Resumo: O presente trabalho consiste na análise das principais questões envolvendo a inserção de critérios de qualificação técnica, operacionais e profissionais, no momento da habilitação em licitações públicas, do tipo menor preço, com destaque para o posicionamento do Tribunal de Contas da União.
Palavras chave: Licitação pública. Habilitação. Qualificação técnica operacional e profissional. Tribunal de Contas da União.
Abstract: This article analyses the main issues related to technical qualification, operational and professional, in the procedure of bidders’ qualification in public procurement, with lowest price criterion, emphasizing the lessons of the Federal Court of Accounts of Brazil.
Keywords: Public procurement. Qualification of bidders. Technical specifications (operational and professional). Federal Court of Accounts of Brazil.
Sumário: Introdução. 1. Panorama normativo. 2. Qualificação técnico-operacional. 3. Qualificação técnico-profissional. Conclusão.
Introdução
A contratação de particulares, por parte da Administração Pública, é sempre uma atividade complexa, pois, em regra, enfrenta-se uma situação em que há interesses contrapostos entre a contratada e a contratante. A primeira visa ao lucro, ao passo que a segunda almeja a boa execução do objeto contratual. Em licitações do tipo menor preço, um importante desafio impõe-se perante o gestor: conseguir atrair licitantes qualificados e que ofertem os valores mais baixos.
Os órgãos da Administração Pública tentam assegurar a qualidade por meio de uma descrição detalhada do objeto, bem como pela exigência de certos requisitos de qualificação técnica como condição de habilitação dos licitantes. No entanto, em se tratando de licitações do tipo menor preço, é comum que se sagrem vencedores os participantes que formalmente preenchem todos os requisitos de habilitação técnica, mas que na prática não conseguem executar o contrato de modo eficiente, o que provoca graves prejuízos à Administração.
O objetivo central deste artigo é analisar os limites que o legislador impôs à discricionariedade do gestor público na eleição de critérios relativos à qualificação técnica, tanto operacional quanto profissional, no momento da habilitação, em licitações públicas do tipo menor preço, com destaque para o posicionamento do Tribunal de Contas da União (TCU).
Para tanto, o trabalho foi estruturado em duas partes principais, a fim de permitir uma melhor compreensão dos temas. Inicialmente, apresentou-se o panorama normativo, constitucional e legal, de modo a situar o leitor e possibilitar a posterior análise dos pontos em destaque na jurisprudência do TCU. Após, foram tratadas as questões relacionadas à qualificação técnico-operacional e técnico-profissional da habilitação técnica. Ao final, constam as conclusões do presente estudo.
1. Panorama normativo
A Constituição Federal, ao versar sobre licitações públicas, estabeleceu, em seu art. 37, XXI (BRASIL, 1988), que somente poderão ser exigidas qualificações técnica e econômica indispensáveis ao cumprimento das obrigações. Por essa razão, toda e qualquer exigência que venha a restringir a competição no certame licitatório, além de justificada e pertinente ao objeto, deve ater-se ao que permite a lei, face ao princípio da legalidade. Ademais, devem ser evitados formalismos e requisitos desnecessários, de modo a não ocasionar uma restrição ainda maior à competitividade.
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:(…)
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Grifo nosso)”
A lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, veda que os agentes públicos pratiquem atos tendentes a restringir ou frustrar o caráter competitivo do certame, consoante se depreende da leitura de seu art. 3º (BRASIL, 1993):
“Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
§ 1º É vedado aos agentes públicos:
I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991;
II – estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra, entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no que se refere a moeda, modalidade e local de pagamentos, mesmo quando envolvidos financiamentos de agências internacionais, ressalvado o disposto no parágrafo seguinte e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991. (…) (Grifo nosso)”
O art. 30 da Lei nº 8.666/1993 (BRASIL, 1993) estabelece um rol taxativo referente à documentação que pode ser exigida para comprovação da qualificação técnica. Desse modo, não pode a Administração criar hipóteses nele não previstas, sob pena de incidir na vedação legal do art. 3º da lei em comento, conforme ensinamentos de Ronny Charles (TORRES, 2010, p. 179). O dispositivo legal determina que:
“Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:
I – registro ou inscrição na entidade profissional competente;
II – comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;
III – comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação;
IV – prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.
§ 1o A comprovação de aptidão referida no inciso II do "caput" deste artigo, no caso das licitações pertinentes a obras e serviços, será feita por atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente registrados nas entidades profissionais competentes, limitadas as exigências a:
I – capacitação técnico-profissional: comprovação do licitante de possuir em seu quadro permanente, na data prevista para entrega da proposta, profissional de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela entidade competente, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, limitadas estas exclusivamente às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação, vedadas as exigências de quantidades mínimas ou prazos máximos;
II – (Vetado).
a) (Vetado).
b) (Vetado).
§ 2o As parcelas de maior relevância técnica e de valor significativo, mencionadas no parágrafo anterior, serão definidas no instrumento convocatório.
§ 3o Será sempre admitida a comprovação de aptidão através de certidões ou atestados de obras ou serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior.
