A ampliação do alcance das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha para os demais hipossuficientes mencionados no artigo 313,III, CPP sob a nova redação dada pela Lei 12.403/11

Pode – se dizer que o inciso III do artigo 313, CPP reitera e aperfeiçoa a inclusão da possibilidade de preventiva em casos de violência doméstica, para assegurar o cumprimento das medidas protetivas de urgência, independentemente da pena cominada já viabilizada pela Lei 11.340/06 (artigo 42) quando incluiu o antigo inciso IV no artigo 313, CPP, ora revogado.


Não é difícil justificar por que a Lei 12.403/11 “reitera e aperfeiçoa” o antigo inciso IV no atual inciso III. Ela reitera porque já na anterior redação dada pelo artigo 42 da Lei Maria da Penha, se previa a possibilidade de decretação da preventiva, independentemente da pena cominada (na época reclusão ou detenção), desde que voltada para garantir o cumprimento das medidas protetivas de urgência aplicadas ao infrator em defesa da mulher vitimizada. O antigo inciso IV, ora revogado, fazia menção especial à mulher e à lei específica que trata da violência de gênero (Lei 11.340/06). Ademais se referia às medidas protetivas de urgência, que somente eram previstas para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher nos termos dos artigos 22 a 24 da Lei Maria da Penha. A Lei 12.403/11 reitera essa previsão, pois que continua fazendo referência à garantia das medidas protetivas de urgência conferidas à mulher em situação de violência doméstica ou familiar. Mas, de outra banda, a novel legislação “aperfeiçoa” o dispositivo, pois que deixa de prever somente a possibilidade de preventiva para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, passando a abranger outros hipossuficientes dignos de consideração de acordo com as regras constitucionais e legais (criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência). Agora a lei processual penal prevê o decreto preventivo, independentemente da pena cominada “in abstracto”, para a garantia de medidas protetivas de urgência não somente à mulher, mas a todos os hipossuficientes enumerados no dispositivo. E nesse passo o Código de Processo Penal, por meio do artigo 313, III, CPP vem a colmatar uma lacuna odiosa na legislação pátria, geradora de desigualdade e insuficiência protetiva (inconstitucionalidade por insuficiência protetiva e por violação da isonomia). Ocorre que a previsão de uma legislação conferindo especial proteção à mulher, longe de gerar inconstitucionalidade por infração ao Princípio da Igualdade ou Isonomia em relação ao gênero masculino, promovia certamente a igualdade material. Aqueles que insistem em apontar a igualdade entre homens e mulheres constitucionalmente prevista para desacreditar a Lei Maria da Penha em termos de constitucionalidade ou sofrem de obtusidade mórbida ou atuam com má fé, usando um sofisma primário por não admitirem mudanças sociais em prol das mulheres. Nada é mais óbvio do que o fato de que o disposto no artigo 5º., I da Constituição Federal não se volta para uma igualdade formal rígida e chapada entre os gêneros, senão para a finalidade de promover uma igualdade material que não existe. É uma das lições mais antigas aquela que diz que se devem tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente (equidade é algo em pauta desde a Grécia antiga com Aristóteles e companhia e chegando aos nossos dias com a Teoria da Justiça de John Rawls). [1] É claro e evidente que o dispositivo constitucional em comento jamais pretendeu dizer o absurdo de que homens e mulheres são realmente iguais (Ainda bem que não são iguais, senão o mundo seria muito triste!). Há obviamente diferenças físicas, psíquicas etc., mas o principal são as diferenças sociais que vêm se mantendo não somente no Brasil como em todo o mundo dito civilizado ou não. Assim sendo a dicção do artigo 5º., I, CF, ao proclamar essa igualdade formal, só pode ter por escopo ensejar uma igualdade real ou material através da lei, corrigindo injustiças e desigualdades existentes de fato e equiparando socialmente a mulher ao homem mediante uma “discriminação positiva”. Mais ridículo ainda seria pretender pensar que o objetivo da norma constitucional fosse equiparar o homem à mulher, vez que o gênero masculino sempre se sobrepôs ao feminino na história da humanidade com raríssimas exceções encontráveis em algumas sociedades matriarcais, aliás, raríssimas ou inexistentes na atualidade a não ser em pequenas comunidades primitivas. Portanto, a Lei Maria da Penha nada tem de inconstitucional por excesso. Mas, o arcabouço legal brasileiro, especialmente a partir da edição da Lei 11.340/06, sempre apresentou uma inconstitucionalidade por omissão ou por insuficiência protetiva. Concedida a proteção especial necessária e merecida às mulheres, restava prestigiar os demais hipossuficientes dignos de especial proteção. Eram eles realmente aqueles que hoje foram incluídos sob esse manto protetor (crianças, adolescentes, idosos, enfermos e pessoas com deficiência). Era realmente absurdo verificar que a violência doméstica contra uma idosa ou uma menina (criança), por exemplo, impunha medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha e todo um procedimento e apenação mais rigorosos, enquanto que o mesmo fato envolvendo um idoso ou um menino (gênero masculino) não tinha tratamento isonômico. Era urgente colmatar essa terrível lacuna protetiva. Assim a solução jamais seria declarar a Lei Maria da Penha inconstitucional, mas sim ampliar o espectro protetivo aos demais hipossuficientes, o que foi procedido, ao menos parcialmente, pela Lei 12.403/11 por meio do artigo 313, III, CPP.


