O desequilíbrio entre a função social das patentes de medicamentos e o interesse individual das empresas farmacêuticas

Resumo: A humanidade vem sofrendo mudanças significativas no contexto mundial, com as crescentes invenções e descobertas no setor farmacêutico, que desde a revolução industrial, é a mola propulsora das inovações tecnológicas. O presente estudo tem por objeto examinar as conseqüências da inclusão normativa oriundas de diversas discussões iniciadas pela Convenção da União de Paris (CUP) e pelo acordo Trade Related Aspects of Intellectual Rights (TRIPs) que criaram a Organização Mundial de Saúde e a Organização Mundial de Comércio. Estas organizações auxiliaram na iniciação da implantação de normas em benefício do desenvolvimento equilibrado entre o interesse das indústrias farmacêuticas e a saúde pública. O Brasil desde o início das convenções vem traçando parâmetros entre a propriedade industrial no contexto farmacêutico, com as necessidades evolutivas de políticas de saúde pública, entre elas o acesso aos medicamentos essenciais e a quebra das patentes farmacêuticas, as chamadas licenças compulsórias, que tem como fundamento o interesse social assegurado por nossa legislação.

Palavras-Chave: Função Social – Patentes – Medicamentos

Abstract: Humanity has been significant changes in the global context, with increasing inventions and discoveries in the pharmaceutical industry, that since the industrial revolution is the driving force of innovation Technological. The present study intended to examine the consequences of rules inclusion from various discussions initiated by the Convention of the Union of Paris (CUP) and by the agreement Trade Related Aspects of Intellectual Rights (TRIPs) that created the World Health Organization and the World Trade Organization. These organizations assisted in the initiation of the implementation of standards in favor of balanced development between the interest of pharmaceutical industries and public health. Since the beginning of the conventions, Brazil has established parameters between industrial property in the pharmaceutical context and the public health, including access to essential drugs and breaking of pharmaceutical patents, namely, compulsory licenses, which has as main object the social interest assured by our legislation.

Keyword: social function – Patents – Drugs.

Sumário: Introdução. 2. Comercio internacional de patentes. 3. Aspectos gerais da saúde pública. 4. A saúde no âmbito internacional. 5. Indústrias farmacêuticas. 6. Das patentes de medicamentos. 7. A licença compulsória e o interesse público.

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos tempos, a Globalização fez surgir profundas mudanças no cenário internacional, as quais acarretaram transformações na busca de um melhor convívio e organização do mercado internacional. Tal mercado trouxe o surgimento de normatizações, que objetivam uma maior proteção da propriedade intelectual.

Para se chegar a tal objetivo, a sociedade internacional, através de acordos igualmente internacionais, fez surgir a Organização Mundial de Comércio (OMC), iniciando debates e posicionamentos, os quais priorizavam a proteção dos direitos de propriedade intelectual.

O tema constitui uma das mais importantes inovações na busca da desburocratização do acesso a medicamentos, pelo processo de quebra de Patentes, que visa proporcionar uma melhor qualidade de vida principalmente para os países menos desenvolvidos, os quais sofrem com os altos custos desses medicamentos.

Outro aspecto que vale a pena ser ressaltado sobre a importância do presente estudo, é que o mesmo se insere no contexto cotidiano de grande relevância social, cujo interesse foi retomado nos últimos anos pela necessidade social no âmbito da saúde pública, principalmente no Brasil, onde a Saúde é dever do Estado e Direito Fundamental do cidadão, acolhido pela nossa Constituição Federal.

2 COMERCIO INTERNACIONAL DE PATENTES

Por décadas, o comércio internacional buscou proporcionar aos criadores de invenções, o seu devido reconhecimento e valores apreciados pelo mercado, através de um processo de criação de normas mais justas que trouxessem maiores seguranças para o campo da pesquisa e desenvolvimento. No decorrer dos tempos, vivenciamos uma busca por um processo de normatização, que se adequasse melhor às necessidades que o mundo globalizado exigia no âmbito das patentes. Com o final do século XX, o mundo presenciou a Revolução Industrial, que fez surgir uma maior interação dos mercados internacionais no âmbito de desenvolvimentos de tecnologias. Através das feiras de demonstrações de tais tecnologias, seus inventores apresentaram para o mercado novas descobertas, consequentemente fizeram surgir insegurança e receio de possíveis cópias e piratarias de suas invenções.

Tal preocupação fez necessário um mercado que proporcionasse uma maior segurança para as invenções das propriedades intelectuais, assim, para sanar problemas como esses, em 1883 e 1886 foram adotados, respectivamente, a Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial e a Convenção de Berna para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas.

Nesses termos, com a necessidade de normatização que ensejasse maiores seguranças para os inventores, inicialmente surgiram dois principais ordenamentos jurídicos internacionais da propriedade Intelectual que são o acordo TRIPs (Trade Related Aspects of Intellectual Rights) e a CUP, no âmbito das patentes de medicamento e o interesse da saúde pública.

A Convenção da União de Paris foi um instrumento de grande importância para a normatização jurídica, que em 1883, deu origem ao hoje denominado Sistema Internacional da Propriedade Industrial, e foi a primeira tentativa de uma harmonização internacional dos diferentes sistemas jurídicos nacionais relativos à Propriedade Industrial.  Surge, assim, o vínculo entre uma nova classe de bens de natureza imaterial e a pessoa do autor, assimilado ao direito de propriedade. Os trabalhos preparatórios dessa Convenção Internacional se iniciaram em Viena, no ano de 1873.

