quando práticas de venda casada são proibidas, o consumidor é diretamente beneficiado. Por outro lado, ao combater infrações como a prática de preços predatórios, embora aparentemente esteja coibindo os menores preços, está, na verdade, protegendo a concorrência no mercado para, de forma indireta, proteger o consumidor de um futuro aumento abusivo de preços.


Para além da repressão pelo SBDC, é possível ainda que os próprios consumidores se utilizem de instrumentos conferidos pela Lei de Defesa da Concorrência para defender seus interesses. Assim, consumidores que se sentirem lesados por práticas anticompetitivas como as acima mencionadas podem ingressar em juízo, diretamente ou por meio de associações, Ministérios Públicos e PROCONs estaduais e municipais, para obter indenização por perdas e danos sofridos (Art. 29 da Lei nº 8.884/94).


 


Referências bibliográficas

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FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed., 2. tir. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

 

Notas:

[1] FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed., 2. tir. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 28.

[2] ARISTÓTELES. Política. Coleção a obra-prima de cada autor. 15. ed. São Paulo: Martin Claret, 1998.

[3] CONSIDERA, Cláudio Monteiro. Uma breve história da economia política da defesa da concorrência. nov 2002, p. 7. Disponível em: <http://www.seae.fazenda. gov.br/central_documentos/documento_trabalho/2002>. Acesso em: 19 fev 2007.

[4] CONSIDERA, loc. cit.

[5] CONSIDERA, loc. cit.

[6] CONSIDERA, 2002, p. 8.

[7] FORGIONI, 2005, p. 37.

[8] FORGIONI, loc. cit.

[9] FORGIONI, 2005, p. 43.

[10] Ibid., p. 51.

[11] Ibid., p. 52.

[12] FORGIONI, loc. cit.

[13] FORGIONI, 2005, p. 59.

[14] CARVALHO, Leonardo Arquimiro de; VERENHITACH, Gabriela Daou. Manual de direito da concorrência. São Paulo: IOB Thompson, 2005, p.51.

[15] CONSIDERA, 2002, p. 7.

[16] SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as estruturas. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 49.

[17] Ibid., p.55.

[18] NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: introdução ao direito econômico. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 316.

[19] FORGIONI, 2005, p. 74.

[20] NUSDEO, loc. cit.

[21] CONSIDERA, 2002, p. 10.

[22] CADE, Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Acessoria Internacional. UNCTAD. Conferência das nações unidas para o comércio e desenvolvimento. Disponível em:<http://www.cade.gov.br/internacional/ UNCTAD.pdf>. Acesso em: 20 jan 2007.

[23] Ibidem.

[24] CARVALHO, 2005, p. 13.

[25] OLIVEIRA FILHO, Gesner José de. Concorrência: panorama no Brasil e no mundo. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 60.

[26] FORGIONI, 2005, p. 95.

[27] FORGIONI, loc. cit.

[28] FORGIONI, 2005, p. 98.

[29] Ibid., p. 103.

[30] Ibid., p. 32.

[31] SALGADO, Lucia Helena. A economia política da ação antitruste. São Paulo: Singular, 1997, p. 90.

[32] FORGIONI, 2005, p.119.

[33] Ibid., p. 35.

[34] OLIVEIRA FILHO, 2001, p. 66.

[35] CONSIDERA, 2002, p. 14.

[36] SALGADO, 1997, p. 176.

[37] Ibid., p. 177.

[38] FORGIONI, 2005, p. 143.

[39] SEAE, Secretaria de Acompanhamento Econômico. Conheça a SEAE. Disponível em: <http://www.seae.fazenda.gov.br/conheca_seae>. Acesso em: 20 jan 2007.

[40] SDE, Secretaria de Direito Econômico. Institucional. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/institucional/estrutura/sde.htm>. Acesso em: 20 jan 2007.

[41] CADE, Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Institucional. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/apresentacao/cade.asp#cade>. Acesso em: 20 jan 2007.

[42] FORGIONI, 2005, p. 521.

[43] OLIVEIRA FILHO, 2001, p. 35.

[44] BENJAMIN, Antonio Herman V. O Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor in Revista de Direito do Consumidor. nº. 7. Editora RT e Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, 1993, p. 280.


Informações Sobre o Autor

Gisele Amorim Sotero Pires

Advogada militante em Direito de Família, graduada pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) em convênio com a Associação Catarinense do Ministério Público (ACMP) e Especialista em Direito Cível e Empresarial pela Universidade Anhanguera em convênio com o Grupo Luiz Flávio Gomes


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