§ 4o Nas licitações para fornecimento de bens, a comprovação de aptidão, quando for o caso, será feita através de atestados fornecidos por pessoa jurídica de direito público ou privado.
§ 5o É vedada a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nesta Lei, que inibam a participação na licitação.
§ 6o As exigências mínimas relativas a instalações de canteiros, máquinas, equipamentos e pessoal técnico especializado, considerados essenciais para o cumprimento do objeto da licitação, serão atendidas mediante a apresentação de relação explícita e da declaração formal da sua disponibilidade, sob as penas cabíveis, vedada as exigências de propriedade e de localização prévia.
§ 7º (Vetado).
I – (Vetado).
II – (Vetado).
§ 8o No caso de obras, serviços e compras de grande vulto, de alta complexidade técnica, poderá a Administração exigir dos licitantes a metodologia de execução, cuja avaliação, para efeito de sua aceitação ou não, antecederá sempre à análise dos preços e será efetuada exclusivamente por critérios objetivos.
§ 9o Entende-se por licitação de alta complexidade técnica aquela que envolva alta especialização, como fator de extrema relevância para garantir a execução do objeto a ser contratado, ou que possa comprometer a continuidade da prestação de serviços públicos essenciais.
§ 10. Os profissionais indicados pelo licitante para fins de comprovação da capacitação técnico-profissional de que trata o inciso I do § 1o deste artigo deverão participar da obra ou serviço objeto da licitação, admitindo-se a substituição por profissionais de experiência equivalente ou superior, desde que aprovada pela administração.(Grifo nosso)”
Deve-se atentar sempre para que as exigências de qualificação técnica não sejam desarrazoadas a ponto de frustrar o caráter competitivo do certame. Outro não é o posicionamento do TCU (BRASIL, TCU, 2009b):
“As exigências relativas à capacidade técnica guardam amparo constitucional e não constituem, por si só, restrição indevida ao caráter competitivo de licitações conduzidas pelo Poder Público. Tais exigências, sejam elas de caráter técnico-profissional ou técnico-operacional, não podem ser desarrazoadas a ponto de comprometer o caráter competitivo do certame, devendo tão-somente constituir garantia mínima suficiente de que o futuro contratado detém capacidade de cumprir com as obrigações contratuais. Tais exigências (sic) ser sempre devidamente fundamentadas, de forma que fiquem demonstradas inequivocamente sua imprescindibilidade e pertinência em relação ao objeto licitado. (Grifo nosso)”
Toda e qualquer exigência de qualificação técnica deve ser concebida de modo a não impor custos prévios à celebração do contrato, a teor da Súmula 272/2012 (BRASIL, TCU, 2012):
“Súmula nº 272/2012: No edital de licitação, é vedada a inclusão de exigências de habilitação e de quesitos de pontuação técnica para cujo atendimento os licitantes tenham de incorrer em custos que não sejam necessários anteriormente à celebração do contrato”.
A qualificação técnica pode ser de dois tipos: a da empresa (técnico-operacional) e a dos profissionais (técnico-profissional). Apesar do veto presidencial relativo às normas da qualificação técnico-operacional, tanto a doutrina majoritária como a jurisprudência admitem a possibilidade de se estabelecerem requisitos para avaliar a empresa que pretende participar do certame licitatório. Isto posto, a análise de cada qualificação técnica será feita em tópicos específicos.
2. Qualificação técnico-operacional
A qualificação técnica da empresa, também chamada de capacidade técnico-operacional, encontra previsão legal na primeira parte do inciso II do art. 30 da Lei de Licitações. Assim, o edital pode prever a necessidade de apresentação de atestados para a “comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento”, conforme dispõe a norma (BRASIL, 1993).