Ousa-se afirmar que a inovação promovida pela Lei 12.403/11 no artigo 313, III, CPP tem o condão de ampliar para todos os hipossuficientes ali elencados, independentemente do sexo, as medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/06. Antes da alteração legal eram previstas medidas protetivas independentemente do sexo do vitimado apenas para o caso de lesões corporais domésticas (artigo 129, § 9º., CP), de acordo com o artigo 69, Parágrafo Único, parte final, da Lei 9099/95 que somente previa a medida de cautela de “afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima”. Referido dispositivo era pontual e teve parca aplicação prática, além de não conferir nem de longe todo o espectro protetivo propiciado pelas variadas medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/06 (artigos 22 a 24). Mesmo considerando a falta de uma determinação mais concreta do que seria “violência doméstica” e podendo-se ampliar a aplicação do disposto no artigo 69, Parágrafo Único da Lei 9099/95 a casos de ameaça, vias de fato, estupro, tentativa de homicídio etc., ainda era limitada a uma única medida de afastamento aquela que podia ser conferida à vítima homem ou mulher.


Com o advento da Lei Maria da Penha a situação das mulheres foi solucionada sob o aspecto legal, mas os demais hipossuficientes vítimas de violência doméstica e familiar seguiram com uma proteção inadequada.  


Ocorre que com a Lei 12.403/06, e o novo tratamento da Prisão Preventiva, no artigo 313, III, CPP, o legislador manifestou-se pelo cabimento da custódia provisória “se o crime envolver violência doméstica contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência” (grifo nosso).  Ora, a expressão “Medidas Protetivas de Urgência” somente existe na Lei 11.340/06 e encontra-se regulada nos artigos 22 a 24 daquele diploma, de modo que quando o Código de Processo Penal faz sua ligação não somente às mulheres, mas aos demais hipossuficientes arrolados no artigo sob comento, deixa claro sua aplicabilidade a todas as pessoas naquelas condições especiais. É notório que a Lei 12.403/11, posterior à Lei 11.340/06 acabou fazendo uma extensão das Medidas Protetivas de Urgência da Lei Maria da Penha a outros hipossuficientes, independentemente do sexo (crianças, adolescentes, idosos, enfermos e pessoas com deficiência), operando, portanto, derrogação dos dispositivos da Lei 11.340/06 que eram limitativos quanto às vítimas do sexo feminino, assim como do fraco dispositivo do artigo 69, Parágrafo Único, “in fine”, da Lei 9099/95. Essa lacuna ou insuficiência protetiva já era inclusive passível de crítica, apontando-se até mesmo uma inconstitucionalidade por omissão do legislador ao conferir especial proteção à mulher, deixando alijados disso outros hipossuficientes que encontram determinação legal e constitucional de especial consideração, conforme já consignado. Não se há falar em extensão para homens adultos não idosos ou deficientes, mas para os hipossuficientes do sexo masculino ou feminino ora arrolados pela Lei 12.403/11 no artigo 313, III, CPP.  Finalmente as medidas protetivas tiveram seu alcance expandido pela Lei 12.403/11, razão pela qual se considera doravante adequado o pleito e concessão de Medidas Protetivas de Urgência aos demais hipossuficientes previstos expressamente no dispositivo do artigo 313, III, CPP, que permite, inclusive, o decreto de Prisão Preventiva, acaso, deferidas tais medidas, sejam elas descumpridas pelo indiciado ou acusado. Assim sendo, para todos os hipossuficientes arrolados no inciso III do artigo 313, CPP, independentemente de sexo, estão à disposição as cautelares em geral privativas de liberdade ou não previstas no Código de Processo Penal (artigo 319 e 320, CPP), bem como as medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha.


 


Referências

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

 

Nota:

[1] RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 3 – 56.


Informações Sobre o Autor

Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal Especial e Criminologia na graduação e na pós – graduação da Unisal e Membro do Grupo de pesquisa em bioética e biodireito do programa de mestrado da Unisal.


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