Sumário: I – Resumo II – Espécies de normas III – A hermenêutica jurídica IV – Norma meramente interpretativa e a separação dos poderes V – Natureza da norma contida no artigo 3º da Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005 VI – Início de vigência da lei que reduz prazos VII – Conclusão VIII – Referências.
I – Resumo
As regras dos artigos 3º e 4º da Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, geraram diversas polêmicas no que se refere ao prazo para os contribuintes requererem a restituição ou a compensação dos tributos recolhidos indevidamente ou a maior.
O Superior Tribunal de Justiça havia consolidado entendimento no sentido de afastar a tese da actio nata, tendo pacificado, aos 24 de março de 2004, o entendimento no sentido de que o prazo para a devolução de tributos pagos indevidamente ou a maior e sujeitos ao lançamento por homologação é de 10 (dez) anos, contando-se cinco anos da data da homologação do pagamento pelo Fisco.
Com publicação da Lei Complementar n° 118/05 reiniciou-se esta questão polêmica, uma vez que o artigo 3º dispôs que o prazo prescricional do direito de se pleitear a restituição de tributos pagos indevidamente ou a maior, conforme previstos no artigo 168, I do CTN, tem início no momento do pagamento, antecipado à homologação, o que, como veremos neste estudo, viola o artigo 2º da Constituição Federal, que dispõe sobre a autonomia e independência dos Poderes, pois contraria entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Já o artigo 4º da Lei Complementar 118/2005, em sua segunda parte, determina, de modo expresso que, relativamente ao seu art. 3º, seja observado “o disposto no art. 106, I, da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”, ou seja, que a regra de contagem de 5 (cinco) anos de prescrição do direito à repetição ou à compensação de indébitos seja aplicada inclusive aos atos ou fatos pretéritos.
Ocorre que a aplicação retroativa desta norma implica, como veremos adiante, ofensa ao inciso XXXVI do artigo 5º que impede que lei viole o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Entendeu o STJ, nos leading cases proferidos nos Recursos Especiais de nºs 742.743/SP e 327.043/DF, que a regra contida no artigo 3º não era interpretativa, mas modificativa, tendo atribuído um novo significado aos artigos 150, § 1º, 160, I, do CTN. Portanto, tal regra somente poderia surtir efeitos para as situações ocorridas após o vacatio legis de 120 (cento e vinte) dias da data da publicação da Lei Complementar 118/05, ou seja somente após o dia 9 de junho deste ano do 2.005.
Analisamos, portanto, neste estudo, se a norma acima se aplica, após o dia 9, aos processos que forem protocolados perante o Judiciário, conforme vem explicando parte da doutrina, ou se esta regra somente irá se aplicar aos fatos ocorridos após referida data, ou seja, aos pagamentos indevidos ou maior a partir daí realizados.
II – Espécies de normas jurídicas
Antes de adentrarmos às questões polêmicas da Lei Complementar nº 118/05, analisamos as espécies de normas jurídicas, o que irá aclarar o entendimento sobre a natureza e estrutura da regra contida no artigo 3º deste dispositivo normativo.
As diversas espécies de normas jurídicas não possuem a mesma função. Além da divisão hierárquica, que parte da Constituição até os atos infralegais, tendo a Carta a função de dar fundamento de validade às demais regras em um processo de fundamentação e derivação, temos a divisão das regras conforme as funções das espécies normativas.
Podemos separar, conforme a hierarquia, as espécies de normas, posicionando em um primeiro patamar, as normas de caráter constitucional, que são as normas constitucionais originárias e as oriundas do poder derivado.
Em um segundo patamar, temos as normas complementares do texto Magno que, conforme prevê o “Manual de redação da Presidência da República”:
Com a instituição de lei complementar buscou o constituinte resguardar certas matérias de caráter paraconstitucional contra mudanças céleres ou apressadas, sem lhes imprimir uma rigidez exagerada, que dificultaria sua modificação. Caberia indagar se a lei complementar tem matéria própria. Poder-se-ia afirmar que, sendo toda e qualquer lei uma complementação da Constituição, a sua qualidade de lei complementar seria atribuída por um elemento de índole formal, que é a sua aprovação pela maioria absoluta de cada uma das Casas do Congresso. A qualificação de uma lei como complementar dependeria, assim, de um elemento aleatório. Essa não é a melhor interpretação. Ao estabelecer um terceiro tipo, pretendeu o constituinte assegurar certa estabilidade e um mínimo de rigidez às normas que regulam certas matérias. Dessa forma, eliminou-se eventual discricionariedade do legislador, consagrando-se que leis complementares propriamente ditas são aquelas exigidas expressamente pelo texto constitucional.[1]
As leis complementares, portanto, possuem uma função específica e garantidora de certos direitos e matérias que, conforme previu o legislador ordinário, necessitam de maior cautela no processo de votação.