O TCU constantemente reafirma que a comprovação da capacidade técnica deve ser norteada pelo art. 37, XXI da CF, que somente admite exigências de qualificação técnica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Em um de seus acórdãos, o tribunal proferiu a seguinte decisão (BRASIL, TCU, 2006d):
“Sobre a comprovação de capacidade técnico-operacional referente a itens irrelevantes ou de valor insignificante frente à estimativa global da obra, acompanho, em grande parte, as conclusões da unidade instrutiva, que se pronunciou pela ilegalidade das exigências. Entretanto, destaco que a jurisprudência deste Tribunal – Decisão 1.618/2002 e Acórdão 515/2003, ambos de Plenário – já se manifestou no sentido de que o art. 30, § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993 somente se aplica à qualificação técnico-profissional, estando a limitação da capacidade técnico-operacional insculpida no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988, o qual somente permite exigências de qualificação técnica e econômica que sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Grifo nosso)”
A exigência de apresentação de atestados de capacidade técnica da empresa é fundamental para averiguar sua qualificação técnica. Alerte-se que, em regra, a soma de atestados para comprovar a habilitação técnica deve ser aceita, a menos que exista alguma peculiaridade no serviço que justifique tratamento diverso, conforme a seguinte decisão da Corte de Contas (BRASIL, TCU, 2013a):
“Determinação à ApexBrasil para que inclua, em edital, dispositivo que permita expressamente o somatório de atestados para fins de comprovação da qualificação técnica e se abstenha de incluir as seguintes exigências restritivas à competitividade: a) obrigatoriedade de vínculo empregatício para o responsável técnico da licitante, o que gera, para as empresas interessadas em participar do certame, custos anteriores à contratação, contrariando os Acórdãos de nºs 2.028/2009-P, 2.583/2010-P, 3.095/2010-P, 2.360/2011-P e 2.447/2012-P, e a Súmula/TCU nº 272; b) necessidade de comprovação de experiência do responsável técnico de, no mínimo, dez anos, tendo em vista não restar demonstrada sua imprescindibilidade para a prestação do serviço; c) necessidade de que o responsável técnico comprove experiência por meio de certificado de pós-graduação, tendo em vista não restar demonstrada sua imprescindibilidade para a prestação do serviço; d)necessidade de comprovação da realização de eventos nos últimos doze meses, sem justificativa para tanto; e) necessidade de comprovação da realização de eventos em cidades pré-definidas, sem justificativa para a não aceitação de serviços prestados em outras localidades de mesmo porte; f) necessidade de comprovação da prestação, em um mesmo evento, de determinados serviços de natureza simples, sem justificativa para tanto; g) necessidade de comprovação da realização de eventos de grande porte, do tipo prêmio, na cidade de São Paulo-SP, nos últimos doze meses, sem justificativa para tanto. (Grifo nosso)”
Para se ter um norteador numérico, pode-se citar a jurisprudência do TCU, no sentido de que a experiência anterior não deve ultrapassar 50% do objeto. Essa regra, contudo, não é absoluta, pois a Corte se pauta pela razoabilidade no caso concreto. Destaca-se o seguinte julgado (BRASIL, TCU, 2013c):
“Constitui irregularidade a exigência, em edital de procedimento licitatório, de comprovação de capacidade técnico-operacional em percentual mínimo superior a 50% dos quantitativos dos itens de maior relevância da obra ou serviço, salvo em casos excepcionais, cujas justificativas deverão estar tecnicamente explicitadas no processo administrativo anterior ao lançamento do respectivo edital, ou no próprio edital e seus anexos, em observância ao inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal; inciso I do § 1º do art. 3º e inciso II do art. 30 da Lei 8.666/93”.
Saliente-se que essa experiência prévia não precisa ser idêntica à do objeto que se pretende licitar, conforme leciona Marçal Justen Filho (2010, p.441):
“Em primeiro lugar, não há cabimento em impor a exigência de que o sujeito tenha executado no passado obra ou serviço exatamente idêntico ao objeto da licitação. Parece evidente que o sujeito que executou obra ou serviço exatamente idêntico preenche os requisitos para disputar o certame e deve ser habilitado. Mas também se deve reconhecer que a idoneidade para executar o objeto licitado pode ser evidenciada por meio da execução de obras ou serviços similares, ainda que não idênticos. Em outras palavras, a Administração não pode exigir que o sujeito comprove experiência anterior na execução de um objeto exatamente idêntico àquele licitado – a não ser que exista alguma justificativa lógica, técnica ou científica que dê respaldo a tanto”.
Caso o serviço a ser licitado envolva o exercício de atividades inerentes às profissões fiscalizadas pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia deve-se exigir o registro no CREA, bastando, na fase de habilitação, conforme ensinamento de Jessé Pereira Torres Junior (2007, p. 393), o registro no CREA da sede da empresa. Afinal, a comprovação do registro junto ao órgão de fiscalização no local onde o serviço será executado só deverá ser exigida após a assinatura do contrato, consoante se depreende da leitura da seguinte decisão do TCU (BRASIL, TCU, 2005a):
“Conforme bem destacou o Sr. Analista de Controle Externo, este Tribunal tem entendido que somente no momento da contratação da licitante vencedora é que a entidade poderá exigir a comprovação de inscrição junto ao órgão de fiscalização profissional do local onde o serviço será prestado. (Grifo nosso)”
Alerte-se que a restrição a quantitativos mínimos, insculpida na parte final do inciso I do §1º do art. 30 da Lei de Licitações, só é aplicável à capacitação técnico-profissional. Nesse sentido, a Corte de Contas editou a Súmula nº 263/2011 (BRASIL, TCU, 2011) que estabelece que:
“Súmula nº 263/2011: Para a comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes, e desde que limitada, simultaneamente, às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto a ser contratado, é legal a exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com características semelhantes, devendo essa exigência guardar proporção com a dimensão e a complexidade do objeto a ser executado”.
