Paradigma desenvolvimentista educacional para a formação do filósofo-educador

Resumo: O objetivo deste artigo é sedimentar o procedimento para dar vazão a um novo paradigma educacional que tenha como núcleo a formação do filósofo-educador enquanto super-homem, mestre dos discentes. Como trazer esta conjuntura à tona, tendo em vista o modelo civilizatório ocidental? Quais as implicações quando do aumento e diminuição da cultura na formação acadêmica? Esperamos promover, paripassu, a formação de um paradigma educacional cujo enfoque se dá na formação do mestre e na autonomia do discente para que a vontade de potência se expanda de forma que o sujeito, dotado de consciência e liberdade, aja no mundo, com o mundo, sobre o mundo de forma a dar sentido ao caos da existência. Esta mudança de paradigma, na esfera do ideal, não visa tão-somente teorizar. Ao contrário. O que se espera é que, a partir do momento em que um problema é trazido à tona, a reflexão é conditio sine qua non para a mudança prática. Isso significa conscientizar os leitores a buscarem o autoconhecimento, sabendo conjugar pensar a respeito da educação e agir a partir da transvalorização de valores.


Sumário: 1) Método; 2) A necessidade de um novo paradigma educacional; 3) O que se ensina? Cultura para reflexão e ação; 4) Como explicar o processo educativo? 5) Semelhanças entre os seres humanos e as árvores.


“A única revolução possível é aquela que, a partir da cultura, pode levar ao autoconhecimento de cada um e, consequentemente, produzir uma mudança radical de valores na sociedade”. (autora)


1) Método


Esta é a oportunidade para desenvolver uma investigação pormenorizada sobre um problema, ou seja, algo que não sabemos e necessitamos saber. Existe um processo de transformação que o homem exerce sobre o meio. O sujeito, dotado de consciência e liberdade, age no mundo, com o mundo, sobre o mundo. Quando algo interfere no que o homem julga ser o curso natural, eis que é o momento de se deter e examinar, procurando descobrir o que é este algo. Isso é filosofar sobre educação.


O fato de que alguém ignore algo, não encontrando a maneira de tornar compatíveis as ideias, embora tendo plena consciência desta ignorância, não é suficiente. É preciso que a pessoa necessite saber esse algo, ligando as noções discordantes. Como não se pode estar numa situação dita problemática, se exige uma solução. É uma conjuntura de impasse, desconhecimento, obstáculo, mas não só: é ignorar algo que carece de conhecimento. Ao desafio da realidade, representado pelo problema, respondemos com reflexão. Esta deve ser em profundidade, crítica e de conjunto, pois a questão se relaciona com demais aspectos do contexto em que está inserida.


Filosofia é busca e abre caminho à ciência, pois localiza o problema e tem a finalidade de fazer com que a ação deixe de ser problemática. A filosofia faz mediação entre ação #1, primária e ação #2, secundária. Nesta, o homem tem plena consciência explícita do porquê de estar agindo de tal forma. Na primária, não. Isso não quer dizer que, no primeiro caso, esteja a ação desprovida de orientação. As ações humanas seguem sempre uma orientação. Tal orientação, contudo, nem sempre é resultado da reflexão.


Diante de um problema, porém, o homem é levado à ação secundária, que Dermeval Saviani chama de ideologia,[1] assim entendida como uma leitura que fazemos de uma situação passada, num conjunto de eventos, formando uma ação orientada pelas exigências da ação a ser realizada. Esta opção ideológica pode ratificar a orientação da ação primária ou se opor a ela.  Assim, podemos concluir que é por intermédio da filosofia que a ação pré-reflexiva dá margem ao surgimento da ação reflexiva.