Em um terceiro patamar, não inferior ao segundo, encontramos as leis ordinárias ou leis com característica de ordinárias, contendo regras gerais e abstratas que, em regra, disciplinam condutas.
Temos ainda as normas infralegais, que irão regulamentar as leis, ressaltando, porém, a importância dos decretos regulamentares em matéria tributária, o que faz com que não possam ser considerados normas inferiores às leis ordinárias.
A doutrina de Norberto Bobbio[2] distingue como critérios para a classificação das normas: a) gerais e singulares; b) generalidade e abstração; c) normas afirmativas e negativas e d) normas categóricas e hipotéticas.
Já na doutrina de Miguel[3] Reale, encontramos como tipos primordiais de regras as normas de organização e normas de conduta, também denominadas primárias e secundárias, sendo que o autor inclui as normas interpretativas nas normas de organização, o que analisamos adiante, após as breves considerações sobre as regras de interpretação, ou seja, a hermenêutica jurídica.
III – A hermenêutica jurídica
A tarefa de se interpretar os conceitos, institutos e as regras jurídicas é estudada pela hermenêutica, a teoria da interpretação, que estuda os “métodos, processos ou elementos utilizados na interpretação”[4]. Interpretar significa “explicar, esplanar ou aclarar o sentido de (palavra, texto, lei, etc.)”[5], sendo intepretativo tudo aquilo “que encerra elementos para a interpretação de algo”[6]. Ao se interpretar um enunciado normativo o que se buscar é desvendar o seu sentido, o seu alcance, o seu significado.
Explica ainda a doutrina de Eros Grau que a interpretação é:
é um processo intelectivo através do qual, partindo de fórmulas lingüísticas contidas nos textos, enunciados, preceitos, disposições, alcançamos a determinação de um conteúdo normativo. (…) Interpretar é atribuir um significado a um ou vários símbolos lingüísticos escritos em um enunciado normativo. O produto do ato de interpretar, portanto, é o significado atribuído ao enunciado ou texto (preceito, disposição)” (…) “As disposições são dotadas de um significado, a elas atribuído pelos que operaram no interior do procedimento normativo, significado que a elas desejaram imprimir. Sucede que as disposições devem exprimir um significado para aqueles aos quais são endereçadas. Daí a necessidade de bem distinguirmos os significados imprimidos às disposições (enunciados, textos), por quem as elabora e os significados expressados pelas normas (significados que apenas são revelados através e mediante a interpretação, na medida em que as disposições são transformadas em normas). (grifos nossos). [7]
Adiante, acrescenta que:
A interpretação, destarte, é meio de expressão dos conteúdos normativos das disposições, meio através do qual pesquisamos as normas contidas nas disposições. Do que diremos ser – a interpretação – uma atividade que se presta a transformar disposições (textos, enunciados) em normas. Observa Celso Antônio Bandeira de Mello (…) que ‘(…) é a interpretação que especifica o conteúdo da norma. Já houve quem dissesse, em frase admirável, que o que se aplica não é a norma, mas a interpretação que dela se faz. Talvez se pudesse dizer: o que se aplica, sim, é a própria norma, porque o conteúdo dela é pura e simplesmente o que resulta da interpretação. De resto, Kelsen já ensinara que a norma é uma moldura. Deveras, quem outorga, afinal, o conteúdo específico é o intérprete, (…)’. As normas, portanto, resultam da interpretação. E o ordenamento, no seu valor histórico-concreto, é um conjunto de interpretações, isto é, conjunto de normas. O conjunto das disposições (textos, enunciados) é apenas ordenamento em potência, um conjunto de possibilidades de interpretação, um conjunto de normas potenciais. O significado (isto é, a norma) é o resultado da tarefa interpretativa. Vale dizer: o significado da norma é produzido pelo intérprete. (…) As disposições, os enunciados, os textos, nada dizem; somente passam a dizer algo quando efetivamente convertidos em normas (isto é, quando – através e mediante a interpretação – são transformados em normas). Por isso as normas resultam da interpretação, e podemos dizer que elas, enquanto disposições, nada dizem – elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem (…).[8]
A interpretação no Direito é, em regra, realizada pelo aplicador da norma na subsunção ao caso concreto. Mas a doutrina de Hans Kelsen distingue a interpretação realizada pelos tribunais ou pelas autoridades administrativas (órgãos aplicadores do direito) de todas as outras espécies de interpretação. Explica que:
Através deste ato de vontade se distingue a interpretação jurídica feita pelo órgão aplicador do Direito de toda e qualquer outra interpretação, especialmente da interpretação levada a cabo pela ciência jurídica.
A interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito é sempre autêntica, ela cria o Direito. Na verdade, só se fala de interpretação autêntica quando esta interpretação assume a forma de uma lei ou de um tratado de Direito internacional e tem caráter geral, quer dizer, cria o Direito não apenas para um caso concreto mas para todos os casos iguais, ou seja, quando o ato designado como interpretação autêntica representa a produção de uma norma geral. Mas autêntica, isto é, criadora de Direito, é a interpretação feita através de um órgão aplicador do Direito ainda quando cria Direito apenas para um caso concreto, quer dizer, quando esse órgão apenas crie uma norma individual ou executa uma sanção.[9]
Portanto, distingue-se a interpretação autêntica, que é realizada por órgãos juridicamente competentes, das demais interpretações realizadas por aqueles que não possuem a qualidade de órgão decisório.
Observamos que, para Carlos Maximiliano, a interpretação da norma pela norma é que deve ser denominada interpretação autêntica. Explica que a exegese autêntica é a que se opera por meio de norma geral do Poder Legislativo, sendo obrigatória para os particulares, ainda que injusta. Explica, portanto, que:
Denomina-se autêntica a interpretação, quando emanada do próprio poder que fez o ato cujo sentido e alcance ela declara. Portanto, só uma Assembléia Constituinte fornece a exegese obrigatória do estatuto supremo; as Câmaras, a da lei em geral, e o Executivo, dos regulamentos, avisos, instruções e portarias.[10]
Complementa o autor, adiante, que o ato intepretativo deve seguir o mesmo rito do ato interpretado, ou seja, o procedimento legislativo deve ser o mesmo para a norma interpretativa, com mesmo quorum e mesmos pronunciamentos das casas do Legislativo.
A doutrina de Miguel Reale também classifica as normas interpretativas como sendo interpretação autêntica, dispondo que:
(…) As normas interpretativas representam uma categoria de grande alcance, especialmente quando se entra em uma época de fluxo incessante de legislação, Há certos textos legais que provocam tamanha confusão no mundo jurídico que o próprio legislador sente a necessidade de determinar melhor o seu conteúdo.
Quando tal fato se verifica, dizemos que há interpretação autêntica. Interpretação autêntica é somente aquela que se opera através de outra lei. A lei não fica, entretanto, presa à personalidade do legislador que participou, com seu voto ou com a sua inteligência, na sua elaboração.[11]
Norma interpretativa, portanto, é norma que não irá alterar qualquer conteúdo ou elemento da norma interpretada, mas, apenas, traduzir o seu significado. Norma que altera o sentido, conteúdo ou o alcance da norma interpretada não mais estará interpretando, mas modificando a regra, criando nova norma, instituindo novos direitos, deveres e obrigações. Esta, portanto, será introduzida no ordenamento jurídico em obediência a todos os princípios que regem a matéria e, como veremos adiante, respeitados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. E, mesmo quando considerada norma meramente interpretativa, esta também deverá respeitar os direitos adquiridos sob a vigência da norma interpretada. Neste sentido, explica novamente Carlos Maximiliano:
(…) Opera-se a exegese autêntica, em regra, por meio de disposição geral, e, ainda que defeituosa, injusta, em desacordo com o verdadeiro espírito do texto primitivo, prevalece enquanto não a revoga o Poder Legislativo; é obrigatória, deve ser observada por autoridades e particulares (1). Entretanto, só se aplica aos casos futuros, não vigora desde a data do ato interpretado, respeita os direitos adquiridos em conseqüência da maneira de entender um dispositivo por parte do Judiciário, ou do Executivo. Nos países onde o princípio fulminador da retroatividade das leis se acha inserto na Constituição, ele adquire excepcional amplitude, expunge as restrições comuns entre os povos que adotam a mesma regra como doutrina para ser observada pelos tribunais, ou preceito positivo, porém ordinário, sem força para vincular o parlamento. No Brasil e nos Estados Unidos nem as próprias Câmaras se isentam do dever imperioso de não entender texto algum em sentido retroativo(2).[12]
E o autor acima entende que a interpretação realizada pelos doutrinadores é considerada, impropriamente, de interpretação autêntica.