Controverso é o posicionamento de Marçal Justen Filho (2010, p.444) que defende ser possível exigir que a empresa comprove experiência prévia sobre as quais incidam limitações de tempo, época ou locais específicos. Assevera o autor:
“Logo, se o objeto for uma ponte com quinhentos metros de extensão, não é possível que a Administração se satisfaça com a comprovação de que um sujeito já construiu uma “ponte” – eventualmente, com cinco metros de extensão. Sempre que a dimensão quantitativa, o local, o prazo ou qualquer outro dado for essencial à execução satisfatória da prestação objeto da futura contratação ou retratar algum tipo de dificuldade peculiar, a Administração estará no dever de impor requisito de qualificação técnica operacional fundado nesses dados.(…)
Raciocínio similar se pode apontar relativamente às questões de locais específicos ou prazos máximos. Alguns exemplos permitem compreender a questão. Suponha-se um contrato versando sobre a conservação de rodovia na Região Amazônica. É evidente que as condições locais, as dificuldades inerentes à execução do contrato são muito relevantes. Não haveria cabimento em o sujeito invocar, pura e simplesmente, a experiência na conservação de rodovias em outros locais (…).”
Apesar de sua interpretação ser totalmente razoável, ela viola comando expresso de lei, pois o §5º do art. 30 da Lei de Licitações dispõe que “É vedada a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos” (BRASIL, 1993). Em casos em que há divergência de interpretação da lei, cabe ao gestor tomar ciência das diferentes posições e decidir conforme a solução que se lhe afigure mais adequada, assumindo os riscos de sua posição. No entanto, prudência e cautela são sempre recomendáveis, para que não incidam sobre ele acusações de malversação de recursos públicos. Desse modo, interpretações mais legalistas e restritivas são, via de regra, preferíveis.
É preciso sempre avaliar se há a real necessidade de estabelecer critérios de qualificação técnica da empresa no edital, pois é possível que uma entidade com pouca experiência institucional contrate especialistas no tema, o que permitiria, a priori, a boa execução do contrato. Por outro lado, há de se ponderar que existem requisitos que só podem ser demandados da empresa, e não dos profissionais. Ademais, deve-se considerar que a experiência da empresa não se resume ao somatório da experiência de seus profissionais. Nesse diapasão, Marçal Justen Filho (2010, p. 436) alerta para o fato de que:
“O desempenho profissional e permanente da atividade empresarial conduz ao desenvolvimento de atributos próprios da empresa. Um deles seria sua capacidade de executar satisfatoriamente encargos complexos e difíceis. Utiliza-se a expressão “capacitação técnica operacional” para indicar essa modalidade de experiência, relacionada com a ideia de empresa. Não se trata de haver executado individualmente uma certa atividade, produzida pela atuação pessoal de um único sujeito. Indica-se a execução de um objeto que pressupôs a conjugação de diferentes fatores econômicos e uma pluralidade (maior ou menor) de pessoas físicas (e, mesmo, jurídicas). O objeto executado revestia-se de complexidade de ordem a impedir que sua execução se fizesse através da atuação de um sujeito isolado. Portanto, não se tratou de experiência pessoal, individual, profissional. Exigiu-se do sujeito a habilidade de agrupar pessoas, bens e recursos, imprimindo a esse conjunto a organização necessária ao desempenho satisfatório. Assim, a experiência seria das pessoas físicas – mas não dessas pessoas individualmente. Esse conjunto de pessoas físicas enfrentou desafios e problemas e os resolveu através da conjugação de seus esforços comuns. Cada uma das pessoas físicas, isoladamente, contribuiu com uma parcela para o êxito conjunto. Portanto, a perspectiva de enfrentar problemas no futuro e continuar a superá-los pressupõe a manutenção dessa organização”.
No que tange a empresas que tenham tido condutas desabonadoras em execuções de contratos similares, Marçal Justen Filho (2010, p. 462) entende ser possível inabilitá-la desde que o edital preveja a comprovação por parte da licitante de bom desempenho na execução de prestações semelhantes e que haja semelhança entre os objetos. A Administração pode apurar de ofício, mesmo que o interessado apresente outras declarações de atuação satisfatória. Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (2007, p. 528-529) também concorda com essa concepção.
Hely Lopes Meirelles (2007, p.150) aponta para a necessidade de a Administração verificar, ainda, se a capacidade operacional está disponível, pois de nada adianta a empresa possuir equipamento e pessoal se eles não estiverem efetivamente disponíveis. Distingue, portanto, a capacidade operativa teórica da capacidade operativa real dos licitantes.
3. Qualificação técnico-profissional
A qualificação técnico-profissional está regida principalmente pelo inciso I do §1º do art. 30 da Lei de Licitações. Nele está contida a vedação à exigência de quantitativos mínimos ou prazos máximos para caracterizar a experiência anterior do profissional. Reitere-se que essa limitação se refere apenas ao profissional e não à empresa.
Caso o serviço a ser prestado demande obrigatoriamente o registro dos profissionais nos respectivos órgãos de classe, essa exigência deve constar do edital. Saliente-se que deve haver lei que expressamente condicione o exercício de determinada profissão ao registro em entidade profissional, pois, caso contrário, deve prevalecer a liberdade de profissão, prevista no art. 5º, XIII da CF (BRASIL, 1988).