2) A necessidade de um novo paradigma educacional


Pretendemos sopesar a cultura enquanto conjunto de conhecimentos que permite ascensão do indivíduo em seu meio. Ela permite capacitação, que por sua vez propicia aumento de produção, riquezas e prosperidade ao Estado. Como Nietzsche define: por meio da cultura se conhece todos os caminhos que permitem mais facilmente ganhar dinheiro.[2]


De outra banda, reduzir a cultura, numa visão oposta ao utilitarismo, permite a divisão do trabalho e o fortalecimento da figura do especialista de uma ciência que, mesmo tendo conhecimento superior em determinado campo, está no mesmo nível que a sociedade no que tange às demais questões. Na Primeira Extemporânea, Nietzsche expõe: nossos eruditos quase não se distinguem (…) dos lavradores que querem aumentar uma pequena propriedade herdada e, assiduamente, dias e noites a fio, se esforçam em lavrar o campo, conduzir o arado e espicaçar os bois.[3]


Ortega y Gasset[4] pontua as mazelas da especialização. Segundo ele, nosso modo de ensinar universitário é o responsável pela formação de novos bárbaros, homens sempre mais sábios e sempre mais incultos.


Ora, o escopo da educação é contribuir para que o indivíduo desenvolva suas potencialidades; não apenas para exercer seu ofício, mas para conviver de forma plena no ambiente que o cinge e usar, de forma eficiente, o legado cultural acumulado ao longo dos tempos. Educar é uma atividade organizadora, resultado de valores morais e intelectuais postos a serviço da humanidade; não é uma cultura Wikipedia, tampouco um conhecimento em forma de cápsulas, tal qual medicamentos que garantem felicidade, saúde e jovialidade.


Nietzsche sugere que a educação desenvolva a autonomia, não a domesticação. É sabido que quanto maior a liberdade, maior a responsabilidade e menor a segurança. Assim, em nome da segurança, muitos se renderam às práticas autoritárias, aplicando-as ao sistema educacional, recompensando seguidores de regras e punindo transgressores. Uma solução fugaz para o problema da educação. A proposta é uma educação libertadora que permite ao homem não perder contato consigo mesmo.


 A domesticação do indivíduo, própria de sistemas autoritários de ensino, nos remete a Rosa Maria Dias, que no livro Nieztsche Educador, expõe que o produto da domesticação é um indivíduo fabricado em série, adaptado às condições de seu meio, mas sua autonomia faz dele um sujeito forte, capaz de crescer a partir do acúmulo de forças deixadas pelas gerações passadas, capaz de mandar em si mesmo; alguém que se atreve a ser ele mesmo.[5]


Isso não implica caminhar sem mestres. Estes não podem ensinar um caminho, mas podem despertar os discentes que, por sua vez encontram o próprio caminho. Eis o papel do filósofo-educador, cujo aprimoramento deve ocorrer no que se refere à técnica da formação cultural, autoconhecimento e expansão da vontade de potência.[6]


Um dos meios pelos quais a educação se apresenta é a partir do modelo, da credibilidade fornecida pelo mestre, o que não ocorre pela simples transmissão de conhecimentos deste aos seus alunos. O educando descobrirá suas próprias potencialidades através do contato com o mestre, aprofundando suas forças e libertando-se pela imitação criadora. Os mestres ou guias são modelos a serem seguidos; não no sentido de repetição, mas sim imitação criativa, experimentação do vir-a-ser.


Nas universidades o aprendizado das ciências é feito como algo desligado da própria vida. Coloca-se a ciência num pedestal; em detrimento da humanidade. A transformação social tem o processo educativo como núcleo. Assim, a mudança não está focalizada apenas na burocracia, política ou economia, mas almeja a transformação integral de toda a humanidade, acometendo a reeducação do homem. Será mister a capacitação que formará filósofos com capacidade de educar-se a si mesmos e fazer eclodir um próspero paradigma educacional.


Até aqui, o viés é auspicioso. Ao olhar do leigo, pode parecer um disparate propagar a esperança em meio ao pensamento Nietzschiano, que trata de forma veemente o niilismo. Ora, cabe a nós esclarecer que niilismo não é a completa descrença no mundo, mas sim um estado de elevação espiritual resistente. É o que Nietzsche denomina de niilismo ativo. Este se opõe ao estado búdico (nirvana), por exemplo, que é a forma mais conhecida de niilismo passivo. Nesta vertente, defendida por Schopenhauer e reprovada por Nietzsche, se resigna e suporta a dor da existência. O aprofundamento destas questões, na esfera educacional, será feito no deslinde da pesquisa acadêmica, já nos posicionando pró niilismo ativo, no qual o indivíduo que destrói o sistema educacional vigente é o mesmo que criará novos valores.[7]


Ainda nesta esteira, e visando explicar as mazelas na civilização ocidental e nosso entendimento acerca dos desafios que se apresentam à condição humana hodiernamente, o que se vê é um empenho na busca da ordem e da segurança presentes nos ideais utópicos de edificação de um mundo previsível. O fracasso da felicidade, a imersão na insegurança, a perda das referências e as possibilidades que estas perspectivas contemporâneas propiciam um estado de choque na sociedade.


