Expurgos das cadernetas de poupança

O presente trabalho tratará especificamente da questão relativa aos EXPURGOS DAS CADERNETAS DE POUPANÇA, de modo que para efeito SISTEMÁTICA, tratarei, período por período, os índices solapados por boa parte das Instituições Financeiras, senão todas, às custas da classe trabalhadora, dos aposentados e pensionistas e dos consumidores brasileiros, as grandes vítimas de Políticas de Estabilização Econômica que foram impostas ao país.

INTRODUÇÃO.

Caros leitores. Neste Trabalho, analiso, período por período, a questão dos expurgos nas Cadernetas de Poupança, os quais, em certa medida, são os mesmos do FGTS, das aposentadorias e pensões concedidas no período e que certamente deixaram de considerar estes índices expurgados. Estas (pensões e aposentadorias) no que diz respeito ao cálculo da RMI – Renda Mensal Inicial, eis que não atualizados como deveriam os salários de contribuição do período.

DA LBC DE JUNHO DE 1.987

O Decreto-Lei n.º 2.311, de 23 de dezembro de 1.986, dando nova redação ao art. 12 do Decreto-lei n.º 2.2884/86, determinou que os saldos das cadernetas de poupança fossem corrigidos “pelos rendimentos das Letras do Banco Central (LBC) ou por outro índice que vier a ser fixado pelo Conselho Monetário Nacional”.

Esse órgão público exerceu essa opção e, pela Resolução n.º 1.265, de 26 de fevereiro de 1.987, estabeleceu que “o valor da OTN até o mês de Junho de 1.987” seria atualizado mensalmente pela variação do IPC ou da LBC, “adotando-se o índice que maior resultado obtiver”, e que ás cadernetas de poupança seria aplicada a OTN assim apurada.

Sobreveio a Resolução n.º 1.338 (item 1), publicada no dia 16 de junho de 1.987 determinando que a correção dos rendimentos das Cadernetas de Poupança fosse feito com base nos rendimentos produzidos pela LBC de 1.º a 30 de Junho de 1.987.

Ocorre que referida Resolução entrou em vigor a partir do dia 16 de Junho de 1.987 e não poderia atingir as poupanças iniciadas ou reiniciadas na primeira quinzena desse mês e ano, alterando o critério de atualização do valor da OTN, “pelo rendimento produzido pelas LBC de 1.º a 30 de junho de 1.987”, eis que os titulares das contas já tinham direito adquirido ao critério anterior previsto na Resolução n.º 1.265, especialmente das contas-poupança dos consumidores que possuíam aniversário até o dia 15 do mês de Junho de 1.987..

Tal alteração resultou prejuízo para os poupadores-consumidores, pois, verificou-se que a variação da LBC rendeu 18,02%, enquanto que a do IPC alcançou 26,06%, com diferença de 8,04%.

DO IPC DE JANEIRO DE 1.989.

Em 15 de janeiro de 1.989, o Governo Federal, na tentativa de estabilizar a moeda e conter a desenfreada inflação vigente no país, editou a Medida Provisória n.º 32, depois convertida na Lei n.º 7.730/89, de 31 de janeiro de 1.989.

Tal Medida Provisória em seu artigo 15 determinou a extinção de papel-moeda e o congelamento do valor nominal da moeda em NCZ$ 6,17 (Seis Cruzados Novos e dezessete centavos), valor este obtido com base na inflação constatada durante o mês de dezembro de 1.988, calculada pela metodologia definida no art. 19 da lei n.º 2.335/87, verbis:

“O IPC, a partir de julho de 1.987, será calculado com base na média dos preços apurados entre o dia 15 do Mês de referência e o dia 16 (dezesseis) do mês imediatamente anterior.”