Nos acordos, os países desenvolvidos pressionados pelo desenvolvimento do comércio internacional e com as inovações perante um mercado multilateral, aproveitaram para pôr em pauta suas necessidades diante dos direitos de propriedade intelectual, para proteger sua intervenção no comércio, através de mecanismo de imposições de normas que coibissem imitações e falsificações de seus produtos, diante dos países que possuíssem um baixo grau de proteção patentária.

Nesse contexto, os esforços para que se chegasse a uma normatização, fez surgir parâmetros mínimos de segurança para os detentores de suas invenções, através de regras e garantias obtidas através do acordo denominado TRIPs. Nesse sentido, as normas de proteção fizeram surgir o instrumento da patente, que concede prioridade durante certo período ao iventor. As patentes podem ser apresentadas em dois grupos: as de invenção, as quais têm validades de 20 anos, da data do seu depósito e as de modelos de utilidade, que têm a proteção de 15 anos, também contando da data do depósito.

No que se refere ao nosso ordenamento jurídico, encontramos a nova Lei sobre Propriedade Intelectual 9.279/96, voltando a dispor sobre patentes de produtos alimentícios e farmacêuticos, que substituiu lei 5.772/71, implementadora de várias transformações: entre elas a mudanças como possibilidade de proteção aos produtos e processos dos setores farmacêuticos e de biotecnologia.

As patentes de medicamentos se inserem no contexto das Patentes de Invenções, as quais no Brasil, passaram a ter sua análise obrigatória pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), desde a Medida Provisória nº 2.006/1999, que criou a figura jurídica da anuência prévia, posteriormente consolidada pela Lei nº 10.196, de 2001, que alterou o artigo 229 da Lei nº 9.279 de 1996. A Lei de Propriedade Industrial, diz: “A concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da ANVISA”.

3 ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE PÚBLICA

A saúde pode nos ser apresentada por duas vertentes: a primeira estabelece um conceito ideal, em que a “saúde seria um estado a ser alcançado como meta de políticas de saúde ou de bem-estar social” (PILATI, 1989, p.15 apud Guise pg. 64). A segunda vertente define-a numa perspectiva mais realista, fazendo uma análise de como a sociedade determina e estabelece preceitos que reconhece o estado de saúde de seus membros.

Já a Organização Mundial da Saúde – organização internacional, criada pela ONU (Organização das Nações Unidas), para elevar os padrões mundiais de saúde, criada em 07/04/1948 – fez do Brasil um local com papel importante, quanto à proposta de criação da mesma, partindo dos delegados do Brasil, que propuseram o estabelecimento de um “organismo internacional de saúde pública de alcance mundial”, o qual é regido através de normas de Direito Internacional, dotadas de personalidade jurídica, conceituando a saúde como: “o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade”.

Este conceito nos remete a idéias de que a saúde não significa ausência de doença, passando a desvincularmos a saúde da doença e passando a analisar por outro ângulo a sua conceituação, ou seja, que a saúde não está limitada tão somente ao corpo, mas também à mente, às emoções, às relações sociais, à coletividade, à alimentação, remetendo à idéia de que existem necessidades de envolvimento de setores sociais, inclusive da própria economia para que as pessoas possam ter uma saúde adequada, analisando o caráter coletivo que deve ser sobreposto ao caráter individual, através de ações sociais, iniciadas principalmente através de incentivos das políticas públicas.

O direito a Saúde é uma garantia constitucional, prevista em nosso ordenamento jurídico como direito fundamental de todo cidadão, que deve estar inserido em toda plataforma de governo tendo como prioridade o bem estar social, no intuito de proporcionar ao seu povo, projetos que visem alcançar através de trabalhos sociais uma melhor qualidade de vida, no âmbito da saúde pública.

Em 1988, com a implantação da atual Constituição, o direito à saúde no Brasil foi elevado à categoria de direito subjetivo público, o que deixou reconhecido que o sujeito é detentor do direito e o Estado o seu devedor, valendo a pena ressaltar que, não se deve menosprezar a responsabilidade própria do sujeito que também deve cuidar de sua própria saúde e contribuir para a saúde coletiva. Hoje, compete ao Estado garantir a saúde do cidadão e da coletividade.

Em seu art. 6º, a Constituição Federal/88, dispõe da saúde, no capítulo II, rol dos direitos sociais, dispondo:

“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Grifo nosso).

Em outro momento, mais precisamente em seu capítulo III, a Constituição Federal/88 resguarda a competência da saúde, dispondo da organização do Estado, em seu art. 23, seguindo em seu art. 24 da competência para legislar acerca da proteção e defesa da saúde, dispondo:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…),

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência, (…)

Art. 24 Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…)

 XII – previdência social, proteção e defesa da saúde, (…)”

Ainda, em sequencia, a CF/88, é dedica – no capítulo VIII, mais precisamente na seção II, em seus Artigos 196 e 197, trecho que trata da saúde – como preceito de ordem social, dispondo:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (Grifo nosso)

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.” (Grifo nosso)

Outro texto, de grande importância, que prega a saúde no meio social brasileiro é a Lei nº 8.080 19/09/90 (BRASIL, 1990), que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, como também, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e outras providências, como se percebe a seguir:

“Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.”

Seqüencialmente, a Lei trata do assunto, quando produz:

“Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País.       Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.”