O discurso pronto prega a promoção da educação como forma de extirpar este câncer que se alastra na sociedade. Discurso este dito por toda sorte de pessoas. Multiplicam-se os especialistas adstritos aos limites de conhecimento técnico que possuem e parca visão macro. Ora, a exaustão presente no paradigma civilizatório ocidental representa a dificuldade que enfrentamos para dar sentido ao mundo. O indivíduo se tornou incapaz de se posicionar na medida em que inúmeras são as possibilidades de ação postas à existência.


O caráter pueril da sociedade contemporânea enfatiza o aspecto do niilismo passivo. Caracterizado pelo cansaço, exaustão do homem frente à fragmentação das promessas não cumpridas pelas estruturas institucionais construídas para ordenar o caos, dentre as quais evidenciamos: Estado, igreja, e sistema educacional. O aviltamento destas três instituições exprime a derrota do pensamento como possibilidade de resistência. Eis o niilismo passivo, do qual divergimos, mas sem o qual, para refutar, se torna inviável a construção do paradigma educacional.


3) O que se ensina? Cultura para reflexão e ação


A cultura é a aquisição harmônica de conhecimentos que permitem compreender a humanidade. Há uma relação direta entre cultura e transcendência humana. Assim adquirir senso estético é um fator contundente para o desenvolvimento social.


Insta consignar que o papel da cultura não tem o condão de recriar um sistema educacional perfeito, onde o estudante se refugia para se nutrir da riqueza alheia, reflexão alheia, e não ter que refletir ele mesmo, ou se definir. A cultura puramente teorizada se torna um álibi para o discente se refugiar no mundo ideal e se exonerar da ação. Os valores culturais não podem ser transformados em meros adornos, passatempo ou distração. Ser um espectador atento já é um avanço, mas o engajamento é o que propicia a mudança de paradigma. Pensar e agir devem andar lado a lado.


Nosso objetivo, como já dito anteriormente, é estabelecer um paradigma de desenvolvimento à educação por meio da formação do professor-filósofo, filósofo-educador, super-homem Nietzschiano,[8] a figura do mestre como mito, de Joseph Campbell.[9] Para Burckhardt,[10] definir quem é grande implica aceitar a condição de pequeno do pesquisador. Assim, existem dificuldades do ponto de vista individual, o que torna a análise comparativa – grandiosidade e pequenez humana – subjetiva. Ora, como o homem se comporta diante da grandeza alheia? E como diferenciar grandeza de poder?


Grandeza é a soma da personalidade de um indivíduo que nos parece grande, que continua a exercer sua influência mágica sobre nós através dos séculos e dos povos, muito além das fronteiras da simples tradição. Este alguém é dotado de força moral e intelectual que o torna hábil a enxergar além.


Os mestres, enquanto guias – educacionais, espirituais, políticos, beligerantes, artísticos, entre outros – são munidos desta qualidade de super-homem e são peças-chave na sociedade. Nietzsche, no início de sua formação, tinha pontos de convergência com Schopenhauer sobre o caráter da figura do gênio/mestre/grande homem. O soslaio estruturante que dá força para o aparecimento de um novo paradigma. A ideia é dar vazão a uma cultura moldada a partir da revisão do presente.


É importante aclarar que as obras de Nietzsche aqui mencionadas retratam a Alemanha do século XIX. Nesse diapasão, o processo educativo foi eleito como chave para a construção da unidade entre os Estados alemães a partir de uma cultura homogênea. Para Nietzsche, o sistema se ensino alemão aquilatava duas tendências cujos efeitos eram nefastos à educação: à extensão e à redução cultural. Quanto à primeira, visando a universalização da cultura, uma das correntes educacionais alemãs era marcadamente utilitarista. Já a redução propicia a especialização.


