Episódio deprimente aconteceu no
dia 25 de setembro, durante interrogatório dos denunciados pelo
latrocínio de seis portugueses, na cidade de Fortaleza. A
audiência transcorria em segredo de justiça. Não se sabe, portanto, o que
sucedeu lá dentro entre advogados e o promotor público encarregado da
acusação. Só posso dizer o que vi depois de terminado o ato processual:
um advogado baixinho (deve ter um metro e sessenta e cinco, no máximo),
discutia no corredor com o persecutor oficial. Dava
para entender que exigia respeito à defesa. Dedo em riste,
exclamava: “Respeite-me! Respeite-me!” O promotor público, muito
grande e obeso, olhava o advogado com uma expressão bovina. Não há
injúria nisso, os homens se assemelham a animais.
Há nos clássicos, aliás, remissão ao fato de poucos reagirem quando são
chamados de “raposas”, enraivecendo-se ao serem brindados com
a expressão “cachorros”. As raposas, sabidamente, são espertas e
traiçoeiras. O cão é amigo do homem e muito leal. Entretanto, a primeira expressão
envaidece; a segunda insulta. Entenda-se uma contradição dessas…
Voltando-se ao assunto, o persecutor encarava o advogado com um jeito bovino, plácido
até. De repente, disse: “moleque!” Abriu as manoplas e
segurou entre ambas a cabeça do antagonista, procurando-lhe os olhos com os
polegares. O sujeito era beneficiado pelo consumo constante das iguarias
nordestinas (Azeite de dendê, farofa, sopa de tartaruga-
proibida por lei-, feijoada com rabo de porco, dobradinha – com muito
cuidado, pois contém, segundo me disse cirurgião ilustre, vermes que se alojam
no cérebro – e quejandos) Aliás, há duas espécies de
nordestinos: a primeira (já o escrevi em algum lugar) tem enervação
aparecendo sob a pele, umas pernas finas e trançadas como cipó. Êta bicho perigoso! É suave e respeitoso o bom brasileiro,
mas coça a peixeira com muito afeto quando ofendido. A outra espécie pertence o
eminente acusador público. Movimenta-se com dificuldade e só ganha a briga
porque é rotunda. Mas se pega o opoente, mete-lhe os dedões
nas órbitas. Pode cegá-lo, se não houver a turma do “deixa-disso”.
A televisão mostrou um
recorte da refrega. O advogado levou a pior. Apanhou, feriu-se bastante
(tenho certeza) e foi, ridiculamente, preso por desacato. O persecutor ficou por lá, muito trêfego nas suas razões,
lambendo os beiços e sacolejando pelos cantos. Coisa feia! Um
promotor público (ou autoridade qualquer) não pode perder a razão. Se e quando
ofendido, o acusador deveria processar o opositor, sujeitando-o a uma ação
penal. Muitos fazem isso. Virou moda. Agindo como agiu, incompatibiliza-se com
a acusação, merece sujeição a ação penal por
lesões corporais e se põe sob a censura de todos quantos o viram
destrambelhar-se. Coisa ruim, sim! É esperar para ver o que
acontece.
Vai aqui um toque tragicômico: Escrevo
a crônica enquanto passo a língua no dente incisivo direito superior. Alguém o
quebrou, enquanto eu era adolescente, quando tirava o paletó para brigar
pelo amor de uma linda garotinha. O gajo deu o primeiro sopapo. Lesou-me o
dente e o nariz. De lá para cá, nunca mais briguei. Mas se precisasse,
não se tenha dúvida qualquer: o primeiro murro seria meu. E me esconderia,
depois, atrás da toga do magistrado. Desacato por desacato, é preferível
deixar a marca no rosto do beleguim…
Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.
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