Vale a pena ser salientado que o nosso ordenamento jurídico, traz prerrogativas inerentes ao Ministério Público, o dever de zelar em defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Sendo assim, no que tange o direito à saúde, encontramos previsão legal dispostos nos artigos 127 e 129, II e III da CF/88, que diz:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;”

Sendo assim, ao Ministério Público é conferida legitimidade para tutelar os direitos difusos e coletivos. Além disso, também é competente para cuidar dos serviços de relevância pública, no caso a saúde, conforme o art. 197 da Lei Fundamental, acima citada. De acordo com a nossa Constituição/88, o MP é uma instituição permanente, que se caracteriza por ser essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa de ordem jurídica, do regimento democrático, dos interesses individuais indisponíveis e dos interesses coletivos e difusos, ou seja, aqueles direitos que não se podem dispor, pois fazem parte da personalidade humana. Para o exercício de seus deveres, o Ministério Público é um órgão autônomo e, consequentemente, não se encontra submetido a nenhum Poder.

Devemos também, atentar-se a outro ponto de extrema importância na luta por uma saúde mais adequada, que é o poder conferido à sociedade, através da participação popular, conferindo-lhes o modo de agir e influenciar nos órgãos competentes, no sentido de tutelar nossos interesses, pois a saúde é um problema cuja solução não se restringe a um único agente, e estamos diretamente ligados a as problemáticas que barra o seu acesso. Como nos mostra, Asensi (internet), a sociedade é o maior interessado na busca da saúde, quando descreve:

“A sociedade organizada pode assumir a tarefa de defesa e proteção da saúde, utilizando-se dos meios processuais, como a ação civil pública ou ações civis coletivas, ou, caso necessite, representar ao órgão ministerial. Diante disto, Por derradeiro, saúde é uma constante busca com o escopo primordial de realização da dignidade humana, externando-se como uma necessidade básica no exercício da cidadania e da qualidade de vida. Vivemos em um Estado Democrático de Direito, e a saúde, neste aspecto, funciona como pressuposto da vida, “a saúde como qualidade de vida passa a ser necessidade primeira da democracia, como é o ar e a alimentação para sobrevivência do ser humano.”

Ainda acerca do direito à saúde, promovida pelo Brasil, podemos citar a Política Nacional de Medicamentos, formulada pelo Ministério da Saúde brasileiro, através da Portaria nº 3.916/98, que visa, em tese, garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, e a promoção do uso adequado, consequentemente, promover o acesso de medicamentos, traçando parâmetros desses produtos considerados essenciais. Esta portaria é de relevante pois, a partir do momento em que se promove políticas de medicamentos, está se garantindo um componente essencial para a garantia da saúde ao cidadão, salvando vidas e melhorando as condições de saúde das populações.

Outra legislação que trata do assunto no âmbito nacional é a Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e de outras providências.

Porém, o SUS causa grande repercussão, seja ela, internacional, de forma positiva, quando admirada internacionalmente por conter formas e preceitos de cunho organizatório e sistemático de política de saúde pública e ser exemplo para outros países de quadro de organização de saúde interna, ou seja, ela nacional, muitas vezes objeto de críticas, apontada negativamente, não por sua estrutura, (que, diga-se de passagem, seu projeto encontra-se muito bem estruturado) mas por, infelizmente a realidade se distorcer do seu objetivo almejado, tornando-se assim uma política ineficiente no meio social.

Porém o SUS, tem como pressuposto a promoção de condições à saúde da população, onde o Estado deve oferecer condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação, que traz em seu contexto a saúde como direito fundamental e princípios e diretrizes que devem nortear o SUS. Nesses termos, vejamos o que traz a Lei nº 8.142:

Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.  § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação (…)

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;

IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;

V – direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;

VI – divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário;

VII – utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;

VIII – participação da comunidade;

IX – descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:

a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;

b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;

X – integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico;

XI – conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população;

XII – capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e

XIII – organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos”.

Por fim, podemos citar também a Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999, que altera a Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, que dispondo sobre a vigilância sanitária, estabelece o medicamento genérico, dispõe ainda sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos e dá outras providências, que será objeto de estudo, mais detalhado no próximo capítulo.

A política pública é o principal meio de disseminação de uma boa política a saúde, que segundo Merhy (p.15) compreende atividades que visam evitar a doença e promover um melhor bem-estar: físico, mental e espiritual, promovendo a saúde, a qual o Estado é responsável, primariamente. Portanto, para o referido autor, a saúde pública tem se identificado com o “campo das ações de saúde que tem em perspectiva a promoção e proteção da saúde individual e coletiva, através da atuação nas dimensões coletivas”.

Diferentemente do conceito de saúde, a saúde pública nos remete a forma pela qual os governos conduzem as problemáticas e conseqüentemente suas soluções das condições sanitárias vivenciadas pela população. Vivendo, em tese, não só da busca do combate as doenças, mas também a prevenção delas, proporcionando, também, à população acesso aos medicamentos necessários, para efetivar tais objetivos.