IV – Norma meramente interpretativa e a separação dos poderes
A norma interpretativa ou norma sobre normas, como vimos acima, é aquela editada pelo próprio legislador, visando traduzir o significado de texto de norma ou parte de outra norma. Como vimos acima, esta interpretação é denominada autêntica. O caso ora em estudo trata, exatamente, da suposta interpretação autêntica, realizada pela Lei Complementar nº 118/05, de dispositivos da Lei nº 5.172/66, o CTN, recepcionado com força de lei complementar.
O Poder Legislativo editou a norma visando traduzir o significado de norma anteriormente editada, o que não é a regra prevalente em matéria de interpretação pois, como vimos, os órgãos do Poder Judiciário e outros do Poder Executivo em função julgadora atípica, são os que efetivamente realizam a interpretação das normas na subsunção da norma aos casos concretos.
O Superior Tribunal de Justiça proferiu entendimento no sentido de que o uso da norma interpretativa com aplicação retroativa deve ser excepcional, sob pena de afrontar o princípio da separação dos poderes. Fora o entendimento do Ministro Teori Albino Zavascki:
(…) 5. Nesse contexto, a edição, pelo legislador, de lei interpretativa, com efeitos retroativos, somente é concebível em caráter de absoluta excepcionalidade, sob pena de atentar contra os dois postulados constitucionais já referidos: o da autonomia e independência dos Poderes (art. 2º, da CF) e o do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF). Lei interpretativa retroativa só pode ser considerada legítima quando se limite a simplesmente reproduzir (= produzir de novo), ainda que com outro enunciado, o conteúdo normativo interpretado, sem modificar ou limitar o seu sentido ou o seu alcance. Isso, bem se percebe, é hipótese de difícil concreção, quase inconcebível, a não ser no plano teórico, ainda mais quando se considera que o conteúdo de um enunciado normativo reclama, em geral, interpretação sistemática, não podendo ser definido isoladamente. “Interpretar uma norma”, escreveu Juarez Freitas, “é interpretar um sistema inteiro: qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma aplicação da totalidade do Direito” (FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito, SP, Malheiros, 1995, p. 47). Ora, lei que simplesmente reproduz a já existente, ainda que com outras palavras, seria supérflua; e lei que não é assim, é lei que inova e, portanto, não pode ser considerada interpretativa e nem, conseqüentemente, ser aplicada com efeitos retroativos. (grifos nossos)[13].
Se uma norma interpretativa não pode valer para o passado, sob pena de ferir autonomia dos Poderes, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, que se dirá de norma modificativa de direitos uma vez que, como vimos acima, proferiu, o STJ, que a natureza do artigo 3º da LC 118/05 foi modificativa, não apenas interpretativa.
Após estas explanações, analisamos adiante se esta norma pode se aplicar, já se considerando ter decorrido o vacatio legis de 120 (cento e vinte) dias, aos processos protocolados após o dia 9 de junho de 2005, ou se somente se aplica aos pagamentos indevidos ocorridos após esta data.
V – Natureza da norma contida no artigo 3º da Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005
O artigo 3º da Lei Complementar nº 118/05 dispôs que:
Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.
De início, como vimos, o STJ não considerou a possibilidade desta norma retroagir aos fatos praticados anteriormente à sua vigência, impossibilitando a sua incidência antes de decorridos os 120 dias de sua publicação.
