Resumo: Diante da necessidade de investigação científica acerca da natureza jurídica dos princípios jurídicos e sobre a importância da normatividade dos princípios jurídicos, tratar sobre a temática dos princípios tornou-se fundamental para a compreensão sobre a evolução do Direito no tempo, e como este se encontro atualmente. O exame da natureza jurídica dos princípios jurídicos reporta a diversas definições, tendo destaque três momentos históricos da Filosofia do Direito, não necessariamente excludentes: a fase jusnaturalista, a fase juspositivista e a fase pós-positivista. A afirmação quanto a relevância da normatividade dos princípios nos ordenamentos jurídicos, nos Estados Democráticos de Direito, corresponde ao resultado desse longo processo histórico, rumo à tentativa de elevação dos valores fundamentais imanentes às sociedades ao patamar máximo de referência para a aplicação e para a hermenêutica do Direito. Reconhece-se, normatividade não só aos princípios que são, expressa e explicitamente, contemplados no âmago da ordem jurídica, mas também aos que, defluem de seu sistema, são anunciados pela doutrina e descobertos no ato de aplicar o Direito.
Palavras-chave: Princípios Jurídicos; Regras; Jusnaturalismo; Jus-positivismo; Pós-positivismo.
Sumário: 1. Introdução. 2. Princípios na concepção jusnaturalista. 3. Subsidiariedade dos princípios no pensamento juspositivista. 4. Construções teóricas no pós-positivismo jurídico. 5. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O estudo dos princípios e sua importância normativa no ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito e a verificação sobre a definição de sua natureza jurídica conduzem a uma investigação sobre como o Direito foi apresentado ao longo do curso histórico, e como diversos estudiosos se dedicaram à busca de tais definições.
Etimologicamente, o vocábulo “princípio”, do latim “principium”, significa aquilo de que algo procede de algum modo. Tal noção, preleciona Silva[1], deriva, possivelmente, da linguagem matemática, onde designa as verdades ou axiomas iniciais.
Eis que no início da organização social humana, verifica-se que esta se deu por meio de um sistema comunal de produção e consumo: circunstância extremamente importante devido à inter-relação dialética entre produção e consumo, com base na qual o último é correto e positivamente caracterizado como “consumo produtivo”. Dessa forma o indivíduo não produzia para si, e sim para uma coletividade. Esse tipo de relação social não consagrava limites às ações dos seus indivíduos. A conduta de um, mesmo que fosse danosa a outro, não constituía punição plena àquele, observada a ausência de uma figura mediadora nas relações sociais.
A intensificação dos conflitos sociais conduziu o ser humano a definir fundamentos essenciais e norteadores de convívio social. Surge então, a figura das matriarcas e dos patriarcas que vieram a exercer a função de “árbitros” coordenadores e fiscalizadores dos atos daqueles pertencentes à comunidade. Nesse momento, não havia normas como hodiernamente, os princípios é que direcionavam os atos dos indivíduos.
Partindo dessa observação, pode-se verificar, portanto, a real importância dos princípios para a regência das relações humanas ao longo do tempo, sendo ponto de partida para a compreensão da inserção dos princípios fundamentais nas relações jurídicas coetâneas e seu valor normativo.
Desse modo, a concepção acerca de princípios na seara jurídica vem se transformando continuamente, através de definições e redefinições, e principalmente por meio de críticas a “conceitos” já consagrados que passam a ensejar novas escolas doutrinárias que certamente serão alvo de novas críticas por parte de outros. Eis que, contemporaneamente, pode-se identificar três teorias que visam a compreender o que são princípios.
A primeira teoria[2] é aquela que identifica os princípios com normas gerais ou generalíssimas de um sistema, representada principalmente pelo jusfilósofo italiano Norberto Bobbio (mâitre-à-penser[3]) que compreendeu os princípios jurídicos como fruto de processos de generalização realizados pela ciência do Direito, ou seja, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais.
A segunda teoria, defendida principalmente por Robert Alexy, é aquela que entende que os princípios não se aplicam integral e plenamente em qualquer situação. Antes, esses princípios são identificados com mandados de otimização. Alexy entende que, como as regras, os princípios são normas jurídicas, porém, diferentemente das regras, eles são normas jurídicas que dizem que algo deve ser realizado na maior medida possível.
De acordo com Alexy:
“… los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible. Dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de optimización que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas.”[4]
Alexy entende que os princípios jurídicos constituem espécie do gênero norma jurídica – são normas jurídicas qualificadas por um alto grau de generalidade e abstração, o que os difere funcionalmente das regras jurídicas, que possuem um campo de normatividade mais restrito.
Deve-se citar outro grande jusfilósofo contemporâneo, Ronald Dworkin. o referido Jusdoutrinador norte-americano aposta na relevância da moral na jurisprudência, o que acarretará em meio mais eficaz à atingir a justiça, tendo assim, uma resposta correta para um determinado caso concreto. Distinguindo argumentos de política – que se formam em discursos éticos ou pragmáticos – e argumentos de princípios[5] – formados em discursos jurídicos ou morais. Para Dworkin os direitos merecem reconhecimento sob pontos de vista da justiça. “Os princípios, ademais, informam as normas jurídicas concretas, de tal forma que a literalidade da norma pode ser desatendida pelo juiz quando viola um princípio que, no caso específico, se considera importante”[6].