4 A SAÚDE NO ÂMBITO INTERNACIONAL

A Organização Mundial da Saúde, agência especializada da ONU, cujo objetivo é a defesa da saúde na forma mais ampla, com sede na Genebra – Suíça, composta atualmente por 193 estados membros, incluindo o Brasil, que participou em 1946 da conferencia convocada pelas Nações Unidas, propõe a idéia de formar uma organização a nível mundial que tratasse da saúde, partindo de sua delegação chegando a concretizar-se, e que entrando em vigor no ano de 1948, com o intuito de internacionalizar as questões de saúde, estabelecesse um organismo internacional de saúde pública de alcance mundial, liderança em assuntos sanitários mundiais, grande incentivadora de estudos em investigações no âmbito da saúde em desenvolvimento, pesquisas e combate a doenças, além de ser prestadora de apoio técnico e materiais aos países, sendo também fiscalizadoras as tendências sanitárias mundiais, entre outros.

A OMS produziu uma legislação própria que conceitua e norteia seus membros sobre as responsabilidades que cada um tem com a saúde, seja ela a nível estadual, ou mesmo, interestadual. Tem como objetivo a aquisição, por todos os povos, do nível de saúde mais elevado bem como conceitua a saúde no preâmbulo da Constituição da OMS, assim dizendo:

Os Estados partes desta constituição declaram, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, que os seguintes princípios são basilares para a felicidades dos povos, para as suas relações harmoniosas e para a sua segurança:

A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade;

Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social; […]

Os Governos são responsáveis pela saúde dos seus povos, a qual só pode ser assumida pelo estabelecimento de medidas sanitárias e sociais adequadas;

Aceitando esses princípios com o fim de cooperar entre si e com os outros para promover e proteger a saúde de todos os povos, as partes contratantes corcordam com a presente Constituição e estabelecem a Organização Mundial da Saúde como organismo especializado, nos termos do art. 57 da Carta das Nações Unidas”. (grifo nosso)

Outro documento internacional, que remete ao direito à saúde é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada pela Resolução da  217 A (III) de 10 de dezembro de 1948,  da Assembléia Geral das Nações Unidas dos Direitos Unidas, que estabelece como direito do homem que assegure um padrão de vida, que garanta a saúde e o bem-estar. No entanto, para se alcançar esse padrão que assegure tais garantias, são necessários requisitos que sirvam de base para concretizar-se tal objetivo, quais sejam aqueles elencados por Guise, quando ela diz:

“Para que tal padrão possa ser alcançado, faz-se necessária alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e serviços sociais indispensáveis, direito e segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. Em outras palavras, para a Declaração  Universal dos Direitos do Homem, a saúde também se encontra atrelada a fatores condicionantes do bem-estar, não podendo deste ser dissociada.”

Estabelece a Declaração Universal dos Direitos do Homem em seu artigo XXV.1:

“Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.”

Ainda no contexto internacional, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Cultural (P.I.D.E.S.C.), criado em 16.12.1966, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, que só foi ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, tem como objetivo de “tornar juridicamente vinculantes os dispositivos da Declaração Internacional dos Direitos Humanos, determinando a responsabilização internacional dos Estados-parte pela violação dos direitos enumerados” (Maise de Carvalho Gomes Monte, p. 19).

O Pacto inclui o direito ao trabalho e à justa remuneração, o direito a formar e a associar-se a sindicatos, o direito à educação, o direito das crianças a não serem exploradas e o direito à participação na vida cultural da comunidade, o direito a um  nível de vida adequado, como também o desfrute do mais alto nível possível de saúde, seja ela física ou mental, este previsto em seu Art. 12, que diz:

1. Os estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental.

2. As medidas que os estados-partes no presente Pacto deverão adotar, com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito, incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:

a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças.

b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente.

c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças.

d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade.” (Grifo nosso)

As questões trazidas pelo Pacto Internacional foram estabelecidas para ser realizadas de forma progressiva, onde através dos resultados e medidas econômicas e técnicas do Estado juntamente com um planejamento efetivo, buscar-se-ia a gradual concretização dos direitos por ele abordados. *seria interessante você escrever algo aqui que fizesse uma ponte com o próximo tópico, no caso, sobre as indústrias farmacêuticas, porque você este capítulo surge do “nada”, logo abaixo.

5 INDUSTRIAS FARMACÊUTICAS

As indústrias dos setores de fármacos são grandes instrumentos auxiliares para o desenvolvimento de pesquisas, fabricação e comercialização de medicamentos.

Para compensar os altos gastos no campo, e para incentivar a proliferação de novas descobertas, as empresas farmacêuticas buscam estabilidade temporária na patenteabilidade de seus produtos.

Neste capítulo, estudaremos as atuações das empresas farmacêuticas, fazendo uma breve análise com suas conseqüências para o âmbito social.

5.1 O SURGIMENTO DAS INDÚSTRIAS FARMACÊUTICAS

O surgimento das primeras grandes empresas farmacêuticas, se deu em meados do século XIX, atraves de experiências inicialmente da síntese de várias substâncias de ação farmacológica, comprovadas por meios de experiências em animais (GUISE 2003). Inicialmente, a produção de medicamentos era essencialmente de forma artesanal, produtos que consistiam em drogas de natureza botânica ou animais. Como o passar do tempo, no intuito de aperfeiçoamento de seus produtos e a necessidade de alcançar medicamentos que combatessem as enfermidades que pairavam nas comunidades, as industrias foram se desenvolvendo.

No final do século XIX, a Campanhia Beecham, fundada pelo inglês Tomas Beecham, uma de várias empresas que surgiram no mercado internacional na busca de desenvolvimento de medicamentos, produzia até um milhão de pílulas por dia, destinadas à exportação para a África, Austrália e América (op cit).