Também fora o entendimento do STJ no sentido de que a norma acima, além de modificativa, violou o princípio da separação dos poderes, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada:
TRIBUTÁRIO. PIS. COMPENSAÇÃO. PRAZO PRESCRICIONAL. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. ORIENTAÇÃO FIRMADA PELA 1ª SEÇÃO DO STJ, NA APRECIAÇÃO DO ERESP 435.835/SC. LC 118/2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA. ENTENDIMENTO CONSIGNADO NO VOTO DO ERESP 327.043/DF. 1. A 1ª Seção do STJ, no julgamento do ERESP 435.835/SC, Rel. p/ o acórdão Min. José Delgado, sessão de 24.03.2004, consagrou o entendimento segundo o qual o prazo prescricional para pleitear a restituição de tributos sujeitos a lançamento por homologação é de cinco anos, contados da data da homologação do lançamento, que, se for tácita, ocorre após cinco anos da realização do fato gerador — sendo irrelevante, para fins de cômputo do prazo prescricional, a causa do indébito. Adota-se o entendimento firmado pela Seção, com ressalva do ponto de vista pessoal, no sentido da subordinação do termo a quo do prazo ao universal princípio da actio nata (voto-vista proferido nos autos do ERESP 423.994/SC, 1ª Seção, Min. Peçanha Martins, sessão de 08.10.2003). 2. O art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar os arts. 150, § 1º, 160, I, do CTN, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a “interpretação” dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Portanto, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência. 3. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). Ressalva, no particular, do ponto de vista pessoal do relator, no sentido de que cumpre ao órgão fracionário do STJ suscitar o incidente de inconstitucionalidade perante a Corte Especial, nos termos do art. 97 da CF. 4. Em face do princípio da ne reformatio in pejus, há de ser mantida a disposição do acórdão recorrido que reconheceu a prescrição “dos montantes recolhidos até 11/11/94”. 5. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 742743/SP; RECURSO ESPECIAL 2005/0062706-1 Relator (a) Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (1124) Órgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 19/05/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 06.06.2005 p. 237) (grifos nossos).[14]
Nítido o entendimento no sentido de que a regra do artigo 3º da LC 118/05 inovou no campo jurídico, pois teve o objetivo de modificar entendimento pacífico dos nossos Tribunais. Portanto, a violação à separação dos Poderes, pois a jurisprudência somente pode ser alterada por outro entendimento jurisprudencial, e não pelo Legislativo. Ao final, o julgado acima repete que:
Portanto, o referido dispositivo, por ser inovador no plano das normas, somente pode ser aplicado a situações que venham a ocorrer a partir da vigência da Lei Complementar 118/2005, que ocorrerá 120 dias após a sua publicação (art. 4º), ou seja, no dia 09 de junho de 2005. (grifos nossos)[15].
Ocorre que, se a norma acima é modificativa e se aplica somente às “situações futuras”, não podemos entender que tais situações sejam os processos protocolados após o dia 9 de junho de 2005. O processo judicial representa apenas um meio de se provocar o Poder Judiciário visando a reivindicação do exercício de um direito. Como o processo é um meio de se buscar a tutela jurídica para a garantia do exercício de direitos, não é uma situação jurídica, não é um fato jurídico.
Conforme verificamos adiante, entendemos que as ‘situações jurídicas’ que ocorrerem após o dia 9 de junho, às quais se referem os julgadores, são os pagamentos indevidos ou a mais de tributos que, a partir desta data, forem realizados pelos contribuintes.
Por outro lado, quanto à natureza da norma do artigo 3º da LC 118/05, entendeu a doutrina, diferentemente do STJ, que é norma interpretativa, porém, como norma interpretativa, está submetida à apreciação do Poder Judiciário, pois não pode contrariar o entendimento pacificado por este órgão. Conclui o autor que:
– As denominadas leis interpretativas podem existir em nosso Ordenamento Jurídico
– Contudo, tanto a lei interpretada como lei interpretativa estão submetidas ao crivo do Poder Judiciário, uma vez eu esta é uma premissa básica da jurisdição constitucional e baliza maior do Estado Democrático de Direito (arts. 1º, 2º, 5º XXXV da CF/88).
– O art. 3º da LC 118 tem nítido caráter interpretativo, pois nele não encontramos nenhum conteúdo normativo, se reportando ao conteúdo normativo da Lei que desejava interpretar (art. 168, I do CTN).
– Portanto, face à reserva jurisdicional ditada pela Carta Magna, a interpretação dada pelo art. 3º da Lei Complementar 118 ao art. 168, I do CTN deve, necessariamente, ser submetida ao crivo do Judiciário.