4) Como explicar o processo educativo?


Quando falamos em educação nos vem a ideia de escola, mas não necessariamente fazemos referência a esta formalização do ensino. Interações sociais e motivações dão ensejo à aprendizagem mesmo fora do contexto escolar.


Numa tribo indígena, por exemplo, a característica essencial da educação reside no fato de ser difusa e administrada indistintamente por todos os elementos do clã.[11]


 Assim, são diversas as formas comunitárias de ensino, cujo escopo é a socialização, ou seja, disseminação do que uma sociedade precisa ter como sua: identidade, ideologia, modo de vida, entre outros.


Carlos Rodrigues Brandão ainda nos informa que a educação surge quando existem formas sociais de condução e controle do ensino. O Ensino formal existe quando a educação se sujeita à pedagogia. Assim, cria situações próprias para seu exercício, produz seus métodos e regras, dando ensejo ao que conhecemos como escola.


Brandão também salienta:


“A natureza do homem, na sua dupla estrutura corpórea e espiritual, cria condições especiais para a manutenção e transmissão da sua forma particular e exige organizações físicas e espirituais, ao conjunto das quais damos o nome de educação. Na educação, como o homem a pratica, atua a mesma força vital, criadora e plástica, que espontaneamente impele todas as espécies vivas à conservação e a propagação de seu tipo. É nela, porém, que essa força atinge o seu mais alto grau de intensidade, através do esforço consciente do conhecimento e da vontade dirigida para a consecução de um fim. Quando um povo alcança um estágio complexo de organização da sua cultura; quando ele enfrenta, por exemplo, a questão da divisão do trabalho e, portanto, do poder, é que ele começa a viver e a pensar como problema e as formas e processos de transmissão do saber. (…)


Para os gregos, a educação estava diretamente ligada ao conceito de Paideia (formação do homem para servir a polis). Lá, eram ensinados os ofícios de agricultura, pastoreio, subsistência, arte, entre outros. É a chamada tecne. Não obstante, também eram ensinados princípios de honra e solidariedade à polis. É o que se chama de ensino teórico.[12]


A educação na Grécia antiga tinha como ideal a reprodução de uma ordem social concebida como perfeita e necessária, por meio da transmissão, de geração a geração, valores e habilidades que tornam um homem tão mais perfeito quanto mais preparado para viver a cidade a que servia. Quando das conquistas de Alexandre Magno, os gregos tinham uma preocupação de levar suas escolas a fim de impedir que a distância da pátria de origem culmine perda da cultura do vencedor entre os costumes e o saber dos vencidos.


Analisando hodiernamente o sistema educacional, notamos que a literatura examina e elucida diversas perspectivas acerca das formas pelas quais se educa. Há diferentes teorias, mas aqui nos cabe destacar as que consideramos cardeais.


Primeiramente, a perspectiva biológica, ou seja, ver a educação como meio para o homem alcançar seu progresso e luta pela vida, também chamado pela literatura de utilitarismo pedagógico.


É também objeto de aprofundamento a perspectiva psicológica. O mundo interior de cada um dos envolvidos na educação, vale dizer, aluno, professor, pais, sociedade e escola, é bastante intrincado, o que nos remete à questões de perspectiva e relativismo. A aprendizagem se insere no quadro psicológico de cada um.


Fatores exógenos e endógenos têm a característica de serem dinâmicos. É sabido que o quadro interno pode ser profundamente modificado mediante certos acontecimentos, traumas e, a partir daí, modificar a visão que o indivíduo tem, dando margem a novas conclusões. A aceitação de elementos externos depende de seu enquadramento no quadro psicológico próprio de cada um.


Pessoas que usam a fala como maior meio de expressão, tais como políticos (Estado), padres, pastores e similares (religião) e professores (sistema educacional) devem se enquadrar na psicologia do público para que suas ideias sejam aceitas. Portanto, o que se concluir é que, para a educação obter êxito, deve levar em conta o interior do indivíduo.