É possível exigir, ainda, que profissionais de nível superior apresentem atestados de responsabilidade técnica (ARTs). Esses devem ser limitados às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação, vedadas as exigências de quantidades mínimas ou prazos máximos, conforme disposição legal e entendimento do TCU (BRASIL, TCU, 2008b):
“Determinação à Universidade Federal de Minas Gerais para que, em licitações, restrinja a exigência de capacitação técnico-profissional exclusivamente às parcelas que, simultaneamente, possuam maior relevância técnica e representem valor significativo do objeto da licitação, conforme preconizado no inc. I, § 1º, do art. 30 da Lei nº 8666/1993”.
É preciso que o edital indique expressamente quais são as parcelas de maior relevância e valor significativo. Para tanto, a participação da equipe técnica na elaboração da minuta é fundamental, haja vista a necessidade de compatibilização com o termo de referência ou projeto básico. Nessa hipótese, deverá a setorial técnica motivar a escolha dessas parcelas, cujas razões são passíveis de controle, sobretudo por parte de Tribunais de Contas, como preceitua o art. 113 da Lei de Licitações (BRASIL, 1993):
“Art. 113. O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto.
§ 1º Qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei, para os fins do disposto neste artigo.
§ 2º Os Tribunais de Contas e os órgãos integrantes do sistema de controle interno poderão solicitar para exame, até o dia útil imediatamente anterior à data de recebimento das propostas, cópia de edital de licitação já publicado, obrigando-se os órgãos ou entidades da Administração interessada à adoção de medidas corretivas pertinentes que, em função desse exame, lhes forem determinadas”.
Ainda sobre o tema da Anotação de Responsabilidade Técnica, cumpre destacar que ela é obrigatória, nos termos do art. 1º da Lei nº 6.496, de 7 de dezembro de 1977 (BRASIL, 1977), in verbis:
“Art. 1º – Todo contrato, escrito ou verbal, para a execução de obras ou prestação de quaisquer serviços profissionais referentes à Engenharia, à Arquitetura e à Agronomia fica sujeito à "Anotação de Responsabilidade Técnica" (ART)”.
Outrossim, o gestor público é obrigado a exigi-la sempre que preciso, conforme entendimento jurisprudencial da Corte de Contas, cristalizado na súmula 260 do TCU (BRASIL, TCU, 2013b; BRASIL, TCU, 2010b):
“Nas licitações e contratações de obras e serviços de engenharia, compete aos gestores públicos exigir, a cada etapa (projeto, execução, supervisão e fiscalização), as respectivas Anotações de Responsabilidade Técnica, sob pena de responsabilização.
Em autos de Prestação de Contas Simplificada, exercício de 2009, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe – IFS fora verificado, dentre outros apontamentos, o desabamento da estrutura de um galpão da Unidade Educativa de Produção, em consequência de irregularidades na contratação e na execução da obra, e a inutilização de outros três. Realizado o contraditório, a relatora anotou que a conduta do diretor-geral do campus São Cristóvão fora decisiva para a ocorrência das irregularidades, que acarretou dano ao erário, em especial porque (i) autorizou a realização de licitação e a contratação das empresas baseado em projeto básico apócrifo, (ii) permitiu a execução da obra e pagamentos sem as Anotações de Responsabilidade Técnica – ART do projeto básico e do orçamento da licitação e (iii) designou como fiscais das obras servidores sem qualificação para o encargo. No entendimento da relatora, o diretor-geral, ao agir dessa maneira “assumiu para si toda a responsabilidade pela coerência e suficiência das informações contidas naquele importante documento”. A propósito, lançou mão do parecer exarado pelo representante do Ministério Público que, alicerçado na legislação e na jurisprudência incidente, anotou: “deveria o gestor público ter exigido, nos termos da lei, a apresentação de ART referente ao projeto básico em questão, sendo que a sua inexistência fez recair sobre o mesmo, autoridade que homologou o processo licitatório, a responsabilidade por eventual deficiência de projeto … Ademais, jurisprudência do TCU há muito se mostra pacífica acerca da obrigatoriedade de exigência, por parte do gestor público, da apresentação de Anotação de Responsabilidade Técnica – ART referente a projeto, execução, supervisão e fiscalização de obras e serviços de engenharia. Nesse sentido, inclusive, foi publicada a Súmula/TCU n. 260 …”. Também recorrendo ao parecer do MP, a relatora entendeu não ser possível afastar a responsabilidade das empresas executoras: “o simples fato de terem executado obras de engenharia sem a apresentação da competente Anotação de Responsabilidade Técnica – ART faz recair sobre as empresas contratadas a responsabilidade sobre os defeitos, vícios ou incorreções, resultantes da elaboração e execução do projeto de engenharia em questão”. Nesse sentido, acolhendo proposta da relatora, o Tribunal julgou irregulares as contas do gestor, condenando-o ao recolhimento dos débitos apurados, dois deles solidariamente com as empresas contratadas, aplicando-lhes, individualmente, a multa capitulada no art. 57 da Lei 8.443/92. (Grifo nosso)”
“Súmula/TCU nº 260: É dever do gestor exigir apresentação de Anotação de Responsabilidade Técnica – ART referente a projeto, execução, supervisão e fiscalização de obras e serviços de engenharia, com indicação do responsável pela elaboração de plantas, orçamento-base, especificações técnicas, composições de custos unitários, cronograma físico-financeiro e outras peças técnicas”.