– Contudo, este mesmo Judiciário já decidiu a matéria, após anos e anos de discussões acaloradas, significando que a interpretação dada pela Lei Complementar 118118/2005 não é acolhida pela última instância capaz de dar o real alcance dos dispositivos de lei federal: o Superior Tribunal de Justiça.[16]
Caso, porém o próprio Judiciário venha retificar o seu entendimento, fixando que, após o dia 9 de junho de 2005, o prazo para compensação ou restituição de tributos pagos indevidamente ou a maior será de cinco anos, mas, como veremos adiante, contados da data do pagamento indevido ocorrido após este posicionamento, observamos que se esta norma fosse de direito processual, o entendimento seria no sentido de se aplicar imediatamente aos processos protocolados sob sua vigência e, aos anteriores, se aplicar ou o prazo novo ou o restante do prazo anterior, o que for menor:
A mais notável redução de prazo operada pelo Código vigente incidiu sobre o de propositura da ação rescisória. O velho e mal situado prazo de cinco anos prescrito pelo Código Civil (art. 178, § 10, VIII) foi diminuído drasticamente para dois anos (art. 495). Surge, aqui, interessante problema de direito transitório, quanto à situação dos prazos em curso pelo direito anterior. A regra para os prazos diminuídos é inversa da vigorante para os dilatados. Nestes, como vimos, soma-se o período da lei antiga ao saldo, ampliado, pela lei nova. Quando se trata de redução, porém, não se podem misturar períodos regidos por leis diferentes: ou se conta o prazo, todo ele pela lei antiga, ou todo, pela regra nova, a partir, porém, da vigência desta. Qual o critério para identificar, no caso concreto, a orientação a seguir? A resposta é simples. Basta que se verifique qual o saldo a fluir pela lei antiga. Se for inferior à totalidade do prazo da nova lei, continua-se a contar dito saldo pela regra antiga. Se superior, despreza-se o período já decorrido, para computar-se, exclusivamente, o prazo da lei nova, na sua totalidade, a partir da entrada em vigor desta. Assim, por exemplo, no que concerne à ação rescisória, se já decorreram quatro anos pela lei antiga, só ela é que há de vigorar: o saldo de um ano, porque menor ao prazo do novo preceito construa a fluir, mesmo sob a vigência deste. Se, porém, passou-se, apenas, um ano sob o direito revogado, o saldo de quatro, quando da entrada em vigor da regra nova, é superior ao prazo por esta determinado. Por este motivo, a norma de aplicação imediata exige que o cômputo se proceda, exclusivamente, pela lei nova, a partir, evidentemente, de sua entrada em vigor, isto é, os dois anos deverão contar-se a partir de 1º de janeiro de 1974. O termo inicial não poderia ser, nesta hipótese, o do trânsito em julgado da sentença, operado sob lei antiga, porque haveria, então, condenável retroatividade” (O Novo Direito Processual Civil e os Feitos Pendentes, Forense, 1974, pp. 100-101).
Câmara Leal tem pensamento semelhante: “Estabelecendo a nova lei um prazo mais curto de prescrição, esse começará a correr da data da nova lei, salvo se a prescrição iniciada na vigência da lei antiga viesse a se completar em menos tempo, segundo essa lei, que, nesse caso, continuaria a regê-la, relativamente ao prazo” (Da Prescrição e da Decadência, Forense, 1978, p.90).[18]
Portanto, uma vez que o tema acima trata de alteração de norma processual, com redução do prazo para se rescindir decisão transitada em julgado, nestes casos a norma processual mais nova irá prevalecer, exceto nos casos em que, pela lei antiga, restasse prazo inferior ao da lei nova.
Ainda se considerássemos que a regra do artigo 3º da LC 118/05 é de direito processual e conforme o entendimento do Poder Judiciário no sentido de que, após o dia 9 de julho, o prazo para compensação/restituição de indébitos é de 5 anos, exemplificadamente, se o contribuinte pretendesse compensar valor recolhido indevidamente ou a maior referente ao ano de 1998 (passados 7 anos do prazo de 10 anos para a compensação/restituição), contar-se-ía a prescrição acrescida de mais três anos. Caso o prazo decorrido fosse igual ou inferior a 5 anos, contar-se-ía o prazo com base no artigo 3º da LC 118/05.
Porém, a regra acima é norma de direito material, tratando do pagamento indevido ou a maior de tributos.
