Olirio Rives dos Santos – Advogado militante no PR. Bacharel em Direito pela UNIFOZ, Brasil; Licenciado em Letras, língua Portuguesa e respectivas literaturas, pela UNOPAR, Brasil; Mestre em Sociedade Cultura e Fronteiras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). E-mail: Olirio Rives dos Santos oliriorives130867@gmail.com.
Francielle de Camargo Ghellere – Professora da rede Estadual de Educação no Estado Paraná. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE); Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); Doutoranda em Sociedade, Cultura e Fronteira na UNIOESTE.
Resumo: Analisam-se as causas da violência praticada contra mulher, pelo ex-marido, no local de trabalho da vítima. O fato se tornou objeto de reportagens nos jornais de Foz do Iguaçu, PR. A partir das premissas da Análise do Discurso (AD), dialoga-se com a ocorrência. Realiza-se a discussão teórica e à coleta de dados, com base na análise contextual das circunstâncias do caso em estudo. Conceituam-se as categorias: “ideologia”, “linguística”, “psicanálise” e “materialismo histórico”. Finaliza-se com a demonstração das conquistas de direitos obtidas pelas mulheres e sobre possíveis causas do feminicídio.
Palavras-chave: Análise de discurso; Machismo e Violência contra a mulher.
Resumen: Se analizan las causas de la violencia ejercida contra la mujer por su exmarido en el lugar de trabajo de la víctima. El hecho se convirtió en tema de reportajes en los periódicos de Foz do Iguaçu, PR. A partir de las premisas del Análisis del Discurso (DA), se establece un diálogo con el hecho. Se lleva a cabo una discusión teórica y recolección de datos, a partir del análisis contextual de las circunstancias del caso en estudio. Se conceptualizan las categorías: “ideología”, “lingüística”, “psicoanálisis” y “materialismo histórico”. Finaliza con una demostración de los logros de los derechos obtenidos por las mujeres y sobre las posibles causas del feminicidio.
Palabras clave: Análisis del discurso; Machismo y Violencia contra la mujer.
Sumário: Introdução. 1. Coleta de dados e conceitualização. 2. Análise propriamente dita. 3. Resultados da análise. Considerações Finais. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Conforme o tema indica, no caso, pretendemos trabalhar a Análise do Discurso com vistas ao significado constante de uma reportagem de jornal, bem como descobrir os reais motivos do acontecimento noticiado. Assim, nosso objeto é uma notícia policial em razão de violência desferida contra uma mulher pelo ex-marido e veiculada no diário GDia em 14 de janeiro de 2020, cuja agressão ocorreu no local de trabalho da vítima, ou seja, no Centro de Tradições Gaúchas (CTG) de Foz do Iguaçu, PR, de acordo com o que consta, ainda, na reportagem presente no sítio da Rede Paranaense de Comunicação (RPC), considerando reportagem do dia 13 de janeiro de 2020.
Para tanto, tendo em vista a principal vertente da Análise de Discurso (AD) atualmente em uso, ou seja, a corrente de origem francesa, que tem como seu mais importante representante Michel Pêcheux, a qual aqui será adotada como base teórica, levando em conta os propósitos deste estudo nos termos referidos no parágrafo anterior.
Nesse sentido, considerando as premissas estabelecidas pela corrente francesa, levaremos em conta em nossa análise o Materialismo Histórico, a Linguística Saussuriana e a Psicanálise, tripé fundamental, permeado pela ideologia, embasador da Análise de Discurso, de acordo com o que ensinam autores que discutem o assunto, como Michel Pêcheux, Louis Althusser, Eni Orlandi, Sírio Possenti, etc. E nessa linha de entendimento Orlandi (2012, p. 19), esclarece que a AD é fruto de três domínios de conhecimento, o que faz nos termos seguintes “Nos anos 60, a Análise do Discurso se constitui no espaço de questões criadas pela relação entre três domínios disciplinares que são ao mesmo tempo uma ruptura com o século XIX: a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise”, base teórica sobre a qual ainda repousa a ideologia, de acordo com os autores já referidos acima.
Com isso, visando o mencionado objetivo, em nosso itinerário, primeiro será feita uma breve menção quanto à coleta de dados para o trabalho a ser realizado, seguida da conceituação da Análise de Discurso e demais categorias envolvidas no estudo. Na sequência realizaremos a análise propriamente dita, e, por fim, será apresentado o resultado do trabalho com as nossas conclusões, etapas estabelecidas de acordo com a lógica necessária para uma boa análise de discurso, cujo destino pretendido é mostrar a significação constante entre as formações discursivas presentes na notícia veiculada, bem como a motivação primeira ensejadora do acontecimento referido pelos veículos de comunicação acima mencionados, quando foi vítima uma ex-esposa em seu próprio local de trabalho.
Quanto à coleta de dados para os fins do presente trabalho, salientamos que escolhemos a notícia de jornal em razão dos debates estabelecidos atualmente na sociedade a respeito da violência contra a mulher, bem como dos insights surgidos a partir das leituras do referencial teórico. Além disso, no decorrer das pesquisas referentes à bibliografia atinente à matéria, bem como a par dos acontecimentos veiculados nos jornais atualmente, especialmente no que tange a violência contra a mulher conforme já dito, esse conjunto de fatores nos levou a eleger uma notícia de jornal, tal qual a escolhida, como nosso objeto de análise e assim foi realizado nos termos adiante delineados.
Diante disso, após uma pesquisa inicial, pela natureza dos fatos noticiados, adotamos o que foi noticia no Jornal GDia, bem como na RPC, de acordo com o já referido na introdução, considerando violência desencadeada pelo ex-marido contra uma mulher no CTG Charrua em Foz do Iguaçu, fato que retrata mais um acontecimento dentro da cadeia de violência que tem as mulheres como vítimas, de acordo com o que é veiculado nos meios de comunicação no Brasil ao longo e no decorrer dos últimos anos.
Nesse sentido, com o fim de estabelecer as devidas relações com o nosso corpus de pesquisa consideramos as orientações da professora Eni P. Orlandi (2012, p. 62), de acordo com o livro “Análise do Discurso, Princípios e Procedimentos”, pois na referida linha de entendimento a mencionada pensadora salienta que “A delimitação do corpus não segue critérios empíricos (positivistas), mas teóricos. Em geral distinguimos o corpus experimental e o de arquivo. Quanto à natureza da linguagem, devemos dizer que a análise de discurso interessa-se por práticas discursivas de diferentes naturezas: imagem, som, letra, etc”. Com isso, prossegue Orlandi (2012) salientando que a construção do corpus e a análise estão devidamente ligadas, bem como que ao construir o corpus devem ser seguidos critérios que decorram de princípios da análise de discurso.
“Assim, a construção do corpus e a análise estão intimamente ligadas: decidir o que faz parte do corpus já é decidir acerca de propriedades discursivas. Atualmente, considera-se que a melhor maneira de atender à questão da constituição do corpus é construir montagens discursivas que obedeçam a critérios que decorrem de princípios teóricos de análise de discurso, face aos objetivos da análise, e que permitam chegar à sua compreensão. Esses objetivos, em consonância com o método e os procedimentos, não visa a demonstração, mas a mostrar como um discurso funciona produzindo (efeitos de) sentidos” (ORLANDI, 2012, p. 63).
Para tanto, visando o estabelecimento do nosso corpus de pesquisa, partindo do objeto bruto e lapidando-o, em termos teóricos, até chegar até o objeto de análise almejado, buscando enxergar as vozes não ditas nos textos jornalísticos eleitos para o estudo, consideraremos um conjunto de fatores que envolvem ou estão envolvidos no fato que vitimou uma ex-esposa e ao mesmo tempo também transformou em vítima de si mesmo o ex-marido, de acordo com o que foi noticiado no Jornal GDia e na RPC, para que possamos constatar as relações entre as formações discursivas em jogo e, assim, detectar o real significado dos textos jornalísticos, bem como a causa primeira do ocorrido e que se transformou em notícia em pelo menos dois veículos de comunicação.