Outra corrente aqui elucidada para os processos educativos foi impulsionada por Rousseau, seu representante exponencial. É o naturalismo pedagógico, uma apologia ao estado natural. Nas palavras do filósofo:


“Antes de a arte haver moldado nossas maneiras e ensinado nossas paixões a falar numa linguagem afetada, nossos costumes eram rústicos, mas naturais; e a diferença dos procedimentos anunciava, ao primeiro olhar, a dos caracteres. No fundo, a natureza humana não era melhor; mas os homens encontravam a segurança na facilidade de se penetrarem reciprocamente; e essa vantagem, cujo valor já não percebemos, lhe poupava muitos vícios.”[13]


Em Emílio,[14] Rousseau desenvolve suas ideias pedagógicas propondo a educação pela natureza. Esta teoria negativa da educação restringe o homem ao mundo natural, ou seja, à educação compete exclusivamente evitar influências que possam prejudicar o desenvolvimento natural da criança. A criança deve evoluir segundo as condições do meio em que vive; mesmo as recompensas e sanções são aplicadas pelo próprio meio sem a necessidade de intervenção do educador.


Mas a formação do indivíduo não cessa a partir de uma análise biológica, psicológica e naturalista. É de se ressaltar o aspecto cultural e a inserção do homem neste contexto, haja vista que se pretende voltar ao mundo tal como ele é dado, carregado de sentido cultural. Na medida em que o homem é formado por um certo meio, fica familiarizado com este ambiente e se deixa moldar. Durkheim, expoente do sociologismo pedagógico assim preconiza:


“A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine.”


E continua:


“(…) Aprendendo uma língua, aprendemos todo um sistema de idéias (…) e, com isso, nos tornamos herdeiros de todo o trabalho de longos séculos, necessário a essa organização. Há idéias gerais, porquanto é a palavra que as fixa, que dá aos conceitos suficiente consistência, permitindo ao espírito a sua aplicação. Foi a linguagem que nos permitiu ascender acima da sensação; e não será necessário demonstrar que, de todos os aspectos da vida social, a linguagem é um dos mais preeminentes”.[15]


Ora, o educando é visto como um ser determinado, limitado. Este aspecto nos faz pensar que, se adotarmos este viés, estaríamos adotando a teoria da negação da educação. Não é nosso intuito. Alguns elementos do determinismo são aceitos; outros, rejeitados; outros, o indivíduo procura transformar. Isso mostra que o homem é capaz de superar os condicionamentos de sua conjuntura e intervém, pessoalmente, de forma a aceitar, rejeitar ou transformar sua realidade. É este aspecto pessoal que tem força libertadora contra o determinismo. A educação tem por objeto suscitar e desenvolver no indivíduo potencialidades físicas, intelectuais e morais para viver em sua plenitude.


Finalmente, a última corrente que pretendemos destacar é a educação moralista, moralismo pedagógico ou voluntarismo. Schopenhauer[16] se colocou sob esta perspectiva, dando margem à chamada educação do caráter, que enfatiza a vontade, como no dito popular querer é poder. Esta corrente superestima o aspecto pessoal em detrimento do determinismo. Omitindo os condicionamentos determinados pelo aspecto empírico e proporcionando maior ênfase à vontade, este modus operandi de educar faz com que o educando, ao se deparar com as limitações situacionais, não as considere como tais, mas sim como limitações pessoais. Cria-se a convicção de que é ele que não sabe se dominar; é ele que não se esforça suficientemente; é ele o incapacitado e responsável pelo fracasso. A conseqüência mais óbvia é o complexo de inferioridade e sentimento de culpa.


A verdadeira educação moral pressupõe liberdade e responsabilidade. Aqui não tratamos de moralismo educacional, já que o aspecto moralista enfoca tão somente a responsabilidade pelas ações, não a liberdade. Essa dissociação enseja o conflito no educando, pois ele se torna responsável por algo que não escolheu. A capacidade de decidir é algo personalíssimo, intransferível e determinante da responsabilidade. O sujeito, ao ter liberdade por suas decisões, assumirá suas consequências e implicações.


O conceituado autor Paulo Freire cita Kant[17] no que se refere à educação da vontade como sendo central, pois a razão prática, vontade guiada pela razão, será livre da coação externa dos impulsos, garantindo a autonomia dos sujeitos. Esta requer uma educação da vontade, que faz com que o indivíduo deixe de ser escravizado por suas paixões e da vontade dos opressores. Um dos elementos imprescindíveis na educação é a moral; e a vontade só se legitima na ação de sujeitos que assumem seus limites.


