Resumo: A Lei nº. 12.015/09 tratou de reformar o Código Penal Brasileiro, derrogando-o pontualmente. Sua entrada em vigor trouxe ao mundo jurídico uma série de reflexões em torno de sua aplicabilidade e extensão, haja vista, sua repercussão em outras leis e normas. Trataremos neste, pontualmente, apenas da revogação tácita ou não, da majorante presente no artigo 9º da Lei nº. 8.072/1990 que trata dos Crimes Hediondos. Discutiremos ainda, a possibilidade de aplicação do Princípio da Continuidade Típico Normativa, à referida norma. Este trabalho foi orientado pelo Professor Gianfranco Silva Carusp;
Palavras-chave: Lei nº. 12.015/09 – artigo 9º da Lei nº. 8.072/1990 – Lei dos Crimes Hediondos – Princípio da Continuidade Típico Normativa – Revogação Tácita.
Abstract: Law No. 12.015/09 tried to reform the Brazilian Penal Code, deviate from it occasionally. His entry into force brought the world a series of reflections about its applicability and scope, given, its effect on other laws and norms. we are this article treat occasionally, just repeal of tacit or otherwise, of this upper bound by Article 9 of Law No. 8.072/1990 dealing with heinous crimes. Furthermore, we discuss the possibility of applying the Principle of Continuity Typical Normative, related to that norm. Furthermore, we discuss the possibility of applying the Principle of Continuity Typical Normative, to that standard.
Keywords: Law n º 12.015/09 – Article 9 of Law No. 8.072/1990 – Heinous Crimes Law – Typical Normative Principle of Continuity – Repeal Tácita
Revogação do artigo 9º da Lei nº. 8.072/1990 – Lei dos Crimes Hediondos
O ato de revogar é tarefa tipicamente legislativa e significa grosso modo, declarar ou tornar sem efeito lei, nomeação, ordem de serviço, portaria ou resolução.[1]
O fenômeno da revogação de leis é tratado na doutrina com subdivisões clássicas, quais sejam: a Revogação Expressa, Tácita, De Fato, Total ou Parcial. A forma expressa entende-se que nova norma tratará de descrever e explicitar a revogação que pretende realizar. Na forma tácita, a revogação será implícita e poderá resultar de incompatibilidade da nova norma com alguma anterior. A revogação de fato se dará quando a norma cai em desuso. Todas as formas citadas acima poderão acontecer de forma total ou parcial, ou seja, a reforma quando total excluirá o texto anterior na íntegra, já a alteração parcial eliminará apenas trechos do dispositivo. (DINIZ / 1994)
Cabe neste momento fixar estudo apenas acerca das reformas expressas e tácitas, uma vez que as mesmas serão objeto de reforço a nossa tese.
Reza o artigo 2º, § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil[2] que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
A Lei nº. 12.015/09 tratou de reformar o Código Penal Brasileiro, derrogando-o[3] pontualmente. Sua entrada em vigor trouxe ao mundo jurídico uma série de reflexões em torno de sua aplicabilidade e extensão, haja vista, sua repercussão em outras leis e normas.
Trataremos aqui, pontualmente, apenas da revogação tácita da majorante presente no artigo 9º da Lei nº. 8.072/1990 que trata dos Crimes Hediondos.
Ocorre que ao revogar expressamente o artigo 224 do Código Penal Brasileiro, o legislador talvez não tenha se atentado à necessidade de também revogar expressamente o artigo 9º da Lei nº. 8.072/1990 ou de também de forma expressa manifestar sua efetiva aplicabilidade mesmo após o advento da norma revogadora. Ao não fazê-lo nosso legislador dividiu entendimentos doutrinários, propiciando diferentes ou divergentes opiniões sobre o tema.
Parte da doutrina[4] tem se posicionado pela não revogação do referido artigo, tendo em vista uma análise sistemática do tema comparando-o as proteções constitucionais focadas criança e ao adolescente, algo com que concordaríamos não fossem os argumentos que exporemos mais adiante. Outra parte[5] entende que o texto da lei nº. 12.015/09 revogou o referido artigo tendo em vista uma análise lógico analítica[6], do referido artigo e sua incompatibilidade com o texto do artigo 9º da Lei do Crimes Hediondos, algo com o que nos parece mais prudente concordar, neste caso.
A revogação de uma lei ou dispositivo de lei, em geral, trará implicações ao meio jurídico, de ordens formal e material. Estas modificações poderão ou não retroagir a delitos anteriores a sua entrada em vigor, a depender da análise dos benefícios ou malefícios que trará ao acusado, réu ou apenado. É quando verificamos os fenômenos jurídicos denominados “Novatio Legis in Mellius”, “Novatio Legis in Pejus” e “Abolitio Criminis”.
Quando da análise da revogação de uma lei e a possibilidade de retroatividade dos efeitos revocatórios, há que se verificar se o núcleo do tipo não se mantém preservado ou ainda se o mesmo não foi deslocado a outro dispositivo, oportunidade em que estaremos tratando do Princípio da Continuidade Típico Normativa ou Continuidade Normativo-Típica.
Corroboram este mesmo entendimento os professores Luiz Flávio Gomes e Antônio García-Pablos de Molina, para os quais: “não se pode nunca confundir a mera revogação formal de uma lei penal com a abolitio crimins. A revogação da lei anterior é necessária para o processo da abolitio criminis, porém, não suficiente. Além da revogação formal impõe-se verificar se o conteúdo normativo revogado não foi (ao mesmo tempo) preservado em (ou deslocado para) outro dispositivo legal” (GOMES, MOLINA / 2009. p.100).