Outrossim, dado a importância da premissa, antes de adentrar no conteúdo da notícia veiculada, vamos traçar esclarecimentos quanto ao “Dito” e o “Não Dito”, eis que o que buscamos nesse estudo, para nós, emergirá desse campo. Assim, buscamos amparo em Orlandi (2012, p. 82), pois afirma “Se digo ‘deixei de fumar’ o pressuposto é que eu fumava antes, ou seja, não posso dizer que ‘deixei de fumar’ se não fumava antes. O posto (o dito) traz consigo necessariamente esse pressuposto (não dito mas presente). Nesse sentido, vamos perceber que os dois veículos de comunicação dizem muita coisa sobre o ocorrido, em especial sobre o ex-marido, no entanto, silenciam sobre maneira no que tange às questões relacionadas à ex-esposa, assim como sobre a causa fundamental motivadora da violência desencadeada pelo outrora marido, estando aí o “Não Dito”, cuja pretensão é fazer aflorá-lo no decorrer deste trabalho.
Assim, de acordo com o noticiado nos jornais, no caso os dois veículos de comunicação onde colhemos os dados, o Jornal GDia e o constante no sitio da RPC, de acordo com o já mencionado, o conteúdo é bastante semelhante, porém se diferem quanto à composição das frases, parágrafos e extensão do texto, assim como no que se refere às datas da veiculação e também de alguns termos utilizados, em que pese o sentido dos textos parecerem ser exatamente os mesmos. Por ser oportuno, insta acentuar que no conteúdo da notícia constante no sítio da RPC se observa um parágrafo em destaque que diz respeito à correção da notícia veiculada. Tal correção se refere ao fato de inicialmente ter sido noticiado que o ex-marido teria falecido, entretanto se encontrava internado em estado grave. Assim, vejamos de início, o conteúdo do texto veiculado no Jornal GDia em 14 de janeiro de 2020, eis que noticia o que segue:
“Homem atira na própria cabeça depois de fazer ex-mulher refém
O caso foi registrado no pátio do CTG Charrua em Foz; suspeito está internado em estado grave.
Equipes da Polícia Militar foram acionadas, na manhã de segunda-feira (13), para atender a uma situação de ameaça nas dependências do Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Charrua, às margens da BR-277, em Foz do Iguaçu.
No local os agentes foram informados de que um homem entrou armado no espaço, onde a ex-esposa dele trabalha, e teria iniciado uma discussão. Assustados, os funcionários acionaram a PM.
Ao ser surpreendido pelos policiais, o homem reagiu, fez a mulher de escudo e ameaçou atirar nela. Diante da ação, os militares efetuaram um tiro de alerta na tentativa de intimidar o suspeito.
O homem reagiu de uma forma inesperada e atirou contra a própria cabeça, ficando gravemente ferido. Uma equipe do SIATE foi acionada e socorreu o suspeito, que foi levado em estado gravíssimo ao pronto-socorro do Hospital Municipal.
A mulher não ficou ferida durante a ação. Ela prestará depoimento na Delegacia da Polícia Civil, que está investigando o caso. O motivo da discussão não foi informado” (ALLIANA, 2020, grifos nossos).
A RPC, por sua vez, retrata o mesmo acontecimento, conforme consta em seu sitio na internet no dia 13 de janeiro de 2020, portanto, na mesma data do fato, o que faz com o título e 9 (nove) parágrafos, ao passo que a notícia do GDia foi composta por apenas 6 (seis) parágrafos. Vejamos, então, o conteúdo do noticiado pela RPC, relembrando que um parágrafo da notícia se refere a correção de erro.
“Homem atira na própria cabeça após fazer ex-companheira de refém, em Foz do Iguaçu
Segundo a PM, o caso ocorreu no Centro de Tradições Gaúchas-Charrua, onde a vítima trabalha, nesta segunda-feira (13). Suspeito foi internado em um hospital da cidade.
Uma mulher foi feita refém pelo ex-companheiro dentro do Centro de Tradições Gaúchas-Charrua (CTG) de Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, na manhã desta segunda-feira (13), segundo a Polícia Militar (PM).
(CORREÇÃO: ao publicar esta reportagem, o G1 errou ao informar que, segundo a PM, o homem não resistiu aos ferimentos e morreu. Na verdade, conforme a assessoria do hospital, ele estava internado em estado gravíssimo na noite desta segunda-feira, 13. A PM confirmou que havia repassado uma informação incorreta. O erro foi corrigido às 22h08).
De acordo com a polícia, o suspeito foi armado até o CTG, onde a ex-companheira trabalha, e começou a discutir com a vítima. Diante da situação, os funcionários do centro chamaram a PM.
Com a chegada dos policiais, o suspeito fez a vítima de escudo e, segundo a PM, ameaçou atirar nela.
Diante da ação do suspeito, os policiais fizeram um disparo de alerta, que não atingiu ninguém. Em seguida, o homem atirou na própria cabeça.
Segundo o Corpo de Bombeiros, o suspeito foi levado para o Hospital Municipal. Segundo a assessoria de imprensa do hospital, o estado de saúde dele era considerado gravíssimo na noite desta segunda.
Até a publicação desta reportagem, conforme a PM, o motivo da discussão não tinha sido esclarecido.
A Polícia Civil está investigando o caso, e a vítima prestará depoimento na Delegacia de Foz do Iguaçu.
Veja mais notícias da região no G1 Oeste e Sudoeste” (GOUVEIA, 2020, grifos nossos).
As diferenciações acima destacadas, embora consideradas ao fazermos a análise propriamente dita de acordo com o tópico seguinte, não apresentam relevância considerável para os propósitos deste estudo, pois o que importará, de fato, são aquelas premissas imbuídas de significados e que assim demonstrem o verdadeiro sentido do texto jornalístico em estudo, bem como que digam qual a real causa dos fatos ensejadores do ato de violência noticiado pelos jornais, embora também contribuam para a formulação do nosso objeto teórico de análise. Dito isso, embora tenhamos mencionado e citado o conteúdo de uma notícia veiculada nos dois jornais referidos, salientamos que nosso foco dará prioridade ao Jornal GDia, cuja escolha ocorreu apenas pelo fato do jornal físico, ao nossos ver, ser de mais fácil manuseio, além do fato dos conteúdos publicados serem semelhantes.
Dessa forma, nosso interesse maior será focado, considerando a fundamentação teórica adotada, no conjunto do texto propriamente dito, ou seja, no núcleo central da notícia, bem como em sua parte estrutural, assim como em fatores atinentes ao comportamento da vítima e do ex-marido agressor. Além disso, também focaremos na arma utilizada para a prática criminosa, no comportamento dos policiais, no local da ocorrência com sua respectiva relevância sociocultural, na localização geográfica do ocorrido, na repercussão do caso nos meios de comunicação e no contexto de violência contra as mulheres que tem sido vivenciado no decorrer dos anos no Brasil e conforme tem sido veiculado pela mídia.
E, para além do passo a passo referido e das premissas elencadas, buscaremos identificar as vozes não ditas e que se colocam como fundamentais na constituição do significado da notícia em estudo e da constituição da causa primeira da violência ocorrida e que estamos a investigar, uma vez que têm importância destacada no presente objeto de análise definido.
Com isso, com a definição do corpus de pesquisa realizado, uma vez que saímos de um corpus bruto e evoluímos para um objeto teórico de análise, trabalho a ser realizado no item subsequente, passaremos a conceituação da Análise de Discurso e do tripé que a sustenta, ou seja, o Materialismo Histórico, a Linguística e a Psicanálise, assim como de ideologia, tarefa que consideramos de fundamental importância em razão dos fins deste estudo, já que uma melhor compreensão do tema também é nosso objetivo primeiro e fundamental.
De acordo com Reinoldo Marquezam (2009), ao dissertar sobre questões relacionadas à AD no artigo “A constituição do corpus de pesquisa”, se reporta à análise de discurso demonstrando que vê o discurso como significação, portanto, na visão do mencionado autor, a Análise de Discurso é a busca desses significados que se encontram albergados no objeto de análise ou no corpus de pesquisa.
“A AD se beneficia dos avanços alcançados pela linguística no sentido de ultrapassar o conteúdo textual e ir além do que o texto quer dizer, chegando à compreensão de como ele funciona. Com esta perspectiva a AD constituiu um dispositivo teórico de análise que conduz à compreensão dos sentidos possíveis no texto, desautomatizando sua relação imediata com a língua. A leitura passou a ser considerada não como uma decodificação signica; ela tornou-se um dispositivo teórico de análise na medida em que levou em conta a materialidade da linguagem, sua opacidade e não-transparência, como prática que possibilita o acesso à linguagem” (MARQUEZAM, 2009, p. 98).