Em termos estatísticos, portanto, pressupôs uma variação linear dos preços de meados de um mês a meados do outro, o índice assim obtido equivaleria à inflação aferida no dia correspondente ao ponto médio do dia 16 de um Mês e o dia 15 do mês seguinte, se localiza entre os dias 30 e 31 do primeiro, de modo que o Índice de Preços ao Consumidor – IPC refletia a inflação mensal pela comparação efetuada entre os pontos médios de seu cálculo.

Ocorre que o art. 9.º da lei n.º 7. 730/89 alterou a metodologia de cálculo do IPC e o artigo 15 da mesma lei extinguiu a OTN, congelando os preços com base na OTN apurada na forma do art. 15, ou seja, em NCZ$ 6,17.

Pelo critério anterior, a inflação do mês de dezembro de 1.988 levaria em consideração a inflação verificada no período compreendido entre 15 de dezembro de 1.988 e 16 de novembro de 1.988 e a inflação de janeiro de 1.989 seria medida com base na variação do IPC de 16 de dezembro de 1.988 e 15 de janeiro de 1.989.

Com a alteração produzida pelo art. 9.º da lei n.º 7.730/89, deixou-se de levar em consideração a variação da inflação ocorrida entre 16 de dezembro de 1.988 e 15 de janeiro de 1.989, cuja inflação apurada pelo IBGE resultou no índice de 42,72% que deixou de ser aplicado aos saldos das cadernetas de poupança com data de aniversário entre os dias 1.º de janeiro a 15 de Janeiro de 1.989.

DO IPC DE FEVEREIRO DE 1.989

Quanto a fevereiro de 1.989, há que se observar que pela metodologia estabelecida pelo art. 9.º, inciso II, da Lei n. 7.730/89, resultante da Conversão da Medida Provisória n. 32/89 a inflação do mês de fevereiro de 1.989 deveria levar em consideração a variação dos preços verificados no período de 16 de janeiro a 15 de fevereiro de 1.989.

Ocorre que a Lei n. 7.730/89, através de seu art. 15 extinguiu a OTN, ou seja, o índice adotado para a atualização monetária, subsistindo o IPC que nesse período continuou a ser calculado.

Em razão disso (extinção da OTN) ficou sem apuração a inflação verificada no período de 15 dias compreendido entre o dia 16 de janeiro de 1.989 a 31 de Janeiro do mesmo ano que seria utilizado para a correção dos saldos das cadernetas de poupança no período, só vindo a omissão a ser corrigida pela lei n.º 7.777/89, publicada em 19 de Junho de 1.989 que instituiu o BTN – Bônus do Tesouro Nacional para desempenhar a função da extinta OTN, fixando retroativamente a inflação, só que abrangendo apenas a inflação verificada a partir de 1.º de Fevereiro de 1.989, com a desconsideração no cálculo do período de 15 dias compreendido entre o dia 16 de janeiro de 1.989 a 31 de Janeiro.

Vejam que o BTN foi instituído com base na variação do IPC, enquanto que do dia 16 dezembro de 1.988 a 31 de janeiro de 1.989 os poupadores foram lesados pela política governamental que congelou artificialmente a inflação do período nos NCZ$ 6,17, resultando num período de aproximadamente 45 (quarenta e cinco) dias sem medição de inflação.

Em síntese, a extinção da OTN e a alteração da metodologia de cálculo gerou expurgo nas cadernetas de poupança em Janeiro de 1.989 (42,72%) e Fevereiro de 89 (10,14%), resultante da redução do período de cálculo pela Lei n. 7.777/89 aos saldos das contas-poupança dos consumidores.

