“As taxas de juros que estão sendo praticadas
, hoje, no Brasil são taxas que nenhum empresário é capaz de suportar. Nós
sabemos que o fenômeno que se denomina, de ciranda financeira, é que é a
tônica, hoje do mercado financeiro engordando os lucros dos que emprestam
dinheiro e empobrecendo a força do trabalho e do capital produtivo”.
(Ministro Presidente STF Marco Aurélio Mello)
É de fundamental importância que a Câmara dos Deputados venha em
analisar com extrema cautela a Proposta
de Emenda Constitucional que dá uma
nova redação ao texto do Artigo 192 da
Constituição Federal permitindo a
regulamentação do sistema financeiro por leis complementares.
Destarte que a proposta em
discussão originou-se da Proposta de
Emenda Constitucional 21/97 de autoria
do Senador José Serra que visava a revogação do inciso V do art. 163 e o art.
192 da Constituição Federal, bem como o art. 52 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias sobre a fiscalização das instituições financeiras,
a estruturação e o funcionamento do sistema financeiro nacional e a participação de pessoas residentes e
domiciliadas no exterior no capital das instituições financeiras nacionais. E a
PEC original foi alterada (PEC 53/99)
com o substitutivo do Senador Jefferson Péres com aprovação Senado
Federal e tendo o seguinte teor
jurídico : “Art. 192 O sistema
financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento
equlibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as
partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por
leis complementares, que disporão, inclusive, sobre a participação do capital
estrangeiro nas instituições que o integram”.
Entretanto, alguns tópicos da Proposta de Emenda Constitucional deveriam ter um melhor esclarecimento pelo
parlamentares para a sociedade civil tendo em vista a complexidade e interação
dos mercados financeiros e a própria manifestação do Supremo Tribunal Federal
no sentido de que a regulamentação se faça por uma única lei complementar. No Governo
FHC, o Presidente do Banco Central Armínio Fraga, em audiência nesta Comissão
do Sistema Financeiro Nacional , mencionou que, aprovada a PEC, o Poder
Executivo teria três projetos prioritários a apresentar à discussão do
Congresso Nacional: um para o Banco Central, um outro abordando questões do
Mercado de Capitais e um terceiro cuidando das Liquidações Extrajudiciais.
Entretanto, o principal argumento para a aprovação da PEC envolve que
a simplificação do texto do art. 192, mediante a revogação dos incisos e
parágrafos, e a disposição explícita de que a regulamentação poderá ser feita
em leis complementares vêm operar no sentido da facilitação da tarefa de
regulamentar, porquanto a partir de então a regulamentação poderá ser realizada
de forma fracionada, no conteúdo e no tempo, podendo abordar separadamente a
disciplina dos diversos mercados que compõem o sistema financeiro.
Convém, entretanto, examinar alguns aspectos importantes sobre as
conseqüências para o País da não regulamentação do art. 192 e, por outro lado,
os benefícios de sua imediata regulamentação, agora viabilizada com as
alterações propostas pela Proposta de Emenda Constitucional.
A falta da regulamentação do art. 192
tem levado a iniciativas legislativas no sentido de superar problemas
emergentes e inadiáveis como a criação do Fundo Garantidor de Crédito,
mecanismo de proteção da economia popular previsto no inciso VI, foi instituído
por intermédio de resolução do Conselho Monetário Nacional; o Instituto de Resseguros do Brasil – IRB
teve suas ações transformadas por intermédio de Medida Provisória, já
convertida na Lei nº 9.482, de 13 de agosto de 1997, embora a regulamentação de
seu funcionamento estivesse prevista no inciso II; utilização de Medida
Provisória, foram também as sociedades seguradoras, de capitalização e as
entidades de previdência privada submetidas às disposições da Lei nº 6.024, de
13 de março de 1974, e do Decreto-Lei nº 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, que
tratam respectivamente dos regimes de intervenção e liquidação extrajudicial e
do regime de administração especial temporária, no caso para serem exercidos
pela SUSEP; e a criação da Lei nº 9.932, de 20 de dezembro de 1999, que
transfere atribuições do IRB – Brasil Resseguros S.A. para a SUSEP e que, na
prática, estatui regras para a abertura do mercado ressegurador nacional
encontra-se com sua eficácia suspensa por decisão liminar do Supremo Tribunal
Federal, que acolheu Ação Direta de Inconstitucionalidade, considerando que a
matéria é reservada pelo art. 192 da Constituição para o tratamento exclusivo
por lei complementar.