A professora Eni P. Orlandi, por sua vez, no livro “Análise De Discurso, Princípios e Procedimentos”, ao debater as questões relacionadas à conceituação, coloca que é justamente em razão das várias maneiras de se significar que os estudos passaram a serem realizados e que foi o que deu origem a Análise de Discurso. Salienta ainda a mencionada autora que embora a AD tenha enorme interesse pela língua e pela gramática, é do discurso que ela trata, e cujo fim é a significação.
“Pois é justamente pensando que há muitas maneiras de se significar que os estudiosos começaram a se interessar pela linguagem de uma maneira particular que é a que deu origem à Análise de Discurso. A Análise de Discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando. Na análise de discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história” (ORLANDI, 2012, p. 15).
Já Sírio Possenti (2005), em “Introdução à Linguística, Fundamentos Epistemológicos”, com o artigo “Teoria do Discurso: um caso de múltiplas rupturas”, ao se referir à conceituação da Análise de Discurso, a tem como uma teoria da leitura, cuja finalidade primeira e fundamental, a exemplo dos demais autores já citados, é a busca do sentido constante no texto.
“Pode se dizer que a AD é uma teoria da leitura, ou melhor, que ela formula uma teoria da leitura que se institui rompendo fundamentalmente com a análise de conteúdo, por um lado, e com a filologia (e também com a hermenêutica), por outro. Seu rompimento com a linguística tem essa conotação: é na medida em que a linguística reivindica uma semântica com um de seus componentes que se pode dizer que a AD rompe com ela. {…} Essa teoria se desenvolveu basicamente no campo da sociologia, sob os auspícios das teorias da informação: para ela, o sentido de um texto são as informações que ele contém. Seu método de leitura é baseado em categorias temática (povo, liberdade, etc.): para tais categorias, definidas pelo pesquisador, são propostas “correspondências” nos textos (palavras, expressões), supostas garantias da leitura. O exemplo mais claro é o tratamento da informação característico das bibliotecas e dos centros de documentação. […] A ruptura da AD com a análise de conteúdo se dá tanto pela crítica da leitura baseada em categorias temáticas, quanto pela diferente abordagem do sentido: em lugar de seu tratamento como informação, a AD introduz a noção de efeito de sentido entre interlocutores” (POSSENTI, 2005, p. 358).
Assim, com base nos autores referidos, é seguro afirmar que a finalidade da Análise de Discurso como metodologia que tem como objetivo obter o significado constante no discurso, seja escrito ou oral, o que acontece após mostrar as relações entre linguagem, história e sociedade, de acordo com a bibliografia já referida e que é ensinado por Orlandi (2012). Para tanto, conforme constatamos, o avanço teórico rompeu com as premissas da análise de conteúdo e se estabeleceu tendo por objetivo o sentido, onde contou com o Materialismo Histórico, a Linguística e a Psicanálise, o que nos coloca, conforme referido acima, na dependência de buscar a conceituação de tais premissas ou pelo menos as relações existentes entre elas.
Com vistas às conceituações acima salientadas, mais uma vez nos reportamos à professora Eni Orlandi (2012), considerando o livro “Análise De Discurso, Princípios e procedimentos” e já mencionado anteriormente. Orlandi se refere a teóricos como Michel Pêcheux, Louis Althusser, Karl Marx (marxismo) e Jacques Lacan (psicanálise), e então disserta sobre importantes e fundamentais ensinamentos quanto aos exteriores teóricos à Linguística e de magna importância à Análise de Discurso, sendo eles o Materialismo Histórico e a Psicanálise, com destaque à ideologia como conceito central das teorias propostas pelos autores mencionados, pois conforme Orlandi (2012, p. 47) “[…] Por sua vez, a evidência do sujeito – a de que somos sempre já sujeitos – apaga o fato de que o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia. Esse é o paradoxo pelo qual o sujeito é chamado à existência: sua interpelação pela ideologia […]”, nos termos postos pela referida professora quanto a importância da ideologia na Análise de Discurso. Nesse sentido, Louis Althusser (1969, p. 17-29) em “Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado”, se reportando a Marx, parte do pressuposto de que as ideologias têm existência material e que precisam ser estudadas não como simples ideias, mas como um conjunto de práticas materiais que reproduzem as relações de produção, sendo isto o Materialismo Histórico, o que lembra a metáfora marxista do edifício social, onde demonstra que a relação infraestrutura e superestrutura perpetuam a reprodução das relações capitalistas.
Ainda quanto à ideologia, dado a relevância da mencionada categoria no que tange a Análise de Discurso, precisamos aprofundar a discussão quanto a sua conceituação, o que faremos a partir do que consta no livro “Ideologia Alemã” de Marx e Engels, texto de 1845/1846, onde de vê uma conceituação de forma mais restrita, quando a ideologia é tida como uma “falsa consciência”. E mais adiante, no livro “Contribuição à Crítica da Economia Política”, produção de Karl Marx de 1859, sem abrir mão da formulação anterior, Marx amplia a conceituação, e isso é o que verificaremos agora.
Assim, no que tange a conceituação restrita, ou uma representação invertida do real, que não é, entretanto, um processo que ocorre somente na cabeça dos teóricos, ou que seja na mente de qualquer homem comum, mas há razões de caráter social para que ocorra o engano na consciência de homens e mulheres em relação a cada um de si mesmo, sendo que tais aspectos foram percebidos por Marx e Engels em “Ideologia Alemã”. Eles perceberam que o fundamento primeiro para a abertura de portas para a mistificação ideológica é a divisão social do trabalho e a fragmentação da sociedade em classes distintas e antagônicas, onde cada homem e cada mulher possuem funções distintas e daí nasce a opressão do mais forte sobre o mais fraco, do homem sobre a mulher, etc. Vejamos como eles explicam o fenômeno.
“A divisão do trabalho só se torna realmente divisão a partir do momento em que surge uma divisão entre trabalho material e trabalho espiritual. A partir deste momento, a consciência pode realmente imaginar ser outra coisa diferente da consciência da práxis existente, representar algo sem representar algo real – a partir de então, a consciência está em condições de emancipar-se do mundo e lançar-se à construção da teoria, da teologia, da filosofia, da moral etc. ‘puras’” (MARX; ENGELS, 2007, p. 35-36).
E prosseguem Marx e Engels (2007), demonstrando a sujeição do homem diante de um superior em razão da falsa consciência que ocorre em função da ideologia, o que colocam nos termos a seguir delineados.
“Até o momento, os homens sempre fizeram representações falsas de si mesmos, daquilo que eles são ou devem ser. Eles organizaram suas relações de acordo com suas representações de Deus, do homem normal e assim por diante. Os produtos de sua cabeça tornaram-se independentes. Eles, os criadores, curvaram-se diante de suas criaturas. Libertemo-los de suas quimeras, das ideias, dos dogmas, dos seres imaginários, sob o jugo dos quais eles definham. Rebelemo-nos contra esse império dos pensamentos” (MARX; ENGELS, 2007, p. 52).
Em continuidade, conforme dito acima, no ano de 1859, Marx escreve o livro “Contribuição à Crítica da Economia Política”, em cuja ocasião amplia a conceituação de ideologia e o faz demonstrando que a ideologia se encontra albergada na religião, direito, moral, arte ou filosofia, sendo que a partir da transformação da base econômica, transformam-se também as ideologias referidas, no entanto, sem perder as condições de falsas consciências que mantém os homens e mulheres na condição de subjugados e explorados.
“A transformação que se produziu na base econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal superestrutura. Quando se consideram tais transformações, convém distinguir sempre a transformação material das condições econômicas de produção – que podem ser verificadas fielmente com a ajuda das ciências físicas e naturais – e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas sob as quais os homens adquirem consciência desse conflito e o levam até o fim” (MARX, 2008, p. 59-60, grifos nosso).
E a elaboração de Karl Marx, no que se refere à ideologia em modificação e respectiva perpetuação da dominação, são possíveis constata-las fielmente na realidade. Nesse sentido, quanto à forma jurídica, verificam-se através das modificações do Direito Constitucional, Direito Penal, Direito Civil, etc, ocorridas nas últimas décadas no Brasil, importantes avanços em favor das mulheres, porém, sem que tenha suprimido as condições de exploração e violência frente ao mundo masculino, em cujo assunto retornaremos mais adiante na página 20.