Nesta acepção, ampliam-se os fundamentos, englobando todo o axioma jurídico. Desse modo, verifica-se que não, necessariamente, os princípios são dispositivos de lei. Mas, por serem base do Direito, são tidos como preceitos fundamentais para sua prática ou proteção.
Por último, pode-se observar uma terceira teoria, representada por Esser[7], que identifica os princípios como normas cujas condições de aplicação não são pré-determinadas[8]. Outros expoentes dessa teoria são Günther e Habermas – este último tendo como referência o estudo realizado por Dworkin. Para Habermas[9], Alexy esvazia o caráter normativo dos princípios, entrando em contradição com a compreensão deontológica do direito que pretende defender.
Esse aspecto transformista presente no ideário jurídico, conduz a questionamentos quanto ao caráter reformista ou revolucionário pelo qual passaram os princípios através das diversas escolas jurídicas em que foram objeto de estudo.
“A reforma legal e a revolução não são (…) diversos métodos do progresso histórico, que ao bel prazer podemos selecionar na despensa da História, senão, momentos distintos do desenvolvimento da sociedade de classes, os quais mutuamente se condicionam ou complementam, porém, ao mesmo tempo se excluem e quem para transformar a sociedade se decide pelo caminho da reforma legal, em lugar e em oposição à conquista do Poder, não empreende, realmente, um caminho mais tranqüilo, mais seguro, ainda que mais largo, que conduz ao mesmo fim, senão que, ao próprio tempo, elege distinta meta: quer dizer, quer, em lugar da criação de uma nova ordem social, simplesmente mudanças não essenciais, na sociedade já existente”.[10]
É o exame do percurso trilhado pelos diversos jusdoutrinadores na história que permite compreender mais claramente o atual debate sobre a importância normativa dos princípios no âmbito jurídico, sendo estes cada vez mais presentes no processo cognitivo do Direito. Os princípios jurídicos estão cada vez mais próximos, também, de uma perspectiva que coloca a Moral, a Justiça e o Direito juntos em busca da verdade jurídica.
2 PRINCÍPIOS NA CONCEPÇÃO JUSNATURALISTA
O estudo dos princípios tem registros doutrinários em várias fases jusfilosóficas. Os primeiros registros quanto a princípios são verificados no curso histórico primitivo da ordem jurídica – de origem divina –, ou seja, desde o pensamento clássico – grego e romano – sendo observado entre sofistas, estóicos, escolásticos, pensadores eclesiásticos, racionalistas dos séculos XVII e XVIII, até a filosofia do direito natural do século XX[11].
O Jusnaturalismo reconhece a existência de um Direito Natural, que tem validade em si e é anterior ao Direito Positivo, devendo aquele prevalecer, caso haja um conflito entre as normas do Direito Positivo e as do Direito Natural. O exame sobre a formação do Jusnaturalismo conduz à busca por postulados de justiça com aspirações universais que invadem a dogmática jurídica. Estudar o Jusnaturalismo significa conhecer o signo especial do Direito Natural – que apesar de intimamente ligados, apresentam-se em esferas distintas.
O Direito Natural tem acepções valorativas, por meio de uma ordem de princípios considerados absolutos, superiores e imutáveis. É esta a afirmação presente no pensamento clássico, em que sempre há de existir direito além das normas escritas, um direito, como referendado anteriormente, abstrato, posto pela natureza. “No sentido primário e próprio, natureza é a substância dos seres que têm em si mesmos, enquanto tais, o princípio de seu movimento”[12]. Eis que na manifestação dos princípios gerais é que reside a moderação do Direito Natural, servindo como instrumentalização de avaliação dos demais sistemas jurídicos, perante sua conformidade ou desacordo com a justiça.
A busca por postulados de justiça com aspirações universais invade a dogmática jurídica, posicionando os princípios em esfera abstrata e metafísica. Reconhece-os como inspiradores de um ideal de justiça, cuja eficácia se cinge a uma dimensão axiológica do Direito[13]. A partir dessa premissa encontra-se a dicotomia presente no pensamento jusnaturalista: Direito Natural e Direito Positivo – absolutismo e hierarquia. Tanto o Jusnaturalismo como a orientação legalista sustentam a redução do Direito Positivo à expressão da juridicidade oferecida por um corpo de normas previamente objetivado e, indiretamente, a exclusão da historicidade que humaniza o Direito.
O pensamento jusnaturalista é geralmente estudado em três fases: a clássica, a medieval e a moderna.