Torna-se inviável a adoção isolada de quaisquer teorias aludidas. A função do educador é acompanhar, de modo reflexivo, a atividade educacional de tal maneira que explicite seus fundamentos. Por isso, é preciso refletir o paradigma educacional conjugando as correntes e, ademais, à luz do niilismo ativo, cuja função é pensar os problemas da educação numa perspectiva a partir da qual se poderá chegar ao paradigma educacional.


O prêmio Nobel de Economia, o economista americano James Heckman, propõe fornecer estímulos às crianças nos primeiros anos de vida. Em seus estudos, conclui que não há política pública mais eficaz do que investir na educação de infantil. A educação é crucial para o avanço de um país e, quanto antes chegar às pessoas, maior será o seu efeito. Em entrevista concedida por Heckman[18], ele assim articula:


“Há evidências científicas de que dois tipos de habilidade têm enorme influência sobre o sucesso de uma pessoa na vida. No primeiro grupo, situam-se as capacidades cognitivas – aquelas relacionadas ao QI. Por capacidades cognitivas entenda-se algo abrangente, como conseguir enxergar o mundo de forma mais abstrata e lógica. Num outro grupo, igualmente relevante, coloco as habilidades não cognitivas, relacionadas ao autocontrole, à motivação e ao comportamento social. Essas também devem ser estimuladas no começo da vida.


As escolas têm um papel fundamental, especialmente quanto ao desenvolvimento das habilidades cognitivas. Quanto às não cognitivas, é preciso enfatizar o papel da família e da sociedade como um todo. Iniciativas mínimas têm altíssimo impacto, como o hábito de conversar com os filhos ou emprestar-lhes um livro. Só que alguns pais precisam ser orientados a fazer isso, daí a necessidade de programas sociais específicos. Qualquer tipo de intervenção que consiga despertar o interesse dos pais e fazê-los estimular, desde cedo, o aprendizado cognitivo e emocional dos filhos tem excelente retorno social.


Para investir em programas com o objetivo de intervir nas famílias, é preciso, antes de tudo, reconhecer que há algo de errado nesta instituição. Uma imagem mistificada da família ainda é cultuada. Nesta visão ingênua, a família é uma unidade inabalável, que invariavelmente proporciona bem-estar às crianças. Além de não corresponder à realidade, essa imagem idílica só atrapalha, uma vez que ofusca o problema.” (negritos nossos)


Estas capacidades cognitivas e não cognitivas nada mais são do que o desenvolvimento da vontade de potência, por nós já explanada. Do contrário, a renúncia de si mesmo não é vista como heroísmo ou abnegação, mas sim como forma de suicídio. É preciso promover o autodesenvolvimento do homem; e seria ingenuidade pensar que o homem é o mesmo antes e depois de alcançar sua identidade cultural. Cultura forma e informa.


5) Semelhanças entre os seres humanos e as árvores 


Façamos a seguinte analogia: podemos falar do homem como um ser que quis ser uma árvore, sem, no entanto, ter conseguido em sua plenitude. Ora, a árvore foi a melhor aliada do homem nas primeiras etapas de sua evolução animal, seja como último recurso ante a presença de animais selvagens, como primordial fonte de sustento, cuja madeira proporcionava meios de o homem se aquecer e construir instrumentos de caça. Desta forma, o homem deve muito às árvores. Estas, pouco vulneráveis, de incrível longevidade e extraordinária estatura. Capazes de adotar inimagináveis formas de acordo com as estações do ano; fonte de beleza e sensibilidade. Seu alimento é proveniente da terra e da luz solar. O húmus que nutre a árvore representa tudo o que a árvore foi.


Assim, o húmus está para a árvore assim como a cultura está para o homem. Sem cultura, o homem não se desenvolve; se limita a sobreviver. A cultura coloca o homem em contato com sua história. A cultura, como o húmus, precisa de anos e anos para ter consistência.