Agora, com relação à psicanálise e os estudos sobre o inconsciente, nos reportamos a Jacques Lacan no livro “O seminário, livro 16: de um outro ao outro”, uma vez que a partir dos estudos de Sigmund Freud, Lacan lembra que a concepção de sujeito sofre uma considerável alteração, uma vez que sua condição quanto entidade homogênea passa a ser questionada diante da concepção Freudiana de sujeito clivado, dividido entre o consciente e o inconsciente. Nesse sentido Lacan faz uma releitura de Freud recorrendo ao estruturalismo linguístico numa tentativa de abordar com mais precisão o inconsciente, muitas vezes tendo-o como uma entidade misteriosa ou abissal, ou seja, um mundo cheio de dúvidas. Neste sentido, Lacan assume que o inconsciente se estrutura como uma linguagem, como uma cadeia de significantes latentes que se repete e interfere no discurso efetivo como se houvesse, sempre sobre as palavras, outras palavras, como se o discurso fosse sempre atravessado pelo discurso do outro, isto é, pelo inconsciente. Nesse sentido, a tarefa do analista seria a de fazer vir à tona através de um trabalho na palavra e pela palavra, essa cadeia de significantes, essas outras palavras, esse discurso do outro, ou seja, do inconsciente. Com isso, conforme a teoria da psicanálise proposta por Lacan, o inconsciente opera de acordo com o interesse da ideologia e através do uso da palavra, onde o sujeito passa a proferir um discurso que não é seu, mas do outro e no interesse das ideologias dominantes, portanto, esse é o papal da linguística, conforme os estudos da Análise do Discurso.
Por fim, o linguista brasileiro, Sírio Possenti, no artigo “Teoria do Discurso: um caso de múltiplas rupturas”, publicado no livro “Introdução à Linguística, Fundamentos Epistemológicos”, apresenta uma lapidar contribuição quanto ao papel da linguística e sua relevância perante a Análise de Discurso, pensamento que se encontra alinhado com a teoria Lacaniana, bem como com o que defendem Althusser, Lacan e Pêcheux, pois traz para o debate a relação língua/ideologia, e, ao mesmo tempo, Materialismo Histórico/Psicanálise e suas respectivas relevâncias para a AD, pois diz o que segue.
Os textos de AD apresentam uma concepção de língua que é, em boa medida, indireta, na medida em que mais se negam do que se propõem características. “A língua não é transparente” é um exemplo. O fundamental dessa tese é que a AD não aceita que, dada uma palavra, seu sentido seja “obvio”, como se estabelecido por convenção ou como se a palavra pudesse referir-se diretamente à “coisa” (o mesmo vale, matatis mutandis, para uma sentença). […] A AD propõe que a língua tenha um funcionamento parcialmente autônomo, ou seja, que uma língua funcione segundo regras “próprias” de fonologia, morfologia e sintaxe; isto é, a língua tem uma ordem própria, mas que são postas a funcionar de uma forma ou de outra segundo o processo discursivo de que se trata numa certa conjuntura. Além disso a AD contesta que o sentido seja da ordem da língua, que funcione submetido aos “seus” critérios – uma semântica não é uma “fonologia” do sentido. O sentido é da ordem das formações discursivas (FD), que, por sua vez, materializam formações ideológicas, que, por sua vez, são da ordem da história. Assim, entre outras coisas, a gramática pode ser a mesma (de fato, é a mesma) para diversos enunciadores, mas o sentido do que eles dizem pode não sê-lo, porque esse decorre de fatores que não são da ordem da língua. A mesma palavra ou o mesmo enunciado podem ter sentidos diferentes, se pertencerem a formações discursivas diferentes, sem que essa polissemia se resolva em teorias sobre a ambiguidade, tal como as conhecemos através da sintaxe ou da semântica” (POSSENTI, 2005, p. 361).
Com isso, diante do exposto até aqui, já podemos perceber as relações existentes entre a Ideologia, o Materialismo Histórico, a Psicanálise e a Linguística, no que tange aos interesses da Análise do Discurso, o que nos autoriza partir para a análise propriamente dita, o que será feito a seguir, considerando que o nosso corpus de pesquisa já foi definido, conforme o exposto no início deste tópico.
Iniciamos a análise propriamente dita considerando os elementos do nosso corpus de pesquisa delineado acima. Para tanto nos reportamos ao que ensina Orlandi (2012), uma vez que referida educadora, quanto fase de análise, ensina que nesse momento deve ser considerado que o objeto discursivo carece de investigação para converter o que é bruto em algo teórico, para que, assim, possamos deslocar o sujeito em face aos seus efeitos primários.
“O objeto discursivo não é dado, ele supõe um trabalho do analista e para se chegar a ele é preciso, numa primeira etapa de análise, converter a superfície linguística (o corpus bruto), o dado empírico, de um discurso concreto, em um objeto teórico, isto é, um objeto linguisticamente de superficializado, produzido por um a primeira abordagem analítica que trata criticamente a impressão de realidade do pensamento, ilusão que sobrepõe palavras, ideias e coisas. A partir desse momento, estamos em medida de analisar propriamente a discursividade que é nosso objetivo porque já começamos a entrar no processo discursivo e saímos de seu produto acabado, no qual estávamos presos, e cujos efeitos nos afetam linguística e ideologicamente. A análise, aliás, visa justamente deslocar o sujeito face a esses efeitos. Esse é já um movimento de compreensão que se sustenta em uma primeira etapa de análise praticada pelo dispositivo analítico” (ORLANDI, 2012, p. 66).
E a partir do que ensina Eni Orlandi, denota-se que a forma adotada pelo analista para a análise dependerá da base teórica adotada. Nesse sentido, a nossa fundamentação, considerando a escolha que realizamos, são as premissas do Materialismo Histórico, da Psicanálise e da Linguística, com consideração das implicâncias da ideologia atuando como argamassa no interior do tripé referido. Com isso, tendo assim colocado, entendemos que já poderíamos partir para a execução da mencionada tarefa, no entanto, se apresenta, a nosso ver, a necessidade de dizer o que é formação discursiva, pois, sem o mencionado conceito as dificuldades seriam ainda maiores. Assim, nos reportamos aos ensinamentos de Michel Foucault delineados no livro “Arqueologia do Saber”, bem como em Michel Pêcheux, no livro “Semântica e Discurso”.
Em primeiro lugar veremos o que diz Foucault quanto ao assunto, uma vez que o mencionado autor faz o debate, conforme entendemos, apontando os elementos que em seu conjunto estabelecem uma determinada formação discursiva, sem, no entanto, apontar uma conceituação de forma específica, a priori.
“No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhantes sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva – evitando, assim, palavras demasiado carregadas de condições e consequências, inadequadas, aliás, para designar semelhante dispersão, tais como ‘ciência’, ou ‘ideologia’, ou ‘teoria’, ou ‘domínio de objetividade’. Chamaremos de regras de formação as condições a que estão submetidos os elementos dessa repartição (objetos, modalidade de enunciação, conceitos, escolhas temáticas). As regras de formação são condição de existência (mas também de coexistência, de manutenção, de modificação e de desaparecimento) em uma dada repartição discursiva” (FOUCAULT, 1969, 43).
Pêcheux, por sua vez, disserta conceituando formação discursiva e cujo conteúdo de suas palavras é delineado a seguir, onde se observa que a partir do pensamento do referido autor as formações discursivas têm relação direta com a luta de classe e por isso são sempre permeadas pela ideologia.
“Chamaremos, então, formação discursiva aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulação sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.)” (PECHEUX, 1975, p. 147).
E agora, mais uma vez nos reportamos ao que ensina a professora Orlandi (2012), considerando o disposto no livro “Análise de Discurso”, onde a mencionada pensadora diz o que é uma formação discursiva e o faz esclarecendo que se trata de um modo de dizer conforme a materialização da formação ideológica no discurso, e o faz da seguinte forma.
“Consequentemente, podemos dizer que o sentido não existe em si, mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas. As palavras mudam de sentido segundo as posições daqueles que as empregam. Elas “tiram” seu sentido dessas posições, isto é, em relação às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem. A noção de formação discursiva, ainda que polémica, é básica na Análise de Discurso, pois permite compreender o processo de produção dos sentidos, a sua relação com a ideologia e também dá ao analista a possibilidade de estabelecer regularidades no funcionamento do discurso. A formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada – ou seja, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada – determina o que pode e deve ser dito” (ORLANDI, 2012, 43).