O pensamento clássico – como exemplo, os gregos – compreende uma concepção essencialista do Direito Natural. A natureza contém em si a sua própria lei, fonte da ordem, em que se processam os movimentos dos corpos, ou em que se articulam os seus elementos constitutivos essenciais.[14]
Para exemplificar esses caracteres e verificar a importância dos princípios gerais no Jusnaturalismo clássico, pode-se citar a consagrada tragédia grega intitulada Antígona, de Sófocles[15], em que é discutido o conflito entre o Direito Natural – o Direito considerado pelos antigos como sendo de origem divina e aceito, pelo próprio fato, como consuetudinário – e o Direito que toma forma jurídica nas leis impostas pelo representante do Estado, tradicionalmente denominado Direito Positivo. É a invocação da lei natural, anteriormente à lei positivada, não como forma de mera superioridade, mas de concepção pura de justiça.
“É assim que, numa das suas mais sublimes representações, a Antígona de Sófocles, o amor é expresso, antes de tudo, como a lei da mulher. É a lei da substancialidade subjetiva sensível, da intrinsecidade que ainda não alcançou a sua plena realização, a lei dos deuses antigos, dos deuses subterrâneos, a imagem de uma lei eterna que ninguém sabe desde quando existe, e que representa em oposição à lei manifesta, a lei do Estado. Essa oposição é a oposição moral suprema, portanto a mais essencialmente trágica. Nela são individualizadas a feminilidade e a virilidade.”[16]
Contudo, é em Aristóteles que se encontra melhor explanação sobre o que vem a ser Direito Natural. Para o filósofo, o Direito Natural pertencente ao espaço natural que cercava o homem, seriam as leis que regeriam o cosmos, livrando-o do caos, organizando a própria constituição do universo, e tudo o que nele se encontra. Aristóteles define natureza e direito com um só sentido – Justiça.
“A justiça política é em parte natural e em parte legal; são naturais as coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não, e é legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente”.[17]
Têm-se, dessa forma, consideradas como normas de conduta aquelas que tidas como justas, não se modificando com o tempo e o lugar – embora haja o reconhecimento sobre a necessidade de lei positivada – mesmo que esta seja regulada nos limites da lei natural.
Norberto Bobbio apresenta duas teses quanto ao Jusnaturalismo. A primeira refere-se ao pensamento clássico, em que se dava destaque à pressuposição de duas instâncias jurídicas: o Direito Positivo e o Direito Natural. A segunda tese apontada refere-se à superioridade do Direito Natural em face do Direito Positivo, presente no pensamento medieval, destacando, então, o embate entre o Direito Divino e o Direito da Humanidade[18].
A distinção entre Direito Natural e Direito Positivo e a validade daquele sobre este, gera a constatação acerca da superioridade de um sobre o outro. O entendimento quanto à proximidade entre o Direito Natural e o Direito Divino, por estarem contidos em um mesmo cosmo atemporal, e terem por fontes princípios gerais imutáveis, levou filósofos medievais a crerem que o Direito Divino era superior ao Direito Humano.
O Jusnaturalismo medieval ou teológico parte de um conceito divino de natureza, superior e transcendente a qualquer vontade humana. Por se tratar da “vontade divina”, esta era inquestionavelmente “justa”, e assim, continha todos os ditames diretivos essenciais e necessários para a ordem social. Essa ordem social para Tomás de Aquino era basilada sobre direitos, propondo este a existência de leis eternas – a própria razão de Deus, portanto, a justiça suprema e soberana, e desta o ser humano não tem capacidade de conhecer por completo; leis naturais – parcela da razão divina cognoscível pelo ser humano por meio da razão, e representa a manifestação de Deus junto a estes; e por último, leis humanas – estabelecidas de forma convencional, aplicando-se particularidades da lei natural, visando enfrentar as diferentes situações criadas pelo convívio social[19]. Desse modo, para Tomás:
“Qualquer lei estabelecida pelos homens é autêntica na medida em que deriva da lei da natureza; se discordar desta, já não será uma lei, mas corrupção de lei”[20].
Verificado como os princípios gerais eram vistos pelos filósofos na antiguidade – ligados ao Direito Natural, fundado na natureza – e filósofos na era medieval – onde o Jusnaturalismo tem o Direito Divino como fonte – segue no curso histórico um período conhecido como Renascimento[21], que tem por base o resgate do pensamento greco-romano trazendo consigo um grupo de pensadores defensores do racionalismo humano, os iluministas.
Os princípios norteadores da ordem social têm como fonte principal, para os pensadores iluministas, a razão humana, que tem por sua vez como produto o Direito Natural. Passa, então, a ocorrer um processo de secularização da vida social, por uma doutrina jusnaturalista subjetiva e racional, buscando seus fundamentos na identidade de uma razão humana universal. Este movimento jusnaturalista, de base antropocêntrica, buscou na idéia de uma razão humana, a afirmação para direitos naturais, postos por todo e qualquer indivíduo, cuja observância obrigatória poderia ser imposta pelo Estado, sob pena de o direito positivo solidificar a injustiça[22].