Passado os tempos, no início do século XX, ocorreu a implantação de instituição científicas voltadas para a pesquisa e produção de medicamentos, abragendo um campo maior, ocasionando também a produção de vacinas e soros, iniciando-se uma nova sintese química e fermentação como processo industrial e tecnológico a partir da década de trinta. Nos anos quarenta e cinquenta, foram surgindo as indústrias farmacêuticas no mercado internacional, ocasionadas pela Segunda Guerra Mundial, que fez com que se expandisse os mercados e a hegemonia americana, acarretando uma verticalização das tecnologias no âmbito dos medicamentos.

Em sequencia da evolução, entre os anos cinquenta e sessenta, foram lançados novos produtos, com um novo olhar para as estratégias de marketing, influenciando a interação do mercado farmacêutico e a utilização dos produtos, acarretando uma influência positivas nas prescrições, como a obrigatoriedade do uso de altorizações médicas na combra de certos medicamento.

Ainda na década de sessenta, com a ocorrência do desastre da talidamida –

considerado como maior desastre da história da medicina –uma substância, causou anomalias em várias crianças, se popularizou no mercado farmacêutico como medicamento de combate de enjôos, ocasionados na gravidez inicialmente entre as quatro e dez semanas, passando a ser empregado em outros tratamentos, como irritabilidade, baixa concentração, ansiedade, insônia, entre outros, como se descreve a seguir:

“A simples menção à talidomida causa medo em muitas pessoas até hoje, embora 50 anos tenham se passado desde que essa droga causou o maior desastre da história da medicina. Apesar de esse triste episódio ter ocorrido há tanto tempo, somente agora a ciência começa a desvendar os mistérios associados ao uso indevido desse composto. […] Talidomida, composta por C13H10N2O4, desenvolvida no ano de 1957 pela companhia farmacêutica alemã Chemie-Grünenthal ”, medicamento que inicialmente apresentava baixo risco de intoxicação, sendo considerado seguro e com poucos efeitos colaterais e podendo inclusive ser adquirido sem a necessidade de prescrição médica.” (BORGES)

Porém, com o passar do tempo, observou-se e comprovou-se que o uso do produto acarretava anomalias, tornando-se evidentes que com seu uso houve um aumento significativo do número de defeitos teratogênicos nos recém-nascidos.

Após essa tragédia, se fez necessário um maior rigor nas políticas de registro, ensaios clínicos e controle de qualidade dos produtos farmacêuticos, para evitar novos casos trágicos como o da talidomida. Para isso, em 1962 foi aprovada nos EUA, uma emenda que tratava da qualidade dos alimentos, medicamentos e cosméticos, conhecida como Emenda Kefauver-Harris, que trazia requisitos para aprovação de tais qualidades e eficácia dos produtos, nos casos de medicamentos, passando assim, a exigir provas de eficácia e extinguindo o prazo inicial de 60 dias para emissão e aprovação.

Em 1969 a OMS recomendou a inclusão das GMP (Good Manufacturing Practices) no Esquema de Certificação da Qualidade dos Produtos Farmacêuticos em circulação no Comércio Internacional. Nesta época, a Assembléia Mundial de Saúde, aprovou ao mesmo tempo o texto das Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos tornando-a parte integrante do Esquema de Certificação.

As boas práticas de fabricação, “conjunto de normas, que regulamenta os requisitos  mínimos para produção farmacêutica, contemplando orientações que controlam  a  organização  do sistema de produção, a higiene e os controles necessários  para   garantir a qualidade sanitária dos produtos”. Para a OPAS, trata-se de “ um conjunto de normas mínimas para a fabricação de medicamentos.  Esta norma tem por objetivo enunciar os padrões vigentes que devem ser observados pela indústria, para a fabricação de medicamentos, os quais devem satisfazer critérios de qualidade estabelecidos”. 

Com o intuito de proporcionar uma maior segurança e qualidade dos medicamentos, onde as indústrias farmacêuticas teriam que se responsabilizarem pela qualidade de seus produtos, as Boas Práticas de Fabricação (BPF) procura diminuir os riscos e problemas advindos da produção farmacêutica que não podem ser prevenidos completamente mediante o controle do produto acabado, como erros de trocas de produtos, contaminação, composições inadequadas, etc.

Porém, anteriormente à sua criação, diversos problemas que precisavam ser evitados foram objeto de preocupação que resultou por muito tempo tragédias, entre elas, podemos citar, fatos ocorridos relacionados à qualidade e segurança dos seus produtos. Vejamos alguns exemplos nos apresentados pela Escola Nacional de Saúde Pública:

– 1937 – 107 mortos por intoxicação em massa com um elixir de Sulfanilamida nos Estados Unidos. Substituído na fórmula, a Glicerina que estava em falta no mercado, pelo Etilenoglicol sem que tenham sido realizados os testes de segurança e atoxicidade necessária.

– 1967 – intoxicação em massa em crianças que sofriam de epilepsia e eram controladas com cápsulas de 100 mg de Fenantoína em um hospital na Austrália.

– Fabricante havia substituído o diluente Sulfato de Cálcio por Lactose devido à falta no mercado. Níveis sangüíneos do medicamento voltaram ao normal – quando os pacientes voltaram a ingerir o produto com o diluente original.

– Autópsias das vítimas revelaram que os níveis sangüíneos do fármaco haviam subido para mais de 45 mcg por mililitro.