O IPC DE ABRIL DE 1.990 ATÉ O LIMITE DE NCZ$ 50.000,00.Em 15 de março de 1.990, sobreveio a Medida Provisória n.º 168/90 que instituiu novo Plano de estabilização Econômica conhecido como PLANO COLLOR. Tal Medida Provisória foi publicada no dia 16 de março do mesmo mês e ano.Leia-se a redação originária da mesma:“Art. 6.º Os saldos das cadernetas de poupança serão convertidos em cruzeiros na data do próximo crédito de rendimento de rendimento, segundo a paridade estabelecida no §2.º do art. 1.º, observado o limite de NCZ$ 50.000,00 (Cinqüenta mil cruzados novos).§2.º As quantias mencionadas no parágrafo anterior serão atualizadas monetariamente pela variação do BTN Fiscal, verificada entre a data do próximo crédito de rendimentos e a data de conversão, acrescidos de juros equivalentes a 6% (seis por cento) ao ano ou fração por rata.”Conforme se observa, não havia nenhuma regra sobre a atualização monetária dos rendimentos a serem creditados, existentes, permanecidos e disponíveis aos poupadores.Isso foi constado pelo Ministro Moreira Alves nos autos do RE 226.855-7, mantendo-se íntegra  a determinação contida no art. 17, inciso III, da lei n. 7.730/89 quanto à atualização dos rendimentos das cadernetas de poupança até o limite de NCZ$ 50.000,00.No dia 17 de março de 1.990 foi publicada a MP 172/90, publicada na segunda-feira dia 19 de março de 1.990 que, alterando a redação originária dada pela MP 168/90, determinou que a atualização dos valores disponíveis aos poupadores até o limite de NCZ$ 50.000,00 (Cinqüenta mil cruzados novos) fosse feita com base na variação do BTN Fiscal.Conforme decidido pelo STF no RE 206.048-8 de que foi Relator o Ministro Nelson Jobim:“A parcela de NCZ$ 50.000,00 remanesce na conta de poupança.O excedente de NCZ$ 100.000,00, era lançado na conta “Valores a Ordem do Banco Central” (VOBC) e creditada na conta de depósitos compulsórios do BACEN.Esta última remanesce bloqueada.”Os valores disponíveis aos poupadores e os valores bloqueados foram convertidos em Cruzeiros na paridade estabelecida, passando quem tinha, por exemplo, NCZ$ 50.000,00 a ter CR$ 50.000,00.Com a finalidade de disciplinar os Procedimentos, a serem adotados pelas instituições Financeiras, o Banco Central editou em 19 de março de 1.990 a Circular n.º 1.606 determinando que os saldos mantidos á disposição dos poupadores fossem atualizados com base no BTN Fiscal, seguindo a regra instituída pela redação alterada pela MP 172/90 à MP 168/90.Em 30 de março de 1.990, o BACEN baixou o Comunicado n.º 2.067 fixando os índices de atualização monetária para os saldos das cadernetas de poupança disponíveis aos poupadores com base na redação dada ao art. 6.º pela MP 172/90 ao art. 6.º da MP 168/90, determinando a aplicação de 84,35% correspondente ao IPC de março aos saldos não bloqueados.Para as Novas Contas, foi determinado a aplicação do BTN Fiscal. Vejam que o BACEN instituiu regras apenas quanto aos saldos não bloqueados, ou seja, os saldos que não foram transferidos para a conta “VOBC”, cuja atualização ficou e continuou sob a responsabilidade das Instituições Financeiras, nada disso tendo haver com as quantias bloqueadas transferidas para o BACEN, também conforme decidido pelo STF no citado RE 206.048-8.Em 12 de abril de 1.990 sobreveio a Lei de Conversão n.º 8.024/90 que converteu diretamente a MP n.º 168/90 sem considerar a modificação introduzida pela MP 172/90, importando na revogação da MP 172/90, já que não convertida a alteração ao art. 6.º por esta introduzida, também conforme estou decidido pelo STF no RE 206.048-8.Ou seja, todo o período de vigência da MP 172/90 ficou coberto pela retomada da eficácia da MP 168/90, perdendo, em conseqüência, a validade da aplicação do BTN Fiscal para a atualização dos saldos das cadernetas de poupança até o limite de NCZ$ 50.000,00 que voltaram a ter sua atualização com base na regra anterior introduzida pelo art. 17, inciso III, da lei n. 7.730/89, ou seja, pela variação do IPC.