Assim, considerando os ensinamentos de Foucault e Pêcheux referidos acima, bem como diante da conceituação exposta a partir da contribuição da professora Orlandi, podemos perceber que no nosso corpus de pesquisa, a partir das reportagens constantes nos jornais GDia e RPC retratando os fatos ocorridos no CTG Charrua no dia 13 de janeiro de 2020, apresenta uma série de formação discursiva e são as relações entre elas que analisaremos daqui em diante com o fim de verificarmos a respectiva significação, bem como a causa primeira da violência que lá ocorreu. Nesse sentido, as formações discursivas a serem analisadas são as seguintes: 01 – O local da ocorrência, no caso, o CTG Charrua e suas respectivas peculiaridades culturais; 02 – A localização do CTG Charrua, pois entendemos que esse fator teve relevância para a ocorrência do fato; 03 – O comportamento dos policiais; 04 – O comportamento do ex-marido agressor; 05 – O comportamento da ex-esposa vítima; 06 – A postura dos jornais GDia e RPC quanto aos fatos objeto da notícia. Com as referidas análises entendemos que poderemos atingir os objetivos do presente estudo, eis que buscaremos as relações entre o comportamento da ex-esposa e do ex-marido; as relações entre o comportamento dos policiais e do ex-marido; As relações entre o comportamento do ex-marido e o local do fato, ou seja, o CTG Charrua; As relações entre o comportamento do ex-marido e a localização do CTG Charrua; As relações entre o comportamento do ex-marido e a conjuntura de agressões contra as mulheres no Brasil; As relações entre os dois veículos de comunicação com o fato noticiado, ao mesmo tempo em que não serão levadas em consideração eventuais diferenciações apresentadas entre os jornais, por julgarmos irrelevantes diante da nossa pretensão, já que os veículos de comunicação em tela possuem um perfil bastante semelhante, além dos fatos narrados serem os mesmos.
Vamos começar pelas relações entre o noticiado constante nos jornais e os fatos em si, pois as demais análises daí decorrem. Constata-se que o noticiado nas reportagens menciona que o ex-marido atirou na própria cabeça após fazer a ex-mulher refém, bem como que o mesmo foi internado em estado grave no Hospital Municipal e após ser socorrido pelo SIATE. Referem que a Polícia Militar (PM) atendeu o ocorrido no Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Charrua nas margens da BR 277 e que efetuou um disparo de alerta em razão do comportamento agressivo do ex-marido. No noticiado as reportagens relatam que o ex-marido entrou no local de trabalho da ex-esposa armado e passou a agredi-la e que assustados os funcionários chamaram a polícia. Também mencionam na notícia que a ex-esposa não ficou ferida, embora tenha sido tomada como refém e sofrido ameaças oriundas do ex-marido armado com arma de fogo e que acabou praticando tentativa de suicídio. No noticiado nada é dito sobre o cotidiano da ex-esposa vítima ou sobre a sua vida pessoal e como teria reagido à agressão que sofreu. Essas são, portanto, as relações dos veículos de comunicação responsáveis pela notícia com os fatos ocorridos no CTG Charrua, pois constata-se a ocorrência de um fato passível de ser veiculado nos meios jornalísticos, portanto, é o que buscam os veículos de comunicação e isso estabelece uma relação entre quem comunica e os acontecimentos comunicados, inclusive, ao nosso ver, expondo uma relação de força, onde prepondera o poder dos meios de comunicação diante dos envolvidos na ocorrência. No caso, mesmo que ex-esposa, ex-marido, os policiais e o CTG Charrua, impusessem impedimento, não conseguiriam evitar que os fatos fossem veiculados da forma e nos termos definidos pelos jornais, e isso graças a relação que se estabeleceu entre as formações discursivas referidas, onde prepondera as premissas linguagem, sociedade e história, no caso, em termos de correlação de força, favoráveis aos jornais.
Agora, ainda quanto formação discursiva, vamos às relações entre a ex-esposa vítima e o ex-marido agressor, levando em consideração o disposto na notícia veiculada nos dois jornais referidos. Constata-se que os jornais pouco dizem sobre a ex-esposa, inclusive no que tange ao atingimento pelo ato de violência, ao passo que em relação ao ex-marido o texto é largamente mais aprofundado. Em que pese isso, percebe-se que o ex-marido agrediu de forma física, psicológica e moralmente a ex-esposa, inclusive colocando-a em grave risco de vida. Quanto à ex-esposa, coube se submeter à violência, uma vez que foi surpreendida e nada conseguiu fazer diante do ex-marido agressivo e armado com arma de fogo. Diante desses fatos, é possível, com bastante facilidade, perceber o contexto favorável ao agressor, pois agiu armado, de surpresa e de forma premeditada contra a ex-esposa desarmada, em desvantagem quanto força física e em pleno local de trabalho, cuja aproximação força e fraqueza, no sentido de impossibilidade de reação da ex-esposa, considerando as circunstancias do caso, constituiu as condições propícias e favoráveis ao ex-marido para a prática da violência.
Quanto às relações ocorridas entre os policiais e o ex-marido, observamos que com a chegada da polícia e a ação do policiamento, o ex-marido agressor logo se colocou em posição defensiva, em que pese ter tomado a ex-mulher como refém, que na verdade também foi uma posição defensiva frente à força policial e de agressão em relação à ex-esposa, o que demonstra, de forma dupla, o elevado nível de agressividade do referido ex-marido. Quanto aos policiais é possível observar uma postura relativamente tranquila e de negociação frente aos fatos de acordo com o noticiado, tanto é que o tiro de advertência não foi na direção do agressor e logo após a tentativa de suicídio foi providenciado socorro ao ex-marido e a consequente condução ao Hospital Municipal. Dessa maneira, verificamos uma relação direta entre o poder de força do ex-marido e aquele da força policial, pois diante da superioridade albergada na PM em relação ao agressor, este, em que pese a reação inicial, logo tratou de praticar a tentativa de suicídio, o que certamente não teria ocorrido se a situação fosse no sentido contrário.
No que tange as relações entre o local do fato e o comportamento do ex-marido, é constatado na notícia que o agressor entrou no local livremente, portanto, sem nenhum impedimento e passou a ameaçar e agredir verbalmente a ex-esposa, sem que lhe tenha sido oferecido resistência no primeiro momento. Consequentemente, em razão do susto dos funcionários e pessoas presentes no local, de acordo com as reportagens, é que a PM foi avisada e compareceu no local da ocorrência. O que denota do ocorrido é que o ex-marido, até a chegada dos policiais, se sentiu à vontade para executar a agressão contra a ex-esposa, tanto é que mesmo diante da presença da força policial, ainda tomou a ex-esposa como refém e ameaçou matá-la, quando, então, é possível verificar a existência de relação entre o comportamento do agressor e os hábitos praticados no CTG. Quando estamos se referindo aos hábitos praticados no local, não estamos se referindo as danças, a convivência entre as pessoas, a cultura alimentar, etc. Mas, sim, em razão de ser um ambiente de predomínio da figura do homem, da força masculina, do domínio de animais, como é o caso dos rodeios, por exemplo. Ainda, para exemplificar essa relação de preponderância da figura do homem, podemos lembrar que em qualquer evento no CTG facilmente percebemos homens portando facas na cintura e até coldre para abrigar revolver, contexto que sugere a dominação masculina, e pelo que parece isso tem relação com o comportamento violento do ex-marido externado no local, eis que ficou a vontade no ambiente para a prática da violência contra a ex-esposa, e, talvez, no pensar do ex-marido agressor, amparado pela cultura machista vigente no referido recinto como prática cultural.
No que diz respeito às relações do ex-marido agressor e a localização do CTG Charrua, destacamos que o mencionado local de evento, inclusive de acordo com o noticiado nos jornais, é um ambiente, geograficamente falando, que guarda certo isolamento, já que entre o bairro mais próximo e o CTG, se encontra a movimentada BR 277, ao mesmo tempo em que aos fundos se localiza uma floresta de considerável extensão, embora o noticiado nos jornais não mencione esses perfis do local. Além do referido, e o que os jornais também não mencionam, o CTG Charrua é um local amplo e com os muros que margeiam a BR 277 de considerável altura, conjunto de fatores que podem ter ensejado ao ex-marido agressor facilidade ao tomar a decisão de agredir e ameaçar a ex-esposa, uma vez que em razão das características do ambiente, o objetivo criminoso poderia ser realizado sem a consequente punição prevista na legislação.