– 1958 – hospital pediátrico nos EUA, intoxicação em massa de crianças entre 5 e 10 anos tratadas com um produto vitamínico para melhorar o seu desenvolvimento. Aparecimento de mamas e outras mudanças relacionadas com estrógenos. A investigação demonstrou que as cápsulas estavam contaminadas com estrógenos.

– Causa: contaminação por limpeza deficiente do equipamento usado na fabricação (produtos estrogênicos e vitamínicos fabricados alternados).

– O resultado da análise do controle da qualidade era satisfatório incluindo o teor de vitaminas. Conclusão: Importância da limpeza correta dos equipamentos para evitar a contaminação cruzada.

– 1966 – Estocolmo, Suécia, surto de salmonelose em cerca de 200 pacientes tratados com comprimidos de tireóide, alguns deles hospitalizados.  As autoridades sanitárias constataram dois tipos de salmonellas, a S. muenchen e a S. bareilly, em pacientes, nas embalagens intactas dos comprimidos e nos lotes de tireóide importada total de bactérias encontradas > que um milhão/g (coliformes) fonte da contaminação – tireóide em pó desengordurada importada, com mais de 30 milhões de bactérias por grama, a maior parte delas da flora fecal.

Na década de noventa, os acordos mundiais de comércio e principalmente, a criação do Mercado Comum do Cone Sul, (MERCOSUL), demandam intenso trabalho normativo, com o objetivo da adequação das normas aos acordos de unificação de mercados. As exigências de qualidade num mercado mundializado determinam a mobilização de esforços para colocar a produção brasileira em padrões internacionalmente aceitos, impondo aos produtores a introdução do enfoque da qualidade, novo paradigma que vem se formando desde a produção industrial para abarcar o setor de serviços. O cenário normativo dos anos 90 é sensivelmente marcado pela crescente influência das políticas voltadas para a concretização do Mercado Comum do Sul.

Com a crescente evolução da indústria farmacêutica, o Brasil percebeu a necessidade de proporcionar ao seu mercado uma maior preparação para a produção de medicamentos. No final do século XIX e início do século seguinte, o intuito de combate e prevenção das endemias, levou à fundação de pesquisa e a produção de medicamentos no mercado interno. Porém, com o crescente desenvolvimento das indústrias internas e a biodiversidade apresentada por nosso país, o mercado industrial brasileiro passou a ser alvo de empresas multinacionais que com grande poder aquisitivo e detentoras de tecnologias avançadas, acarretou para nosso país um processo de desnacionalização das indústrias farmacêuticas ocasionado, principalmente por três fatores, descrito pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sendo eles:

– Ausência de políticas governamentais que deveram visar a proteção da indústria nacional contra a competição estrangeira;

– Situação de maior fragilidade para as empresas locais gerada pela inovação tecnológicas da década de 40; e

– Medidas de estímulo à entrada de capitais estrangeiros que caracterizaram a política econômica na década de 50, enfraquecendo o poder de competição das empresas nacionais.

Como conseqüência, os países subdesenvolvidos, inclusive o Brasil, por falta de investimentos dos governos públicos em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia, passaram à dependência das tecnologias das empresas transnacionais no setor farmacêutico e se tornaram uma problemática para o meio social, no que diz respeito à saúde pública.

Essa dependência industrial no setor de fármaco, acarretada pelo baixo incentivo, muitas vezes dos governos públicos no setor da industrialização, desencandea-se em uma barreira quanto ao acesso de medicamentos, pois o monopólio temporário industrial, efetuado pela patenteabilidade, eleva seus custos, que será objeto de estudo adiante.

No entanto, para amenizar os impactos negativos por falta de incentivo de novas tecnologias, os países subdesenvolvidos encontraram o apoio necessário para “ sanar ” (diga-se de passagem, parcialmente) essa dependência, através da Declaração de Doha, em seu parágrafo sexto, reconhecendo a necessidade da Organização Mundial de Comércio, intervir na busca de ajudá-los, pois a falta de capacidade tecnológica para a fabricação de medicamentos foi um grande propulsor para a investida da permissão do uso das licenças compulsórias, estas, objeto de estudo do próximo capítulo.

6 DAS PATENTES DE MEDICAMENTOS

Os efeitos econômicos advindos das práticas de investimentos do campo da pesquisa e desenvolvimento dos produtos farmacêuticos é uma das causas dos elevados preços de medicamentos.

Para amenizar e suprir os elevados gastos na produção e comercialização, as indústrias buscam patentear seus produtos, o que proporciona por um longo tempo a exploração exclusiva do processo de produção dos medicamentos. Tempo esse previsto na lei nº 9.279/96, a qual estabelece 20 anos de vigor as patentes de invenção, categoria a qual os medicamentos se encaixam, previstos em seu Art. 40. No capítulo que trata da Vigência da Patente diz-se que: “A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 anos contados da data de depósito”, permitindo assim, que a empresa detentora da patente estabeleça o preço que melhor atenda aos seus interesses comerciais.

Esses interesses representam um grande prejuízo para população de baixa renda, pois o acesso aos medicamentos fica dificultado, principalmente no tocante àquelas enfermidades que atingem grandes parcelas da população e que dependem da constante incorporação de novos produtos, como é o caso da infecção causada pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV).