Um dos primeiros e principais colaboradores para uma nova fundamentação do Direito Natural é o holandês Hugo Grócio. Em sua obra “De jure belli ac pacis”, Grócio afirma que o Direito, instituto voltado a colaborar na organização do homem em sociedade, é demonstrado racionalmente “para tornar possível a vida em comum […]. […] É aquilo que a reta razão demonstra ser conforme à natureza social do homem”[23].
Ao perceberem que para fundamentar as demandas jurídicas próprias da natureza humana fazia-se uso da idéia de “estado de natureza”, os filósofos jusnaturalistas passaram a indagar sobre o que vem a ser Direito, e como este é desenvolvido em sociedade. Dessa forma, nos séculos XVIII e XIX, a razão era tida como fonte principal do Direito Natural, surgindo uma nova ordem jurídica basilada em princípios de igualdade e liberdade social. O estado de natureza passa a ter relação íntima com o contrato social, funcionando estes como princípios reguladores da ordem social[24].
O estudo da racionalização do Jusnaturalismo toma maior amplitude com o filósofo Immanuel Kant. Em referência à Filosofia do Direito, Kant aponta e disseca um método procedimental para a escola do Direito Natural. Para o estudioso, os princípios contidos no Direito Natural apresentam-se de forma puramente racional, sem haver interferência de qualquer componente histórico desse direito[25].
“Kant y Fichte, que deducen el derecho de una idea trascendental del hombre, de manera que para un uso común en los tratados corrientes a finales del siglo (no sabría decir si por influencia directa de Hegel), él reserva el nombre de “derecho racional” solamente a la doctrina kantiana”[26].
É o Direito Natural visto como criação do ser humano, e assumindo a sua desvinculação com o Divino.
“[…] o direito natural é aquele de que obtemos conhecimento através da razão, de vez que deriva da natureza das coisas; o direito positivo é aquele que vimos a conhecer através de uma declaração de vontade do legislador”[27].
Eis que a sistematização da razão, e a ligação do “estado de natureza” com o “contrato social”, caracterizam o pensamento jusnatural moderno, por meio de um rigor lógico da dedução, e um instrumento crítico da realidade. É a apreciação da crítica do direito disposto em nome de padrões éticos contidos em princípios reconhecidos pela razão humana.
Os princípios na fase jusnaturalista, tinham, portanto, um caráter meramente informativo, a fim de valerem como contrapeso para avaliar o que era tido como certo ou errado, conforme a norma de direito positivo dispusesse ou não sobre princípios. Não tinham, os princípios, nenhum caráter normativo. Eram os princípios situados em uma esfera transcendental e abstrata, sendo fonte para o julgamento sobre o que era justo ou não, tendo sua eficácia vinculada à valoração do Direito.
3 SUBSIDIARIEDADE DOS PRINCÍPIOS NO PENSAMENTO JUSPOSITIVISTA
O Juspositivismo forma-se a fim de colocar em uma mesma dimensão o Direito e a norma jurídica, ou seja, objetiva uma reação à metafísica, tão presente no pensamento jusnatural. Há, nesse momento, a pretensão de firmar uma ordem jurídica positivada.
“O positivismo nasce do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características físico-matemáticas, naturais e sociais. Ora, a característica fundamental da ciência consiste em sua avaloratividade, isto é, na distinção entre juízos de fato e juízos de valor e na rigorosa exclusão destes últimos do campo científico: a ciência consiste somente em juízos de fato”[28].
O Positivismo é uma doutrina criada por Augusto Comte que representa uma reação contra o apriorismo, o formalismo, o idealismo, exigindo maior respeito para a experiência e os dados positivos. Vale ressaltar que
“[…] a expressão ‘positivismo jurídico’ não deriva daquela de ‘positivismo’ em sentido filosófico […] em suas origens […] nada tem a ver com o positivismo filosófico – tanto é verdade que, enquanto o primeiro surge na Alemanha, o segundo surge na França. A expressão ‘positivismo jurídico’ deriva da locução direito positivo contraposta àquela de direito natural […], […]embora no século passado [XIX] tenha havido uma certa ligação entre os dois termos, posto que alguns positivistas jurídicos eram também positivistas em sentido filosófico”[29].
Afasta-se a transcendentalidade do Direito Divino, para este adquirir novo formato quanto ao Direito Racional. O direito é o que está explicitamente disposto em uma lista de regras, estabelecidas previamente pela autoridade estatal competente que, por sua vez, também deve seguir as regras impostas. É o direito em sua forma empírica.
Norberto Bobbio, em sua obra “O Positivismo Jurídico”[30], apresenta o Juspositivismo sob três aspectos:
a) como método para o estudo do direito;
b) como teoria do direito;
c) como ideologia do direito.