E, por fim, quanto às relações entre o comportamento do ex-marido agressor e o contexto de violência contra a mulher no Brasil, verificamos que são típicas dessa modalidade de violência, cujas agressões partem das relações conjugais e se motivam em relações encerradas, em vias de encerramento ou muitas vezes em relacionamentos aparentemente estabilizados, porém sempre apresentam uma vontade do homem de preponderar sobre a mulher e muitas vezes até convictos de que, de fato, preponderam sobre a companheira. Com isso, entendemos que a partir dos fatos noticiados nos jornais analisados, é possível dizer que o comportamento tido pelo ex-marido contra a ex-esposa, aqui no nosso estudo, são as mesmas ou semelhantes àquelas que ocorrem pelo Brasil afora e que são noticiadas nos meios de comunicação brasileiros de forma cotidiana, por isso a relação entre a violência que ocorre historicamente no Brasil contra a mulher e o acontecimento do CTG Charrua no dia 13 de dezembro de 2020, é bastante evidente, fazendo transparecer mais uma vez o “Não Dito” pelos jornais, dimensão na qual será constatado a resposta para a nossa pergunta de pesquisa.
Dessa forma, considerando o conjunto das relações existentes e referidas acima, quanto as formações discursivas analisadas, onde é possível perceber que em todos os casos prepondera uma relação de força, comum em ambos os casos, pois como visto, tanto no que tange aos veículos de comunicação e as partes envolvidas no fato objeto da notícia, o destaque é a hegemonia dos meios de comunicação, quanto nos demais casos em estudos. Com isso, nos incumbe no próximo tópico, demonstrar o resultado da nossa análise, e o faremos ponderando sobre as consequências das relações discursivas, bem como os efeitos de sentido daí decorrentes na sociedade, concluindo com a resposta, a partir do exposto na notícia jornalística, à questão seguinte: qual a causa fundamental da violência desencadeada pelo ex-marido contra a ex-esposa.
Pois bem, como já é hora de mostrarmos os resultados da nossa análise, vamos à tarefa que se coloca. Conforme já salientamos acima, nas relações entre as formações discursivas estudadas, um ponto de destaque observado foi a preponderância do fator força, o que ocorreu em todos os casos analisados. Nesse sentido, verificamos que na relação entre a formação discursiva, força policial e ex-marido agressor, preponderou a força superior albergada na PM, tanto é que embora o ex-marido agressor tenha esboçado uma reação inicial em desfavor da ex-esposa, acabou por atirar na própria cabeça, sem exercer qualquer enfrentamento aos PMs. Quanto às consequências decorrentes das referidas relações discursivas e os seus efeitos na sociedade, há que ser dito que a compreensão é que os meios de comunicação noticiaram o ocorrido e que, portanto, cumpriram a sua função social, portanto, o efeito de sentido daí decorrente na sociedade é que as ações violentas desencadeadas pelo ex-marido desaguaram totalmente em seu próprio desfavor.
No mesmo sentido, na relação entre a formação discursiva ex-marido e ex-esposa, também preponderou o fator força, já que a ex-esposa nada pode fazer diante do ex-marido armado com arma de fogo e de surpresa, a dominou e colocou sobre sérios riscos de vida. A preponderância da força bruta e violenta do ex-marido somente foi contida diante de uma força maior, ou seja, da Policia Militar e respectivo aparato após ser solicitada por outra força ou formação discursiva que se encontrava no local, sendo ela o conjunto dos colegas de trabalho da ex-esposa que solicitaram a presença da Polícia militar no local com vistas a solucionar o problema. Entretanto, nesta relação entre as referidas formações discursivas, entendemos que quanto às consequências na sociedade, a compreensão é que foi positiva, uma vez que o ex-marido agressor não atingiu o objetivo que pretendia e a esposa salvou-se ilesa nos termos e forma noticiado pelo Jornal GDia e pela RPC, sendo esse o efeito de sentido daí decorrente e que se estabeleceu na sociedade.
Ainda quanto às formações discursivas em interação, ex-marido e ex-esposa, precisamos trazer a lume o como da ocorrência da configuração de sentidos homens e mulheres, pois é a partir daí que se define não somente a ocorrência da violência em si, mas também as reações contra a atitude do ex-marido e até mesmo o conteúdo noticiado pelos veículos de comunicação aqui abordados. Já de início precisamos dizer que os jornais formulam a notícia fazendo uso de termos tradicionais, sem considerar o contexto de exploração da mulher e nem mesmo as conquistas femininas das últimas décadas. Nesse sentido, na análise aflora a constatação de que prepondera a compreensão de que a mulher é a parte frágil e que precisa de ajuda e de proteção ou que pode ser simplesmente agredida, no caso, pelo ex-marido. Tanto é assim que o ex-marido se sentiu a vontade para agredi-la, ao passo que as demais formações discursivas, mesmo que de forma superficial e passageira, saíram em sua proteção momentânea, como podemos perceber pelas ações dos funcionários do CTG Charrua e da Polícia Militar, ao passo que os veículos de comunicação deram-lhe o mínimo de destaque, cujo motivo certamente é o contexto referido. Por outro lado, no que tange ao homem, na figura do ex-marido, se vê a representação da força, tanto é que se alçou ao direito de comparecer armado no local de trabalho da ex-esposa, colocá-la em cárcere privado e, finalmente, não se rendeu à prisão, e, mesmo assim, no confronto entre as formações discursivas ex-esposa e ex-marido, o homem é a figura de destaque tanto no Jornal GDia, quanto na RPC, de acordo com o conteúdo da notícia, o que ocorre em função da preponderância da figura do homem sobre a da mulher, mesmo diante do quadro de violência grave sofrida pela ex-esposa.
Na mesma linha de compreensão referida acima, entendemos que se encontra a formação discursiva ex-marido por um lado e local do acontecimento da violência CTG Charrua, bem como a localização do mencionado local, pois nesse ponto, a nosso ver, também preponderou o fator força mais relevante. Aqui precisamos salientar que embora o ex-marido agressor tenha preponderado inicialmente, nos termos colocados acima, o mesmo também sucumbiu logo adiante, pois tendo contado ao seu favor fatores como localização do local, floresta próxima, certo nível de isolamento, fatores culturais constantes do CTG Charrua, etc, o conjunto dos funcionários da entidade agiram e solicitaram a presença da PM que colocou uma força em prática e assim o fez sucumbir ao ponto de praticar a já referida tentativa de suicídio. Quanto à consequência dessa relação discursiva na sociedade, há que ser dito que em razão do desencadear dos fatos e conforme o que foi noticiado pelos veículos de comunicação Jornal GDia e RPC, o saldo foi positivo ao CTG Charrua e à ex-esposa, uma vez que o ex-marido não obteve êxito em sua pretensão inicial e, conforme o noticiado, embora totalmente equivocado ao nosso ver, pois disse que a ex-esposa “não ficou ferida durante a ação”, no entanto, esta é a significação conclusiva que se estabeleceu a “nível” de sociedade.
Já, no que tange a relação entre os veículos de comunicação responsáveis pela notícia e os envolvidos com os fatos noticiados, onde é flagrante a preponderância de força do Jornal GDia e da RPC, já que noticiaram os fatos de acordo com os seus interesses e sem que as demais formações discursivas pudessem fazer preponderar a sua vontade ou interesses, portanto, a força do jornal foi maior, cuja consequência dessa relação discursiva foi totalmente favorável aos veículos de comunicação. E lhes foi favorável de fato, pois cumpriram a sua função como veículo de notícia, atingiram os fins de vender a notícia que veicularam e tal fato contribuiu para manter a relação cotidiana com a sociedade em termos de dever de noticiar. Além do referido, os veículos de comunicação GDia e RPC nenhuma satisfação, de forma específica, tiveram que prestar aos demais envolvidos quanto formação discursiva, inclusive narram que a ex-esposa, conforme consta no Jornal GDia, “não ficou ferida durante a ação”, o que data máxima vênia, até parece um despropósito, eis que a ex-esposa foi vítima de cárcere privado praticado pelo ex-marido armado com arma de fogo, além de ter sofrido grave ameaça, o que significa sérios prejuízos de ordem física, psicológica e moral, o que foi desconsiderado pela formação discursiva albergada nos veículos de comunicação que noticiaram os fatos, entretanto, o significado oriundo das relações entre as referidas formações discursivas é favorável aos jornais responsável pelo que foi noticiado.