Outro situação acarretada pelas patentes, objeto de estudo de muitos doutrinadores, são os oligopólios, que “ caracterizam-se por serem apenas poucas empresas que controlam o mercado de um setor específico” (Heringer, p. 64), ou seja, prevalecendo-se da concentração do mercado em determinado medicamento, as empresas muitas vezes abusam do poder de detenção e exploram em excesso, para obter retorno financeiro dos gastos na produção e comercialização dos medicamentos, em pequena escala de tempo, justificando-se com base no investimentos de novos produtos mais eficazes.

É importante salientar a possibilidade de interromper o período de proteção pela patente no intuito de socializar a produção dos medicamentos através da comercialização dos genéricos, que são introduzidos no mercado de fármaco, com o objetivo de proporcionar uma maior acessibilidade para principalmente a população de baixa renda, que é desfavorecida pelos altos custos dos produtos.

Também conseqüências atribuídas do processo das patentes de medicamentos, são as formas e estratégias na busca de driblarem as lacunas legais identificadas pelos países em desenvolvimento. Como exemplo, podemos citar a perenização, processo pelo qual através de diferentes estratégias e negócios jurídicos, os detentores procuram prolongar mais que o permitido por lei, a detenção da patente. Mais conhecido por seu termo em inglês denominado Evergreening, trata-se de “ um método por que os produtores da tecnologia mantêm seus produtos atualizados, com a intenção da proteção mantendo da patente por uns períodos de tempo mais longos do que seja normalmente permissível sob a lei ”. (WordLingo)

Assim, a perenização pode ser utilizada por fabricantes de um determinado medicamento para restringir ou impedir a concorrência dos fabricantes de genéricos equivalentes a essa droga, envolvendo aspectos específicos de patentes.

 A Exceção Bolar é mais um exemplo de outro processo, acarretado pelas patentes, permitido pela legislação brasileira, pela Lei nº 9.279, em seu artigo 43. Denis Barbosa (3003, p.483) chama as exceções trazidas pelo art. 43 da Lei nº. 9.279 de “limites ao exercício dos direitos exclusivos”, esse processo permite que terceiros, não detentor da titularidade da patente de certo medicamento, se utilize de determinados dados de um produto patenteado para realizar de testes que necessitem para obter o registro sanitário de um medicamento. Esse mecanismo traz em especial a concessão desses testes sem a necessidade de aguardar a expiração da patente para iniciar o processo de pesquisa e registro de outro determinado medicamento, em especial o genérico.

A importação paralela é mais uma conseqüência das patentes de medicamentos, que ocorre quando determinado mercado (A), compra um medicamento protegido por patente, no país (B), onde neste o produto é mais barato, que importa para o país (C), onde o mesmo produto é comercializado a um preço mais elevado. Porém, para que tudo isso ocorra, depende de regras de exaustão de direitos adotado por determinado país. O direito de importação paralela, pode ser sustentado, a partir de outro dispositivo, da própria lei 9.279, em seus § 3º e 4§ do artigo 68, que trazem em seu contexto a licença compulsória.

A licença compulsória trás como proposta a flexibilidade de seu uso “sem autorização do titular”, como também a ligação entre os direitos inerentes aos detentores de patentes, os medicamentos e a quebra como função social, ocasionada por determinadas situações, pré-estabelecidas. Sendo um instrumento pelo qual, o Estado de modo intervencionista, busca corrigir o exercício abusivo dos direitos de patentes, através da autorização a terceiros do seu uso, sem a prévia liberação de seu titular, buscando repara a falha de mercado e à política pública que pretende servi, ou seja, ocorre quando o titular da patente exercer de forma abusiva os seus direitos ou praticar abuso do poder econômico o qual tem como penalidade a licença compulsória. O art. 31 do Acordo TRIPS, permite o licenciamento compulsório, mediante o preenchimento de certas condições estabelecidas, as quais podem ser resumidas em:

– Toda solicitação para obter-se uma licença compulsória deve ser considerada em função de suas características próprias;

– Antes de pedir a licença compulsória, o interessado deve solicitar a concessão de uma licença voluntária por parte do detentor da patente em termos e condições comerciais razoáveis;

– O alcance e duração da licença compulsória se limitarão ao objetivo para o qual a mesmo foi autorizada;

– A licença compulsória terá caráter não – exclusivo;

– A licença compulsória não será transferível;

– A licença servirá principalmente para o abastecimento do mercado interno do país-membro que a autorize;

– A licença cessará uma vez que deixe de existir a causa que levou a sua concessão;

– O titular da patente receberá uma remuneração adequada tendo em vista o valor econômico da outorga da licença em questão, e;

– A validade jurídica de toda decisão relativa à transferência de licença compulsória estará sujeita a revisão judicial.

No Brasil, a licença compulsória foi introduzida com o Código de Propriedade Industrial, no ano de 1945, pelo então presidente da época Getúlio Vargas, que no Capítulo XXI, tratava “da licença obrigatória para exploração das invenções, modêlos de utilidade, de desenhos e de modêlos industriais”, trazendo em seu artigo Art. 53, a possibilidade de concessão a terceiro o uso da patente, como penalidade aquele que, no período de dois anos não explorasse de “modo efetivo o objeto do invento no território nacional”, ou no caso de interrupção, por igual período, não justificasse as causas. A parti de 1945, muitas foram às legislações brasileiras que trataram da licença compulsória, sendo que entre os anos de 1967 a 1971, três Códigos de Propriedade Industrial foram postos em vigência, tendo todos em seu contexto a concessão da licença compulsória, são eles:

– Decreto-Lei nº 254, de 28 de fevereiro de 1967 (classificação referente à propriedade industrial);

– Decreto-Lei nº 1.005, de 21 de outubro de 1969 (Código de Propriedade Industrial, que proibia as patentes de medicamentos e alimentos), e;

– Lei nº 5.772, de 21 de dezembro de 1971 (Código da Propriedade Industrial).