Esta foi a visão apresentada pelo Relator do Projeto de Emenda
Constitucional Deputado Rubens Medina
onde concluiu que “ Não há dúvidas que uma regulamentação mais moderna,
com a prescrição de regras prudenciais adequadas e a constituição de uma
autoridade monetária forte e bem aparelhada, influenciará favoravelmente a
preservação de “um ambiente estável, previsível, favorável a menos riscos
e à taxa de juros mais baixa”, sem o qual, conforme mencionou aqui nesta
Comissão o Presidente do Banco Central do Brasil, “não é possível
desenvolver-se uma economia”. Outro efeito benéfico para nossa economia
advirá certamente da reclassificação de risco do Brasil e, conseqüentemente, da
redução das taxas de juros cobradas do País pelo mercado financeiro
internacional.”
Por outro lado, devemos expor que o Projeto de Emenda Constitucional
na visão da oposição parlamentar, representa, uma medida altamente negativa
para a população brasileira e altamente positiva para as Instituições
Financeiras, pois visa ampliar os poderes dos Bancos, com a intervenção e a
autonomia do Banco Central do Brasil
para adoção de medidas enérgicas de
proteção ao crédito e a revisão das
leis que amparam o consumidor dos serviços bancários.
Ademais, a alteração do
relatório do Senador Jefferson Péres envolvendo o artigo 192 delimita que
ocorra a regulamentação do supra artigo por uma lei complementar envolvendo a
criação de um mecanismo de proteção da economia popular e garantia dos
depósitos e aplicações, assim como fixou em 12% ao ano as taxas de juros
máximas que poderão ser cobradas nas operações de crédito, nelas incluídas
comissões e quaisquer outras remunerações diretas e indiretas. E o que vem em
representar a autonomia do Banco Central do Brasil.
Para o Presidente da Federação Brasileira de Bancos Gabriel Jorge
Ferreira em recente entrevista afirmou que o ideal seria o Governo encaminhar
um projeto de lei de autonomia do Banco Central do Brasil, pois o mesmo tem
atuado de forma liberal com o Copom aumentando os juros básicos da economia.
Por outro lado, o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho aduz que na
verdade, em toda a sua história, o Banco Central Brasileiro tem agido de forma
a favorecer o capital financeiro. E
continua que a regulamentação parcial do artigo 192 da Constituição Federal,
proposta pelo Governo Lula, é uma pressão explícita para manter o poder do
sistema financeiro sob a autoridade monetária do País. No Brasil, é o Banco
Central que estabelece as regras de
operação do sistema financeiro, gerencia as dívidas interna e externa, cuida
das reservas internacionais, fixa taxas de juros, conduz a política de câmbio e
acompanha a remessa de lucros para o exterior. E conclue: conceder autonomia ao
Banco Central sem mudar as atuais estruturas será definitivamente entregar a
chave do cofre aos banqueiros.
Conclusivamente, a questão da independência ou da autonomia do Banco
Central deve ser entendida e inserida no quadro geral da política econômica, o
que significa dizer que a sua atuação tem de estar em linha com a política
econômico-financeira global, cuja responsabilidade pertence ao Poder Executivo
e, mais particularmente, ao Ministério da Fazenda (Lei nº 8028, de 12.4.90).