Por fim, quanto as relações entre a formação discursiva ex-marido agressor e respectivo acontecimento no CTG Charrua, diante do contexto de violência contra a mulher ocorrido historicamente no Brasil, nossa análise vai no sentido de que as consequências dessas relações discursivas é que, em razão do desaguar do fato, bem como considerando os avanços obtidos nos últimos anos quanto combate à violência contra a mulher, o resultado é positivo, pois houve uma reação dos funcionários do CTG Charrua contra o agressor, bem como o resultado da ação da PM também foi importante, ao passo que o ex-marido agressor terminou violentando a sua própria integridade física em razão das reações que teve que enfrentar. Com isso, em que pese a posição equivocada do noticiado ao afirmar que a ex-mulher não sofreu violência, entendemos que o resultado quanto aos efeitos de sentido daí decorrentes na sociedade são positivos, pois diante do ocorrido, qualquer agressor contumaz ou eventual, poderá perceber que a prática de violência contra a mulher não lhe é favorável, por isso parece que quanto efeito de sentido o passo dado foi importante, talvez, inclusive, no que tange ao combate ao sentimento machista.
E agora, após ter discutido sobre as consequências das relações discursivas e respectivos efeitos de sentido daí oriundos na sociedade, vamos, finalmente, argumentar para responder a nossa pergunta constante no título deste trabalho, ou seja: Qual a causa fundamental da violência desencadeada pelo ex-marido contra a ex-esposa no dia 13 de janeiro de 2020 no CTG Charrua em Foz do Iguaçu? Considerando o delineado ao longo deste texto, onde levamos em conta o conjunto de fatores já expostos, como foi o caso das ações da ex-marido, o comportamento da ex-esposa, as operações da Polícia Militar, as circunstâncias relacionadas ao CTG Charrua e as questões referentes à violência que ocorre contra as mulheres no Brasil, certamente, já poderíamos responder a mencionada questão.
Entretanto, por entender que a questão guarda um elevado grau de complexidade, inclusive pelo fato da nossa hipótese se referir ao machismo, achamos de fundamental importância trazer ao debate a conceituação do referido vocábulo. Diante disso, vamos ao que diz Mary Pimentel Drumont (1980, p. 81), no artigo: “Elementos para uma análise do machismo”, pois salienta que “Em termos da colocação adotada, o machismo é definido como um sistema de representações simbólicas, que mistifica as relações de exploração, de dominação, de sujeição entre o homem e a mulher”. Portanto, analisando os fatos noticiados com suas respectivas circunstâncias, percebemos que os mesmos se coadunam com a colocação esboçada por Drumont, pois diante da postura do ex-marido frente a ex-esposa, notamos uma clara e ilegítima vontade consolidada de manter a ex-mulher em sua sujeição e dominação, tanto é que chegou ao ponto de uma prática criminosa grave.
Entretanto, trata-se de realidade que não é de fácil percepção, tanto é que no conceito exposto por Drumont (1980), ao lembrar que o machismo “mistifica as relações”, demonstra que essas ideologias não são de fácil percepção. E essa dificuldade, também, percebemos no conteúdo noticiado, tanto é que o veículo de comunicação GDia não percebeu se quer o sofrimento da ex-esposa, o dano moral e psicológico que ela teve que arcar no decorrer do tempo de cárcere privado e fortes ameaças de vida, tanto é que alegou “A mulher não ficou ferida durante a ação”. Por isso, considerando tratar-se de relação mística, certamente, o jornal não vê no conteúdo veiculado a partir dos fatos noticiados, nenhuma situação dizendo que a ex-esposa foi vítima do machismo, como âncora primeira, da ação criminosa do ex-marido e por isso nem mesmo percebeu o sofrimento psicológico arcado pela vítima, portanto, aí está um conteúdo Não Dito pelos veículos de comunicação que noticiaram os fatos.
E prossegue Drumont (1980, pg. 82), “O machismo pode ser genericamente considerado como um ideal a ser atingido por todos os homens e acatado e invejado pelas mulheres”. Ora, é justamente isso que percebemos no nosso corpus de pesquisa, pois o ex-marido, agindo de forma machista, sorrateira e com elevado nível de violência, como se fosse simples, compareceu no local de trabalho da ex-esposa e simplesmente a dominou mediante uso de arma de fogo, como se a ex-mulher lhe devesse satisfação e tivesse que simplesmente acatar as vontades dele em razão de ser homem e que se colocou diante do local fazendo uso da condição de ex-marido.
E Drumont (1980, p. 82), finaliza dizendo que “O machismo constitui, portanto, um sistema de representação – dominação que utiliza o argumento do sexo, mistificando assim as relações entre os homens e as mulheres, reduzindo-os a sexos hierquizados, divididos em polo dominante e polo dominado que se confirmam mutuamente numa situação de objetos”. Diante disso, mais uma vez podemos dizer que os acontecimentos aqui estudados realmente se enquadram na argumentação tecida por Drumont, pois diante do ocorrido, o que se vê na relação entre as formações discursivas ex-esposa e ex-marido, é o homem com um elevado sentimento de superioridade em relação à ex-mulher, inclusive com uma perigosa postura de dominação absoluta que somente não se consolidou em razão das circunstancias e da correlação de força que se estabeleceu no local.
E o CFESS, Conselho Federal do Serviço Social, no relatório denominado: Assistente Social no Combate ao Preconceito, traz esclarecedores argumentos quanto ao assunto relacionado ao tema machismo, em cujo texto mais uma vez observamos alinhamento ao ocorrido e noticiado nos Jornais GDia e RPC objeto deste estudo, uma vez que diz.
“O machismo é o preconceito que exerce uma função social de dominação dos homens sobre as mulheres, inferiorizando-as com a finalidade de controlar comportamentos e subjugar sua existência, para que a apropriação do tempo, do corpo e do trabalho delas seja mais eficaz e lucrativa nessa sociedade. Funda-se em relações sociais estruturais de opressão-exploração-dominação que organizam a sociedade. Porém, apesar do caráter estrutural dessas relações, nós, mulheres e homens, temos responsabilidades, em nosso cotidiano, de identificar o machismo e permanentemente questioná-lo e desconstruí-lo” (CFESS, 2019, p. 7, grifos no original).
Aqui retomamos o debate de cunho legal que iniciamos na página 9 e que diz respeito à discriminação e opressão contra a mulher presente na legislação, bem como as respectivas modificações realizadas no Direito com vistas à igualdade entre homens e mulheres, o que também faz transparecer o conceito marxista de ideologia e sua relevância na ceara jurídica. Entretanto, por ser oportuno, salientamos que são elevadas as ocorrências de opressão contra as mulheres na história normativa brasileira, e o que demonstraremos aqui diz respeito a apenas a alguns exemplos, porém que acumulam grande importância para a análise, já que transparece a subordinação legal imposta à mulher em relação à figura do homem, o que ajuda na compreensão da violência arcada pelas mulheres que ocorre até os dias de hoje.
Diante do exposto, iniciamos pelo Código Comercial, Lei nº 556 de 25 de junho de 1850, legislação que teve revogação tácita em 1988 pela Constituição Federal, e revogação expressa somente em 2002, através do atual Código Civil, Lei Federal nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Com isso, transcreveremos as normas dos artigos 28 e 29 do Código Comercial revogado, onde se vê a subordinação imposta às mulheres em relação aos maridos.
“Art. 28. A autorização para comerciar dada pelo marido à mulher pode ser revogada por sentença ou escritura pública; mas a revogação só surtirá efeito relativamente a terceiros depois que for inscrita no Registro do Comércio, e tiver sido publicada por editais e nos periódicos do lugar, e comunicada por cartas a todas as pessoas com quem a mulher tiver a esse tempo transações comerciais” (BRASIL, 1850).