Tendo a Lei nº 5.772/71 vigorado por 26 anos, período que foram concedidas três licenças compulsórias, sendo “ duas delas foram concedidas para a patente de uma vacina (fundadas no interesse social), e a outra foi concedida porque a exploração foi considerada insuficiente para atender aos requisitos estabelecidos no texto legal”. (GUISE, p.127)

7 A LINCENÇA COMPULSÓRIA E O INTERRESE PÚBLICO

A quebra de patente de medicamentos como instrumento de equilíbrio para garantir uma sustentabilidade das políticas públicas de saúde de acesso a medicamentos ainda é tema de discussão instigante. Principalmente por se tratar de interesses diversos, que venham com o objetivo de oferecer melhores serviços para a promoção do melhoramento da saúde pública para as comunidades, estabelecendo parâmetros de segurança para considerar os medicamentos seguros para serem consumidos e comercializados. Assim, patrocínios são utilizados na participação dos governos com a finalidade de introduzir modificações na estrutura industrial, questionamentos de “quais medicamentos seriam objeto de reembolso pelo sistema público e/ou privado, ou até mesmo a implantação de mecanismo de controle de prelos e de lucro da in indústria farmacêutica”, (ANVISA).

Para que haja um equilíbrio desses interesses, é necessária a intervenção do Estado como principal agente de transformação social, que deve oferecer a sua população uma melhor política de saúde que permita acesso aos medicamentos essenciais.

Nesse sentido, podemos observar um Tema fruto de diversos discursos tomados tanto pela OMC como pela OMS, os quais apresentam vertentes diferentes, mas que se relacionam principalmente no que se refere aos compostos que combatam os sintomas da epidemia da Aids.

No Brasil, em resposta ao interesse dos portadores da doença foi criado o Programa Nacional de DST e Aids, no ano de 1986, posteriormente vindo a surgir a política de distribuição universal de medicamentos, garantida pelo decreto-lei nº 9.313, de 13 de novembro de 1996, que dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS, que obteve sucesso significativo, pois entre 1997 e 2004, a mortalidade foi reduzida e a redução das internações hospitalares e do tempo médio de Internação também, cumprindo assim com a normatização constantes na Carta Magna do nosso país.

Ainda, como mecanismo de efetivação do direito ao interesse social, o governo brasileiroassinou o Decreto nº. 6.108/2007 que sancionava a licença compulsória de duas patentes de propriedade do laboratório Merck Sharp & Dohme (MSD), conhecido como Efavirenz. Nesse contexto, o caso MSD foi alvo de intensas acusações trocadas entre as parte envolvidas (governo e laboratórios). Esta foi a primeira vez que o Brasil sanciona uma licença compulsória sob a vigência da atual lei nº. 9.279/96, que trouxe conseqüências boas para nossa economia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O diálogo continua sendo a melhor saída para a paz mundial, por isso sempre que se fizer necessário a quebra de uma patente, em especial a de medicamentos, as nações envolvidas devem estar em perfeita sintonia para se chegar a um denominador comum, ou seja, o bem estar da coletividade.

É importante ressaltar que os países em desenvolvimento não devem ficar atrelados a apenas ao fator da quebra de patentes para suprir sua população do medicamento que necessitam, mas torna-se necessário unir esforços financeiros, no intuito de investir em ciência, pesquisas e tecnologia, para fomentar o desenvolvimento tecnológico na seara farmacêutica, pois está em jogo tanto a proteção da propriedade intelectual, direito das empresas farmacêuticas que investem tempo e dinheiro para o desenvolvimento de um medicamento, como também o nosso bem jurídico maior: a vida.

A intervenção do Estado é essencial na perspectiva de quebrar alguns desafios ainda persistem, como o quadro econômico desfavorável da população que pesa permanentemente sobre a sustentabilidade dos programas sociais governamentais, e a discriminação encontra formas nem sempre muito sutis de renovar-se.

Ainda assim, olhando para o caminho percorrido pelas campanhas governamentais brasileiras e percebem-se o impacto decisivo deste conjunto de ações em dados expressivos, como na redução da mortalidade ou na estabilização da progressão dos novos casos, os avanços na qualidade de vida do cidadão. E estes são, literalmente, uma conquista do povo brasileiro.

Portanto, a cooperação do povo, governos e a interação com o direito internacional junto com as mais belas declarações dos direitos humanos precisam mostrar de forma concreta seus objetivos, alcançando de forma elementar a paz mundial e a cooperação entre as nações.

 

Referências
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Informações Sobre os Autores

 

Milena Barbosa de Melo

 

Doutoranda em Direito Internacional pela Universidade de Coimbra. Especialista e Mestre em Direito Comunitário pela Universidade de Coimbra. Professora Universitária e consultora jurídica. Bacharel em Direito pela Faculdades de Ciências Sociais e Aplicadas.

 

Christiane Ramos Barbosa de Paulo

 

Bacharela em Direito

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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