Ressalve-se que os ARTs apenas indicam que o profissional foi nomeado responsável técnico por determinado objeto, mas não certifica que esse profissional efetivamente desempenhou essa função, nem se o fez de modo satisfatório, como alerta Jessé Pereira Torres Junior (2007, p. 412).
A exigência de ARTs, no entendimento de Marçal Justen Filho (2010, p. 456-458), via de regra, só é cabível para profissionais de engenharia, arquitetura e agronomia, pois o CREA é um dos poucos conselhos de classe que exige que o sujeito comunique cada atuação profissional. Em se tratando de outros profissionais, é possível exigir cursos de pós-graduação, cursos técnicos ou experiência similar, desde que pertinente com o objeto que se pretende licitar, conforme lição do autor:
“A Lei admite a possibilidade de qualificação técnica profissional não referida ao nível superior de instrução. Nem poderia ser diversamente. Podem existir situações em que a capacitação profissional somente será evidenciada através de cursos de pós-graduação; já em outros casos, serão exigíveis cursos técnicos ou experiência similar.(…)
A redação do §1º do art. 30 demonstra que o legislador tinha em mente, ao disciplinar a capacitação técnica, exclusivamente as obras e serviços de engenharia. No entanto, editou regras aplicáveis a quaisquer contratos de obras e serviços. Isso já seria um problema, tendo em vista a inviabilidade de aplicar textual e fielmente as regras do §1º nas hipóteses de licitações para obras e serviços que não sejam de engenharia. Em decorrência, deve-se reputar inaplicável a exigência de ‘registro’ de atestados referidos a atividades relativamente às quais não haja um controle por parte das entidades profissionais competentes”.(Grifo nosso)
O TCU admite que sejam exigidos atestados técnicos ou currículo que comprovem a experiência profissional, desde que de forma motivada e que seja estritamente necessário. Ressalte-se que apesar de não haver previsão legal para a exigência de currículos, já que em regra as comprovações são feitas por atestados, parece razoável demandar o curriculum vitae de profissionais que não tenham suas atividades controladas pelos respectivos conselhos de classe como documento substituto do ART. O TCU aceitou essa prática no seguinte caso (BRASIL, TCU, 2006a):
“Nessa linha de raciocínio, considero que a exigência contida no subitem 9.8.4, alínea "c", do Edital do Pregão PR-GSG-5.2113 – atestados técnicos ou currículo comprovando a atuação dos profissionais em atividades de planejamento em, pelo menos, 2 (duas) empresas com mais de 1.000 (um mil) empregados (fls. 16 do anexo I e 43 do anexo II) – não esbarra na vedação do art. 30, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666/1993, tendo em vista que a interpretação razoável desse dispositivo não alcança os quantitativos intrínsecos a cada contrato anteriormente executado, como no caso em exame, mas apenas a quantitativos referentes, entre outros, ao conjunto de experiências ou ao tempo de prática em cada uma delas, a exemplo do que ocorreria se a Eletronorte houvesse exigido das licitantes a comprovação de experiência mínima de dois anos no ramo de consultoria ou da execução de, pelo menos, dois contratos de consultoria em entidades cujas características, medidas em número de funcionários, faturamento anual, área de atuação etc, fossem semelhantes, em cada um desses entes, às encontradas na Eletronorte.(Grifo nosso)”
Apesar de a lei expressamente autorizar que a empresa possua determinado profissional em seu quadro permanente já na entrega da proposta, o TCU vem mitigando essa possibilidade. Entende a Corte de Contas que não cabe à Administração exigir o vínculo celetista, pois ele pode ser um prestador de serviços que esteja disponível para executar serviços em favor da empresa. Ademais, impõe-se ao licitante um ônus muito grande sem que ele sequer saiba se será efetivamente contratado, o que pode restringir a competição do certame. Nesse sentido, decidiu o TCU (BRASIL, TCU, 2010a):
“Determinação à FIOCRUZ para que, nos certames, abstenha-se de exigir que as empresas licitantes tenham, em seu quadro permanente, determinados profissionais, pois a jurisprudência do TCU é pacífica no sentido de reconhecer que o funcionário apontado a atender às exigências de qualificação técnico-profissional possa ser vinculado à empresa por meio de contrato de prestação de serviços, celebrado de acordo com a legislação civil comum, sem, necessariamente, possuir vínculo trabalhista com a empresa licitante, cf. Acórdãos nºs 2.297/2005-P, 361/2006-P, 291/2007-P, 597/2007-P, 1.110/2007-P, 1.901/2007-P e 2.382/2008-P. (Grifo nosso)”
Para garantir que a empresa possua profissional adequado, pode-se exigir, na fase de habilitação, uma declaração do licitante de que dispõe de profissionais com os perfis necessários, comprovado por um contrato de prestação de serviços, nos termos do §6º do art. 30 da lei em comento e conforme entendimento do TCU (BRASIL, TCU, 2005b):
“O artigo 30, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666/93, utiliza a expressão "qualificação técnico-profissional" para indicar a existência, nos quadros permanentes de uma empresa, de profissionais em cujo acervo técnico conste a responsabilidade pela execução de obras ou serviços similares àqueles aspirados pelo órgão ou entidade da Administração.