Em direito tributário, a regra é de se aplicar, ao direito processual, a norma vigente no momento do lançamento, ao direito material, a norma vigente no momento do fato gerador e, no caso de infrações, ou seja, no direito tributário-penal e, ainda, no direito penal-tributário, aplica-se sempre a norma mais benéfica para o contribuinte.
As normas materiais somente podem reger os fatos ocorridos durante a sua vigência e, claramente, a regra que regulamenta a restituição de pagamento indevido ou a maior, é de direito material. Neste sentido, a explicação de Paulo de Barros Carvalho, sempre citada por nós, dizendo que:
Os atos relativos à estruturação formal do enunciado jurídico serão governados pela legislação que estiver em vigor no momento de sua realização, isto é, no átimo em que for produzido prescritivamente, o que significa reconhecer, na unidade de tempo em que a norma individual e concreta do lançamento ou aquela expedida pelo particular nos termos da autorização legal, ingressarem no sistema do direito posto. Seus efeitos serão, efetivamente, constitutivos: sem ele (ato de produção da norma) e antes dele, o fato inexiste, não está constituído. E, a partir dele, sujeitos de direito terão acrescidos seus patrimônios jurídicos, com novos direitos subjetivos, enquanto outros serão gravados com deveres correlatos àqueles direitos. Vê-se, desde logo, que, se o fenômeno da incidência tributária depende do acontecimento do fato, até que este se constitua a percussão da norma geral e abstrata não se verificará, não havendo falar-se em direitos e deveres correlatos.[19]
Portanto, os contribuintes que recolheram valores a título de tributos, indevidamente ou a maior, dos últimos dez anos contados até a data de 9 de junho de 2005, têm o direito subjetivo, adquirido, de reaver esta injusta redução de seu patrimônio, uma vez que a norma que regulava o direito à compensação de tais pagamentos previa o prazo de dez anos para a repetição, regulando todos os pagamentos ocorridos durante a sua vigência.
Apenas observando-se o entendimento acima é que não haverá violação ao direito adquirido. Prevê o artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, instituída pelo Decreto-Lei Nº 4.657, de 4 de Setembro de 1942, que: “Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.”, dispondo em seguida que:
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.
Ocorrendo o pagamento indevido ou a maior de tributos, nasce para o contribuinte o direito ao exercício do direito à repetição. O contribuinte que já possui direito adquirido à repetição, deve realizá-la com base na lei vigente na data do pagamento, independentemente do momento em que protocole a ação de compensação.
Após o dia 9 de junho de 2005, somente caso o Judiciário altere o seu entendimento quanto ao prazo prescricional de repetição de indébito fiscal, reduzindo-o para cinco anos, somente para os pagamentos indevidos realizados após a fixação do novo entendimento do STJ, é que ocorrerá a prescrição qüinqüenal, sob pena de violação à separação dos poderes.
VII – Conclusão
A norma contida no artigo 3º da Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, foi declarada irretroativa pelo STJ, pois este Tribunal entendeu que se tratava de norma modificativa de direitos e, não interpretativa.
Por outro lado, vimos que parte dos estudiosos entende que a norma do artigo 3º é interpretativa mas, ainda assim, não pode dar outro significado ao que fora proferido, de forma pacífica nos últimos anos, pelo STJ.
Se esta regra for considerada modificativa de direitos, alterando o prazo de 5 mais 5 para apenas 5, então estamos diante de um caso de invasão de poderes, o que é matéria a ser discutida pelo STF, pois constitucional.
Ainda que seja considerada interpretativa, do mesmo modo, deve ser ratificada pelo STJ para que não haja o conflito de poderes, ou é norma nula, que não pode surtir efeitos.
E, por fim, caso confirmada pelo Judiciário, a norma acima somente poderá valer para os pagamentos indevidos ou a maior ocorridos após o a data em que o STJ confirmar o novo entendimento, pois estas são as situações que irão se submeter ao novo dispositivo normativo, não podendo se aplicar a nova regra aos processos protocolados a partir do dia 9 de junho de 2005, pois este ato representa apenas o pedido de tutela judicial de um direito preexistente.
Especialista em Direito Tributário pela PUC-Campinas
Mestre em Direito Obrigacional pela UNESP de Franca.
Professora de Direito Tributário, Financeiro e Econômico
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