Afirmar que o Direito é uma simples questão de fato, é falar que o papel do operador do direito é restrito à descrição do direito, não tendo, assim, força crítica, pautando-se ao que fora dito por autoridade estatal competente. Suas ações são limitadas a elaboração de critérios semânticos que terão como fim a identificação sobre o que seja ou não direito, diferenciando juízos de fato e juízos de valor. Bobbio é bastante claro nesse ponto, e afirma:
“O juízo de fato representa uma tomada de conhecimento da realidade, visto que a formulação de tal juízo tem apenas a finalidade de informar, de comunicar a um outro a minha constatação; o juízo de valor representa, ao contrário, uma tomada de posição frente à realidade, visto que sua formulação possui a finalidade não de informar, mas de influir sobre o outro, isto é, de fazer com que o outro realize uma escolha igual à minha e, eventualmente, siga certas prescrições minhas”[31] .
Os juspositivistas excluíam de seu âmbito o juízo de valor, em virtude de considerar que este desvirtuava o real e “verdadeiro” sentido da ciência jurídica. Esses estudiosos compreendiam o Direito como processo cognitivo “puramente objetivo da realidade”[32]. Os juízos de valor sempre estarão em um plano subjetivo, opostos à realidade objetiva. Esse raciocínio conduziu os juspositivistas a considerarem como divergências jurídicas somente aquelas decorrentes de juízos de fato. As demais discussões estariam marginalizadas e, seriam consideradas como juízos de valor.
O entendimento dos juspositivistas sobre os direitos e obrigações decorrerem apenas de regras, o que os levava a deduzir que o indivíduo só teria um direito ou obrigação jurídica se previamente expressos em regras jurídicas. O Estado é a única fonte do Direito e a lei é a única expressão do poder normativo do Estado.
E quando um caso não é acobertado por nenhuma regra jurídica ou quando as regras aplicáveis são ambíguas? Como aplicar nesse caso a obediência absoluta à lei? Segundo o pensamento juspositivista, deve a autoridade responsável decidir de forma discricionária, a fim de formular uma nova regra ou complementar uma existente. Bobbio esclarece que somente poderá ser posta em dúvida a obediência à lei quando houver outra norma que discipline a situação diferentemente, caso contrário, a não obediência à lei acarretará o cometimento de um ato ilícito e, portanto, punível. É o positivismo como ideologia[33].
Dessa forma, Bobbio apresenta sete concepções fundamentais inerentes ao positivismo jurídico[34]:
a) O direito como fato e não como valor;
b) O direito definido em função da coação;
c) A teoria da lei como única fonte de qualificação do direito;
d) Teoria imperativista da norma jurídica;
e) Teoria do ordenamento jurídico: sistema completo e coerente de normas;
f) Teoria da função interpretativista da lei: a exegese como meio meramente declaratório do conteúdo da lei;
g) Teoria da obediência estrita à lei.
Sob essas concepções verifica-se que a concepção positivista, sustenta basicamente que os princípios gerais de Direito equivalem aos princípios que informam o Direito Positivo servindo-lhe como fundamento. Bobbio descreve que “os princípios gerais são apenas […] normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha questão entre os juristas se os princípios gerais são normas”[35]. O jusdoutrinador não tem dúvida ao afirmar que “os princípios gerais são normas como todas as outras”[36].
Como exposto anteriormente, o Direito é revelado tão-somente por meio da lei, ou seja, o direito é a lei, e restringir-se-á ao pressuposto legal no caso sujeito à sua aplicação. É dispensada toda e qualquer explicação ou interpretação.
Nesse sentido, Hans Kelsen – autor de uma das obras mais notórias da fase juspositivista, “Teoria Pura do Direito” [37] – defende a idéia de que a ciência do direito deveria estudar apenas normas positivadas, livre de qualquer influência interpretativa, seja em sentido político, social ou qualquer outro curso cognitivo humano.
Segundo Kelsen, a ciência jurídica deve tão-somente procurar a base de uma ordem legal, ou seja, o fundamento objetivo e racional de sua validade legal, não num princípio metajurídico de moral ou Direito Natural, mas numa hipótese de trabalho lógico-ténico-jurídico, supondo aquela ordem legal validamente estabelecida. A validade da norma jurídica é explicada pelas normas jurídicas hierarquicamente superiores, sendo que a validez da norma constitucional é justificada pela norma hipotética fundamental, que não é positiva, mas lógica, e supostamente válida, sob pena de se tornar inválida toda ordem jurídica dela dependente[38].
Tais características apontadas por Kelsen estão ainda presentes no ordenamento jurídico coetâneo. Contudo, há diversas correntes doutrinárias contrárias a vários desses caracteres juspositivistas, principalmente no que diz respeito à normatividade dos princípios jurídicos.
Entre os primeiros apontamentos contrários à corrente juspositivista, está a observância quanto à idéia defendida por estes sobre a inexistência de lacunas no direito, o que muitos autores apontam como entendimento antagônico à realidade do sistema jurídico moderno. Essa “realidade”, segundo a corrente contrária ao Juspositivismo, conduz ao entendimento de que por haver lacunas no Direito se fará, sim, necessário lançar mão dos princípios – que, como referendado anteriormente, não tem caráter normativo para os juspositivistas – com o intuito de resolver o caso concreto em questão. Ocorre que a prática jurídica está envolta por um complexo interpretativo, que não envolve somente divergências de ordem empírica citadas pelos positivistas jurídicos, mas também, por divergências teóricas, que tem como solução a busca pelo operador do Direito de um rol amplo de padrões argumentativos, que vão muito além das regras. O modelo juspositivista é taxativo e não explica, portanto, o meio apropriado, para a solução do problema.