“Art. 29. A mulher comerciante, casando, presume-se autorizada pelo marido, enquanto este não manifestar o contrário por circular dirigida a todas as pessoas, com quem ela a esse tempo tiver transações comerciais, inscrita no Registro do Comércio respectivo, e publicada por editais e nos periódicos do lugar” (BRASIL, 1850).
No mesmo sentido se encontrava o Código Civil Brasileiro de 1916, Lei Nº 3.071 de 1º de janeiro de 1916, uma vez que em vários dispositivos considerava as mulheres casadas relativamente incapazes, portanto, para a práticas de muitos atos da vida civil dependiam de autorização do marido. Se não bastasse isso, o marido ainda podia solicitar a anulação do casamento, quando contraído com mulher já deflorada. Assim, transcreveremos as regras dos artigos 6º; 147, inciso I; 178, § 1º; 219, inciso IV, do referido código, normas que por sua vez também foram revogadas tacitamente através da Constituição Federal de 1988 e de forma expressa em 2002, pelo atualmente vigente Código Civil.
“Art. 6º. São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, I), ou à maneira de os exercer: I – os maiores de 16 (dezesseis) e os menores de 21 (vinte e um) anos (arts. 154 a 156); II – As mulheres casadas enquanto subsistir a sociedade conjugal; III – Os pródigos; IV – Os silvícolas” (BRASIL, 1916, grifos nosso).
Art. 147. É anulável o ato jurídico: I – por incapacidade relativa do agente (art. 6º) (BRASIL, 1916, grifos nosso).
Art. 178. Prescreve: § 1º – Em 10 (dez) dias, contados do casamento, a ação do marido para anular o matrimônio contraído com a mulher já deflorada (arts. 2018, 219, inciso IV, e 220) (BRASIL, 1916, grifos nosso).
Art. 219. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: IV – O defloramento da mulher, ignorado pelo marido (BRASIL, 1916, grifos nosso).
Na legislação penal a discriminação contra as mulheres também era absurdamente relevante e elas sempre estavam a depender de autorização do marido, conforme percebemos pelo conteúdo do artigo 35 do Código de Processo Penal, Decreto-lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941, norma que foi revogada expressamente pelo art. 226, § 5º, da vigente Constituição Federal de 1988. No caso, as mulheres casadas dependiam de autorização do marido para formular queixa-crime quando vítimas de crimes de ação privada, geralmente crimes sexuais. Nesse sentido, vejamos o que dizia a regra revogada: “Art. 35. A mulher casada não poderá exercer o direito de queixa sem consentimento do marido, salvo quando estiver dele separada ou quando a queixa for contra ele” (BRASIL, 1941).
E a situação da mulher também não era diferente quando nos referimos ao Código Penal de 1940, entendimento que ainda encontra uma boa parcela vigente até os dias de hoje. Estamos se reportando ao art. 121, § 1º, do mencionado código, norma que disciplina o chamado “relevante valor social”, bem como o art. 25, também do Código Penal, quando se refere à legítima defesa e repele a chama “injusta agressão”. Em ambos os casos, considerando o conteúdo da norma legal e, principalmente, em razão do pensamento vigente na sociedade, em prática criminosa grave contra a mulher, seus autores eram absolvidos por alegarem que teriam cometido o crime mediante violenta emoção e ao repelirem injusta agressão à honra, entendimento que tem sido mudado aos poucos através da jurisprudência.
A mudança na legislação e respectivas revogações nos termos mencionados nos parágrafos anteriores, ocorreu em função do pensamento albergado pela Constituição Federal de 1988, pois em vários dos seus dispositivos impôs inovação legislativa, em especial em função do disposto no art. 5º, inciso I, eis que diz o seguinte: “I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição” (BRASIL, 1988). Entretanto, como sabemos e percebemos no decorrer do dia a dia e conforme é largamente noticiado pelo contexto da mídia brasileira, em que pese as mudanças ocorridas nas leis, sérias agressões contra as mulheres continuam a ocorrer cotidianamente, inclusive no seio do lar e muitas vezes praticadas pelos próprios maridos, sendo que uma causa fundamental e primeira está sempre presente e se coloca como problema original e histórico.
Com isso, considerando todo o exposto neste estudo, bem como levando em conta os fatos ocorridos no CTG Charrua no dia 13 de janeiro de 2020, envolvendo a violência sofrida pela a ex-esposa e oriunda da prática violenta do ex-marido, além da base teórica aqui delineada, podemos concluir e assim responder a nossa pergunta formulada e constante do título que a causa primeira motivadora do agressor na ação criminosa é o machismo. Ao agir, o ex-marido fez uso justamente de todos os fatores que demonstram a presença de uma atitude machista, pois teve a ex-esposa como sua, inclusive mediante o uso de elevado grau de violência, o que demonstra que a via como ser inferior e deveria tê-la a sua disposição, como sua propriedade, mesmo contra a vontade da vítima e já mediante a vigência da separação, o que é o “Não Dito” e, portanto, não consta nas páginas dos jornais referidos, no entanto, emergem da análise, eis que realizada de forma conjuntural, considerando a totalidade, por isso, além da mera tradição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo nos propomos verificar as relações de sentido entre as formações discursivas em uma notícia de jornal, bem como qual o real motivo dos fatos praticados e que se tornaram objeto deste trabalho. No caso, a abordagem ocorreu considerando a violência praticada pelo ex-marido contra a ex-esposa no CTG Charrua em Foz do Iguaçu, no local de trabalho da vítima, o que desaguou, após intervenção da PM, em tentativa de suicídio, uma vez que o outrora marido deu um tiro de revólver na própria cabeça. Diante disso, a partir da bibliografia referente à Análise de Discurso e realizada a coleta de dados, fizemos a conceituação do que é Análise de Discurso, além das demais categorias fundamentais para essa modalidade de análise, como é o caso de Ideologia, Materialismo Histórico, Linguística, Psicanálise e, por fim, Machismo, uma vez que adotamos como base teórica a corrente Francesa. Diante disso, realizamos a análise propriamente dita a partir das relações de sentido entre as formações discursivas, culminando com a demonstração dos resultados da análise e a resposta à pergunta suscitada no título.
Assim, considerando todo o trabalho realizado e os resultados obtidos, julgamos o tema proposto como de fundamental importância para o meio acadêmico e a sociedade de um modo geral, uma vez que se refere, ao mesmo tempo, às questões de ordem científica e cuida de busca de solução para a problemática relacionada à violência contra a mulher, objetivos que têm se colocado como de enorme importância atualmente no Brasil, considerando os elevados índices nessa modalidade de agressão e as nefastas consequências daí oriundas.
Com isso, após os trabalhos e atingimento dos objetivos apresentados, chegamos à conclusão quanto às análises das relações de sentido entre as formações discursivas constantes do nosso corpus de pesquisa, onde se destacou nas referidas relações, a preponderância do fator força, uma vez que os sujeitos com maior condição de se opor e ao mesmo tempo de agir e reagir sobre o outro, foram os que se colocaram e permaneceram como hegemônicos ou dominantes.
No mesmo sentido, com relação a resposta almejada para a nossa pergunta constante no título do trabalho, ou seja: Qual o real motivo do acontecimento noticiado?, se confirmou a hipótese que apresentamos, qual seja? O machismo, pois de acordo com a base teórica que utilizamos, o comportamento do ex-marido agressor, bem como as circunstancias do caso, se coadunam com os estudos e análises atinentes ao tema, portanto, concluímos afirmando que a ex-esposa, em razão das ações praticadas pelo ex-marido, foi vítima em função de fatores machistas.
Diante destas considerações, entendemos de imprescindível importância a concretização de estudos relacionados ao machismo, suas reais causas, graves consequências no cheio da sociedade de classe e como instrumentalizar as mulheres contra o referido problema, pois assim será possível um efetivo combate e talvez até evitá-las, ou agindo para buscar atenuação dos graves prejuízos arcados pelas mulheres no cotidiano do lar, do trabalho e na sociedade, cujo instrumento, ao nosso ver, é um crescente apoderamento da mulher, pois assim poderá se sobrepor, como força constituída, ao agressor, seja no lar, no trabalho ou na sociedade, demonstrando igualdade, de fato e de direito, entre homens e mulheres e que ainda não foi alcançado, demonstrando que estamos apenas diante de uma falsa consciência quanto à alegada existência de igualdade entre o masculino e o feminino constante na Constituição Federal, que, para a sua concretização, muitos avanços ainda precisam ser obtidos.
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