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Menos uma ditadura

No sábado, 16 de setembro de 2000, 10
anos após a sua primeira eleição, o Presidente do Peru, Alberto Fujimori,
pressionado por forças internas e externas, abriu mão
de seu terceiro termo como mandatário maior da nação peruana. As pressões
externas exercidas pela Organização dos Estados Americanos juntaram-se ao
grande escândalo interno em que se envolveu o homem forte do regime, Vladimiro Montesinos.

Fujimori elegeu-se pela primeira vez em
1990, derrotando via pleito direto o escritor liberal Mario Vargas Llosa. Algum
tempo após tomar posse, fechou o Congresso Nacional. Contudo, posteriormente
foram convocadas novas eleições parlamentares e assim o Congresso foi
recomposto. Modificou a Constituição. Candidatou-se a um segundo e um terceiro
termo. Desgastado perante a opinião pública, enfrentou uma oposição muito forte
durante a mais recente campanha. Alejandro Toledo foi
o nome encontrado pela oposição para enfrentar a política autoritária
desenvolvida por Fujimori. As eleições se realizaram mediante um grande
tumulto, com trocas de acusações e supostas fraudes divulgadas pela OEA. Ambos candidatos credenciaram-se para se enfrentar em um
segundo turno. Entretanto, face à grande suspeita de corrupção no pleito, o
candidato oposicionista Alejandro Toledo, resolveu
renunciar a sua candidatura como forma de protesto. Desta forma, Fujimori rumou
serenamente para a confirmação de sua vitória, desta vez sem adversários, para
o exercício de um terceiro termo. Porém, o clima de instabilidade estava
formado.

Como decorrência da polêmica que cercou
o pleito presidencial, a crise peruana começou a tomar
contornos mais definidos. Aos fortes indícios de fraude na mais recente disputa
pela presidência, somaram-se as graves acusações que cercaram o homem forte do
governo. Vladimiro Montesinos foi o pivô da crise
final que desestruturou o governo de Fujimori. Montesinos
foi chefe do SIN – Serviço de Inteligência Nacional, antes deste
órgão ser desativado pelo Presidente. Aproveitando-se desta posição
privilegiada, estendeu os tentáculos de sua influência em vários setores
estatais. Os órgãos que mais sofreram sua forte intervenção foram o Poder
Judiciário e as forças armadas, onde servia como uma espécie de intermediador de interesses. Logo, percebe-se que, aos
poucos, foi desenhada uma estrutura de poder paralelo. Em resumo, o homem forte
do governo viveu sempre sob constantes denúncias, entretanto, seu prestígio
junto ao mandatário maior peruano nunca foi abalado.

Em 14 de setembro de 2000, o povo
peruano obteve a prova cabal da corrupção praticada por Vladimiro Montesinos, supostamente em favor do governo. Um vídeo
mostra com nitidez a entrega de US$ 15.000 ao deputado
oposicionista Alberto Kouri, que
coincidentemente, logo após, passou integrar o bloco governista. Era a prova da
ligação do governo de Fujimori com um esquema de corrupção.

O somatório destes fatos deixou o
Presidente Fujimori acuado. A única saída vislumbrada pelo Presidente foi a convocação de novas eleições para daqui a seis meses, como
declarou o Ministro da Justiça Alberto Bustamante. Ainda existe um forte clima
de incerteza no País, pois o Presidente continua em silêncio.

Por coincidência, no último domingo, li
uma entrevista com o brilhante escritor peruano Mario Vargas Llosa. Quando
perguntado se Fujimori encaixava-se no figurino de ditador, ele disse: “(…)
Se um homem permanece no poder dez anos graças a
eleições fraudadas, se seu principal respaldo são as Forças Armadas, se ele
emprega um serviço secreto que lembra a Gestapo, se pratica o assassinato, se
controla a imprensa e os meios de comunicação por meio de chantagens e ameaças,
então este homem só pode ser um ditador. Talvez estejamos diante de uma
ditadura mais refinada, mais astuta e hipócrita. Mas a violência e a corrupção
são as mesmas.”

Mais uma ditadura está caindo. A
concentração de populares na Plaza Mayor, no centro
de Lima, na noite de sábado, 16 de setembro, comemora o fim de um regime que se
baseava em um Estado
forte e autoritário. A América Latina deve começar a abrir os olhos frente a
estes Presidentes que estão implantando, aos poucos, uma forma de ditadura mais
“refinada e hipócrita”, como qualificou Llosa. A história provou que regimes
autoritários e populistas estão fadados ao atraso e ao fracasso. A liberdade
pessoal e econômica, a democracia, o incentivo aos empreendedores e o respeito
ao Estado de Direito devem ser os pilares básicos de sustentação de qualquer
sociedade. Entretanto, o Peru, fragilizado pelo acontecido, deve ter muito
cuidado para não cair nos braços de um regime populista nas próximas eleições.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Márcio C. Coimbra

 

advogado, sócio da Governale – Políticas Públicas e Relações Institucionais (www.governale.com.br). Habilitado em Direito Mercantil pela Unisinos. Professor de Direito Constitucional e Internacional do UniCEUB – Centro Universitário de Brasília. PIL pela Harvard Law School. MBA em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS. Mestrando em Relações Internacionais pela UnB.
Vice-Presidente do Conil-Conselho Nacional dos Institutos Liberais pelo Distrito Federal. Sócio do IEE – Instituto de Estudos Empresariais. É editor do site Parlata (www.parlata.com.br) articulista semanal do site www.diegocasagrande.com.br e www.direito.com.br. Tem artigos e entrevistas publicadas em diversos sites nacionais e estrangeiros (www.urgente24.tv) e jornais brasileiros como Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Zero Hora, Jornal de Brasília, Correio Braziliense, O Estado do Maranhão, Diário Catarinense, Gazeta do Paraná, O Tempo (MG), Hoje em Dia, Jornal do Tocantins, Correio da Paraíba e A Gazeta do Acre. É autor do livro “A Recuperação da Empresa: Regimes Jurídicos brasileiro e norte-americano”, Ed. Síntese – IOB Thomson (www.sintese.com).

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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