Negar os princípios como normas, segundo os críticos ao Juspositivismo, acarreta outro problema: o conflito entre princípios. Não há para eles uma explicação sobre esses “conceitos indeterminados”, como, por exemplo, das proposições carentes de preenchimento com valorações, casos em que o juiz terá discricionariedade – podendo se tornar arbítrio – para a resolução do conflito.
Por esses motivos, os críticos do Juspositivismo opõem-se à pretensão positiva de meramente descrever o direito, e não de interpretá-lo – jus in civitate positum. Dworkin quanto ao pensamento juspositivista e a aplicação do direito, afirmava que:
“O direito é o direito. Não é o que os juízes pensam ser, mas aquilo que realmente é. Sua tarefa é aplicá-lo, não modificá-lo para adequá-lo à sua própria ética ou política. […] significa algo mais que uma banalidade; representa uma atitude que é importante e aberta ao desafio. Ei-la: a força coletiva só deve ser usada contra o indivíduo quando alguma decisão política do passado assim o autorizou explicitamente, de tal modo que advogados e juízes competentes estarão de acordo sobre qual foi a decisão, não importa quais sejam suas divergências em moral e política”[39]
Kelsen assevera, na parte inicial de sua obra “Teoria Pura do Direito”[40], que o que vem a ser proposto por ele é uma teoria pura do direito, e não uma reflexão sobre pureza do direito, ou seja, uma descrição do que vem a ser a ideologia juspositivista.
“A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial. É teoria geral do Direito, não interpretação de particulares normas jurídicas, nacionais ou internacionais. Contudo, fornece uma teoria da interpretação. […] Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental”[41].
O papel dos princípios na fase juspositivista fica demasiadamente marginalizado, visto que o operador jurídico não precisa concordar com o que estava sendo aplicado, verificada que a lei tem caráter imperativo. Esse operador terá como função descrever o direito já positivado, independente de sua verdade ideológica. Os princípios somente eram encontrados nas normas formalmente emanadas do Estado.
4 CONSTRUÇÕES TEÓRICAS NO PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO
A decadência do Positivismo coincide a uma época na qual o ser humano se volta a questionamentos sociais, buscando a solução de problemas de forma independente de leis, viu-se que não é sempre que a lei é legítima, ou seja, que a norma corresponde à vontade social[42]. Não se pretendia, naquele momento histórico, uma análise do conteúdo material da norma em face dos direitos fundamentais.
Surge no cenário jurídico jusdoutrinadores como Robert Alexy, Ronald Dworkin entre outros, que passaram a defender, apesar de algumas divergências, as mesmas idéias-base, principalmente quanto ao papel dos princípios na ordem jurídica. Era o início o Pós-positivismo jurídico. Essa nova fase passou a atribuir maior importância não somente às leis, mas aos princípios do direito. Se na fase juspositivista os princípios possuíam caráter subsidiário, com a nova fase jurídica, estes serão estudados como espécies de normas. Antagônicos às regras, os princípios jurídicos possuem um campo maior de abrangência, pois se tratava de preceitos que deveriam intervir nas demais normas inferiores, para obter delas o real sentido e alcance. Tudo, ressalte-se, para garantir os direitos sociais da humanidade.
O grande questionamento levantado pelos pensadores da fase pós-positivista é acerca do caráter normativo dos princípios. Eis que, passam então, os princípios a deixarem de possuir a função integratória de uso subsidiário no direito, para adquirir força de normativa.
A passagem pelo Jusnaturalismo e o insucesso do Juspositivismo despertaram um complexo dinâmico de questionamentos, reflexões, soluções e perspectivas sobre a função social do Direito. Indagações como:
– O que é o direito?
– Quais são as fontes norteadoras do direito?
– É válida a livre interpretação dos ditames legais?
– Qual a definição de regras, princípios e normas?
O Pós-positivismo surge como uma corrente jusfilosófica que não aspira ser definitiva e, tampouco absoluta. É um pensamento agregado por relações valorativas, princípios e regras – alguns doutrinadores atribuíam essas características a chamada Nova Hermenêutica Constitucional[43]. Nessa perspectiva é desenvolvida a Teoria dos Direitos Fundamentais que tem grande influência no estudo do Direito coetâneo, basilado sobre a dignidade da pessoa humana.
A retomada do estudo da ética e da moral no Direito, impulsionou a progressiva valorização dos princípios jurídicos, gerando, por sua vez, a incorporação destes nos textos constitucionais e o reconhecimento de sua normatividade. Não há que se confundir o estudo da ética e da moral, com um suposto renascimento do Jusnaturalismo. O que passa a existir é a inspiração, a referência dos preceitos do Direito Natural para a fundamentação do ordenamento jurídico, a fim de admitir os princípios como normas, fazendo-os ter primazia diante das regras quando em colisão – é a observância do seu caráter deontológico[44].