Todavia, há que se atentar para o fato de que a Lei nº 8.666/93 não define o que seja "quadro permanente". Assim, essa expressão poderia ser compreendida como o conjunto de pessoas ligadas à empresa de modo permanente, sem natureza eventual, por meio de vínculos de natureza trabalhista e/ou societária. Esse conceito, entretanto, reclama certa ampliação nas hipóteses em que a autonomia no exercício da profissão descaracteriza o vínculo empregatício sem afastar a qualificação do sujeito como integrante do quadro permanente, como é o caso dos profissionais da área de engenharia.
A exigência de que as empresas concorrentes possuam vínculo empregatício, por meio de carteira de trabalho assinada, com o profissional técnico qualificado mostra-se, ao meu ver, excessiva e limitadora à participação de eventuais interessados no certame, uma vez que o essencial, para a Administração, é que o profissional esteja em condições de efetivamente desempenhar seus serviços no momento da execução de um possível contrato. Em outros termos, o sujeito não integrará o quadro permanente quando não estiver disponível para prestar seus serviços de modo permanente durante a execução do objeto do licitado.
A regra contida no artigo 30, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666/93, não pode ser tomada em caráter absoluto, devendo-se sopesá-la diante dos objetivos que se busca alcançar com a realização das licitações, quais sejam, a garantia de observância ao princípio da isonomia e a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração.
Assim, se o profissional assume os deveres de desempenhar suas atividades de modo a assegurar a execução satisfatória do objeto licitado, o correto é entender que os requisitos de qualificação profissional foram atendidos. Não se pode conceber que as empresas licitantes sejam obrigadas a manter profissionais de alta qualificação, sob vínculo empregatício, apenas para participar da licitação, pois a interpretação ampliativa e rigorosa da exigência de vínculo trabalhista se configuraria como uma modalidade de distorção.
Atender, no caso em tela, à letra fria desse dispositivo, sem considerar os objetivos da Administração e os limites de exigência de qualificação técnica, suficientes para a garantia do cumprimento das obrigações, seria desbordar para o formalismo que se basta em si mesmo, sem ter em vista qualquer outro objetivo consentâneo com o interesse público.
As exigências de qualificação técnica, sejam elas de caráter técnico profissional ou técnico operacional, portanto, não devem ser desarrazoadas a ponto de comprometer a natureza de competição que deve permear os processos licitatórios realizados pela Administração Pública. Devem constituir tão somente garantia mínima suficiente para que o futuro contratado demonstre, previamente, capacidade para cumprir as obrigações contratuais.
Nesse sentido, entendo que seria suficiente, segundo alega a representante, a comprovação da existência de um contrato de prestação de serviços, sem vínculo trabalhista e regido pela legislação civil comum.
Esse posicionamento encontra guarida no entendimento segundo o qual a Constituição Federal somente autoriza exigências que configurem um mínimo de segurança. Portanto, não há de se admitir exigências que vão além disso com base no argumento de que a segurança da Administração restaria ampliada, na medida em que o máximo de segurança corresponderia, inequivocamente, ao máximo da restrição. E essa não é a solução proclamada pela Carta Magna. (Grifo nosso)”
Caso a empresa indique um profissional na fase de habilitação e, posteriormente, durante a execução contratual, não seja possível contar com os serviços daquele profissional, a contratada deverá providenciar sua substituição, nos termos do §10 do art. 30 da Lei de Licitações, por outro de experiência equivalente ou superior, desde que aprovada pela Administração Pública. Desse modo, “é ilegal a exigência editalícia de o profissional indicado pela licitante firmar o compromisso de participar permanentemente de obras e serviços licitados” (BRASIL, TCU, 2006c).