Implica salientar que ao se entender pela aplicação de tal Princípio, não mais há que se falar em “Abolitio Criminis”, uma vez que, o núcleo do tipo e a tutela do bem jurídico, permaneceram inabaláveis, no entanto, ainda restará a análise dos institutos “Novatio Legis in Mellius” e “Novatio Legis in Pejus”, haja vista, mesmo que se mantenha o núcleo do tipo, poderá ou não, ser alterado o preceito secundário da norma.
Para os que entendem que o conteúdo do tipo presente no artigo 224 do CP, revogado pela nova lei, foi transportado e mantido na íntegra no artigo 217-A também do CP, será admitida a Continuidade Normativa e este será um bom exemplo do citado acima. Neste caso, ocorreria o fenômeno “Novatio Legis in Pejus”, uma vez que, o novo preceito secundário trazido pela norma é mais severo ao réu apenando-o de forma mais rígida.
Também entendemos com tal corrente, ou seja, a nosso ver todo o conteúdo presente no artigo 224, foi mantido no artigo 217-A, no entanto, somos forçados a não concordar com a aplicação do referido princípio ao caso em tela, uma vez que, entendemos que tal aplicação não se coaduna a nossos ideais e Justiça de acordo com o que exporemos mais adiante.
Há que se ressaltar aqui, a “prima facie”, razões técnicas para se entender pela revogação, explicamos: ocorre que para que o individuo fosse enquadrado em uma das hipóteses legais contidas no artigo em tela, deveria ele cometer um estupro contra menor de 14 anos, por exemplo, ou seja, combinaríamos o antigo art. 213 com o art. 224 do CP. No entanto o dispositivo da lei de hediondos não se coaduna com os dispositivos legais atuais, senão vejamos, a mesma conduta citada acima, agora seria enquadrada na com as disposições da nova lei, no Art. 217-A que por si só, já contem também o conteúdo do antigo art. 224, neste sentido, tecnicamente, como faríamos tal combinação? Art. 217-A combinado com antigo Art. 224 (revogado)? art. 213 (revogado) com o art. 224 (revogado)? Entendemos pela impossibilidade técnica de tais combinações quando do oferecimento da denúncia ou até mesmo na lavratura do inquérito policial.
Admitir ou não a Continuidade Normativa, implicaria principalmente, na revogação do artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos. Conforme exposto acima a doutrina divide-se, apresentando posicionamento a todo gosto.
Nosso entendimento acerca da exclusão da referida majorante, fundamenta-se principalmente no Princípio do “Non Bis In Idem”[7], segundo o qual não se deve punir duas vezes pelo mesmo motivo, nem tampouco majorar a pena já majorada anteriormente pelo mesmo motivo.
Atualmente o Código Penal explicita a pena para crime de Estupro no seu artigo 213 com reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos[8]. Já quanto ao crime de Estupro de Vulnerável trata no artigo 217-A[9], majorando a pena se comparada a do estupro simples, para reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
Nosso entendimento é o de que seria inviável uma majoração da pena tendo o Artigo 9º da Lei de Crimes Hediondos[10], uma vez que, a Lei nº. 12.015/09, já apresentou tais infrações majoradas. Uma coisa é querermos punir severamente majorando a condição do réu de forma a propiciar ao mesmo maior tempo de recuperação junto ao regime prisional e assim oferecer melhor proteção ao vulnerável, outra bem diferente é buscar retirar o individuo do convívio social buscando apenas puni-lo quão mais severamente o for possível.
O segundo ponto a analisar é que a referida alteração ao código penal, embora tenha apresentado também alterações na Lei dos Crimes Hediondos, não tratou de explicitar alteração ao seu artigo 9º, o que nos leva a entender que não quis majorar ainda mais a referida conduta. Ora quando se altera uma parte do texto da lei, não há que se falar que o legislador não se atentou para outros dispositivos da referida lei, uma vez que se presume ao menos a leitura do texto da lei na íntegra ao se formular tal projeto de lei.
Podemos alegar ainda os Princípios da Proporcionalidade[11] e Razoabilidade[12] da Sanção, segundo os quais o ordenamento deverá apresentar sanção proporcional ao delito. Exemplificando para melhor fundamentar, suponhamos que um indivíduo maior tenha estuprado uma adolescente que ainda não completou 14 anos, ele seria denunciado pelo artigo 217-A do CP tendo a pena o tratamento especial da Lei dos Crimes Hediondos, no entanto mantendo a pena base de reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. Caso o mesmo individuo resolva apenas matar a mesma vítima, será denunciado por homicídio simples artigo 121, “caput”, CP[13], com pena de reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos, aumentada em 1/3 segundo o parágrafo 4º[14] do mesmo artigo, o que tornaria a sanção adequada num comparativo com o primeiro exemplo, ou seja, matar por ser mais gravoso, seria mais apenado. Pois bem, consideremos que sobre o primeiro exemplo também recaísse a majorante do artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos, a pena seria aumentada de metade, ou seja, o mínimo que se poderia apenar passaria a ser de 12 anos, enquanto que no segundo exemplo a mínima ficaria em 8 anos. Perguntamos: apenar um crime sexual contra vulnerável com pena maior a de um homicídio contra vulnerável num seria desproporcional?
Michel Focauld em sua obra intitulada Vigiar e Punir, em especial no capítulo Mitigação da penas, vai dizer que a pena deve ser proporcional a recuperação do detendo. Algo com o que, embora utópico no sistema prisional Brasileiro, somos forçados a concordar. (FOUCAULT / 1987)
O Superior Tribunal de Justiça, pronunciou entendimento pela revogação do artigo tema de nosso estudo, reafirmando nossa tese.[15]
Por todo o exposto entendemos pela revogação do artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos, fundada em nossos ideais de Justo e Bom e como forma de proteger a proporcionalidade da sanção no ordenamento jurídico Brasileiro.
Estudante de Direito
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