Não se deve realizar um estudo velado quanto aos princípios, sua passagem e importância no curso temporal, deixando de lado o Direito Natural. Essa pesquisa aprofundada leva a entender que o Direito Natural nunca fora excluso totalmente de nenhuma fase jusfilosófica, o que houve foi a mutação ao longo do tempo de sua definição e fonte, ora de ordem divina, ora de fulcro racional. Surge com o advento pós-positivista um embate: o Pós-positivismo é um “Neo-positivismo”, ou “Neo-naturalismo”, ou ainda uma síntese dialética do Jusnaturalismo e do Juspositivismo. Essa problemática deve-se em grande parte à definição terminológica dada à corrente contemporânea – Pós-positivismo jurídico. Essa nova ordem não nasceu com uma denominação própria, o que acarreta confusão no entendimento sobre o que realmente ela vem a ser. Afinal, como se deve chamá-la? Neo-jusnaturalismo; Neo-positivismo; ou Pós-positivismo?
Em verdade, o emprego de qualquer dos termos anteriormente citados basta para conduzir à explicação sobre o que vem a ser essa nova fase jurídica. Não é adequado utilizar o termo Neo-naturalismo e tampouco neo-positivismo, pois a nova ordem jurídica não emana com o fim de realizar uma releitura das definições jusnaturais e juspositivas. Também, não é adequado o uso do termo pós-positivismo, pois leva a crer que o positivismo jurídico foi superado, e não mais é feito uso de suas idéias em novo ordenamento jurídico.
Essas fases não estão separadas por período determinado, por marcos temporais rigorosamente delimitados. Entender o momento histórico dessas fases jusfilosóficas de forma a delimitá-las temporalmente é algo bastante equivocado, pois, fatos históricos não são simplesmente findados com o início de outro, estão eles, na verdade, entrelaçados, um carrega consigo características do pensamento do anterior, características que não são aniquiladas, e sim, perpassadas.
Não houve, ainda, pacificação doutrinária para denominar a nova fase jusfilosófica. Atualmente são comumente utilizados os termos “Pós-positivismo jurídico”[45] e “Neoconstitucionalismo”[46], porém, deve-se frisar que não são estes, ainda, os termos apropriados para denominar o referido pensamento jusfilosófico.
O termo “Neoconstitucionalismo”[47] é utilizado por alguns doutrinadores – como Luís Pietro Sanchís – certamente porque, nessa fase, os princípios assumem novas características – principalmente quanto à sua aplicação e interpretação dentro do sistema jurídico vigente – e, passaram a ser inseridos na normatividade da Constituição. O estabelecimento do um constitucionalismo contemporâneo traz consigo a mudança do papel da Constituição como um mero repositório de conselhos. Para Sarmento, o direito até então era essencialmente legicêntrico e sua aplicação era mecânica[48]. Isso se devia, de um lado, a uma crença na legitimidade do parlamento e na ilegitimidade dos juízes para criar o direito, e de outro, a um pensamento liberal que defendia uma não intervenção estatal na esfera social.
O fato de haver os princípios adquirido força normativa é explicado pela progressiva insuficiência do pensamento positivista para a solução de casos concretos. A era do humanismo, com a afirmação dos direitos difusos e coletivos e a consciência do papel importante da ética e da moral nas relações jurídicas tornaram inviável e inadequado o ajustamento entre Direito e norma, mesmo verificando a chamada “pureza científica” defendida pelos juspositivistas.
Paralelamente, enquanto o Juspositivismo, com sua força imperativa e ideologia coercitiva, tomava moldes de alienação formalmente imposta, outros estudiosos criticavam ferreamente esse caractere de afinco ao formal. As teorias da argumentação jurídica ressuscitaram a teleologia aristotélica da razão, moral e justiça de acordo com a ética[49]. A discussão acerca da justiça e da moral ocupou espaço de grande relevância nos círculos de debates jurídicos e em suas produções textuais.
A justiça não tem um conceito uno, por se tratar de concepção individual humana – a formação do conceito de justiça a ser formado por elementos intrínsecos e extrínsecos e dependente do grupo social no qual o indivíduo está inserido, haverá de prevalecer entre este ou aquele elemento. A divergência quanto à definição de justiça adentra o meio jusfilosófico. Kelsen[50] entende não ser “possível comprovar que somente uma, e não a outra solução, seja justa. Se pressupõe a paz social como valor maior, a solução de compromisso pode ser vista como justa. Mas também a justiça da paz é uma justiça relativa, não absoluta”[51]. Reale[52] entende a justiça como um valor que só se revela na vida social, já que em um Estado onde todas as pessoas atingissem a felicidade não haveria necessidade de Direito ou Justiça.