E ainda envolvendo o Projeto de Emenda Constitucional com a
regulamentação do supra artigo por uma lei complementar, teremos uma ampla
divergência jurídica. As Instituições Financeiras argumentam a existência de
uma lei complementar de estruturação do sistema financeiro, ou seja a Lei nº
4595, de 1964, da mesma forma que as diretrizes básicas do mercado de capitais
já foram fixadas pela Lei 4728, de 1965:o sistema financeiro nacional já está
estruturado para servir aos interesses da coletividade; já existem normas para
o funcionamento adequado das instituições financeiras, como as de seguros,
previdência e capitalização, nacionais e estrangeiras; e o Banco Central do
Brasil já está organizado e funcionando em todas as atividades tradicionais que
lhe são próprias. E em contrapartida como está ocorrendo na discussão na ADIN
2591 no Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação com uma norma complementar o
artigo 3.º, § 2.º, da Lei n.º 8.078 com a discussão da aplicação do Código de
Defesa do Consumidor aos Contratos Bancários, ou da questão envolvendo a
limitação dos juros reais sob a égide da
Lei 1521/51 e do Decreto 22626/33.
Outro fator envolve a regulamentação constitucional dos juros por lei
complementar. Esta é a visão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do
Mandados de Injunção n.º 321-1; 337-8; 324-6; 368-8 ; 430 dentre outros , no
qual o Congresso Nacional foi reconhecido em mora com a regulamentação do art.
192, § 3º, tendo sido notificado por aquela Corte para tomar as providências no
sentido de suprir a omissão.
Destarte ainda que a questão da discussão sobre a limitação dos juros
no Novo Código Civil Brasileiro encontra-se retratada na Parte Especial o Livro
I do Direito das Obrigações e em seu Título IV do Inadimplemento das Obrigações
em especial no artigo 406 que “Quando os juros
moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando
provierem de determinação da Lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em
vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.” E novamente inicia-se uma nova discussão sobre os juros.
As relações contratuais sofrerão profundas modificações com a entrada em vigor do novo Código Civil
(Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002). Com a entrada em vigor do novo
Código Civil (art. 406), a taxa de juros legais poderá ser referenciada na taxa SELIC (Sistema Especial de
Liquidação e Custódia) ou no Artigo 161 inciso 1 do Código Tributário
Nacional .
Portanto, a aprovação do
Projeto de Emenda Constitucional deveria ser com cautela pela complexidade do
tema de interesse nacional Finalmente,
questão semelhante é encontrada entre nossos vizinhos argentinos, conforme
relata Luis DE GASPARI (Tratado de Las Obligaciones. En el Derecho Civil
Paraguayo e Argentino. Buenos Aires, Editorial De Palma, vol. II, Parte
Especial, p. 287), tratando da limitação dos juros (intereses), ainda que não
haja taxa legal expressa limitadora: “Controvertida desde muy antiguo la
cuestión de saber qué sea preferible en la deuda de dinero, si dejar a las
partes en libertad de estipular intereses, o limitar éstos dentro de una tasa
legal, optó el codificador por lo primero, y así se explica que en concordancia
con lo preceptuado en el art. 1197, el art. 621 del Código disponga: `La
obligación puede llevar intereses, y son válidos los que se hubiesen convenido
entre el deudor y el acreedor.` La libertad así proclamada no puede, empero,
ser absoluta, porque, de serlo, se legitimaría cualquiera tasa del interés,
aunque excediese al capital, sin embargo de estar prohibido por el art. 623 el
anatocismo o sea la capitalización de intereses, que es un género de usura,
fuera de los casos allí previstos, y de los admitidos por el Código de
Comercio, que veremos luego. Todo
depende de que una jurisprudencia humana, realista y liberal se encargue de
interpretar la ley y de darle el sentido verdadero que le corresponde en su
función reguladora y moderadora de los fenómenos sociales, a fin de evitar los
perniciosos efectos que, en la práctica, pueden producir los pactos usurarios o
leoninos, caracterizados por el interés excesivo del capital. Felizmente, el
criterio judicial, al principio favorable a la usura, incentivada por la
libertad de contratación (arts. 1197 y 621), ha cambiado, sin necesidad de
reforma previa de la ley, y ha anulado de oficio cláusulas que imponían al
deudor la obligación de pagar intereses usurarios”.
Informações Sobre o Autor
Celso Oliveira
Consultor Empresarial. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Bancário, do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, do Instituto Brasileiro de Direito Societário e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Autor das Obras Manual do Imposto Sobre Serviços e Tratado de Direito Empresarial.