Com isso, deixaram de produzir efeitos a Circular n.º 1.606 e o Comunicado n. 2.067 do Banco Central do Brasil perderam seus efeitos devendo os saldos disponíveis aos poupadores e não transferidos para o BANCO CENTRAL DO BRASIL até o limite de NCZ$ 50.000,00 serem convertidos para até CR$ 50.000,00 e atualizados em abril de 90 com base no IPC de março no índice de 84,32%.

Enfim, se denota que os sucessivos planos de estabilização econômica do passado, na tentativa de combater a galopante onda inflacionária tiveram como fundamento a retirada de papéis-moeda em circulação às custas de prejuízos aos consumidores-poupadores, assim como aos trabalhadores e aposentados e hoje ainda deixam marcas indeléveis na sociedade brasileira.

DAS AÇÕES CABÍVEIS.

Para haver os direitos solapados em virtude de sucessivas políticas de estabilização econômica, cabível será a Ação de Cobrança a ser proposta no Juízo Comum ou até nos Juizados Especiais, sejam eles Cíveis ou Federais, a medida que para efetiva apuração dos índices, basta a mera elaboração de cálculos que podem ser feitos inclusive pelos Contadores dos diversos Foros do País, podendo, se os consumidores não dispuserem de extratos, o ajuizamento de Ação Cautelar Preparatória de Exibição de Documento visando à obtenção dos extratos, eis que é dever das Instituições Financeiras em razão do próprio dever de informação exibi-los em Juízo.

DO ÔNUS DA PROVA

Embora todos os índices objeto dos expurgos tenham sido anteriores á vigência do Código de Defesa do Consumidor, tratando-se de lei de natureza processual e de aplicação imediata, cabível será a inversão do ônus da prova com vistas a facilitar a defesa dos direitos e interesses dos consumidores em Juízo. Com isso, o ônus da prova da aplicação dos índices corretos será de cada uma das Instituições Financeiras.

DA PRESCRIÇÃO.

Tratando-se as normas relativas a prazos prescricionais de norma jurídica de direito material, vigem, quanto ao Prazo Prescricional, as normas vigentes ao tempo da celebração dos Contratos de Caderneta de Poupança, a esse respeito tem-se decidido que as Ações possuem prazo de Prescrição de vinte anos.

Com efeito:

“Os juros remuneratórios de conta de poupança, incidentes mensalmente e capitalizados, agregam-se ao capital, assim como a correção monetária, perdendo, pois, a natureza de acessórios, fazendo concluir, em conseqüência, que a prescrição não é a de cinco anos, prevista no art. 178, §10, III, do Código Civil de 1916 (cinco anos), mas a vintenária. Precedentes da Terceira e da Quarta Turma.” (STJ, REsp 707151 / SP, Relator Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, Julgado em 17/05/2005, Publicado no DJ em 01/08/2005, página 471.)CONSIDERAÇÕES FINAIS.Espera-se que fique na memória do país os danos causados pelas sucessivas Políticas Econômicas dos Governos que se sucederam e se sucedem para tentar resolver problemas, sejam eles de controle de inflação, sejam de caixa. O Judiciário brasileiro em algumas decisões, em nome de um suposto “AUMENTO DO RISCO PAÍS” tem dado infindável colaboração aos índices de concentração de renda e a pauperização do nível de vida da imensa população brasileira, bem assim quando em nome do “DEUS MERCADO”, da “LIVRE INICIATIVA”, da “LIBERDADE DE CONTRATAÇÃO”, abstém-se de dar a cada um o que é seu, seguindo os ditames de Justiça, colocando toda uma nação em estado de escravidão em relação à Injusta Ordem Econômica Nacional e Internacional, o que só pode ser combatido com muita resistência e mediante a formação de uma nova consciência pública na sociedade brasileira e na formação dos futuros operadores do direito.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Fábio Santos da Silva

 

Advogado em Santos/SP
Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/Subseção de Santos/SP
Tem diversos trabalhos publicados no meio jurídico.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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