Quanto à moral, também não é pacífica sua definição, mas pode-se entendê-la em sentido amplo como conjunto de normas de comportamento, de procedimento, que são estabelecidas segundo entendimento individual, como coletivo. Silva define moral como “a parte da filosofia que estuda os costumes, para assinalar o que é honesto e virtuoso, segundo os ditames da consciência e os princípios de humanidade”[53].
Essa retomada do Juízo de Valor, considerando a justiça, a moral e o Direito, levou os Estados constitucionais contemporâneos a incorporar em seus estatutos básicos os valores e aspirações coletivas. Surgiu nos textos legais, princípios como o da razoabilidade, da reserva de justiça e da dignidade humana – direitos e garantias fundamentais – não mais como afirmações coercitivas, mas como condutores normativos de integração, conformação e afirmação dos direitos fundamentais. Tais padrões obrigaram os legisladores do Estado constitucional a enxergar os princípios não como meros subsídios secundários, mas como fontes primárias e fundamentais.
Por meio de uma ideologia jurídica formada com base na justiça, na ética e na moral, passa a desenvolver-se uma metodologia fundamentada em valores. O legislador percebendo a realidade jurídica em que está inserido, revela um critério axiológico de acordo com os ideais supremos de justiça. Há a verificação de que a jurisprudência, mediante a aplicação dessas valorações, as confirma. Inicia-se, segundo Larenz[54], a Jurisprudência de valores.
Ao longo do século XX a Jurisprudência de valores – ou a Jurisprudência dos princípios, conforme leciona Paulo Bonavides – passou por inúmeras variações de natureza metodológica, todas voltadas para a tentativa de se conquistar, de forma inabalável, a proclamação da normatividade dos princípios[55].
“Em resumo, a teoria dos princípios chega à presente fase do pós-positivismo com os seguintes resultados já consolidados: a passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; a transição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da ciência jurídica; a proclamação de sua normatividade; a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão máxima de todo este desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios”[56].
A partir dessa transformação, que ainda agora se processa continuamente, a dogmática jurídica passa a reconhecer que suas normas compreendem duas modalidades, a dos princípios e a das regras. A elevação dos princípios a uma posição hegemônica dentro dos sistemas jurídicos afastou insuficiências anteriormente presentes no pensamento positivista, e viabilizou a recuperação de alguns aspectos do pensamento jusnaturalista.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ordem jurídica, basilada nos princípios, há de trazer ao ser humano participante de um Estado Democrático de Direito a sensibilidade olvidada nos últimos séculos. O desenvolvimento de teorias do Direito promoveu um despertar axiológico no pensamento juspositivo. Durante o Juspositivismo, deixou-se de lado o querer dos valores, da ética e da justiça, dando supremacia à vontade restritiva das leis, não muito aplicáveis aos casos concretos.
Pode-se afirmar que o Juspositivismo era como uma “terra quadrada” de horizonte limitado, em que a solução para os casos difíceis era restrita ao curto espaço das leis, ou seja, caso a lei não prevê-se meio legal positivado para a resolução do caso em questão, ficaria o magistrado de mãos atadas, até o momento em que surgisse no ordenamento jurídico, lei nova que dispusesse sobre o fato. Não se poderia falar, naquele momento, em fundamentação de decisão em princípios. Era uma verdadeira negação da lógica dos juízos de valor no raciocínio jurídico, a completude objetiva e hermética do ordenamento legislado.
Não satisfeitos com o que era empregado nos sistemas jurídicos, novos doutrinadores no século XX, propuseram que estava havendo uma crise jurídica, diante de tantos casos difíceis e sem solução justa. Era necessário um rompimento com os paradigmas juspositivistas. Para tanto, urge teorias alternativas propondo novas definições ao Direito.
Jusdoutrinadores como Esser, Larenz, Dworkin e Alexy, por exemplo, mostraram quão inquestionável é a relevância da discussão que toma por objeto a normatividade dos princípios jurídicos. O reconhecimento do caráter normativo e vinculante dos princípios, em última análise, é pressuposto de efetividade e continuidade do sistema jurídico normativo. Negar a natureza normativa dos princípios jurídicos, para esses estudiosos, equivale a não reconhecer a força jurídica ativa dos valores inerentes à sociedade, relegando-os à condição de simples ideário, um mero caractere de intenções sociais, podendo ser cumpridos ou não.
Desses pensamentos depreende-se que a natureza normativa dos princípios jurídicos enseja o estabelecimento de critérios para a solução de conflitos surgidos entre espécies normativas, quando da sua aplicação à solução do caso concreto. A referência não toca às antinomias próprias que surgem quando da contradição entre regras jurídicas, ou entre regras e princípios. Dizem respeito às antinomias impróprias, que não resultam de incompatibilidade insuperável entre princípios, capazes de serem solucionadas pela aplicação de um princípio em detrimento de outro ou outros, em uma relação de precedência condicionada.
Pós-graduanda em Direito do Estado (UNIDERP). Bacharel em Direito (UFMA). Licenciada em História(UEMA).
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