Com relação à exigência de tempo de experiência dos profissionais, o TCU entende ser indevida, por força do §5º do art. 30 da Lei de Licitações. Destacam-se os seguintes julgados (BRASIL, TCU, 2008a; BRASIL, TCU, 2006b):
“REPRESENTAÇÃO. CONCORRÊNCIA. TÉCNICA E PREÇO. GERENCIAMENTO DE OBRAS PORTUÁRIAS. PAC. ITAQUI/MA. POSSÍVEL RESTRIÇÃO AO CARÁTER COMPETITIVO DO CERTAME. CONTRATO EM PLENA EXECUÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. DETERMINAÇÕES. 1. O art. 33 da Lei de Licitações atribui à Administração a prerrogativa de admitir a participação de consórcios nas licitações. 2. A regra, no procedimento licitatório, é a participação de empresas individualmente em disputa umas com as outras, permitindo-se a união de esforços quando questões de alta complexidade e de relevante vulto impeçam a participação isolada de empresas com condições de, sozinhas, atenderem todos os requisitos de habilitação exigidos no edital, casos em que a participação em consórcio ampliaria o leque de concorrentes. 3. É cabível a exigência de comprovação da capacidade técnico-operacional mediante atestados, sendo admitida, inclusive, a possibilidade de exigências de quantitativos mínimos e prazos máximos para essa comprovação, desde que demonstrada a adequação e pertinência de tal exigência em relação ao objeto licitado. 4. A qualificação exigida pela Lei 8.666/1993 para os membros da equipe técnica responsáveis pelos trabalhos refere-se à experiência profissional, que não necessariamente guarda relação com o tempo de formado, mas pela participação em obra ou serviço de características semelhantes. (Grifo nosso)”
“Assim, deve ser determinado ao Dnit que se abstenha de exigir dos licitantes que comprovem tempo de experiência em seus atestados de capacidade técnico-profissional, como colocado nos subitens que compõem o item 14.4 ‘c.1’ da qualificação técnica – mais de 5 anos de experiência para o Coordenador do Contrato, mais de 5 anos de experiência para o Coordenador Assistente, mais de 3 anos de experiência para o Supervisor de Campo I, mais de 3 anos de experiência para o Supervisor de Campo II, mais de 3 anos de experiência para o Administrador -, pois isto é vedado pelo art. 30, § 5º, da Lei nº 8.666/1993, e pela jurisprudência do TCU, em especial Acórdão nº 473, Ata 13/2004-Plenário e Decisão nº 134, Ata 9/2001-Plenário. (Grifo nosso)”
No que tange à exigência de certificações para comprovar a qualificação técnico-profissional, o TCU entende ser indevida, por ausência de previsão legal, consoante se depreende da leitura do seguinte acórdão (BRASIL, TCU, 2009a):
“A certificação de qualidade exigida na licitação ora sob exame poderia inserir-se na qualificação técnica. Contudo, o artigo 30 da mencionada Lei elenca os documentos que poderão ser exigidos para comprovar essa qualificação, entre os quais não se incluem os certificados de qualidade. Nesse contexto, este Tribunal reputa como ilegal a exigência de sua apresentação como requisito de habilitação, pois comprometedora do caráter competitivo do certame. (Grifo nosso)”
Por fim, cumpre destacar a possibilidade de a Administração investigar a atualidade da qualificação, com base na argumentação de Marçal Justen Filho (2010, p. 462):
“A existência de documentos pode (e deve) ser acompanhada de outras investigações para assegurar a ‘atualidade’ das informações. Muitas vezes, o sujeito executou certo objeto dezenas de anos antes. Continua a existir a referência documental ao cumprimento satisfatório do objeto. Porém, há o risco de ausência de referibilidade entre o objeto executado anteriormente e aquele licitado. Assim, as técnicas de execução podem ter sofrido radical modificação, a empresa pode ter passado por numerosas alterações estruturais etc. É dever da Administração, diante da constatação de que a comprovação acerca de objeto similar refere-se a momento distante no tempo ou a circunstâncias diversas, promover diligências para apurar a continuidade da existência dos requisitos de habilitação”.
Conclusão
Pelo exposto, constata-se que há limites legais bastante rígidos a serem seguidos pela Administração no momento de definir os requisitos da qualificação técnica na fase de habilitação. Esse fato dificulta a seleção de empresas verdadeiramente aptas a cumprir o objeto contratual com a qualidade que se espera. Apesar de ser possível motivar a escolha de certos critérios para a habilitação, dentro do que permite a lei, não é prudente que o gestor público se valha dessas justificativas, ainda que muitas vezes coerentes, para tentar ampliar sua margem de discricionariedade. Nesses casos, interpretações restritivas são preferíveis, já que a lei impõe limites bastante estreitos.
Com o intuito de compatibilizar a segurança da Administração na boa execução contratual e a ampla participação no certame licitatório, devem-se restringir as exigências de qualificação técnica, na fase de habilitação, àquilo que for estritamente necessário e inserir nas obrigações da contratada determinados requisitos desejáveis, mas que não puderam ser demandados na fase de habilitação técnica. Assim, será possível atribuir encargos que onerarão apenas o vencedor da licitação.
Outrossim, a gestão e a fiscalização do contrato são instrumentos de fundamental importância, pois possibilitam um maior controle da atuação da contratada, inclusive com a aplicação de sanções e, eventualmente, a rescisão contratual, caso o interesse público assim o demandar.
O gestor deve tomar ciência dos posicionamentos da Corte de Contas e atuar em conformidade com as boas práticas emanadas de seus julgados. Desse modo, estará cumprindo seu papel com a responsabilidade que se espera, além de zelar pelo bom uso dos recursos públicos.
Advogado e Servidor Público Federal no Ministério do Meio Ambiente atuando no apoio da Assessoria Jurídica junto ao Serviço Florestal Brasileiro
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