O prodigioso equilíbrio de uma árvore não está tanto na profundidade de suas raízes, mas sim na lógica de desenvolvimento que a leva à recriar-se, acumulando no solo suas flores, folhas e frutos, mesclando com a de seus predecessores e demais elementos ao redor.


Assim, o homem deve produzir suas folhas (feitos do dia-dia, trabalho), flores (feitos artísticos, filosóficos) e frutos (produto de seu esforço) para criar cultura. 


 


Referencial teórico

CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces. São Paulo: Ed. Cultrix/Pensamento, 1995.

CHAVES, Ernani. Cultura e política: o jovem Nietzsche e Jakob Burckhardt. Cadernos Nietzsche 9, 2000.

DIAS, Rosa Maria. Nietzsche Educador. São Paulo: Scipione, 2003.

DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. 6ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1995.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Ed. Paz e Terra.  34ª. ed, 2011.

NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio de uma filosofia do futuro. Petrópolis: Vozes, 2009.

NIETZSCHE, Friendrich. Vontade de Potência. Petrópolis: Vozes, 2002.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação? São Paulo: Brasiliense. 29ª. ed, 1994.

ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. São Paulo: Ed. Ridendo Castigat Mores, 2011.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre as ciências e as artes. In O Contrato Social e outros escritos, São Paulo: Cultrix, 1990.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Emilio o La educación. Disponível em <http://www.educ.ar> Acesso em 15 de Outubro de 2011.

SAVIANI, Dermeval. Educação Brasileira: estrutura e sistema. São Paulo: Saraiva, 5ª. ed. 1993.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA – SBP. O bom de educar desde cedo. Disponível em <http://www.sbp.com.br/show_item2.cfm?id_categoria=52&id_detalhe=3128&tipo_detalhe=s> Acesso em 4 de outubro de 2011.

 

Notas:



[1] SAVIANI, Dermeval. Educação Brasileira: estrutura e sistema. São Paulo: Saraiva, 5ª. ed. 1993.

[2] CHAVES, Ernani. Cultura e política: o jovem Nietzsche e Jakob Burckhardt. Cadernos Nietzsche 9, 2000.

[3]  Id., ibid.

[4] 3ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. São Paulo: Ed. Ridendo Castigat Mores, 2011

[5] DIAS, Rosa Maria. Nietzsche Educador. São Paulo: Scipione, 2003.

[6] Expressão usada por Nietzsche e que será abordada ao longo da tese, assim como tantas outras em destaque. Alude, fundamentalmente, ao aprimoramento de qualquer indivíduo que queira se colocar como exemplo (pais, professores, artistas, políticos, entre outros).

[7] NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio de uma filosofia do futuro. Petrópolis: Vozes, 2009.

[8] NIETZSCHE, Friendrich. Vontade de Potência. Petrópolis: Vozes, 2002.

[9] CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces. São Paulo: Ed. Cultrix/Pensamento, 1995.

[10] CHAVES, Ernani. Cultura e política: o jovem Nietzsche e Jakob Burckhardt. In Cadernos Nietzsche 9, 2000.

[11] BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação? São Paulo: Brasiliense. 29ª. ed, 1994.

[12] id., ibid,.

[13] ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre as ciências e as artes. In O Contrato Social e outros escritos, São Paulo: Cultrix, 1990.

[14] ROUSSEAU, Jean Jacques. Emilio o La educación. Disponível em <http://www.educ.ar> Acesso em 15 de Outubro de 2011.

[15]DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. 6ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1995.

[16] SAVIANI, Dermeval. Educação Brasileira: estrutura e sistema. São Paulo: Saraiva, 5ª. ed. 1993.

[17]FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Ed. Paz e Terra.  34ª. ed, 2011.

[18] SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA – SBP. O bom de educar desde cedo. Disponível em <http://www.sbp.com.br/show_item2.cfm?id_categoria=52&id_detalhe=3128&tipo_detalhe=s> Acesso em 4 de outubro de 2011.


Informações Sobre o Autor

Natália Paranhos Mastropaschoa

advogada, bacharel em Direito pela PUC de Campinas, com pós graduação lato sensu em Direito do Trabalho, mestranda em Políticas Públicas Educacionais (Ensino Jurídico) pela mesma instituição. Bolsista CAPES/Prosup


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Equipe Âmbito
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